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ÉTICA RELACIONAL, FORMAÇÃO E AUTORIA DOCENTE NA PERSPECTIVA DA INCLUSÃO

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ÉTICA RELACIONAL, FORMAÇÃO E AUTORIA DOCENTE NA PERSPECTIVA DA INCLUSÃO

RELATIONAL ETHICS, TEACHER EDUCATION AND AUTHORSHIP IN AN INCLUSIVE PERSPECTIVE

ÉTICA RELACIONAL, FORMACIÓN Y AUTORÍA DOCENTE EN LA PERSPECTIVA DE LA INCLUSIÓN

Viviane C. BENGEZEN*

Resumo: Neste trabalho, apresento resultados de uma pesquisa narrativa desenvolvida

na paisagem de uma escola pública, quando eu era professora de apoio de Catarina, uma aluna do nono ano com baixa visão. Meu objetivo é compor histórias de formação e autoria docente (BENGEZEN, 2017), com foco na ética relacional (CLANDININ; CAINE; LESSARD, 2018) entre professores de línguas e alunos com baixa visão. Percorrendo o caminho teórico-metodológico da pesquisa narrativa (CLANDININ; CONNELLY, 2000, 2015), realizei uma composição de sentidos das experiências com base em Ely, Vinz, Downing e Anzul (2005). Na transição dos textos de campo aos textos intermediários e aos textos de pesquisa, o trabalho relacional entre Catarina e eu permeou todo o processo, possibilitando honrar as experiências vividas, compondo sentidos em conjunto, considerando as perspectivas do outro e revendo meu modo de estar no mundo.

Palavras-chave: Ética relacional; Formação de professores de línguas; Inclusão. Abstract: In this paper, I present the results from a narrative inquiry developed in the

landscape of a public school, when I was a support teacher for Catarina, a grade nine student with low vision. I aim at composing teacher education and authorship stories (BENGEZEN, 2017), focusing on relational ethics (CLANDININ; CAINE; LESSARD, 2018) among language teachers and students with low vision. By following the theoretical-methodological path of narrative inquiry (CLANDININ, CONNELLY, 2000, 2015), I created meaning-making from the experiences we lived, based on Ely, Vinz, Downing and Anzul (2005). In the transition from field texts to intermediate research texts and research texts, the relational work between Catarina and myself permeated the whole process, making it possible to honor the lived experiences, composing meanings together, considering the perspectives of the other and reviewing my way of being in the world.

*

Professora doutora em Linguística Aplicada, pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e professora do Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem, da Universidade Federal de Goiás/Regional Catalão. Contato: vbengezen@gmail.com.

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Keywords: Relational ethics; Language teacher education; Inclusion.

Resumen: En este artículo, presento resultados de una investigación narrativa

desarrollada en el paisaje de una escuela pública, cuando yo era profesora de apoyo de Catarina, una alumna del noveno año con baja visión. El objetivo de este trabajo es redactar historias de formación y autoría docente (BENGEZEN, 2017), con foco en la ética relacional (CLANDININ, CAINE, LESSARD, 2018) entre profesores de lenguas y alumnos con baja visión. Recorriendo el camino teorico metodologico de la investigación narrativa (CLANDININ, CONNELLY, 2000, 2015), realizé una composición de sentidos de las experiencias basadas en Ely, Vinz, Downing y Anzul (2005). En la transición de los textos de campo a los textos intermedios ya los textos de investigación, el trabajo relacional entre Catarina y yo permeó todo el proceso, posibilitando honrar las experiencias vividas, componiendo sentidos en conjunto, considerando las perspectivas del otro y revisando mi modo de estar en el mismo mundo.

Palabras clave: Ética relacional; Formación de profesores de idiomas; La inclusión.

Introdução

Meu objetivo, com este artigo, é compor histórias de formação e autoria docente (BENGEZEN, 2017), com foco na ética relacional (CLANDININ; CAINE; LESSARD, 2018) entre professores de línguas e alunos com baixa visão. Tenho percorrido o caminho teórico-metodológico da pesquisa narrativa (CLANDININ; CONNELLY, 2000, 2015) desde 2008. Durante esses dez anos, vivendo histórias de ensinar e aprender inglês na escola pública e na universidade, desempacotando, investigando e refletindo sobre as histórias que nos constituem na paisagem educacional brasileira, percebo que a história sagrada da educação ainda predomina. Em geral, ainda encontramos muitos docentes e discentes que vivem e contam histórias de exclusão, opressão, repetição e reprodução, com testes padronizados e cópias sem sentido.

Entretanto, muitos docentes e pesquisadores têm vivido e contado histórias de trabalho colaborativo que buscam honrar múltiplas perspectivas juntamente com outros docentes e discentes, considerando a diversidade nas paisagens educacionais e a inclusão de alunos com necessidades educacionais individuais (OLIVEIRA, 2016), como por exemplo os estudos desenvolvidos por Retorta e Cristovão (2017), Medrado e Celani (2017) e Almeida (2008). Entre 2010 e 2015, como professora efetiva de língua inglesa em uma escola municipal de Minas

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Gerais, busquei viver e narrar histórias de autoria junto com meus alunos.

Entre essas histórias, uma em especial me fez prestar atenção ao processo de ensinar e aprender inglês para alunos com baixa visão – a história da Catarina. Vivemos, narramos e investigamos essa narrativa (MURPHY; BENGEZEN, 2015), com foco na co-composição de currículo. Hoje, com um olhar de formadora de professores de língua inglesa, realizo um movimento retrospectivo para investigar os textos de campo que eu e Catarina compusemos na época em que eu era sua professora de apoio, com foco na formação de professores e na ética relacional.

A fim de atingir meu objetivo, organizo este texto em quatro partes principais: a introdução, os pressupostos teórico-metodológicos da pesquisa narrativa, a construção do meu relacionamento com Catarina e as questões de formação de professores de línguas e a ética relacional que discuto a partir da e na experiência vivida.

O caminho teórico-metodológico da pesquisa narrativa

Como pesquisadora narrativa, entendo a narrativa tanto como método, quanto como fenômeno (CONNELLY; CLANDININ, 1990). Essa concepção de narrativa é particularmente importante para se compreender todo o processo de investigação que adoto, inclusive as diferenças entre a pesquisa narrativa e a pesquisa com narrativas, e entre a análise narrativa e a análise de narrativas. Concordo com Pinnegar (2006), quando defende que, ao utilizarmos a narrativa ou como método ou como fenômeno, limitamos o poder das histórias. Por outro lado, ao considerarmos a narrativa método e fenômeno, nosso interesse é nas experiências que as pessoas vivem e narram, e entendemos e investigamos essa experiência, narrativamente.

A pesquisa narrativa está situada em uma ontologia da experiência deweyana, e por isso o mais importante na pesquisa é a relação entre a pessoa e o ambiente a sua volta. Nosso compromisso é, acima de tudo, ontológico, porque nos preocupamos com as vidas dos participantes envolvidos nas pesquisas: quem somos e quem estamos nos tornando, como narramos as histórias que vivemos, e como podemos compor novos sentidos dessas histórias, de modo relacional.

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Quando investigamos as narrativas à medida que as vivemos, contamos, desempacotamos, recontamos e revivemos, vamos além dos termos da narrativa, tais como personagens, cenário, enredo, narrador etc. e passamos a considerar os conceitos da pesquisa narrativa (CLANDININ, 2013), tais como espaço tridimensional, conhecimento prático pessoal, paisagens do conhecimento profissional, experiência, histórias que nos constituem e identidade, histórias secretas, sagradas e de fachada, histórias concorrentes e histórias conflitantes, autoridade narrativa, histórias de autoria, assinatura e voz.

Compreender a experiência narrativamente significa que considero a experiência sempre em relação ao espaço tridimensional da pesquisa narrativa, com suas dimensões espaciais, temporais e sociais, sempre em um lugar físico. Portanto, ao construir um texto sob essa perspectiva, faço os movimentos retrospectivo e prospectivo, introspectivo e extrospectivo (CLANDININ; CONNELLY, 2015), situando a experiência em um lugar.

Considerando esses conceitos, compus textos de campo, a partir dos materiais das aulas, textos produzidos por Catarina, conversas com Catarina, com sua mãe e notas de campo. Depois de compor os textos de campo, escrevi textos de pesquisa intermediários e o texto de pesquisa (que é a forma como os resultados de pesquisa são divulgados e compartilhados, como o presente artigo). Iniciando esta investigação narrativa, cujo contexto foi uma escola pública de Minas Gerais, conto a história do meu primeiro encontro com Catarina, uma aluna de dezesseis anos com baixa visão, que estava no nono ano. Eu, pesquisadora narrativa e doutoranda também sob estudo, era professora efetiva de língua inglesa na escola e sua professora de apoio.

O primeiro encontro – Catarina e eu

De 2010 a 2014, fui professora de uma escola pública em Minas Gerais. Eu era professora efetiva de língua inglesa, do turno da tarde. Em uma tarde de maio de 2013, a diretora da escola disse que nossa aluna Catarina, que estava no nono ano do turno da manhã, precisava de um apoio para realizar um teste de matemática – a OBMEP (Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas), porque ela tinha baixa visão. Respondi que poderia ajudar, mas fui para casa com muitas dúvidas: se Catarina tinha baixa visão, não

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bastaria que a prova fosse impressa com letras maiores para que ela pudesse ler as questões? Não haveria uma lupa que pudesse ajudá-la? Qual seria meu papel durante o teste?

No dia do nosso primeiro encontro, sentamos só nós duas em uma sala separada e o teste da OBMEP foi entregue, impresso em letras e folhas de papel maiores. Catarina permaneceu olhando para a folha por um momento, sem fazer nada, até que eu sugeri que ela preenchesse os campos com seu nome e a data, apontando onde ela deveria escrever. Em seguida, perguntei o que ela esperava que eu fizesse, ao que ela respondeu que era para eu ler as questões em voz alta. Era um teste bem difícil para nós duas, pois nem eu nem ela sabíamos como resolver as questões. Catarina passaria mais de três horas fazendo aquela prova, então eu decidi aproveitar a oportunidade para, em vez de ler as questões para ela, criar um espaço para que ela lesse sozinha.

Perguntei a Catarina por que ela não conseguia ler, já que as letras já estavam aumentadas. Ela me disse que, para ela enxergar, as letras deveriam ser ainda maiores, e isso seria possível utilizando uma lupa eletrônica, a Iris 22, que a escola tinha comprado para ela e ficava na sala da direção. Fui em busca da Iris 22 e, depois de alguns minutos, retornei à sala onde estava Catarina e ela começou a ler as questões da prova. Ela lia sem parar, sem se cansar, mesmo quando eu perguntava se ela queria fazer uma pausa para beber água. A cada trecho que ela lia, eu perguntava o que ela tinha entendido, e assim eu a ajudava a se concentrar. Avançávamos e voltávamos muitas vezes, para que as questões fizessem sentido. A partir do que ela me dizia, aprendi que a Catarina não sabia o que o símbolo da porcentagem (%) significava, e que ela não conseguia ler números muito grandes, com mais de duas casas, como 1.000.000 ou 10.000.

(Notas de campo, maio de 2013) O texto de campo construído apresenta como foi meu primeiro contato com Catarina, e me faz refletir sobre alguns dilemas ético-relacionais que eu estava vivendo na escola. Em relação à Iris 22, que é uma ferramenta assistiva que estava na escola, por que ficava guardada a chave e não estava sendo utilizada por Catarina? A história do meu primeiro encontro com Catarina chocou-se com a história de fachada que ela estava acostumada a viver na paisagem da escola. Esse choque,

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entre a história de fachada que sempre havia alguém para ler em voz alta tudo que chegava para Catarina, e a história secreta que vivemos naquela sala do teste de matemática, quando ela leu com o auxílio de uma ferramenta assistiva, aconteceu porque eu e Catarina começamos a estabelecer um relacionamento ético (CLANDININ; CAINE; LESSARD, 2018).

Alguns dias depois do teste da OBMEP, a diretora me procurou dizendo que Catarina pediu a ela que eu fosse sua professora de apoio. Na época, eu estava iniciando meu doutoramento e, por conta das inquietações depois do primeiro encontro com Catarina, aceitei o desafio, e comecei a investigar narrativamente as experiências vividas com Catarina, sob a supervisão do pesquisador narrativo M. Shaun Murphy, da Universidade de Saskatchewan, Canadá. Antes de iniciar meu trabalho como professora de apoio, conversei com a coordenadora do Atendimento Educacional Especializado (AEE). Naquele dia, fiquei sabendo que era a primeira vez que haveria uma professora de apoio para um aluno com baixa visão, pois a mãe de Catarina tinha conseguido o direito de ter uma professora para a filha, por uma ordem do Ministério Público. Fiquei imaginando as experiências pelas quais a mãe de Catarina teria passado, até lutar por esse direito na justiça. O diálogo seguinte representa uma conversa que tive com a mãe da Catarina, em relação às experiências de sua filha com as escolas que frequentou:

Eu: quando Catarina começou a estudar nessa escola?

Mãe: ela tinha 9 anos. Com essa idade, ela ainda não sabia ler. Eu sentia que havia algo de errado, então fiz uma visita surpresa à escola onde ela estudava antes de vir pra cá. Ninguém me viu entrar e eu fiquei espiando por uns quarenta minutos. Catarina dormiu durante todo aquele tempo, debruçada na carteira! Fiquei tão nervosa, que eu disse aos professores, gritando, que seria a última vez que Catarina iria para a escola pra dormir! Então eu a puxei pelo braço e a levei pra casa. Comecei a passar duas horas com ela, todos os dias, dizendo “Vai, Catarina, vai! Você consegue! Junte as letras! Leia!” – a mãe de Catarina estava com os olhos cheios d’àgua – e assim eu ensinei Catarina a ler. Teve uma vez, em outra escola, que me chamaram dizendo que Catarina estava chorando sem parar, desesperadamente. Ela estava no quinto ano e eu achei aquilo muito estranho, porque

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minha filha é muito calma. Fui ver o que estava acontecendo, e Catarina me disse que a professora dela tinha arrancado as folhas do caderno dela e jogado em cima dela. Eu senti que tinha uma fera saindo de dentro de mim... peguei a Catarina e nunca voltei naquela escola. Então chegamos a esta escola. Eu já lutei muito pelos direitos da minha filha, Viviane...

(Texto de campo, conversa entre a mãe de Catarina e eu, 09 de novembro de 2013). Essa conversa com a mãe da Catarina aconteceu no final do ano, depois que eu tinha sido sua professora de apoio durante o período letivo de maio a novembro. A mãe confiava em mim, por isso desabafou emocionada. Aquela confiança só foi conquistada depois das experiências que vivenciamos juntas, Catarina e eu. Voltando ao início das aulas com Catarina, no dia que conversei com a coordenadora do AEE, ninguém sabia, ao certo, o que esperar de uma professora de apoio de uma aluna com baixa visão. Entretanto, eu tinha um olhar de pesquisadora narrativa, que estava disposta a aprender na prática, considerando o aspecto ético-relacional, buscando viajar para o mundo de Catarina (LUGONES, 1987).

Construindo um relacionamento com Catarina

Catarina e eu vivemos algumas histórias secretas, à medida que ela ia me indicando quais atividades faziam sentido e quais atividades deixavam-na triste ou nervosa. Eu sabia que ela gostava das redes sociais e comecei a pensar sobre atividades com textos que circulavam naquele ambiente virtual. Aprendi que, para ler a tela do computador, Catarina utilizava uma lupa virtual, ou o leitor de tela. Estudamos alguns vídeos de pessoas falando sobre si e sua comunidade em língua inglesa, e ao final do ano Catarina produziu um vídeo falando sobre ela mesma, em inglês, a partir de suas fotografias. Ela se sentiu confiante e orgulhosa com sua produção, publicando o vídeo na internet.

O trabalho com gêneros no processo de ensino e aprendizagem de língua inglesa foi o que embasou essa atividade que propus a Catarina. Eu estava interessada em como ela lia e produzia textos, então os vídeos de pessoas falando sobre si, em inglês, serviram de material para analisarmos o contexto de produção dos gêneros, como a

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Catarina se posicionava diante daqueles vídeos, a comunidade discursiva envolvida, a organização textual dos gêneros, seus movimentos retóricos e passos, bem como as estruturas gramaticais e o vocabulário utilizado nos textos, tanto verbais, quanto não verbais, orais e escritos (SWALES, 1990, 2015; CRISTÓVÃO, 2015; MOTTA-ROTH, 1995; 1998).

Viajando para o mundo do outro ao fechar os olhos

Partindo das experiências que vivi com Catarina, busco discutir a ética relacional da pesquisa narrativa na Linguística Aplicada. Em oposição às histórias sagradas e de fachada vividas até meu primeiro encontro com Catarina, comecei a pensar mais profundamente sobre as necessidades educacionais especiais (OLIVEIRA, 2016) de todos os alunos, cada um em sua especificidade, com suas necessidades não explícitas ou não percebidas por mim.

Trabalhar com Catarina foi uma oportunidade de viver uma experiência e construir conhecimento sobre o processo de ensino e aprendizagem para alunos com baixa visão. Comecei, então, a buscar viajar para o mundo da Catarina. Sentávamos lado a lado na sala de aula e assistíamos as aulas junto com os outros alunos do nono ano da sala de Catarina, cada horário de 50 minutos com um professor diferente. Catarina sentava em um canto da sala, porque ela era alta e não podia ficar no centro da sala, impedindo os outros alunos de enxergar o quadro. Em uma das aulas, uma professora estava escrevendo exemplos de um ponto gramatical de língua portuguesa no quadro. Voltei-me para Catarina para saber se ela estava acompanhando a aula, e vi que ela estava dormindo. Decidi fechar meus olhos e fiquei ali, sentada ao lado da Catarina, buscando me colocar no lugar dela. Depois dessa experiência, criei uma word image:

Sete da manhã.

Nós estamos no horário de verão, adiante uma hora do seu relógio. É um dia de sol no Brasil.

Está quente demais na Escola Aquarela. Eu caí no corredor

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e alguns meninos me ajudaram a levantar. Pensei que ninguém ia ligar e me ajudar, mas eles me ajudaram.

Estou tentando ouvir a professora de Português, enquanto ela explica gramática.

Meus colegas são engraçados e falam demais. O ventilador é barulhento.

Eu durmo.

(Texto de pesquisa intermediário, word image baseada em uma nota de campo, 28 de outubro de 2013). Ao analisar essa word image, eu me pergunto sobre o papel que tentei desempenhar naquela paisagem da sala de aula. Olhando introspectivamente, entendo que aquela experiência não fazia sentido para mim, pois com os olhos fechados, eu não conseguia ler o que a professora tinha escrito no quadro. Com os colegas conversando e rindo, e com o barulho do ventilador, eu também não conseguia ouvir e acompanhar a fala da professora. Ao me colocar no lugar da Catarina, e olhando extrospectivamente, imaginei a mim mesma como professora, dando aula, com os alunos à minha frente, e senti a necessidade de transformar minha prática, considerando as necessidades educacionais individuais de cada aluno, formando a grande diversidade de uma sala de aula. Olhando retrospectivamente, lamentei não ter discutido sobre essas questões quando eu era aluna do curso de Letras, e ao olhar prospectivamente, faço uma reflexão sobre minha responsabilidade, como formadora de professores de línguas, de criar oportunidades para que os professores pré-serviço pensem sobre ensino de línguas, diversidade e inclusão. Ainda a partir de um olhar prospectivo e extrospectivo, entendo que preciso discutir sobre avaliação, transformação da escola para inclusão e uso de tecnologias na formação de professores de línguas.

A ética relacional e a formação de professores de línguas

Ao viver e narrar a experiência de ficar lado a lado com Catarina fechando os olhos, destaco algumas questões relacionadas à formação de professores de línguas: avaliação, tecnologias e inclusão.

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Em relação à avaliação, aprendi que, na sala de aula do Ensino Fundamental, os testes padronizados dificultam um acompanhamento individualizado e conduzem a uma exclusão. Sem considerar a ética relacional, é quase impossível que os alunos sejam protagonistas e autores no processo de ensino e aprendizagem.

Quanto ao uso das tecnologias, aprendi que somente a Iris 22 ou o laptop, sem o relacionamento com Catarina, de nada valem. A Iris 22 ficava trancada, sem ser usada na sala da direção. O laptop só era útil porque tinha um leitor de tela instalado e Catarina estava aprendendo como utilizá-lo.

Em relação à inclusão e o respeito à diversidade, eu e Catarina vivemos uma história de escrita em progresso, seguindo a perspectiva de Clandinin e Connelly (2000, 2015), Mello (2004), Ely, Vinz, Anzul e Downing (2005), Beato-Canato e Cristóvão (2012) e Bazerman (2007, 2008), entre outros. Cada texto produzido por ela ia e vinha, em um processo contínuo, quando eu lia seus textos e os entregava para que Catarina continuasse a escrita. Eu fazia perguntas, provocações, sugestões, apontava onde tinha necessidade de revisão e as partes que eu não tinha entendido. Catarina engajou-se nesse processo, vivendo as experiências de retrabalhar seu texto, moldar e refazer, para que ficasse cada vez melhor e, finalmente, ser publicado na internet.

As histórias que vivenciei com Catarina ajudam-me a entender que a ética relacional está no coração da pesquisa narrativa, e que graças à ética relacional, eu fui impulsionada a me mover e agir na paisagem, desde meu primeiro encontro com Catarina, graças a um senso de viver com responsabilidade e relacionamentos ao longo do tempo, que formam quem somos e quem estamos nos tornando.

Não foi um mar de rosas e nem tudo foi tranquilo. Em diversos momentos, Catarina chorava, pois era desconfortável encarar os desafios e não dormir, não copiar ou não ter alguém dando as respostas prontas o tempo todo. Vivemos histórias de desconforto e de vulnerabilidade. Entretanto, ao escrever este artigo, destaco o poder transformador dessas histórias, imaginando possibilidades futuras.

A meu ver, investigar e compartilhar as histórias vividas com Catarina pode contribuir tanto para a área da Linguística Aplicada, quanto para qualquer um que esteja interessado em histórias de formação de professores de línguas e as necessidades educacionais especiais de todos os alunos.

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Referências

ALMEIDA, Judith Mara de Souza. A leitura do mundo por meio dos

sentidos: histórias de ensino, aprendizagem e deficiência visual.

2008. 204 f. Dissertação (Mestrado em Linguística) - Instituto de Letras e Linguística - Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2008.

BENGEZEN, Viviane Cabral. As histórias de autoria que vivemos

nas aulas de Inglês do sexto ano na escola pública. 2017. 208 f. Tese

(Doutorado em Estudos Linguísticos) - Instituto de Letras e Linguística, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2017. BENGEZEN, Viviane Cabral; MURPHY, Michael Shaun. Considering Authority and Authorship in Technological Contexts in a Brazilian School. LEARNing Landscapes, Autumn, v. 11, n. 1, p. 37-49, 2017. CLANDININ, Jean; CONNELLY, Michael. Narrative Inquiry: Experience and Story in Qualitative Research. San Francisco: Jossey Bass, 2000.

CLANDININ, Jean; CAINE, Vera; LESSARD, Sean. The Relational

Ethics of Narrative Inquiry. Routledge, 2018.

CRISTOVÃO, Vera Lucia Lopes; RETORTA, Miriam. Visually-impaired Brazilian language students learning English with Smartphones: overcoming limitations. Languages, v. 12, p. 2-27, 2017.

LUGONES, Maria. Playfullness, “World”-travelling, and Loving perception. Hypatia, v. 2, n. 2, p. 3-19, 1987.

MEDRADO, Betania; CELANI, Maria Antonieta Alba (Org.).

Diálogos sobre inclusão: das políticas às práticas na formação de

professores de línguas estrangeiras. São Paulo: Pontes, 2017.

MELLO, Dilma Maria. Histórias de subversão do currículo,

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professor na aula de língua inglesa do curso de Letras. 2004. 225 f. Tese (Doutorado em Linguística) - LAEL, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2004.

MURPHY, Michael Shaun; BENGEZEN, Viviane Cabral. Learning to Co-compose Curriculum with Youth. Journal of Family Diversity in

Education, Lafayette, IN. v. 1, p. 17-32, 2015.

OLIVEIRA, Nilza Maria. Histórias de atendimento a alunos com

necessidades educacionais individuais. 2016. 151 f. Dissertação

(Mestrado em Linguística Aplicada) - Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2016.

PINNEGAR, Stephanie. Afterword: Re-narrating and indwelling. In: CLANDININ, Jean et al. Composing Diverse Identities: Narrative Inquiries into the Interwoven Lives of Children and Teachers. Routledge, 2006.

Recebido em: 01/06/2018 Aceito em: 10/06/2018

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