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Educação, trabalho e proletarização

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Academic year: 2021

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Educação,

trabalho

e

proletarização

Cássio Diniz

O trabalho não só produz objetos e relações sociais, com um caráter alienante em ambos os casos, como também produz o próprio homem. (Adolfo Sánchez Vásquez.)

Tornou-se comum no universo acadêmico, especificamente entre aqueles que se debruçam sobre a área da educação, o debate acerca do papel do professor em meio ao processo educativo institucional, ou na educação como um todo. Baseando-se em pesquisas e trabalhos das mais variadas vertentes, muitas vezes de cunho conservador, convencionou-se construir uma imagem e uma representação concebida desse sujeito cumpridor desta tarefa. E, muitas dessas construções acabam por cair no puro campo do idealismo, sem uma base empírica e deslocada da realidade. Será essa proposta permeada por interesses de cunho ideológico?

Contrariando a maioria das pesquisas em voga e o discurso hegemônico acerca do tema – estes centrados em análises de políticas públicas construídas verticalmente e de falhas localizadas do processo educacional – nos propomos aqui iniciar o debate afirmando a necessidade de aprofundarmos o assunto a partir da localização do docente, ou melhor, do trabalhador em educação, nas relações sociais do modo capitalista de produção, ou seja, localizá-lo no contexto da luta de classe, não apenas como sujeito, mas como ator do

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processo.

Ao questionarmos se podemos ou não considerar o professor enquanto trabalhador, devemos levar em consideração diversos fatores que contribuem para a compreensão do fenômeno. Terá o docente papel dentro da estrutura econômica do capital? Ele é um trabalhador produtivo ou improdutivo? Seu trabalho se resume apenas a uma reprodução ideológica do modo de produção capitalista? Aproveitando dos debates já realizados anteriormente, gostaríamos de apontar alguns elementos para essa querela.

Para isso precisamos nos localizar neste debate. Contrariando a interpretação de alguns pesquisadores da área, que realizam o mesmo deslocado do contexto da sociedade de classes, procuraremos dar um enfoque a partir do posicionamento de que o professor pertence a classe social dos trabalhadores, e questionando a sua localização enquanto classe média, dado por alguns como Ridenti e Rodrigues1; e por sua posição na estrutura econômica do capital, fugindo da ideia e conceito de profissional liberal que acreditamos não se encaixar mais na atual etapa histórica do capitalismo.

Educação e capitalismo: a proletarização do docente

Muito tem se debatido sobre o papel do trabalho do professor na produção capitalista. Realizá-lo suscita questões que merecem uma pequena discussão: até onde é correto afirmar que o trabalho docente é ou não é improdutivo? É certo que a produção de riqueza material resulta do trabalho produtivo realizado diretamente sobre o objeto pelo trabalhador manual – ou seja, a transformação de um bem material em outro bem por meio do trabalho humano, produzindo riqueza e gerando “mais-valia” –, e que os técnicos, os engenheiros, ou até mesmo o conhecimento intelectual que possui o operário, não acrescenta, de fato, valor direto e real ao produto final, não produzindo riqueza adjacente do que o próprio trabalho manual já realiza. No entanto, observar mecanicamente o processo

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produtivo a partir da fragmentação de seus elementos constitutivos pode nos dar falsas impressões desse intrincado processo.

Nos últimos 40 anos acompanharam uma drástica reestruturação no modo de produção capitalista. Uma das formas de obter melhores resultados na produção de riquezas foi englobar num mesmo contexto de trabalho os diferentes sujeitos do processo geral. Trabalhadores manuais continuam tendo o papel f u n d a m e n t a l n a r e p r o d u ç ã o d o c a p i t a l , c o n t u d o , o s trabalhadores improdutivos, que dão as condições necessárias ao trabalho produtivo, tiveram acentuados a sua participação nesse processo (FRIGOTO, 2001). A isto chamamos de trabalho social. Nesse trabalho, aqueles que antes eram considerados “intelectuais” são inseridos mais diretamente no processo produtivo e sofrem um processo de proletarização, com uma queda visível dos níveis salariais, e suas condições de trabalho e de vida são precarizadas.

Gaudêncio Frigoto avalia que a partir de O Capital (capítulo VI) o trabalho coletivo alcançou um nível de alargamento que evidencia sua importância no atual estágio de desenvolvimento do modo de produção capitalista. Diferentes trabalhadores (produtivos e improdutivos) estabelecem relações diferenciadas com o objeto produzido, no qual há a predominância e visibilidade do trabalho produtivo, mas o conjunto dos trabalhadores envolvidos nas relações sociais de produção exerce coletivamente o trabalho produtivo.

Mas o conjunto desses trabalhadores, que possuem força de trabalho de valor diverso, embora a quantidade empregada permaneça mais ou menos a mesma, produz resultado que, visto como resultado do mero processo de trabalho, se expressa em mercadoria ou em produção material; e todos juntos, como órgão operante, são a maquina viva de produção desses produtos; do mesmo modo, considerando-se o processo global de produção, trocam o trabalho por capital e reproduzem o dinheiro do capitalismo como capital, isto é, como valor que produz

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mais-valia, como valor que cresce. (MARX, apud FRIGOTO, 2001, p. 148)

Neste contexto (trabalho coletivo) a formação destes trabalhadores torna-se um fator na produção da riqueza e mais-valia, apesar de secundário. Na ótica capitalista, o profissional especializado, mesmo que precário, desqualificado e domesticado na prática cotidiana, é capaz de propiciar uma produção de riqueza maior sem significar maior salário, possibilitando uma apropriação maior de mais-valia por parte do capitalista.

Como historiadores, gostaríamos de dar uma pequena contribuição acerca do tema, propondo uma análise histórica do fenômeno de proletarização do atual trabalhador docente, ou seja, o professor. No caso do Brasil2 – especificamente –, o desenvolvimento da categoria dos professores e, de certo modo, dos trabalhadores em educação em geral, está intrinsecamente relacionado ao desenvolvimento da educação formal e institucional brasileira, e esta, ao desenvolvimento da economia capitalista e das relações sociais de produção no Brasil. Em outras palavras, a formação social dos docentes brasileiros está ligada ao processo econômico-social do país. Diante dessa constatação, compreender como se gestou a relação economia/sociedade brasileira ao longo dos séculos XIX e XX torna-se ponta pé inicial de nossa análise.

Não é nosso compromisso, neste trabalho, analisar esse período da história brasileira profundamente, muito menos a educação formal que se desenvolveu ao longo desse primeiro século. Fazer isso seria desviar de nosso foco. No entanto, uma breve recapitulação da constituição da categoria profissional e social dos professores nos daria um pano de fundo histórico fundamental para o desenvolvimento do tema, tendo em vista nossa abordagem pelo materialismo histórico dialético. Em pesquisa realizada previamente, podemos perceber que a grande parte dos trabalhos3 acerca desta problematização parte de um enfoque já consagrado na literatura acadêmica. Enfoque que de

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certa forma se posiciona diferentemente da interpretação que buscamos: a de que os professores constituem-se como uma categoria pertencente à classe social dos trabalhadores. “O docente, a despeito da especificidade de sua tarefa relativa à reprodução dos valores e dos conhecimentos da sociedade, não constitui uma terceira categoria, uma classe diferente. É um trabalhador explorado como os demais.” (DAL ROSSO, 2011, p. 20). Aqui buscaremos expor essa interpretação e apontar algumas contradições que nos parecem significativas para ilustrar o debate.

Não podemos deixar de considerar que a educação de um determinado período histórico é fruto de uma necessidade socioeconômica desta mesma época. No primeiro momento do Brasil pós-independência, essa necessidade era regida por uma economia monocultora, (que ao longo do século XIX terá a predominância do café) baseada no latifúndio e em uma sociedade ruralizada e escravista.

No entanto, com o desenvolvimento do modo de produção capitalista no país, a educação brasileira vai sofrendo um processo de transformação gradual e constante. O professor, como não poderia deixar de ser, será o maior reflexo destas transformações. Seu papel dentro da escola será regido pelas transformações econômicas que ocorreram na sociedade como um todo, à medida que o fenômeno educacional mais se inserir na economia institucional.

O capitalismo necessita formar sua força-de-trabalho. O desenvolvimento do capitalismo estará intrinsecamente ligado a sua capacidade de absolver a riqueza produzida por uma mão-de-obra produtiva, porém barata, que possibilite a exploração cada vez maior de mais-valia. A escola formal vem ao encontro a esse objetivo, ao propor a produção daquela que é a mercadoria mais valiosa do capital: a própria força-de-trabalho, capaz de produzir todas as demais mercadorias. O professor, ou trabalhador docente, irá se inserir neste contexto. As relações sociais de produção existentes na

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sociedade capitalista não irão se restringir apenas ao ambiente fabril, mas em todas as esferas sócio-econômicas. Suas antigas formas de existência material no interior da escola, aos poucos, vão sendo substituídas à medida que vão surgindo nossas necessidades extra-escolas. Ou seja, acompanhando e refletindo o desenvolvimento das classes sociais e da divisão social do trabalho no modo de produção capitalista no ambiente escolar.

A introdução de novos mecanismos de reprodução significa que o saber deixa de se concentrar no professor, enquanto artesão e passa a concentrar no capital. A ampliação da divisão do trabalho no aparelho escolar e a introdução de novas tecnologias, como meio de produção, cria as condições para a universalização de relações especificamente capitalistas nas atividades educacionais. Não é por acaso que o mito da atividade docente como sacerdócio está definitivamente esgotado, pois, agora, o trabalho docente é simplesmente trabalho, como qualquer outro. (SÁ, 1986, p. 26)

Sadi Dal Rosso observa que a principal mercadoria é a força de trabalho, “a única que possui a virtualidade de conferir valor a toda às outras mercadorias” (2011, p. 25), e a seu caráter de trabalho não é garantido apenas na sua capacidade física, mas também na sua capacidade intelectual, ou seja, na qualidade da força de trabalho. Sendo assim, segundo Dal Rosso, a escola tem um papel fundamental na formação da mão de obra em suas qualidades, que ao final permitirá a produção de riqueza e mais-valia. “Desta forma, o trabalho docente é mediatamente produtivo” (Ibid., p. 25).

No entanto, o processo de proletarização, segundo aponta Enguita, não pode ser entendida “como um salto ou uma mudança drástica de condição” (1991, p. 46), mas sim um processo no qual as transformações vão ocorrendo com o tempo, de acordo com o momento histórico e a mercê das contradições existentes do próprio processo dialético. No caso do professor, o mesmo se proletariza não somente influenciado pela questão salarial,

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mas também por suas condições de trabalho, que no caso especifico, irá se encaixar como mais um elemento na reprodução do capital.

Esse fenômeno é claro quando observamos o caso do Brasil. Em todo o século XX, a medida que o capitalismo avança, ocorre a necessidade de transformações legislativas e estruturais nas escolas. O conceito de educação, as práticas escolares e a f u n ç ã o d o p r o f e s s o r n o p r o c e s s o e d u c a t i v o v ã o s e “desenvolvendo” a medida das necessidades do capital, fora da escola.

A instituição dos grupos escolares no início do século XX pode ser vista como um dos primeiros passos do processo de proletarização do professor brasileiro: “Essa organização [os grupos escolares] possibilitava a divisão racional, que também é hierarquizada, do trabalho docente […]. Há uma harmonia dessa proposta com o horizonte fabril da sociedade.” (HILSDORF, 2005, p. 66, grifo nosso). Esta racionalização busca uma organização do ambiente de trabalho que, em princípio, é justificada pela necessidade de otimização do ensino, mas que também estabelece o processo de produção no qual o professor cumpre o papel de operador desta cadeia produtiva. Além disso, os grupos escolares possibilitaram o agrupamento de docentes em um mesmo espaço físico4, sob a égide de um mesmo administrador (um diretor) e controlado pela racionalização do tempo, dos métodos e das diretrizes. Um processo muito semelhante ao taylorismo e ao fordismo5 ocorridos na produção industrial. “Com isso a maior profissionalização é acompanhada da maior proletarização que, para além do sentido econômico, também diz respeito à autonomia nos processos de trabalho”. (RÊSES, 2011, p. 257) Assim o professor cumpriria um papel importante nesta cadeia produtiva indireta. Apesar de seu trabalho não gerar mais-valia ao Estado-patrão (diferentemente do professor da escola particular), ele indiretamente torna-se parte do processo produtivo ao compor o chamado trabalho social. Podemos supor,

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então, que o trabalho docente na escola pública é mediatamente produtivo, apesar de ser indireto.

Considerações finais

Após essa reflexão, podemos enumerar quatro características básicas do processo de proletarização do trabalhador docente: 1º) a busca de uma “racionalização” do trabalho docente, o qual a organização da escola adota métodos característicos do ambiente fabril, como o ordenamento e agrupamento de turmas, o estabelecimento de horários específicos e os prazos a serem cumpridos, além de metas de aprovação e formação de alunos a serem alcançadas pelos trabalhadores em educação; 2º) a precarização do trabalho dos professores e funcionários, por meio das péssimas condições materiais e falta de recursos necessários para a efetivação do trabalho docente, além do aumento da insalubridade física e mental por parte dos profissionais, muitas vezes demonstrado por meio das constantes licenças médicas e afastamentos do trabalho docente em sala de aula; 3º) a separação entre pensar o trabalho e a efetivação do trabalho em si, o que Marx já tinha observado no ambiente fabril e chamou de alienação do trabalho. Essa característica é visível no momento que o poder público e privado, por meio das secretarias de educação e coordenadorias de ensino, estabelece e impõe o conteúdo programático a ser trabalhado pelo professor, e sua aplicação é supervisionada por um funcionário intermediário – o coordenador pedagógico – que determina e controla a efetivação dos planos educacionais estabelecidos de fora da escola; 4º) talvez o mais visível, mas também o mais difícil de ser analisado devido às mudanças econômicas (inflação, reestruturação econômica e financeira do país, sistema de crédito que cria ilusões de consumo) existentes no período, que é a desvalorização salarial e a queda do poder de compra do salário médio do professor.

Neste contexto o processo de proletarização do professor – no qual ocorre a divisão social e técnica de seu trabalho e o processo pedagógico é deslocado do professor para o

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especialista – é visível e parte fundamental da otimização e barateamento da formação de uma força-de-trabalho parcial – homens parciais, segundo Sá (1986, p. 28) –, mas numerosa6. Pode parecer sem importância no momento, mas essa suposição contraria a ideia de que este sujeito seria externo à classe proletária – e vista como profissional pertencente ao que se convencionou chamar de classe média –, e permitindo a existência de elementos que possibilite sua identificação enquanto membro da classe trabalhadora.

Referências Bibliográficas

DAL ROSSO, Sadi. Contribuições para a teoria do sindicalismo no setor da educação. In Associativismo e Sindicalismo em Educação – organização e lutas. Brasília: Paralelo 15, 2011. ENGUITA, Mariano F. A ambigüidade da docência: entre o profissionalismo e a proletarização. In Teoria & Educação, nº 4, 41-61. Porto Alegre: Pannonica. 1991.

FRIGOTO, Gaudêncio. A produtividade da escola improdutiva. 6ª Ed. São Paulo: Cortez, 2001.

HILSDORF, Maria Lúcia Spedo. História da educação brasileira. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2005

MARX, Karl. ENGELS, Friedrich. O Manifesto do Partido Comunista. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2006.

MONARCHA, Carlos. Escola normal da praça: o lado noturno das luzes. Campinas: Editora da UNICAMP, 1999.

RÊSES, Orlando da Silva. Constituição sócio-histórica do sindicalismo docente da educação básica do Rio de Janeiro. In Associativismo e Sindicalismo em Educação – organização e lutas. Brasília: Paralelo 15, 2011.

RIDENTI, Marcelo. Professores e Ativistas da Esfera Pública. São Paulo: Cortez. 1995.

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SÁ, Nicanor Palhares. O aprofundamento das relações capitalistas no interior da escola. In Cadernos de Pesquisa, nº 57. São Paulo, 1986.

VÁSQUEZ, Adolfo Sánchez. Filosofia da práxis. 2º ed. São Paulo: Clacso – Expressão Popular, 2011.

Educação

enlatada:

a

alienação

do

trabalho

chegando às salas de aula

Cássio Diniz

Uma das principais características do capitalismo é a transformação dos seres humanos em mercadorias e, principalmente, em máquinas geradoras de riquezas a serem expropriadas pela classe dominante. Para isso, busca ao máximo fragmentar um importante atributo do ser social: o trabalho. Separa-se o “pensar o trabalho” da tarefa em si, processo esse intitulado de alienação do trabalho.

O homem se transforma em um ser autômato, desprovido de sua capacidade de compreender seu papel e, não obstante, reconhecer o valor de seu trabalho e de se apropriá-lo. A alienação do trabalho torna-se a base fundamental da exploração de uma classe sobre a outra na sociedade moderna contemporânea.

Contudo, o capitalismo se desenvolveu de forma desigual e combinada. A alienação se inseriu no mundo do trabalho em

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diversos lugares de formas distintas. Mais profundo na produção industrial desde o século XIX, mas dinâmico no mundo corporativo no século XX, mais dissimulado na cultura e nas artes no século XXI. E nos últimos 20 anos acompanhamos uma forte ofensiva da alienação do trabalho também no ambiente escolar.

Em meio às metamorfoses do capital, no qual se busca novas formas de exploração de mais-valia e acumulo de riquezas – garantindo assim a produção e reprodução do status quo –, o ideal capitalista tem transformando tudo em mercadoria. A educação, ao lado da saúde, não escapou dessa dinâmica. Seja por meio de sua mercantilização descarada (a proliferação das escolas particulares e o fetiche por tal produto), seja também por meio da transformação da educação pública em um instrumento de formatação de uma força-de-trabalho barata, porém produtiva. Em meio a esse processo, percebemos o fenômeno da alienação do trabalho no profissional docente. O professor, antes visto como o agente principal do processo de ensino-aprendizagem – ao lado do aluno –, vê seu papel social diminuir diante das novas lógicas de mercado inserido no ambiente escolar. A busca desenfreada pela produção de uma mercadoria (neste caso, o aluno futura mão-de-obra) de forma mais rápida, mais barata e mais produtiva (e também mais submissa) faz com que o professor passe por um verdadeiro processo de alienação. Sob a desculpa da busca de uma “pseudo-qualidade” medida em números, seu trabalho sofre uma brutal intervenção; o docente é obrigado, por meio de diversos mecanismos, a abrir mão da elaboração autônoma de suas aulas, e adotar conteúdos e normas prontas, construídas por sujeitos externos ao ambiente no qual se dá a educação. Em outros termos, o professor torna-se um simples cumpridor de tarefas, um tarefeiro; uma máquina que tem como papel apenas apertar mais um parafuso em uma cadeia produtiva.

O planejamento de uma aula é um importante (mas não único) elemento na busca de uma educação de real qualidade e de real

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interesse da população. No entanto, a elaboração desse planejamento deve ser atribuição do professor, em conjunto com os seus colegas e a sua comunidade escolar, respeitando a diversidade local, e aproveitando-se das experiências adquiridas em sua formação e ao longo de sua carreira. Impor um modelo de planejamento, ou a forma de como deve ser feito, tirando do professor a autonomia sobre as mesmas, e obrigando-o a adobrigando-otar uma educaçãobrigando-o enlatada, probrigando-onta – fast fobrigando-oobrigando-od –, é contradizer o próprio conceito de educação como prática da liberdade.

Essa realidade demonstra a discrepância absurda existente entre as ideias que permeiam a área da educação e a prática imposta nas salas de aula. Ao mesmo tempo em que observamos a existência e a divulgação de políticas educacionais e projetos político-pedagogicos que tem como mote a formação do ser humano cidadão, atuante e protagonista na construção de sua própria história social, essas mesmas políticas impõe modelos educacionais que buscam cada vez mais a burocratização e a desumanização do ensino.

Nesse momento seria uma grande contradição pedagógica o professor aceitar e se submeter a essa imposição. Como profissionais da educação, como sujeitos detentores do papel social fundamental para a conscientização da sociedade, torna-se torna-seu dever resistir ao processo de alienação de torna-seu trabalho. No entanto, como outros aspectos da vida humana, as ações de resistência e transformação devem se construir a partir do coletivo.

Professores, supervisores, diretores, funcionários, alunos, pais, etc., debatam essa realidade em seu ambiente de trabalho, em suas casas, nas rodas de amigos. Busquem coletivamente formas e ações de resistência que possam impedir a destruição da educação pública de interesse social. Somente a união e a mobilização podem nos instrumentalizar para fazer frente a esses ataques, como também nos permitir alcançar as transformações que tanto desejamos.

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Uma

trincheira

chamada

educação

Cássio Diniz

Nos últimos 30 anos podemos acompanhar o crescimento do ensino básico brasileiro. Segundo dados do Ministério da Educação e de vários institutos de pesquisa relacionados ao assunto, mais brasileiros puderam ter contato com a escola formal no Brasil, em comparação com as décadas anteriores. Além do crescimento do número de jovens em idade escolar matriculados no ensino básico, podemos perceber também a expansão do ensino universitário brasileiro, principalmente na iniciativa privada.

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uma interessante análise da educação enquanto fator de ascensão social:

“A mobilidade social relativa através da educação foi um fator de coesão social do capitalismo brasileiro. A coesão social dependeu, essencialmente, do crescimento econômico que levou a formação da moderna classe trabalhadora urbana. O lugar da educação como instrumento de ascensão social foi, entretanto, muito valorizado pela classe média brasileira, que se destacou pelo esforço de garantir a elevação da escolaridade para seus filhos. Durante meio século, entre 1930/80, o aumento da escolaridade foi um importante fator de ascensão social. A educação era um dos elevadores para aceder á classe média. Os incentivos materiais para buscar uma educação superior foram muito importantes. A recompensa econômica na forma de salários, pelo menos, dez vezes maiores do que o salário mínimo, era suficiente para justificar os sacrifícios.” (ARCARY, 2010)

Apesar desta constatação não representar uma melhora qualitativa da educação brasileira, e seus resultados ficarem muito aquém do esperado (influenciados principalmente por medidas governamentais neoliberais que buscam a transformação da educação enquanto direito em mercadoria), observamos que ocorre no Brasil uma tendência na sociedade, principalmente na pequena-burguesia e no proletariado, em acreditar que a educação é o grande fator subjetivo que provocará mudanças estruturais no país, retirando o mesmo do estado de paralisia econômica e social reinante nos últimos cinco séculos. E isso tem sido também o discurso usado tanto pelo governo federal quanto nos governos estaduais recentes, apesar de rezarem da cartilha neoliberal. Mesmo diante de resultados parcos, a ideia ainda persiste entre muitos.

Até quando é possível defender a ideia de que a educação é que provocará as tais mudanças? Será que os problemas enfrentados pela sociedade, como a miséria de muitos, a exploração, a concentração de renda e a desigualdade social serão resolvidos

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ou remediados simplesmente aumentando o acesso da população à escolarização? Ou será que o problema é mais estrutural? E estes questionamentos tornam-se maiores em aqueles que desejam realmente a transformação social do país e a superação de seus grandes desafios.

Reiteramos que não buscamos uma visão elitista de educação e muito menos condenar o processo de expansão do ensino básico brasileiro, mas acreditamos ser necessário observar, com um olhar mais crítico, certas idéias-comuns que vão sendo construídas sobre este assunto. Talvez mergulhemos aqui em algumas polêmicas bastante interessantes ao longo deste trabalho. Como diria Carlos Bauer, em seu artigo Política de Expansão do Ensino Superior: a Classe Operária vai ao Campus: “é imperativo reconhecer que a educação, por si só, não é capaz de provocar mudanças profundas na estrutura social existente. Sabe-se que este tipo de postura constitui ingenuidade.” (2006, p. 465)

Afinal, o que seria a educação?

Entendemos como educação o processo de formação cultural do ser, sob a forma individual e/ou coletiva. Este processo visa construir no ser humano a capacidade de absorver e formar conhecimento e interagir no mundo social e do trabalho, tendo como prioridade a sua formação enquanto ser social.

Não obstante, ao longo da historia vimos que a educação tem tomado caminho distinto das palavras acima. Até a formação da civilização grega, e posteriormente da romana, a educação foi encarada de forma coletiva, buscando a produção e a reprodução do conhecimento para o uso coletivo da comunidade. Com o aumento da complexidade destas comunidades, isto é, o aprofundamento das divisões sociais e o crescimento do aparato estatal, a educação perdeu o caráter coletivo e tornou-se posse de uma elite social e política. A educação, restrita aos donos do poder, tornou-se um instrumento que mantinha a estrutura do sistema, ou em outras palavras, sedimentava o

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status quo. Para as classes oprimidas e subalternas (camponeses, artesãos, servos, escravos, etc.) a simples capacidade da escrita e da leitura era algo raro. Aníbal Ponce, em seu livro Educação e Luta de Classes, diz sobre a educação destinada ao povo neste período: “A finalidade dessas escolas não era instruir a plebe, mas familiarizar as massas campesinas com as doutrinas cristãs e, ao mesmo tempo, mantê-las dóceis e conformadas.” (2000, p. 89)

Essa ideia de apropriação da educação formal por uma classe social vai atravessar toda a Idade Média e Moderna até o m o m e n t o e m q u e e s t e p a r a d i g m a f o r q u e b r a d o p e l a s transformações sociais, econômicas, políticas e culturais do século XVIII.

O Iluminismo, doutrina burguesa oriunda da crítica às contradições do Antigo Regime, vai defender que a educação deve ser um direito a todos os cidadãos, não importando a sua classe social. Foi a primeira vez que se quebrou a ideia de que a educação é exclusividade dos filhos da classe dominante, sendo que a consigna principal era “educação publica, universal, gratuita e laica”. Ao florescer das revoluções burguesas e a construção do Estado Burguês (como na França, Inglaterra e os Estados Unidos), vimos que o discurso iluminista vai ser “levemente” modificado. A educação, de certa forma, continuará sendo um direito a todos, dentro do possível, mas haverá uma profunda diferença entre os tipos de educação a ser oferecida para os indivíduos oriundos de classes sociais diferentes. Enquanto que para a burguesia a educação terá como objetivo formar a elite econômica e política da nação, para o proletariado a educação servirá para formar uma força-de-trabalho responsável pela produção. A primeira necessitaria de uma educação mais aprofundada e de melhor qualidade, a segunda precisaria apenas de uma formação bem básica, o suficiente para garantir a continuidade e agregando valor ao trabalho.

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ensinar a ler, a escrever e a contar, os mestres também devem cuidar “daqueles deveres que são próprios das classes populares”. Mas como nessas escolas só existia um só professor, que estava encarregado de ensinar muitos alunos de idades bastante distintas […] Basedow se consolava com estas palavras simples e chocantes: “Felizmente, as crianças plebéias necessitam de menos instrução do que as outras, e devem dedicar metade do seu tempo aos trabalhos manuais.” (PONCE, 2000, p. 137)

Mesmo assim muitos países levaram séculos para absorver este ideal. A educação de uma elite quase sempre foi a única preocupação para a maioria dos governos, deixando de lado a maioria da população. Esta situação acabou encontrando um limite ao passo do desenvolvimento do capitalismo e da complexidade dos novos modos de produção a partir do século XIX. Era necessário, para a elite, instruir sua mão-de-obra a fim de se adequar as novas tecnologias. O atraso neste sentido representaria o atraso econômico do país.

Diante deste desafio, o estado brasileiro buscou reverter a lógica existente há séculos, elaborando uma nova política em e d u c a ç ã o n o s ú l t i m o s 3 0 a n o s , n o q u a l s e b u s c o u a universalização da educação, garantindo o ensino fundamental (e agora o médio) à todos os jovens em idade escolar. Além disso, abriu para a iniciativa privada o mercado da formação profissional em nível técnico e superior, buscando recuperar o tempo perdido na formação da força de trabalho e do capital humano suficiente para o desenvolvimento do capitalismo no país, além, é claro, abrindo um novo ramo lucrativo para o capital. Mas em se tratando de projeto de educação, devemos nos perguntar: qual o modelo de nação queremos construir? E será que tais modelos dominantes atualmente atendem de fato a maioria da sociedade, isto é, os trabalhadores?

Educação como algo a mais no sistema

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em um poderoso instrumento ideológico e cultural. Com o desenvolvimento das relações sociais de produção, evidenciou a disputa direta entre as antagônicas classes sociais (burguesia e proletariado) do capitalismo. A luta de classes e o aumento da consciência da realidade colocaram-se como elementos que em algum momento poderia abalar o sistema e provocar sua queda. Apesar de não ter sido a primeira vez na história, percebeu-se a necessidade de se impor de fato uma ideologia que destruísse a identidade de classe que o proletariado e demais classes oprimidas poderia adquirir. E a melhor forma de se impor uma ideologia burguesia que corroborasse o ideal capitalista seria justamente a educação oficial/formal oferecida pela escola institucional.

Como diria Karl Marx, o Estado é o comitê central da classe dominante. O Estado burguês, como legítimo representante desta classe, vai buscar por meio de seu instrumento, a escola oficial institucionalizada, construir na sociedade os valores ideológicos da burguesia. Como diria Althusser, “a ideologia tem uma existência material. Isso significa dizer que a ideologia existe sempre radicada em práticas materiais definidos por instituições materiais” (apud SAVIANI, 2009, p. 20), no qual a escola é o Aparelho Ideológico de Estado.

O domínio da burguesia sobre a sociedade baseia-se, entre outras coisas, no domínio ideológico. Impor sua visão de mundo é a principal característica da educação formal executada nas escolas públicas (a serviço do estado) e nas escolas privadas (a serviço direto do capital). Transferir este conhecimento é fundamental para se manter o status quo do sistema. A educação se transformou em uma forma de “doutrinação da esmagadora maioria das pessoas com os valores da ordem social do capital como ordem natural inalterável” (Meszáros, 2008, p. 80). Como diria Luiz Antonio Cunha: “O conhecimento tem sempre um caráter de classe, é sempre um conhecimento de classe. Por isso, ele tem na posição de classe do sujeito que conhece uma condição necessária (mas não suficiente) da verdade.” (1977,

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p. 17)

Diante de tal constatação, como é possível defender a possibilidade de transformação sócio-econômica e política por meio da educação formal se a escola é um instrumento da superestrutura do capitalismo? Poderia o Estado burguês provocar a implosão do próprio sistema?

Paulo Freire e a educação libertadora

Na década de 1950, num período no qual ganhava corpo a ideia da Escola Nova e os trabalhos de Anísio Teixeira, o Brasil pôde acompanhar o nascimento de uma nova metodologia de ensino que acabou se transformando em uma teoria do conhecimento. Com o propósito de buscar sanar o problema no analfabetismo em jovens e adultos, Paulo Freire revolucionou a forma de pensar a educação, ao defender que o mesmo deve ser usado para emancipar o homem do obscurantismo e da opressão, ao invés de acorrentá-lo ainda mais. Em sua tese Educação e Atualidade Brasileira, ele diz:

“Parece-nos, deste modo, que, das mais enfáticas preocupações de uma educação para o desenvolvimento e para a democracia, entre nós, há de ser a de oferecer ao educando instrumentos com que resista aos poderes do desenraizamento de que a civilização industrial, a que nos filiamos, está amplamente armada. Mesmo que armada igualmente esteja ela, sobretudo, de meios com os quais vem crescentemente ampliando as condições de existência do homem. Fatores de massificação do homem, vale afirmar, resistência à distorções de sua consciência ingênua a formas mais perigosamente incomprometidas com sua existência do que a r e p r e s e n t a d a n a c o n s c i ê n c i a , p o r n ó s c h a m a d a d e intransitiva. Uma educação que possibilite ao homem discussão corajosa de sua problemática. De sua inserção nesta problemática. Que o coloque em diálogo constante com o outro. Que o predisponha a constantes revisões. À análise crítica de seus achados. A uma certa rebeldia no sentido

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mais humano da expressão. Que o identifique com métodos e processos científicos.” (FREIRE, 1959, p. 33)

Essa nova forma que Paulo Freire dava para a educação provocou uma profunda reflexão sobre o tema e transformou toda uma ideia sobre o papel do ensino para a humanidade, apesar de que no início o próprio autor não tinha uma dimensão da necessidade da transformação real na sociedade:

“Em meus primeiros trabalhos, não fiz quase nenhuma referência ao caráter político da educação. Mais ainda, não me referi, tampouco, ao problema das classes sociais, nem à luta de classes (…). Esta dívida refere-se ao fato de não ter dito essas coisas e reconhecer, também, que só não o fiz porque estava ideologizado, era ingênuo como um pequeno-burguês intelectual” (1979, p. 43).

Mesmo no início defendendo o nacional-desenvolvimentismo por meio da educação, Paulo Freire teve que se exilar com a ascensão da ditadura civil-militar no Brasil (1964-1985). Com o tempo, ele desenvolveu seu pensamento pedagógico, no qual teve como fruto a sua obra mais conhecida, Pedagogia do Oprimido, onde pôde finalmente expor sua visão de educação como instrumento de libertação do homem.

Uma vez no exterior, suas ideias foram estudadas e aplicadas em diversos países, em destaques as nações africanas que se libertavam do domínio colonial. Foram as primeiras experiências de adoção desta prática por dentro de regimes, muitos dos quais eram “consideradas” socialistas. O próprio Paulo Freire teve a sua oportunidade ao estar à frente da Secretaria de Educação do município de São Paulo durante a gestão de Luiza Erundina, após a redemocratização do Brasil.

Da teoria revolucionária a prática revolucionária

Com o tempo, as experiências práticas das ideias de Freire na educação formal encontraram muitas barreiras, além de profundas contradições impostas pelo próprio sistema. Não que

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suas ideias estivessem equivocadas. Pelo contrário, se usadas pelos educadores como forma de buscar a emancipação do homem, estará contribuindo para a construção de algo novo, mas apenas como instrumento para uma ação maior.

Contudo, diante desta nova realidade, cabe-nos fazer uma pergunta: é possível transformar a estrutura social vigente, acabar com a miséria e a desigualdade social, isto é, construir uma sociedade justa e igualitária, por meio da educação formal, principalmente aquela oferecida pelo Estado? Marx nos dá uma visão:

“Uma ‘educação do povo a cargo do Estado’ é absolutamente inadmissível. (…) Ao contrário, é preciso pelas mesmas razões, banir da escola qualquer influência do governo e da igreja. (…) é o Estado que precisa ser rudemente educado pelo povo.” (apud ORSO, 2008, p. 102)

Parece-nos então que a transformação da estrutura social não poderá ser alcançada por meio dos próprios organismos estatais, como a escola institucional. Esta escola, inserida no contexto e organizada pelo Estado burguês, buscará camuflar as contradições existentes no sistema e, em essência, fará a sua defesa. Não é a toa que vemos a insistência, por parte das secretarias de educação, em projetos político-pedagógicos escolares em sintonia com um projeto único de governo, além das famosas avaliações de desempenho que buscam limitar a autonomia de educadores. No entanto, isso não significa que a educação como um todo não é importante para o processo de destruição do capitalismo. Ao contrário, ela se transforma em um instrumento importantíssimo para o proletariado avançar na construção de um mundo justo e igualitário.

Cabe-nos lembrar que a transformação radical da estrutura social é o resultado de um processo revolucionário, que no caso, deve ser orquestrado pela classe explorada diretamente pelo capital. Esse processo é dado pela ação direta, na dinâmica da luta de classes, por meio do combate econômico e

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político contra a burguesia. “Longe de entender a educação como determinante principal das transformações sociais, reconhece ser ela elemento secundário e determinado” (Saviani, 2009, p. 59). A educação deve ser vista como fator, por vezes decisivo, que possibilite instrumentalizar o proletariado, e não como substituto da ação direta do mesmo.

Dermeval Saviani, em seu livro Escola e Democracia, defende a construção e o domínio do conhecimento historicamente acumulado – e construído – pela humanidade com o intuito de aplicá-la para superar a sociedade capitalista. Baseando-se em Gramsci, ele vai defender que uma vez dominado o conhecimento, o proletariado forme os mecanismos necessários a serem usados nos conflitos diretos e indiretos da luta-de-classes. A isso Saviani chamará de Pedagogia Histórico-Crítica. E mais:

“ E i s a í o s e n t i d o d a f r a s e ‘ a v e r d a d e é s e m p r e revolucionária’. Eis aí também por que a classe efetivamente capaz de exercer a função educativa em cada etapa histórica é aquela que está na vanguarda, a classe historicamente revolucionária. Daí o caráter progressista da educação.” (SAVIANI, 2009, p. 79)

Contudo, esta pedagogia Histórico-Crítica teria espaço na escola formal? Além de usada na chamada educação informal, aquela ministrada por movimentos sociais, como sindicatos, partidos e comunidades de base, entre outros, a luta pela construção da consciência revolucionária por meio da educação pode encontrar na escola institucional um terreno propício para o seu florescimento. A escola pública, por excelência, é a escola da classe trabalhadora, e não há outro caminho que não seja garantir a esta classe o conhecimento necessário que lhe possibilite interpretar cientificamente o mundo em que vive, além, é claro, instrumentalizá-lo na luta pela construção de uma sociedade econômica e socialmente igualitária. Como diria Trotsky:

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são as forças produtivas que liberem o homem do domínio da natureza, então compreenderemos que o proletariado necessita apoderar-se de toda a soma do conhecimento e da capacidade elaborada pela humanidade no curso de sua história, para poder emancipar-se e reconstruir a vida sobre a base dos princípios de solidariedade.” (apud BAUER, 2008, p. 12)

A escola publica se transforma, então, em espaço de disputa da consciência de seus alunos, isto é, num campo onde se combaterá o projeto político-pedagógico do Estado burguês, e no qual o proletariado avançará da consciência de classe em si para classe para si. Contudo, para que isso ocorra é necessária a ação de educadores comprometidos com um projeto de uma sociedade diferente. O compromisso do educador com a verdade transformadora é importante nesta ação e, assumindo este compromisso, estará assumindo a defesa e luta de uma classe:

“numa sociedade dividida em classes, a classe dominante não tem interesse na manifestação da verdade já que isso colocaria em evidência a dominação que exerce sobre as outras classes. Já a classe dominada tem todo o interesse em que a verdade se manifeste porque isso só viria patentear a exploração a que é submetida, instando-a a se engajar na luta de libertação.” (SAVIANI, 2009, p. 79)

É nesse sentido que ganham importância as organizações de classe, principalmente aquelas ligadas a categoria dos trabalhadores em educação. As entidades sindicais devem ter consciência de que, além de organizarem e dirigirem as lutas econômicas, ser também formadora de agentes para atuarem enquanto educadores militantes de uma causa (daí a importância de uma direção comprometida com um projeto revolucionário). E nisso pode-se incluir as práticas do pensamento freiriano como elemento a mais para a formação do homem livre. Como diria o próprio Freire sobre a ação sindical dos trabalhadores em educação:

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“A luta dos professores em defesa de seus direitos e de sua dignidade deve ser entendida como um momento importante de sua prática docente, enquanto prática ética. Não é algo que vem de fora da atividade docente, mas é algo que dela faz parte.” (FREIRE, 1996, p. 74)

Estes professores, formados como intelectuais orgânicos, na concepção de Gramsci, devem buscar transformar a escola formal institucional em uma verdadeira trincheira do proletariado contra a burguesia, na busca pela destruição de um sistema excludente e desigual, e a construção de uma nova sociedade, de fato justa e igualitária. Somente assim poderemos falar em um novo mundo, que nós trabalhadores tanto desejamos.

Referências bibliográficas

ARCARY, Valério. Menos pobre e menos atrasado, mas não menos injusto: diminuição do papel da educação como fator de mobilidade social, in www.pstu.org.br, acessado em agosto/2010.

BAUER, Carlos. Política de expansão do ensino superior: a classe operária vai ao campus, in EccoS, São Paulo, v. 8, n. 2, p. 449-470, jul./dez. 2006.

BAUER, Carlos. Introdução crítica ao humanismo dialógico de Paulo Freire. Editora José Luiz e Rosa Sundermann. São Paulo, 2008.

CUNHA, Luiz Antonio. Diretrizes para o estudo histórico do ensino superior no Brasil, in Fórum Educacional da Fundação Getulio Vargas. FGV, Rio de Janeiro, jan./mar. 1977.

FREIRE, Paulo. Educação e atualidade brasileira. Tese de concurso para a cadeira de história e filosofia da educação na Escola de Belas-Artes de Pernambuco. Recife, 1959.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à pratica educativa. Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1996.

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MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. Textos sobre educação e ensino, 2ª edição, Moraes, São Paulo, 1992.

MESZÁROS, István. Educação para além do capital. 2ª Edição, Boitempo Editorial, São Paulo, 2008.

ORSO, Paulino José; GONÇALVES, Sebastião Rodrigues; MATTOS, Valci Maria (org.). Educação e luta de classes. São Paulo: Expressão Popular, 2008.

PONCE, Aníbal. Educação e luta de classes. São Paulo. Cortez, 17º edição, 2000.

SAVIANI, Dermeval. Escola e democracia. 41ª edição, Autores Associados, São Paulo, 2009.

Notas:

É importante destacar neste momento que cabe aos movimentos sociais, principalmente o movimento sindical docente, a construção de um projeto contra-hegemônico de educação, que atenda de fato os interesses da classe trabalhadora, que tem na escola pública a sua escola. A luta passa a ser também a disputa da consciência da classe trabalhadora, e por isso é necessário a embate contra a ideologia hegemônica da educação imposta pelo capital.

As ondas que movimentam a

história (1970-1980)

Cássio Diniz

Muito se tem falado sobre os anos 1970 e 1980 do século XX. Décadas movidas por intensas lutas e mobilizações, ascensos e

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refluxos, vitórias e derrotas, ilusões e desilusões. Anos ao mesmo tempo tão recentes e tão distantes, que acabam enchendo de névoa nossas memórias e provocando interpretações das mais diversas.

Antes de tudo, é preciso observar o período em questão inserido num contexto maior, e não isoladamente, enquanto fato estático. É impossível compreender as décadas de 1970 e 1980 se não forem analisadas na totalidade do século XX, como fruto das ações coletivas na dinâmica da luta de classes. A vida humana é um processo histórico, no qual o passado, o presente e o porvir constituem como algo único, em constante processo de transformação a partir de suas contradições ao longo de seu devir histórico.

A p r o p r i a n d o - s e d e c a t e g o r i a s q u e o m a t e r i a l i s m o histórico/dialético nos oferece, pode-se partir do pressuposto de que a realidade material e econômica é o grande motor da história, pois a produção de bens úteis e de um mundo de objetos – que no caso do capitalismo são as mercadorias – adquire um caráter social ao produzir relações sociais necessárias para este fim. O econômico torna-se determinante em última instância, pois as relações sociais de produção desenvolvidas entre os homens (e entre as classes sociais) determinarão todas as outras relações, sejam elas sociais, políticas e culturais (VASQUEZ, 2011). O desenvolvimento histórico – incluindo aqui as ações coletivas e seus processos revolucionários – é balizado pelas transformações econômicas correntes e, principalmente, movido pelas contradições geradas na própria realidade socioeconômica no qual a humanidade se encontrará em determinado momento histórico.

Para efeito de compreensão, alguns termos aqui usados devem ser elucidados. A palavra onda aqui se refere às chamadas “ondas revolucionárias”, conceito usado por Valério Arcary para definir determinados períodos nos quais as condições socioeconômicas permitiram ascensos revolucionários em diferentes partes do mundo simultaneamente. Estes períodos

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acompanhavam os chamados ciclos de Kondratiev, que apontam os momentos de crise que o capitalismo tende a produzir ao longo de sua história. Já a palavra ascenso, é interpretada como curva ascendente de um processo, no qual as forças sociais encontram terreno fértil para o seu desenvolvimento, identificados em processos no qual a correlação de forças sofre uma inversão. Como nos apontou Lênin: “[…] as massas, q u e s e d e i x a m , n o s p e r í o d o s ‘ p a c í f i c o s ’ , s a q u e a r tranquilamente, mas que, em períodos agitados, são empurrados tanto pela crise no seu conjunto como pela própria cúpula, para uma ação histórica independente”. (LÊNIN , 1979, p. 28)

História enquanto processo social

O mundo depois da Segunda Guerra Mundial foi atravessado por constantes transformações econômicas, sociais e políticas, fruto das forças sociais que se libertaram a partir dos momentos de euforia e crise do modelo capitalista em vigor até então. Não podemos nos esquecer da Guerra Fria, que dividiu o planeta em dois hemisférios políticos e econômicos: de um lado o mundo capitalista liderado pelos Estados Unidos, e do outro o mundo socialista sob a influência da União Soviética. De certa forma os conflitos e as contradições que permearam esse período histórico foram diretamente e indiretamente influenciadas pela dinâmica da Guerra Fria, em maior ou menor grau de acordo com o momento histórico. A década de 1970 encontra-se em meio a este turbilhão histórico, marcada por crises de modelos econômicos, ascensos revolucionários de libertação nacional, imposições de ditaduras e crises estruturais no centro e na periferia do capital. Tudo isso provocado por contradições desenvolvidas no próprio seio da sociedade capitalista.

Do ponto de vista econômico, o centro nervoso do capital começou a sentir os primeiros sinais de crise evidenciada pela tendência da queda da taxa de lucro. O capitalismo, por sua dinâmica, produz suas próprias crises. À medida que se investe cada vez mais na produção de mercadorias, menor é a taxa de

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lucros obtido a partir deste investimento. Como o capitalismo exige cada vez mais a lucratividade, e isso se obtêm a partir do investimento de capital e da exploração de mais-valia, ele mergulha em constantes crises. É uma das contradições do capitalismo. Essa queda se deu – entre outras coisas – devido ao esgotamento do chamado modelo de produção fordista, que imperava no mundo fabril deste o início do século XX. Segundo Simon Clarke, o fordismo se baseia na produção em massa de produtos homogêneos, utilizando a tecnologia rígida da linha de montagem, com máquinas especializadas e rotinas de trabalho padronizadas [taylorista] (apud COGGIOLA, 2002, p. 396). Esse modo de regulação da produção encontrou seu limite à medida que verificou a existência de um excedente inutilizável – fábricas, equipamentos e mercadorias – em um novo contexto de intensificação da competição, forçando o mundo capitalista a se racionalizar, reestruturar e intensificar o controle do trabalho e do processo produtivo:

“O estágio do imperialismo – o apogeu do sistema – colocou o capital diante de contradições cada vez mais agudas: deflação crônica, inclusive na forma de queda do salário médio, como expressão da longa depressão, sem que tenham conseguido recuperar a taxa média de lucro; crise ambiental agravada, enquanto o consumo de derivados de petróleo não para de aumentar; massas crescentes de capital que se afastam da atividade produtiva, enquanto o desemprego devasta o mundo; superprodução de mercadorias, enquanto o subconsumo condena um terço da humanidade a viver com até US$ 2,00 por dia; etc.” (ARCARY, 2004, p. 90)

O mundo corporativista capitalista assistiu neste período – como forma de tentativa de sobrevivência – o surgimento de um novo modelo de produção de riquezas intitulado toyotismo, que reestruturou não só a produção material, mas também todo processo de geração e expropriação de mais-valia, ao impor a acumulação flexível, a adaptação dos equipamentos na

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organização produtiva, a exigência da polivalência dos trabalhadores e o enfraquecimento das conquistas dos mesmos. Em outras palavras, a otimização da produção, a repartição de responsabilidades entre a força de trabalho (sem a “redistribuição” dos frutos deste trabalho) e a reengenharia do mundo laboral como um todo.

Como parte deste mesmo processo, as transformações se deram também, como reflexo, na esfera política: o Estado de Bem-Estar Social, o qual promovia a participação do Estado na economia capitalista, o investimento em obras públicas garantindo empregos em massas, além de uma política ampla de serviços sociais como educação e saúde publicas, propiciando uma situação social evitava a ocorrência de crises sociais que provocassem o questionamento e a ruptura do modelo econômico capitalista. Implantado inicialmente nos Estados Unidos após a posse de Franklin Delano Roosevelt (1932) como tentativa de solucionar a crise iniciada em 1929, se espalhou pela Europa definitivamente após 1945. O Welfare State se consolidou após a Segunda Grande Guerra, garantindo uma sobrevida ao capitalismo nos países da Europa Ocidental, mas encontrou seu limite frente às constantes crises crônicas da economia capitalista. As crises do petróleo do período mostraram o quanto era (e é) sensível o sistema econômico, o qual as pequenas variações poderiam provocar o colapso de todo um sistema.

O modelo estatal keynesiano tornou-se incompatível com as novas necessidades do capitalismo. Inovadas formas de investimento e lucratividade tornaram-se necessárias e aqueles serviços vistos até então como direito público, entraram na mira dos empreendimentos capitalistas. Para isso era necessária a retirada do papel social do Estado burguês e o fim da concorrência do mesmo na oferta de tais serviços, isto é, a volta do liberalismo político/econômico sob nova roupagem: o neoliberalismo.

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dominante fazem valer os seus interesses comuns e se condensa toda a sociedade civil de uma época, segue-se que todas as instituições comuns [gemeinsamen] que adquirem uma forma política, são mediadas pelo Estado.” (MARX, 2009, p. 112)

Esse modelo político/econômico e de Estado, elaborado por intelectuais como Hayek, defendia a retirada do controle do Estado na economia e as transformações dos direitos básicos públicos em nichos de mercado, além da transformação do Estado em gestor de políticas econômicas que garantam o fundo público enquanto recurso de direito privado. A palavra da moda passou a ser “privatização”. Os grandes ícones das políticas neoliberais nos anos 1980 foram Margareth Thatcher na Inglaterra e Ronald Reagan nos Estados Unidos, além do governo de Augusto Pinochet no Chile, que fez do país um grande laboratório das políticas neoliberais.

Essa nova configuração do sistema capitalista irá provocar a resistência por parte dos trabalhadores assalariados, pois serão os mais afetados por estas transformações. O endurecimento do conflito entre o capital e o trabalho ampliou a dinâmica da luta de classes, que permitiu o surgimento de novas ondas revolucionárias, tanto no centro como na periferia do capital, de formas e situações diferentes e particulares.

As ondas revolucionárias

O capitalismo não se desenvolveu em todo o planeta de forma homogênea e linear. O seu desenvolvimento ocorreu de forma desigual e combinado. Ao mesmo tempo em que nos países da Europa Ocidental e os Estados Unidos a economia refluiu e faliu o modelo de Estado intervencionista – e que vivenciaram lutas que questionavam o sistema –, nos países da periferia do capitalismo (América Latina, África e Ásia) ocorria o desenvolvimento das forças produtivas, das relações sociais de produção e de rupturas sociopolíticas que se colocavam na dinâmica do processo. O capitalismo se consolidava em muitas

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destas regiões e as contradições geradas – como o crescimento das desigualdades sociais e a profunda concentração de renda nas mãos de uma pequena minoria da sociedade – forçavam mudanças que poderiam apontar saídas reformistas ou provocar ações revolucionárias encabeçadas pelas massas: “Não obstante, as revoluções são obras de sujeitos sociais e da sua percepção do que seria intolerável. É certo que, sem crise econômica, qualquer possibilidade de transformação social pelo impulso da mobilização de massas pareceria estar descartado.” (ARCARY, 2004, p. 148)

A descolonização das nações africanas foi um exemplo disso. A falência do colonialismo europeu coincidiu com o processo da Guerra Fria e a luta de libertação nacional destes povos foi momento de grande destaque. Muitas dessas lutas acabaram ganhando o caráter anticapitalista e foram lideradas pelo campesinato ou o proletariado. Isso corrobora a tese de que a burguesia no século XX é incapaz de exercer um papel revolucionário, mesmo que o processo aponte a superação de estruturas pré-capitalistas e a consolidação do capitalismo. Além disso, o desenvolvimento da economia capitalista nos países da América Latina encontrava barreiras e contradições nas próprias relações sociais estabelecidas até então. E isso provocou tentativas de transformação por parte de forças progressivas – desejosas do pleno desenvolvimento econômico e social – que em determinado momento foram sufocadas por forças conservadoras que não compartilhavam do mesmo projeto de nação.

O conceito de forças progressivas e conservadoras são bastante dúbios. Estas forças podem se encontrar – de acordo com os papeis econômicos e sociais da sociedade capitalista – em uma mesma classe social, por exemplo, a burguesia. Mas podem se localizar em diferentes blocos históricos, de acordo com o momento histórico no qual se encontram. O fato de existir o que alguns chamam de forças progressivas – no qual se encontra o que convencionaram chamar de burguesia nacionalista – não

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significa que estas desejem grandes transformações sociais, mas sim pequenas mudanças que permitam a liberação das forças produtivas e a adaptação de relações sociais de produção ao capitalismo avançado.

Os golpes civil-militares no Brasil em 1964 e no Chile em 1973 foram apenas dois grandes exemplos da disputa entre distintos projetos de desenvolvimento econômico. Tanto o governo João Goulart quanto o de Salvador Allende apontavam propostas que assinalavam transformações pontuais que permitiriam o desenvolvimento das forças produtivas, mas que acabaram encontrando barreiras nas próprias elites nacionais. O resultado foram golpes e a imposição de regimes ditatoriais que implantaram modelos de desenvolvimento autoritário do capitalismo, sem sintonia e descolada de mudanças sociais. Os anos 1970 e 1980, como já mencionado, se encontram em meio a duas ondas revolucionárias movidas pelas contradições do próprio sistema. De acordo com Valério Arcary, o século XX vivenciou cinco ondas, ou vagas, revolucionárias. São elas: A primeira (1917-1923), a segunda (1930-1937), a terceira (1944-1964), a quarta e quinta (juntas 1968-1990). Segundo ele, o período analisado se encontraria entre a quarta e quinta ondas (1968-1990). Essas ondas devem ser analisadas com extrema atenção. Suas peculiaridades são necessárias para compreender este período. A quarta onda revolucionária (de 1968 a 1980) destaca-se pela indefinição dos sujeitos sociais e por seus processos revolucionários estarem fora de controle dos aparatos stalinistas (leia-se partidos comunistas de orientação soviética). O maio francês de 1968 é a síntese disto. Encarado como uma rebelião estudantil, o movimento demonstrava o descontentamento das massas com o sistema capitalista no coração das potências centrais, tendo à frente jovens do mundo inteiro. Aliás, é neste momento que o movimento estudantil mostra toda sua força, apesar de sua composição ser policlassista, isto é, seus membros serem de distintas classes sociais. Estados Unidos, Inglaterra, Japão,

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México, Tchecoslováquia e Brasil foram abalados por ondas de manifestações protestando tanto contra problemas locais, quanto mundiais. A Tchecoslováquia é um caso bastante interessante. É dali que vemos uma luta contra o imperialismo, não o americano, mas sim o soviético. E lutavam por liberdades democráticas, e não contra as conquistas da revolução (ao contrário do discurso ideológico dominante). Arcary expõe que a quarta onda teve:

“[…] como epicentro, na África, a guerra de libertação nas ex-colônias portuguesas, que abriram uma revolução na metrópole, quando explodiu a ditadura mais antiga do continente e se colocou em marcha a primeira revolução social que construiu poder popular depois da derrota da Guerra Civil Espanhola. Disseminou-se para a Ásia – Vietnã em 1975, Camboja e Laos, na seqüência – e América Latina, atingindo primeiro o México e o Brasil, onde as rebeliões estudantis foram derrotadas em sangue. Radicalizou-se, e atingiu seu ápice no Chile em 1972-1973.” (2004, p.146)

Mas deste período o caso mais impressionante foi a chamada Revolução dos Cravos em Portugal. Até então esse país vivia sob a ditadura salazarista, mas em abril um grupo de oficiais organizados no Movimento das Forças Armadas (MFA) articulou um golpe para derrubar o regime que já estava em bancarrota. A vitória destes oficiais (que desafiaram a hierarquia e criaram um poder paralelo dentro das Forças Armadas) fez com que se desencadeasse um processo revolucionário por toda Portugal, e que os jovens e trabalhadores fossem as ruas lutar, não somente por reivindicações democráticas, mas por conquistas sociais, surgindo assim organismos locais de poder dual, como comissões de fábricas, assembleias populares, controle operário de fábricas e estudantil em universidades. Com isso ocorreu a libertação de colônias africanas, a estatização de todos os bancos em território português, desmembramento dos monopólios, aumento de salários e participações nos lucros, e até mesmo houve a exigência de expropriação dos

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meios-de-produção, demonstrando assim um verdadeiro caráter revolucionário. Isso durou pouco mais de 18 meses, pois houve um avanço da contrarrevolução, desencadeada pela burguesia portuguesa, pelos países imperialistas e pelas burocracias do PCP e PSP, e as conquistas somente foram destruídas ao longo de 18 anos. Esse processo, que ocorreu contra a ditadura salazarista, se desencadeou por reivindicações democráticas, contra o regime e contra o sistema, e destruiu o resto de seu mundo colonial e permitiu a independências das colônias africanas e asiáticas, não só portugueses, como também de outros países europeus.

A derrota americana no Vietnã foi outro marco importantíssimo, que tornou a correlação de forças favorável ao ascenso de massas mundial, fazendo com que os Estados Unidos revissem a sua ofensiva imperialista. Dentro deste contexto há o caso da Revolução Sandinista na Nicarágua, considerado o último caso deste período.

A última onda revolucionária, periodizada nos anos 1980, está relacionada diretamente com as grandes mobilizações que levaram à queda do regime soviético em todo o Leste Europeu. Apesar de ser apropriado indevidamente para indicar o fim do socialismo, este caso apresenta um grande ascenso de massas, não contra o sistema, mas contra o regime.

No início da década de 1980, vendo a crise econômica do bloco soviético, ocasionada pela corrida armamentista e pelo retrocesso da revolução, o governo de Gorbatchov iniciou as reformas perestroika e a glasnost, econômica e política respectivamente, e promoveu a restauração da economia capitalista de mercado, destruindo as conquistas sociais da revolução de 1917. Vendo o insucesso destas reformas e seus níveis de vida caindo drasticamente, os trabalhadores e o povo em geral saíram às ruas contra o governo e os burocratas, responsabilizando-os pela situação. Ao mesmo tempo iniciou-se a luta por liberdades democráticas dentro da sociedade socialista, que fez com que irrompesse um verdadeiro processo

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revolucionário de libertação das massas do jugo do stalinismo soviético. Por isso dizemos que os motivos que levaram o povo ir às ruas não foram a derrubada do socialismo e a defesa do capitalismo, mas foi a defesa das conquistas da revolução. Infelizmente, por falta de uma direção revolucionária de massas que indicasse os caminhos a se seguir, o capitalismo internacional pôde dar vazão no sentido de destruir o socialismo, não só na União Soviética, mas em todo o bloco comunista no Leste Europeu. Como afirma Arcary:

“Quando a última vaga (onda), aberta pelas revoluções no Leste europeu de 1989, atingiu quase que exclusivamente os países que giravam em torno da ex-União Soviética (dizemos quase, porque o levante estudantil derrotado da praça Tiananmen demonstrou que a China seguia a mesma direção): aí, a decadência econômica das economias pós-capitalistas, que vinham desde o final dos anos 1960, como se diz, ‘andando para o lado’, acentuou-se de forma dramática nos anos 1980, como consequência de uma complexa combinação de fatores. Vejamos alguns deles: a hegemonia econômica do complexo militar industrial; a dependência cada vez maior em relação a um mercado mundial em depressão; a maturidade de uma nova geração que não tinha vivido nem o horror da guerra nem os anos da bestialidade stalinista; e por último, mas não menos importante, a resistência operária aos planos restauracionistas, que exigiam uma destruição das conquistas econômico-sociais da fase anterior. Já podemos hoje ser mais categóricos e concluir que ela se fechou, de fato, logo depois de 1991, embora tenha aberto uma nova etapa histórica.” (2004, p. 147)

Entre a Quarta e a Quinta onda, podemos identificar um período a nível mundial que para muitos aparenta ter sido um refluxo no ascenso de massas, devido a pressão capitalista e do projeto neoliberal (ARCARY, 2003, p.147). Para outros foi um momento bastante peculiar, pois nos marcos nacionais houve situações nas quais irromperam processos bastante

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interessantes.

O caso brasileiro

O caso brasileiro é bastante interessante se o observarmos de acordo com essa dinâmica. Segundo Amarílio Ferreira Jr., o golpe civil-militar em 1964 e o regime instaurado em seguida foram a consolidação do processo de desenvolvimento capitalista iniciado em 1930 (1998, p. 135). Consolidação esta que com o modelo político de exceção garantiu o que chamou de modernização autoritária do capitalismo, simbolizada pelo milagre econômico (1968-1974). Contrariando o discurso de que a tomada do poder pelos militares – com a participação de setores civis – garantiria a independência nacional e sua plena estabilidade, o modelo político-econômico instaurado impôs a total inserção do capital internacional no mercado brasileiro, inserindo-o na esfera mundial. Modelo este de desenvolvimento imposto de cima para baixo, sem participação das classes subalternas:

“A instalação do regime militar acentuou o traço autoritário e excludente que historicamente assinalou o processo de formação social brasileiro. Ele engendrou uma célere modernização nas relações capitalistas de produção, que teve como um dos seus principais corolários a concentração de renda nas mãos de uma fração minoritária da população.” (FERREIRA Jr., 1998, p. 137)

Para garantir este modelo de modernização, o regime civil-militar brasileiro usou de todos os recursos possíveis de cerceamento de direitos através do terrorismo de Estado, silenciando vozes contrárias e impondo seu projeto de desenvolvimento nacional. A oposição política institucional fora domesticada e todos aqueles que questionavam e que se encontravam à parte dela foram perseguidos, presos, torturados e eliminados. Uma longa noite se estabeleceu no país.

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conseguiu garantir a sua eternidade. A década de 1980 apontou definitivamente as crises que o regime não mais daria conta. Ferreira Jr. apontou que: “[…] o final da década de 1970 foi marcado pela desaceleração no ritmo de crescimento do modelo econômico, baseado na modernização autoritária das relações capitalistas de produção que o regime militar havia implementado desde 1964.” (2006, p. 41)

O fim do crescimento econômico brasileiro escancarou as contradições da sociedade e permitiu o florescimento de forças sociais que questionavam o regime político e a ordem econômica instaurada por ele. O movimento sindical voltou como força social e política, e junto com os demais movimentos sociais desencadeou as grandes mobilizações de massas que provocaram a queda da ditadura – apesar da saída imposta não ser a popular e n ã o t e r p e r m i t i d o r u p t u r a s p r o f u n d a s n o m o d e l o socioeconômico e fraturas na elite dominante do país. O país testemunhou, durante a Campanha das Diretas Já, principalmente em abril de 1984 (no Rio de Janeiro e em São Paulo), uma das maiores mobilizações populares da história brasileira, no qual os trabalhadores e alguns setores da classe média foram às ruas dizer um basta ao regime e subjetivamente mostrar a vontade de mudar a realidade:

“Nas revoluções políticas na América Latina que derrubaram as ditaduras militares nos anos 1980 – Argentina em 1982, depois da derrota militar na Guerra das Malvinas, Brasil em 1984, com a campanha das Diretas, Bolívia em 1985 – as mobilizações populares ficaram contidas nos marcos dos novos regimes democráticos instituídos na primeira fase da revolução, e a ordem econômico-social não foi alterada.” (ARCARY, 2004, p. 99)

O fim da ditadura foi uma importante vitória dos trabalhadores brasileiros, mas abortada ao longo do processo, ao permitir que forças não-proletárias liderassem a chamada transição democrática. Mesmo assim a década de 1980 ainda veria, até o

Referências

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