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Como os falantes interpretam as sentenças em (1) e decidem se são verdadeiras?

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Academic year: 2021

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ADJETIVOS: O DOMÍNIO DAS ESCALAS EM PB

QUADROS GOMES, Ana PG/ Universidade de São Paulo – CNPq

anpola@gmail.com

Resumo:

Examinando a modificação de adjetivos por “todo” e “muito”, delineamos a organização do domínio das escalas em PB. Adjetivos de Grau (AG) mapeiam seus argumentos a graus numa escala. Escalas são graus ordenados ao longo de uma dimensão ou propriedade. Para Kennedy & McNally (2005), modificadores de grau (MGs) selecionam AGs segundo a estrutura da escala. Em inglês, “well” modifica apenas AGs de escala fechada; “very”, apenas os de escala aberta; e “much”, os de escala fechada no grau mínimo. Os modificadores de grau do PB “muito” e “bem” modificam qualquer AG. “Todo” é o mais seletivo: modifica escalas fechadas no grau mínimo e escalas abertas sem unidade de medida associada. Entretanto, esses fatos não minam a hipótese de que as estruturas de escalas sejam universais. Defendemos que, se “muito” pode modificar qualquer tipo de escala em PB, o sintagma resultante da modificação (MG + AG) tem um só tipo de escala. A expressão “muito” + AG exibe sempre escala aberta; “todo” + AG exibe sempre escala fechada. Logo, a estrutura das escalas importa em PB tanto quanto em inglês, embora se manifeste diferentemente.

Palavras-chave: escalas; adjetivos; modificadores de grau; “muito”; “todo”.

0. A semântica de proposições com adjetivos

Como os falantes interpretam as sentenças em (1) e decidem se são verdadeiras? (1) a. A gaveta está aberta.

b. Zola é alta.

Para a semântica de graus, um adjetivo denota uma função de medida que mapeia o indivíduo que lhe serve de argumento a um grau numa escala (KENNEDY e McNALLY, 2005). Uma escala é um conjunto de graus ordenados ao longo de uma propriedade ou dimensão. Por exemplo, em (1a), o adjetivo “aberta” mapeia seu argumento, o indivíduo “a gaveta”, a um certo grau numa escala que se estende pela dimensão “abertura”. Para verificar a verdade de uma sentença como (1a), o falante examina a que grau de abertura está associado o indivíduo modificado pelo adjetivo na situação relevante. Medida a distância entre a frente da gaveta e a fachada do gaveteiro, para toda situação em que essa

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medida resultar num valor maior que zero, um grau positivo específico de abertura será associado à gaveta, tornando verdadeira a sentença (1a). Por exemplo, se há 30 cm de gaveta para fora, a medida de 30 cm corresponde a certo grau de abertura; o indivíduo “a gaveta” é mapeado a esse grau da escala na situação relevante. Por outro lado, quando não houver distância alguma entre a frente da gaveta e a fachada do gaveteiro, o indivíduo será mapeado ao grau zero da escala, e (1a) será uma sentença falsa. Nesse caso, a gaveta seria corretamente descrita como “fechada”, o contrário de “aberta”. Em todas as situações em que “a gaveta está aberta” for uma proposição falsa, “a gaveta está fechada” será verdadeira, e vice-versa. Assim, podemos dizer que a verdade de (1a) só requer o mapeamento da gaveta a um grau positivo (acima de zero) de abertura.

Já o julgamento da verdade de (1b) é mais complexo. Primeiramente, na mesma situação, pode ser falsa a proposição que afirma de certo indivíduo que ele é alto e, ao mesmo tempo, ser falso o seu contrário. Há uma terceira possibilidade: o indivíduo pode não ser alto nem baixo, e sim ter estatura mediana. Além disso, não basta conhecer a altura de Zola para decidir se (1b) é verdadeira. Dado que a girafa Zola mede 3 m, estabelecemos o grau a que ela é mapeada na escala de altura. Mas, comparada a outras girafas adultas, que ultrapassam os 5 m, uma girafa com 3 m de altura é baixa; logo, se a altura de Zola for considerada segundo o padrão de altura para girafas adultas, (1b) será falsa. Por outro lado, enunciada por uma criança que, vendo uma girafa pela primeira vez, esteja considerando a altura dos animais em geral, (1b) é verdadeira, pois a estatura dos bichos já conhecidos da criança está bem aquém da de qualquer girafa. Logo, a verdade de (1b) depende de algo além do mapeamento de Zola a um certo grau positivo de altura.

O julgamento de sentenças como (1b) varia conforme o parâmetro de comparação assumido. Uma girafa de 3 m é baixa relativamente a um adulto padrão da espécie, mas é alta em relação a leões, elefantes etc. Como a semântica de graus explica a oscilação no julgamento de (1b)? Nas duas situações, Zola é mapeada ao mesmo grau na escala de altura, o equivalente a seus 3 m. Mas o parâmetro não se mantém invariável em todos os contextos. Mudar de parâmetro altera o valor de verdade da sentença. Como o parâmetro entra na conta? O parâmetro assumido também é mapeado a um grau na escala. Num caso, o parâmetro (um indivíduo adulto médio da espécie) é mapeado a um grau acima daquele a que Zola é mapeado, já que 5 m é mais que 3 m; nesse caso, a sentença (1b) é falsa. No outro caso, o parâmetro (os animais de outras espécies) é mapeado a um grau abaixo daquele a que Zola é mapeado, já que leões ou elefantes medem menos que 3 m de altura; com o grau correspondente a Zola acima do grau correspondente ao parâmetro, a sentença (1b) é julgada verdadeira.

Então a verdade de uma sentença como (1b) depende da relação entre dois graus numa mesma escala; depende, crucialmente, de o grau correspondente ao indivíduo que o

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adjetivo toma expressamente como argumento ser maior que o grau correspondente ao parâmetro assumido. Embora esse parâmetro não esteja nomeado na proposição e varie com o contexto, sem considerá-lo não há como decidir se a proposição é falsa ou verdadeira. Podemos assim resumir as condições de verdade de (1b): “Zola é alta” será uma proposição verdadeira se e somente se o grau a que Zola é mapeada na escala de altura for superior ao grau a que for mapeado o parâmetro de comparação assumido, seja ele qual for. Se, ao contrário, o grau a que Zola é mapeada na escala de altura for inferior ao grau correspondente a tal parâmetro, “Zola é alta” será uma proposição falsa. A terceira possibilidade, a de que Zola não seja nem alta nem baixa, por ter estatura mediana, implica um empate técnico entre o grau a que Zola é mapeada na escala de altura e o grau correspondente ao parâmetro assumido, digamos, a altura de um outro indivíduo de 3 m, a girafa Zezé: ambos os graus têm de ser iguais, recebendo o mesmo valor na escala.

Temos agora uma visão geral de como o falante interpreta sentenças com adjetivos, segundo a semântica de graus. Identificamos um forte contraste entre (1a) e (1b), quanto à (in)dependência contextual. Isso leva à divisão de adjetivos em duas classes, uma representada por “alto” e a outra, por “aberto”. Dada a evidente influência do contexto no julgamento de proposições com “alto”, essa classe de adjetivos ficou conhecida como a dos “relativos”. E visto que mudanças no contexto de enunciação não afetam a verdade de sentenças como (1a), adjetivos da classe de “aberto” são ditos “absolutos”. Para Kennedy & McNally (2005), a diferença entre relativos e absolutos reflete a diversidade na estrutura das escalas associada aos adjetivos. “Alto” representa os adjetivos de escala aberta, e “aberto”, os de escala fechada. Para motivarmos a ligação entre escala aberta e a classe dos relativos, e entre escala fechada e a classe dos absolutos, vamos, primeiramente, examinar melhor o papel dos parâmetros na semântica dos adjetivos.

1. Parâmetros intrínsecos ou extrínsecos ao argumento do adjetivo

Dissemos que os parâmetros são uma peça fundamental para a semântica de proposições contendo adjetivos relativos. Não dá para julgar a verdade de (1b) sem assumir um parâmetro de comparação. Mas ainda não dissemos nada sobre o papel dos parâmetros no julgamento de sentenças com adjetivos absolutos. A verdade de sentenças com adjetivos sempre depende da relação entre dois graus informados por funções de medição distintas, uma proveniente do argumento expresso do adjetivo, e a outra, proveniente de um valor de referência, o parâmetro assumido. A diferença entre adjetivos relativos e absolutos está na origem dos dois graus a serem considerados. No caso de adjetivos relativos, aplicando-se uma função de medida sobre o argumento do adjetivo, obtém-se um grau; o outro grau vem da aplicação de uma função de medida correlata ao parâmetro assumido; o parâmetro não

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vem do indivíduo denotado pelo nome modificado pelo adjetivo. Já no caso de adjetivos absolutos, ambos os valores são contribuídos por certa dimensão do próprio indivíduo ao qual o adjetivo se aplica. Toda a informação relevante vem do argumento do adjetivo absoluto; daí não ser preciso assumir um parâmetro extrínseco para se julgar uma sentença como (1a). Por isso, variar o contexto não altera o valor do parâmetro e não tem qualquer efeito sobre a verdade de proposições com adjetivos absolutos como predicadores.

No caso de adjetivos absolutos, o parâmetro em relação ao qual o grau da escala a que o argumento do adjetivo é avaliado é retirado de propriedades do próprio argumento. As referências para julgar a verdade de uma proposição com um adjetivo absoluto são as medidas de uma dimensão inerente ao indivíduo modificado pelo adjetivo. Por praticidade, voltemos a (1a). Como a gaveta de (1a) é mapeada a um grau de abertura específico? O grau de abertura depende da medida do comprimento da gaveta que estiver de fora do nicho onde ela se encaixa na situação relevante. Uma situação com a gaveta enterrada no gaveteiro em todo o seu comprimento torna (1a) falsa. Isso significa que há um grau mínimo a partir do qual se avalia a gaveta como aberta. Há também um grau limite no outro sentido da escala de abertura. Medindo uma única dimensão do argumento do adjetivo, obtemos dois valores ordenados, que definem os limites da escala. O grau máximo de abertura é dado pelo valor mais alto, que não pode ultrapassar o comprimento total da gaveta; o grau mínimo da abertura, pelo menor intervalo do comprimento da gaveta que pode ficar de fora do móvel quando ela é puxada. A sentença (1a) será verdadeira sempre que a abertura da gaveta estiver dentro do intervalo compreendido pelo grau máximo e o mínimo determinados pelo comprimento da gaveta, ou coincidir com um deles. O intervalo entre os graus constitui o parâmetro contra o qual o estado da gaveta na situação relevante precisa ser checado para se atribuir um valor de verdade à sentença. Toda a informação relevante vem da observação de um só indivíduo, justo o que o adjetivo toma por argumento. Observa-se a medida de uma de suas dimensões e o estado em que ele se encontra. Por exemplo:

(2) a. A porta está aberta. b. A porta está fechada.

Em (2a), a dimensão relevante do indivíduo modificado por “aberta” (a porta) não é o comprimento, mas a largura; sua medida determina o valor máximo. Se a porta tem 82 cm de largura, a distância entre o batente e a folha da porta não poderá ultrapassar esse valor. O limite mínimo da escala de abertura é informado pelo menor valor positivo da fração da largura perceptível para o falante como algum distanciamento entre a porta e o batente. Se a porta está a zero cm de distância do batente, (2a) é falsa, e (2b) verdadeira.

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O valor de verdade de sentenças com adjetivos absolutos depende do parâmetro assumido, assim como o valor de verdade de sentenças com relativos. O parâmetro dos absolutos é intrínseco ao seu argumento; o dos relativos é extrínseco ao seu argumento. 2. Definição dos graus máximo e mínimo e a estrutura de escala

Os argumentos de adjetivos com parâmetro intrínseco contribuem com uma dimensão cuja medida demarca pelo menos um dos limites do intervalo da escala. A escala do adjetivo “aberto” é fechada por default no grau mínimo (um valor acima de zero). O grau máximo é dado pela medida da dimensão relevante, e varia conforme as características do argumento do adjetivo “aberto”; por exemplo, importa a medida do comprimento da gaveta, em (1a), e a da largura da porta, em (2a). Se a distância entre a porta e o batente for igual à largura dela, a porta estará completamente aberta; ela não pode ficar mais aberta que isso. No outro caso, a gaveta estará 100% aberta quanto todo o seu cumprimento estiver visível, para fora do gaveteiro. Num caso, o valor do grau máximo é 82 cm; no outro, o valor do grau máximo é 50 cm. O grau máximo da escala de abertura não pode ser fixado a priori, sem que se saiba como é o indivíduo particular modificado pelo adjetivo. Se olharmos para o seu contrário, “fechado”, constataremos que há um valor único, capaz de tornar a sentença verdadeira para qualquer argumento do adjetivo. Esse valor é zero. Com zero centímetros de distância entre a porta e o batente, (2b) é uma proposição verdadeira; esse mesmo valor torna qualquer sentença com “fechado” verdadeira. Por exemplo, se trocarmos o argumento do adjetivo de “a porta” (2b) por “a gaveta” (3), com zero centímetro de distância esse indivíduo também é mapeado a 0% de abertura; e a sentença (3) é verdadeira.

(3) A gaveta está fechada.

O exame do par aberto-fechado revela que o valor associado ao grau mínimo da escala de abertura não varia de indivíduo para indivíduo, mas é default; o grau máximo, sim, varia conforme as dimensões de cada indivíduo particular mapeado à escala de abertura. Logo, essa escala é parcialmente fechada, ou, mais especificamente, fechada no grau mínimo. Para verificar a estrutura da escala, é preciso observar seus dois pólos, ou seja, os adjetivos contrários, como fechado-aberto (cf. Kennedy & McNally, 2005). Outro par que ilustra uma escala fechada no grau mínimo é molhado-seco. Com 0% de umidade, uma camisa está seca; com qualquer valor positivo de umidade, ela está molhada em certo grau.

Há então escalas parcialmente fechadas, isto é, em que só um dos dois extremos, o grau mínimo ou o máximo, está definido. A escala do par seguro-perigoso é fechada somente no grau máximo. Se algo não é 100% seguro, então é perigoso em certo grau. O

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par reto-torto é desse tipo. Se uma linha é 100% direita, ela é reta; se ela apresenta menos que 100% de retidão, ela é torta em certa medida. A escala de honestidade também é fechada no grau máximo: alguém que exibe 100% de honestidade é honesto; alguém que exibe menos que isso, seja 50%, 2% ou 0%, é desonesto em certo grau.

Um exemplo de escala completamente fechada é a do par cheio-vazio. Um lugar cheio tem 100% de sua capacidade ocupada; um lugar vazio tem 0% de sua capacidade ocupada. É a capacidade de cada recinto que delimita o grau máximo de ocupação: um espaço para 50 pessoas não comporta 100, nem fica completamente cheio com 20 ocupantes. É uma dimensão de cada argumento particular do adjetivo que define o grau máximo (“cheio”); com grau zero de ocupação, “vazio” é verdadeiro do indivíduo.

Uma característica de adjetivos absolutos em geral, ou seja, dos adjetivos de escala (parcial ou totalmente) fechada, é que a lei do terceiro excluído vale para seus argumentos: se for falso que o indivíduo está fechado, será verdade que ele está aberto, e vice-versa; a negação de um dos contrários leva à verdade do outro. Os adjetivos relativos fogem à lei do terceiro excluído; vimos que o fato de um indivíduo não ser alto não implica que ele seja baixo; o indivíduo pode apresentar estatura mediana.

Adjetivos relativos apresentam escala aberta, pois não há um valor default associado ao extremo inferior ou superior da escala. Não há uma medida-padrão que, se exibida por qualquer indivíduo modificado pelo adjetivo, leve a concluir que a sentença é verdadeira. A medida de uma dimensão de Zola (3 m) informa a que grau da escala de altura mapeá-la, mas esse grau pode vir a ser o mínimo ou o máximo do segmento fechado por ele e por um grau extrínseco a Zola, o informado pelo parâmetro assumido no contexto; assim, a mesma medida da dimensão do argumento do adjetivo pode levar a sentença à verdade ou à falsidade. Uma pessoa de 2 m e uma girafa de 2 m não têm o mesmo estatuto na escala de altura. Nenhum extremo dessa escala é fechado num valor default.

Certos adjetivos relativos sequer contam com unidades-padrão para medir a dimensão relevante do indivíduo modificado pelo adjetivo. Por exemplo, com que unidade se mede a propriedade de estar cansado-descansado, ou feliz-infeliz? Esses adjetivos relativos não estão associados a unidades-padrão de medida, embora possamos mapear seus argumentos a pontos distintos da escala. Mesmo sem uma medida passível de expressão numérica, sabemos intuitivamente como ordenar os dois graus de felicidade dos indivíduos para que as proposições em (4) sejam verdadeiras. A verdade de (4a) requer que Pedro seja mapeado a um grau de felicidade superior ao de Maria. Se Maria for mapeada a um grau de felicidade mais alto que o de Pedro, (4a) será falsa e (4b) verdadeira.

(4) a. Pedro estava infeliz ontem, mas Maria estava pior que ele. b. Pedro estava feliz ontem, mas Maria estava mais ainda.

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Retomando, há dois grandes tipos de estrutura de escala: aberta e fechada. Escalas fechadas se dividem em três subtipos: (i) fechadas nos dois extremos; (ii) fechadas no grau máximo e abertas no mínimo; e (iii) fechadas no extremo inferior e abertas no extremo superior. Os adjetivos em que a medida de uma dimensão de seu argumento define sempre o(s) mesmo(s) extremo(s) da escala (o grau máximo ou o mínimo ou ambos), para qualquer que seja o individuo mapeado à escala, são absolutos. Adjetivos absolutos obrigatoriamente participam de escalas parcial ou completamente fechadas. A medida da dimensão ou propriedade relevante dos argumentos de adjetivos relativos não pode ser atrelada permanentemente a nenhum extremo da escala; adjetivos relativos participam de escalas abertas. É assim que, segundo Kennedy & McNally (2005), a estrutura da escala é indissociável do tipo de parâmetro (extrínseco ou intrínseco) de um dado adjetivo.

3. Os modificadores de grau respondem à estrutura e ao tipo de parâmetro

Kennedy & McNally (2005) mostram que modificadores de grau são sensíveis aos tipos de parâmetro e às variações na estrutura das escalas. A distribuição complementar de três modificadores de grau do inglês cobre todas as variedades de estrutura de escala e de parâmetros associadas pela teoria de grau desses autores aos adjetivos. “Well” modifica exclusivamente os absolutos; “very” modifica apenas os relativos, ou seja, os de escala aberta. “Well” modifica os absolutos de escala fechada nas duas pontas; “much” modifica absolutos de escala parcialmente fechada (só o grau mínimo é default)1.

Em PB, os três modificadores de adjetivos que mais se aproximam dos estudados no inglês são “bem”, “muito” e “todo”. Como “well”, “bem” tem duas leituras: uma de grau, de uma boa quantidade de algo (em que “bem” pode ser substituído por “muito”) (5a); e outra de maneira (em que “bem” pode ser substituído por “mal”) (5b).

(5) a. Pedro estava bem /muito feliz ontem. b. O artigo foi bem / mal escrito.

Como “much”, “todo” “joga para cima” o grau em que o indivíduo apresenta a propriedade associada à escala; como “much”, “todo” só modifica adjetivos absolutos com escala fechada no grau mínimo (6a); escalas completamente fechadas ou fechadas apenas no extremo superior não podem ser modificadas por “much”/ “todo”, pois elas já têm o grau máximo, e um grau assim não pode ser aumentado (6b).

1 Remetemos o interessado nos testes que sustentam essa classificação a Kennedy & McNally (2005).

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(6) a. Seu zíper está todo/ todinho aberto.

b. *O anel está todo largo. (por: o anel está muito/ bem largo)

A diferença entre “todo” e “much” está no fato de que “todo” também pode modificar escalas abertas, desde que a dimensão relevante no indivíduo ao qual se aplica o adjetivo relativo não conte com uma unidade-padrão de medida (7a/b).

(7) a. João estava todo feliz.

b. *Zola é toda alta. (por: Zola é bem alta.)

Até aqui, não obtivemos com os modificadores de grau do PB uma complementaridade como a obtida com os do inglês. “Todo” e “bem” modificam adjetivos de qualquer parâmetro; “todo” modifica apenas adjetivos absolutos de escala parcialmente fechada; mas “bem” e “muito” modificam qualquer tipo de escala ou parâmetro. Será que os dados do PB nos autorizam a discordar de Kennedy e McNally (2005), refutando sua hipótese de que a especialização dos modificadores de grau em certos adjetivos possa ser explicada pela estrutura de escala e/ou natureza do parâmetro?

Vimos que “todo” seleciona os adjetivos que modifica; mas “todo” não seleciona um tipo de escala em detrimento de outra, já que modifica tanto adjetivos de escala fechada no grau mínimo (“todo sujo”), quanto os de escala aberta sem medida associada (“todo feliz”). Os adjetivos selecionados por “todo” também não cabem num único tipo de parâmetro (“sujo” é um adjetivo de parâmetro intrínseco; “feliz”, de parâmetro extrínseco). “Muito” modifica qualquer adjetivo de grau. Entretanto, há um forte contraste na interpretação dos sintagmas adjetivais resultantes da modificação por “muito”, de um lado, e “todo”, de outro. 4. O efeito do tipo de parâmetro na interpretação do sintagma adjetival (AP)

Kennedy & McNally (2005) apontam que o pólo default de uma escala parcialmente fechada, ou seja, de adjetivos absolutos, fica evidente pela sua (in)compatibilidade com continuações sentenciais que atribuam ao argumento do adjetivo um grau ainda mais elevado da propriedade sobre a qual a escala se estende. Se a escala é fechada no extremo inferior, a continuação soa natural com o pólo que aceita graus acima de zero dessa propriedade (8a); porém, com o pólo default, a continuação causa estranheza, pois qualquer grau de umidade acima de zero resulta em contradição com o significado de “seco” (8b):

(8) a. Minha camiseta está molhada, mas não vou trocá-la agora porque estou lavando o carro; quando eu acabar, ela vai estar ainda mais molhada.

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Exemplos como (8) atestam que “seca” significa com 0% de umidade; “molhado” significa com qualquer grau de umidade acima de zero e abaixo da máxima concentração de umidade suportada por aquele indivíduo (o tanto que pode ser traduzido por “ensopado”).

O teste se aplica também a escalas fechadas no extremo superior. O grau default é estranho com a modificação (9b) por não haver grau acima do máximo; o outro pólo da escala, que aceita qualquer valor maior que zero e menor que o máximo, é compatível com uma mudança para um grau superior do estado do indivíduo a que se aplica o adjetivo (9a).

(9) a. O corte está torto; se você continuar a cortar fora da linha, vai acabar mais torto ainda.

b. # Até aqui, o corte está reto, mas depois que eu cortar o papel inteiro em dois pedaços o corte vai ficar bem mais reto.

A verdade de (9a) requer que a linha de corte apresente menos que 100% de retidão; diversos valores atendem a essa exigência; como basta que a linha de corte esteja minimamente torta, é possível aumentar o grau de tortuosidade. Já a verdade de (9b) exige exatamente 100% da propriedade de ser reto; o grau de retidão apresentado por uma linha de corte reta não pode ser superado por nenhum outro valor.

No caso de escalas fechadas nos dois extremos, o teste se verifica para os dois pólos. “Cheio” significa exatamente com 100% da capacidade ocupada; como não há grau de ocupação maior, (10a) é estranha. Se a torneira continuar aberta após a banheira ter se enchido, o volume de água retido pela banheira não aumentará mais; a água vai derramar. Já “vazio” significa com 0% de ocupação: não há grau abaixo desse (10b):

(10) a. #A banheira está cheia, mas vou deixar que encha mais 30 cm. b. #A banheira está vazia, mas vou esvaziá-la mais um pouco.

Quando modificados por “bem”, “muito” ou “todo”, os argumentos de adjetivos que requerem entre 0% e 100% da propriedade relevante devem apresentá-la em maior grau. Se a camiseta está minimamente molhada, a sentença (11a) é verdadeira, mas (11b) não é.

(11) a. Minha camiseta está molhada.

b. Minha camiseta está bem/ muito/ toda molhada.

Apesar de qualquer modificador de grau “elevar” (intensificar) o grau da propriedade relevante associado ao argumento do adjetivo, há diferenças na interpretação de um modificador de grau ou de outro. “Toda molhada” se comporta como escala fechada no grau máximo: não há grau de umidade acima do exibido pelo indivíduo modificado por “todo” +

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adjetivo (12a). Já a sentença com “muito molhada” aceita a continuação que implica uma elevação do grau da umidade exibido pelo argumento do adjetivo (12b).

(12) a. # A camiseta pendurada no varal está toda molhada, mas vai ficar ainda mais molhada se tomar chuva.

b. A camiseta pendurada no varal está muito molhada, mas vai ficar ainda mais molhada se tomar chuva.

Se uma camiseta “toda molhada” receber chuva, ela não vai reter mais umidade: a água vai escorrer dela. Já uma camiseta pode estar “muito molhada”, apresentando um grau de umidade de 30%, alto demais para vesti-la num bebê; mas ela ainda pode reter mais umidade. “Muito” + adjetivo requer que o indivíduo exiba a propriedade num grau alto, mas não necessariamente máximo. A modificação do adjetivo por “todo” implica que o indivíduo apresenta a propriedade no grau máximo. Outra diferença está na explicitação de parâmetros: sentenças encaixadas de finalidade ou restrição iniciadas por “para” são aceitas por “muito” + adjetivo (13b), mas ficam estranhas com “todo” + adjetivo (13a).

(13) a. # A camiseta está toda molhada para o bebê vestir. b. A camiseta está muito molhada para o bebê vestir.

Expressões como “para o bebê vestir” explicitam um parâmetro extrínseco. Com o mesmo grau da propriedade, um indivíduo pode estar muito molhado segundo um parâmetro e pouco molhado segundo outro. A mesma camiseta, com 30% de umidade, pode estar “muito molhada” para o bebê vestir, levando em conta que a saúde de uma criança requer que ela vista roupas secas; e não estar “muito molhada” para ser deixada no varal na iminência de chuva. O estatuto de “todo” + adjetivo não muda com o contexto. Recolhendo a roupa do varal, para que não tome chuva, não vou trazer para dentro de casa peças que estejam vertendo água, como uma camiseta “toda molhada”; porque fariam poças dentro de casa. Mas certamente traria uma camiseta com 30% de umidade. Se uma camiseta está “toda molhada” numa situação, ela continuará “toda molhada” por mais que o contexto seja alterado. Isso porque o parâmetro de “todo” + adjetivo é intrínseco. É exclusivamente a densidade de água presente na camiseta da situação relevante que decide se ela está “toda molhada”. Daí (14a) não ser uma contradição, mas (14b), sim.

(14) a. Esta camiseta está muito molhada para o bebê vestir, mas não está muito molhada para ser recolhida do varal.

b. Esta camiseta está toda molhada (para o bebê vestir) e não está toda molhada (para ser recolhida do varal).

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Como vimos, o sintagma adjetival (AP) formado por “todo” + adjetivo apresenta parâmetro intrínseco, enquanto o AP formado por “muito” + adjetivo apresenta parâmetro extrínseco. “Very” seleciona adjetivos de parâmetro extrínseco e “well”/ “much”, de parâmetro intrínseco. Os APs do PB apresentam uma complementaridade semelhante à observada em inglês quanto à seleção dos adjetivos por modificadores de grau. “Todo” + adjetivo tem a interpretação e o comportamento de um adjetivo absoluto, de escala fechada; “muito” + adjetivo se comporta e é interpretado como um adjetivo relativo, de escala aberta. A complementaridade vale mesmo para APs com adjetivos de escala aberta, como “feliz”.

(15) a. #João está todo feliz com o casamento da filha, mas deveria ter ficado mais feliz. b. João está muito feliz com o casamento da filha, mas deveria ter ficado mais feliz. Apesar de “feliz” ser um adjetivo relativo, “todo feliz” se comporta como um adjetivo absoluto: o AP marca o máximo grau de felicidade que João pode sentir frente ao casamento da filha (15a). Já “muito feliz” pode descrever um grau menor que o máximo (15b). Além disso, o grau de felicidade a que João é mapeado em “todo feliz” não varia com o contexto, mas o grau a que João é mapeado com “muito feliz”, sim. Daí (15a) ser contraditório e (15b), não. “Todo feliz” também não aceita a explicitação do parâmetro extrínseco (16a) , que é perfeitamente aceitável para “muito feliz” (16b).

(16) a. #João está todo feliz (para medir despesas), mas não está todo feliz (com a decoração da igreja).

b. João está muito feliz para medir despesas, mas não está muito feliz com a decoração da igreja.

“Muito” + adjetivo se comporta como adjetivos de escala fechada; “todo” + adjetivo, como os de escala aberta. “Muito” + adjetivo apresenta parâmetro extrínseco; “todo” + adjetivo, parâmetro intrínseco. Os dois APs mostram total complementaridade.

5. Fechamento

O PB não mina a hipótese de que as estruturas de escalas sejam universais, dado que seus AGs se encaixam nos tipos de escala e nos parâmetros propostos por Kennedy & McNally (2005). Em inglês, tipos de escala regem a escolha dos adjetivos que serão modificados por “very”, “well” ou “much”; em PB, tipos de escala regem a interpretação e o comportamento de expressões formadas pela modificação de adjetivos (APs). Diferentemente do inglês, O PB não tem modificadores (MGs) especializados em AGs com esta ou aquela estrutura de escala. Porem, há total complementaridade no produto da

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modificação de AGs pelos MGs “muito” e “todo”. A expressão “muito” + AG exibe sempre escala aberta e leitura relativa; “todo” + AG exibe sempre escala fechada e leitura absoluta.

A diferença entre as duas línguas no domínio das escalas replica a observada no domínio nominal: a distinção massivos-contáveis guia a seleção de nominais por determinantes em inglês, mas só se manifesta em sintagmas de determinante em PB. Assim como os MGs do inglês são especializados em tipos de escala, seus determinantes são especializados em nomes de massa (“much salt” , *“much dogs” ) ou em contáveis (*“many salt”, “many dogs”). Assim como os determinantes do PB não apresentam tal especialização, os MGs do PB também não são especializados em tipos de escala. Em PB, a distinção massivos-contáveis só se manifesta em sintagmas de determinante (“A duna tem 1 m de altura”, *“A areia tem 1 m de altura”), do mesmo modo que a distinção relativos-absolutos só se manifesta no composto MG + AG (“João está muito feliz e ficará mais feliz ainda”;* “João está todo feliz e ficará mais feliz ainda”).

A estrutura das escalas (Kennedy e MacNally, 2005) pode bem ser um universal linguístico. Dependendo da língua, o tipo de escala pode distinguir entre os AGs selecionados por MGs (inglês) ou distinguir os sintagmas complexos MG + AG (os APs, em PB); o lugar de sensibilidade à estrutura da escala pode ser um parametrizável.

Referências

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