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XV Congresso Brasileiro de Sociologia 26 a 29 de julho de 2011, Curitiba (PR) Grupo de Trabalho: Violência e Sociedade Título do Trabalho: O Acesso à

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XV Congresso Brasileiro de Sociologia 26 a 29 de julho de 2011, Curitiba (PR) Grupo de Trabalho: Violência e Sociedade

Título do Trabalho: O Acesso à Justiça no Brasil das Mulheres em situação de violência

Autoras: Márcia Santana Tavares – UFBA; Marcia Queiroz de Carvalho Gomes – UFPB; Cecília Maria Bacellar Sardenberg – UFBA

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O Acesso à Justiça no Brasil das Mulheres em situação de violência

Márcia Tavares1 Márcia Gomes2 Cecília Sardenberg3

Resumo:

Analisa-se um estudo qualitativo, desenvolvido em nove capitais de estados brasileiros, com mulheres em situação de violência, a fim de desvendar suas percepções acerca do atendimento oferecido nas Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher e sobre a Lei Maria da Penha. Aplicou-se entrevistas semi-estruturadas com 253 mulheres, que revelam pouco ou nenhum conhecimento sobre a Lei Maria da Penha, o papel e atribuições das Delegacias e Juizados, bem como dos serviços de apoio, daí a necessidade de intensificar o debate sobre o tema; difundir informações e fortalecer a articulação entre as políticas intersetoriais e os movimentos sociais.

Palavras Chaves: Acesso à Justiça; Violência contra a Mulher; Monitoramento

da Lei Maria da Penha.

Introdução:

Os movimentos feministas e de mulheres vêm lutando há mais de trinta anos para conferirem visibilidade à violência contra a mulher e pela implantação de políticas de sensibilização e enfrentamento, desde as primeiras iniciativas, na década de 1970, por meio de passeatas que reivindicavam o fim

1

Professora do Curso de Serviço Social da Universidade Federal da Bahia – UFBA; Doutora em Ciências Sociais pela UFBA, pesquisadora associada do NEIM e Coordenadora Nacional de Pesquisa do OBSERVE.

2

Professora Adjunta da Universidade Federal da Paraíba – UFPB; Doutora em Ciências

Sociais pela UFBA, pesquisadora associada do NEIM e Coordenadora Regional Nordeste do OBSERVE.

3

Professora do Programa de Pós-Graduação PPGNEIM/UFBA, Doutora em Antropologia pela Boston University, pesquisadora associada do NEIM e Coordenadora Nacional do OBSERVE.

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da condescendência da sociedade e punição dos agressores, bem como a criação de leis e de serviços específicos.

O processo de institucionalização das demandas dos movimentos feministas e de mulheres para combater a violência contra as mulheres pode ser sintetizado em três momentos4: inicialmente, a criação das delegacias da mulher, em meados dos anos 1980; em segundo lugar, a implantação dos Juizados Especiais Criminais, em meados dos anos 1990; por último, a sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006, popularmente conhecida como Lei “Maria da Penha” (SANTOS, 2010).

Os anos 1980 foram marcados pelas denúncias sobre a impunidade da violência contra as mulheres, cuja intensa mobilização feminista culminou na criação do SOS Mulher, serviços voltados para o atendimento de mulheres vítimas de violência, mas também na implantação de Conselhos de Direitos da Mulher – no âmbito nacional, estadual e municipal – e, das delegacias especializadas da mulher – DEAMs, para atendimento às vítimas de violência.

A década de 1980 caracterizou-se também por mudanças no campo jurídico, iniciadas com a Constituição Federal de 1988. A pressão exercida pelos movimentos feministas, pelo movimento organizado de mulheres e pelos conselhos de direitos das mulheres foi fundamental para que o texto constitucional decretasse a igualdade entre os sexos no inciso 1 do artigo 5º, ao mesmo tempo em que determinava no § 8º a garantia de assistência do Estado a todos os membros do grupo familiar, através da criação de mecanismos capazes de coibir a violência na esfera de suas relações.

Em 1995, com a Lei 9.099/95, foram instituídos os Juizados Especiais Criminais (JECRIMs) que, acreditava-se, tornariam mais ágil o acesso à justiça, no caso de conflitos de natureza penal, quando o crime apresentasse menor potencial ofensivo. No entanto, o cumprimento da referida Lei mostrou-se um equívoco, pois em nome da agilidade, os (as) conciliadores deixavam os agressores em liberdade e apenas aplicavam uma multa, geralmente o pagamento de cestas básicas, como forma de reparar os danos causados, demonstrando claro desconhecimento acerca das particularidades das relações

4

Para maior detalhamento acerca da luta dos movimentos de feministas e de mulheres e sua repercussão sob a forma da criação de leis e serviços específicos, ver, por exemplo, SANTOS (2008); CFEMEA (2009); MACHADO (2010).

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de gênero que permeiam os conflitos, bem como o caráter cíclico que caracteriza a violência contra a mulher (QUEIROZ, 2008).

Após uma década de protestos contra a atuação dos JECRIMs, foi fundado um consórcio de entidades feministas e juristas, com o objetivo de formular uma proposta de lei que, não só revogasse a competência dos JECRIMs para julgar os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, como estabelecesse parâmetros para prevenção, punição e erradicação da referida violência. O projeto de lei foi encaminhado ao Executivo Federal em 2004 e a Lei de Enfrentamento à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, Lei nº 11.340, a Lei Maria da Penha, foi sancionada em 2006, entrando em vigor no mesmo ano (AQUINO, 2008; CFEMEA, 2009).

No ano seguinte, o governo federal instituiu o Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, com o objetivo de prevenir e enfrentar quaisquer manifestações de violência contra as mulheres. O Pacto Nacional, sob a coordenação da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres – SPM5

, prevê o desenvolvimento de um conjunto de ações a serem realizadas no período de 2008 a 2011, na área da educação, no mundo do trabalho, na saúde, na segurança pública, na assistência social entre outras (BRASIL, 2007). Uma das áreas estruturantes do Pacto é a consolidação da Política Nacional de Enfrentamento da Violência contra as Mulheres e Implementação da Lei Maria da Penha que inclui, dentre outras ações, a implementação e funcionamento do Observatório da Lei Maria da Penha.

O Observatório Lei Maria da Penha – OBSERVE, liderado pelo NEIM – Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher, da UFBA – Universidade Federal da Bahia, é uma instância autônoma, da sociedade civil, constituída por um consórcio que reúne nove organizações não-governamentais e núcleos de pesquisa universitários6 das cinco regiões do país e, foi instalado em 2007,

5

Cabe destacar que, desde 2003, a SPM atua no enfrentamento à violência contra as mulheres, respaldada na Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, estruturada com base nos princípios propostos no Plano Nacional de Política para as Mulheres – PNPM (2004) e, define a responsabilidade do Estado no tocante à estruturação e ampliação da rede de serviços especializados, conscientização e capacitação de agentes para assegurar prevenção e atendimento integral e apoio a projetos educativos e culturais, de forma a ampliar o acesso das mulheres à justiça (BRASIL, 2007).

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O OBSERVE é formado pelas seguintes organizações não-governamentais e núcleos de pesquisa universitários: Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher – NEIM/UFBA;

AGENDE – Ações em Gênero (desativada em 2011); NEPEM/UNB – Núcleo de Estudos e

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NEPP-tendo como objetivo principal monitorar e acompanhar o processo de implementação e aplicação da Lei Maria da Penha, em todo território brasileiro, através de coleta, análise e publicização de informações úteis para o movimento de mulheres e para as instituições públicas responsáveis pelas formulação e operacionalização de políticas públicas de enfrentamento da violência doméstica e familiar contra as mulheres.

Dentre as ações desenvolvidas pelo OBSERVE, pode-se destacar as seguintes: a) Lançamento do Site do Observatório : Portal do Observatório de Monitoramento da Lei Maria da Penha, <www.observe.ufba.br>, com o objetivo de divulgar notícias nacionais e regionais, artigos científicos, legislação vigente no país, convenções e pactos internacionais, resultados de pesquisas e demais informações concernentes à violência contra a mulher; b) construção de uma metodologia de monitoramento que possibilite verificar, observar, acompanhar e comparar o desempenho (implementação, aplicação e impactos) da Lei Maria da Penha, ao longo do tempo e em diferentes espaços territoriais; c) capacitação de pesquisadoras de forma a habilitá-las para acompanharem a implementação e aplicação da LMP em todas as capitais do país, assegurando a uniformidade das informações e, consequentemente, maior fidedignidade dos dados coletados, bem como treinamento de pesquisadoras selecionadas para desenvolverem estudos de caso nas capitais regionais que sediam o Observatório: Belém, Salvador, Brasília, Rio de Janeiro e Porto Alegre; d) realização da pesquisa “Condições para aplicação da Lei Maria da Penha nas DEAMS e nos Juizados de Violência Doméstica e Familiar”, nas 26 capitais brasileiras e no Distrito Federal.

A pesquisa sobre as condições de aplicação da Lei Maria da Penha nas DEAMS e Juizados/Varas de Violência Doméstica e Familiar nas capitais identificou, tanto nas DEAMs quanto nos Juizados, a inexistência de um banco de dados sistematizado e unificado. São poucas as Delegacias que mantêm um banco de dados contendo informações sobre as vítimas e seus agressores (dados relativos a idade, cor/raça, relação da vítima com o agressor), bem como sobre o número de crimes e contravenções registrados, conforme

DH/UFRJ – Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em Direitos Humanos; Coletivo Feminino

Plural; THEMIS – Assessoria Jurídica e Estudos de Gênero; NIEM/UFRGS – Núcleo

Interdisciplinar de Estudos sobre a Mulher e Relações de Gênero; GEPEM/UFPA – Grupo de Estudos e Pesquisas Eneida de Moraes sobre Mulheres e Relações de Gênero).

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especificado na Lei Maria da Penha. Nos Juizados, também não há registros das ações ajuizadas de crimes e contravenções, de processos criminais iniciados e de condenações e absolvições, nem tampouco do número de medidas protetivas encaminhadas pelas DEAMs, deferidas e indeferidas pelos Juizados, o que impede o acompanhamento da aplicabilidade efetiva da Lei (GOMES & TAVARES, 2010).

Conforme Gomes e Tavares (2010), a pesquisa revelou também que as DEAMs, assim como os Juizados, não mantêm dados atualizados sobre seus funcionários, principalmente no tocante a qualificação e capacitação7, o que indica desinteresse em formar equipes comprometidas com a defesa da igualdade de gênero na sociedade e, por conseguinte, empenhadas com a plena aplicação da Lei. Além disso, não foi encontrado nas DEAMs ou Juizados registro ou qualquer tipo de protocolo relativo a encaminhamentos das mulheres em situação de violência para outros serviços da rede. Em muitos casos, constatou-se o desconhecimento acerca da existência de serviços especializados, para os quais as mulheres poderiam ser encaminhadas nos municípios. Mesmo quando isso ocorre, os encaminhamentos são realizados informalmente, sem protocolo de referência e contra-referência, o que inviabiliza a identificação dos serviços parceiros e o acompanhamento da rota crítica que as mulheres percorrem.

Conforme Pasinato (2010), o que mais chama a atenção nos resultados da pesquisa é a posição marginal que as delegacias especializadas ainda ocupam nas políticas de segurança pública dos estados, pois muitos dos problemas identificados, tais como infraestrutura inadequada e recursos materiais insuficientes para atendimento adequado, espelham a posição que estas delegacias ocupam no organograma institucional, sem prestígio entre os próprios policiais que consideram uma punição serem designados para trabalhar no local.

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De acordo com o relatório de monitoramento do II Plano Nacional de Políticas para Mulheres,

em 2009, foram investidos R$ 12.663.230,12 em capacitação, com a qual foram contemplados

14.665 profissionais das redes de serviços especializados no atendimento de mulheres em situação de violência, que atuam nas áreas de segurança pública, justiça, saúde e assistência social. Relatório disponível em http://www.sigspm.spmulheres.gov.br/relatorios.php.

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Ainda de acordo com Pasinato (2010), as entrevistadas e os entrevistados da pesquisa declaram que houve um aumento de registros policiais e processos judiciais em todo o país. Então, não há dúvida de que a “Lei Maria da Penha pegou”, embora não se possa confirmar as causas desse aumento – se pode ser atribuído ao crescimento da violência ou ao empenho das mulheres em procurarem seus direitos – é consenso a assertiva de que as mulheres têm buscado mais informações acerca desses direitos. Tal percepção se sustenta também nos atendimentos realizados pela Central 180, que computou 407.019 registros relativos a informações sobre a Lei Maria da Penha, o que corresponde a cerca de 1/3 dos atendimentos realizados pelo serviço entre abril de 2006 e outubro de 2010.

Os resultados da pesquisa sobre as condições de aplicação da Lei Maria da Penha nas DEAMS e Juizados/Varas de Violência Doméstica e Familiar nas capitais suscitaram as seguintes indagações: Como e em que medida vem se dando o acesso à justiça das mulheres em situação de violência? O que pensam as mulheres em situação de violência acerca do atendimento oferecido nas Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher – DEAMs? Qual é exatamente o grau de conhecimento dessas mulheres acerca da Lei Maria da Penha? Estas são algumas das questões que levaram o OBSERVE a realizar mais uma pesquisa, desta feita voltada para investigar o Acesso à Justiça das Mulheres em situação de Violência no Brasil”.

Este artigo pretende socializar os resultados da pesquisa, um estudo qualitativo desenvolvido em nove capitais brasileiras, sob a coordenação do Observatório de Monitoramento da Implementação e Aplicação da Lei Maria da Penha – OBSERVE, com o objetivo de conhecer e refletir sobre as experiências de mulheres em situação de violência que buscam o atendimento policial, a fim de romper com essa situação. Mais precisamente, a pesquisa propõe-se a revelar tanto as percepções de mulheres em situação de violência acerca do atendimento oferecido nas Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher – DEAMs, como o seu grau de conhecimento acerca da Lei Maria da Penha entre outros aspectos.

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Percurso Metodológico

A pesquisa “Acesso à Justiça das Mulheres em situação de Violência no Brasil” foi realizada em nove capitais de estados brasileiros, distribuídas nas cinco regiões do país, por uma equipe de pesquisadoras locais (residentes nas capitais contempladas no estudo), selecionadas em função de sua familiaridade com a temática e capacitadas para o seu desenvolvimento no tocante à aplicação do instrumental técnico, que também contaram com o acompanhamento e supervisão das coordenadoras da pesquisa, durante a operacionalização da pesquisa, a fim de garantir o rigor cientifico, imprescindível em qualquer processo investigativo.

Considerando as dimensões geográficas do Brasil e a diversidade de condições de vida e de acesso a bens e serviços, especialmente às instituições voltadas ao combate da violência contra a mulher, a pesquisa buscou ouvir mulheres em situação de violência residentes em capitais situadas nas cinco regiões do país, a saber: na Região Norte: Manaus e Boa Vista; na Região Nordeste: São Luis, Teresina e Salvador; na Região Centro-Oeste: Campo Grande; Região Sudeste: São Paulo e Belo Horizonte; Região Sul: Porto Alegre.

Conforme já mencionado, a coleta de dados foi realizada através de entrevistas semi-estruturadas, aplicadas logo após as mulheres saírem das dependências das Delegacias Especializadas, cujo roteiro baseou-se em quatro questões centrais que serviram de guia para suas narrativas. No primeiro momento, buscou-se identificar a experiência de buscar ajuda junto à delegacia da mulher, os motivos e o tempo que levaram para tomar essa decisão. No segundo momento, procurou-se perceber o que as mulheres esperavam da delegacia, o que foi feito quanto ao atendimento, encaminhamentos e orientações recebidas, assim como a percepção das mulheres sobre a contribuição da delegacia no combate à violência contra a mulher. No terceiro momento, procurou-se investigar qual o conhecimento que elas têm sobre a rede de serviços de atendimento à mulher em situação de violência e, sobretudo, acerca dos direitos garantidos pela Lei Maria da Penha.

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Por fim, colheu-se informações sobre as condições socioeconômicas das entrevistadas, a fim de traçar um perfil dessas mulheres. Fez-se uso também de um caderno de campo que, além de descrever as condições de coleta de dados, registra as observações, percepções e sentimentos das pesquisadoras no processo de entrevista com as mulheres.

Alguns Resultados

Foram entrevistadas 231 mulheres com idade entre 12 e 80 anos, sendo oito menores de 18 anos (uma de 12, 15 e 16 e cinco de 17 anos), e três maiores de 60 anos (62, 66, 80 anos). A faixa etária predominante foi a compreendida entre 30 e 39 anos e 18 a 29 anos. Esta situação só se inverte na Região Norte, onde 52% das mulheres entrevistadas se encontram na faixa de 18 a 29 anos, especialmente em Manaus (68%), o que pode ser atribuído ao fato de as mulheres mais jovens se mostraram mais receptivas a participar da pesquisa, inclusive considerando-a como mais um instrumento de denúncia, tanto da situação de violência vivida por elas quanto do atendimento recebido nas DEAMs.

No tocante à escolaridade, identificou-se que há uma predominância de mulheres com nível de escolaridade correspondente ao ensino fundamental e fundamental incompleto, em torno de 46,3% do total. No entanto, diferentemente dos indicadores apresentados pelo IBGE (2010), houve um número maior de mulheres com ensino médio, especialmente nas regiões Norte e Sul (42 e 40% respectivamente). Já com ensino superior completo, foram investigadas 22 mulheres. Embora os dados não permitam uma generalização, deve-se observar que, os valores relativos à escolaridade mudam de uma região para outra, da mesma forma que não se pode ignorar o fato de as mulheres com maior grau de escolaridade e/ou oriundas de classes mais privilegiadas disporem de outros meios/recursos para lidarem com a violência (ISUMINO, 2004; PASINATO & SANTOS, 2008)

Com relação à variável raça/etnia, há uma predominância de mulheres que se autorepresentam como pardas (44,2%), especialmente nas regiões Norte, Nordeste e Sudeste – 62%, 52% e 48,2% respectivamente-, de

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mulheres brancas no Centro-Oeste e Sul – 76% e 56% respectivamente. Todas as mulheres indígenas concentram-se na região Norte, perfazendo 22% do total de entrevistadas da região.

Quanto à situação conjugal, 49,4% das mulheres que participaram da pesquisa declararam-se solteiras, o que não significa que não coabitem ou tenham uma união estável com seus companheiros, situação que fica clara quando declaram sua relação com o agressor. Das mulheres entrevistadas, 88,7% têm filhos. O número de filhos varia entre um e nove filhos, porém 57,4% possuem de um a dois filhos e 36,3% de três a quatro filhos.

A maior parte das mulheres (68,4%) exerce atividade remunerada através de emprego fixo (56,3%) desempenhando funções variadas, tais como auxiliar de administração, auxiliar de contabilidade, ajudante de cozinha, assistente comercial, balconista, operadora de caixa, auxiliar de enfermagem, enfermeira, assistente social, professora, etc. Mas, também há mulheres que atuam como autônomas (24,1%), trabalhando como vendedoras, cabeleireiras, manicuras, diaristas, lavadeiras, costureiras, massagistas e decoradoras, ou ainda aquelas são empregadas domésticas (12,7%) e funcionárias públicas (5,1%). De modo geral, as mulheres desenvolvem atividades laborais situadas em “guetos femininos”, isto é, espaços sócio-ocupacionais tradicionalmente designados como femininos (AZEVEDO apud AQUINO, 2010).

Das 231 mulheres que fizeram parte da pesquisa, 137 (59,3%) estavam buscando a DEAM pela primeira vez, enquanto 94 (40,7%) já haviam estado naquela delegacia outra(s) vez(es). Em grande parte, as mulheres que já procurara anteriormente a delegacia o fizeram a mais de um ano atrás e em geral para registrar queixa contra o mesmo agressor. Isso nos faz refletir sobre os caminhos que os registros das queixas prestadas pelas mulheres vêm tomando, ou seja, os dados indicam a urgência de se fazer o acompanhamento dos casos registrados nas DEAMs para que se possa identificar as possíveis falhas no curso do processo que impedem, de fato, a ruptura do ciclo de violência que enreda a vida dessas mulheres.

Encontramos entre as entrevistadas, mulheres que sofreram violência praticada por companheiros, maridos ou namorados, em relacionamentos atuais oufindos, assim como por parentes (enteado, genro, ex-genro, cunhado,

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filho) e outros (amigo, cliente, colega de trabalho, desconhecido, vizinho. Há uma predominância da violência cometida por maridos, ex-maridos e companheiros. Esse mesmo resultado é encontrado em todas as regiões pesquisadas exceto nas duas cidades da região sudeste onde a maior incidência é de mulheres que sofreram violência dos seus companheiros (São Paulo 43,3% e Belo Horizonte 34,6%) e, coincide com os dados obtidos em outras pesquisas desenvolvidas no Brasil.8

Entre as queixas prestadas pelas mulheres entrevistadas, predomina a violência física, seja ela considerada separadamente ou explicitamente combinada com violência psicológica e moral. Mais precisamente, identifica-se a violência no âmbito doméstico ou em qualquer outra relação interpessoal, em que o agressor conviva ou tenha convivido com a mulher no mesmo domicílio, compreendendo, entre outras, as violências física, psicológica, sexual, moral e patrimonial (Lei 11.340/2006).

As mulheres veem a delegacia da mulher como um espaço de acolhimento e justiça ou como colocam algumas "[...] é a única polícia que fica do lado da mulher nestas horas. As outras simplesmente acham que apanhamos porque gostamos" ou ainda, "[...] é a única delegacia que ajuda as mulheres". As mulheres, ao procurarem a delegacia, esperam registrar a ocorrência, mas se um grande número delas busca proteção ou, especificamente, solicitar medidas protetivas, outras pretendem obter informações e orientações sobre como proceder para garantir seus direitos, especialmente direitos relativos aos bens materiais, desde a posse ou permanência na residência do casal, recebimento de pensão alimentícia ou a guarda definitiva dos filhos. Mesmo não conhecendo muito bem as "medidas protetivas" previstas na Lei Maria da Penha, as entrevistadas sabem para que servem e a relacionam à Lei, isto é, associam tais medidas à ideia de segurança e fim da violência conferidos por esse instrumento jurídico.

O estudo mostra que cerca de 40% das mulheres entrevistadas prestaram queixa do agressor logo após terem sido agredidas, (56 mulheres foram imediatamente à delegacia e 35 entre um a três dias após o ocorrido).

8 Ver, por exemplo, os estudos com mulheres em situação desenvolvidos por Deek e outros

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Contudo, para 49 mulheres, a decisão de se dirigirem à DEAM pode demorar bastante tempo, às vezes mais de 10 anos, apenas sendo tomada quando as mulheres se veem sem alternativa ou esperança de resolver a situação como demonstra o seguinte depoimento:

Há muito tempo que eu sofro agressões. Meu marido começou a me agredir de 20 anos pra cá. Eu tinha medo, agora eu tive coragem. Essa é a primeira vez, nesses 20 anos que decidi procurar a DDM. Vim registrar um BO. Resolver isso de uma vez.

Saffioti (1999) nos lembra que a violência doméstica ocorre em uma relação afetiva, o que leva a mulher a ter dificuldade de se desvencilhar do parceiro, mesmo que seja violento, sendo necessária uma intervenção externa. Isso porque, ao mesmo tempo em que ela tenta romper a relação, ensaia movimentos de reaproximação, o que a leva a conviver durante décadas com o

agressor. Outra situação preocupante revelada pela pesquisa diz respeito à

demora no atendimento, desde o momento da denúncia à oitiva do acusado (chamado nas DEAMs de audiência) que é vivido como um período muito estressante pelas mulheres. A possibilidade de sofrer agressão do denunciado, que a leve à morte é sempre aventada pelas mulheres, reforçada pelos inúmeros casos que têm vindo a público atualmente. Este talvez seja um dos motivos de não prosseguimento de processos, conforme mostra o seguinte depoimento:

Eu esperava que fosse feito justiça logo, mas só após o registro de quatro ocorrências, quatro BO's registrados, depois que ele me rasgou com as unhas e quebrou o meu braço que foi intimado

Apesar do investimento feito pelo Estado a fim de capacitar as equipes de atendimento das DEAMs, estas equipes demonstram despreparo na condução dos atendimentos e realização dos procedimentos adequados, ou seja, os atendimentos são feitos com descaso e de forma rápida, as mulheres não são informadas acerca de seus direitos, suas dúvidas não são esclarecidas nem tampouco seus relatos e demandas são escutados, conforme evidencia o depoimento abaixo:

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Não me senti acolhida. Eles não têm preocupação. [...] Eu acho que na 1ª DEAM tinha que ter psicólogo, não tá tendo, só tem na lei. Eu não me senti bem, parece que a gente que é culpada. [...] A DEAM nunca acolhe, ela julga, aliás, ficam procurando motivo. DEAM só serve quando você chega toda arrebentada, toda estrupiada, para eles prenderem a pessoa e acabou. [...] A DEAM não protege. Ela prende e solta. [...] Não sei nada. Sem resposta, sem saber o que fazer. Igual a 4 anos atrás quando eu vim na DDM. Os homens sabem que a DDM não vai fazer nada, se sentem os donos do poder. Hoje, a mulher passa pela mesma coisa, vive a mesma situação de agressão.

As respostas oferecidas às mulheres nas DEAMs se mostram inadequadas e insuficientes, mas há casos ainda mais graves, seus relatos revelam que as mulheres têm sido dissuadidas por funcionários da delegacia a prestar queixa, ou seja, impedidas de ter acesso aos seus direitos e acionar os procedimentos previstos em lei. Também contrariando o que recomenda a LMP, continuam sendo feitas tentativas de mediação e conciliação, conforme demonstra o seguinte relato:

Registraram BO e me mandaram chamar meu marido para assinar um acordo de Bem viver.

Outra situação preocupante revelada pela pesquisa diz respeito à morosidade no encaminhamento dos inquéritos que são instaurados nas DEAMs. De acordo com o depoimento de uma das mulheres investigadas:

Eles fizeram um BO e falaram que eu tinha o prazo de 6 meses para abrir um processo contra ele. Ontem eu chamei a polícia pelo 190, mas até agora não apareceram. No 112º DP falaram que lá eles não resolvem essas coisas, que isso é briga de marido e mulher.

Mesmo em face de toda essa situação, grande parte das mulheres (70%) acredita que a DEAM ajuda a combater a violência contra a mulher, o que coincide com a pesquisa de opinião desenvolvida por Pasinato (2008) em Belo Horizonte, na qual 76,6 % das mulheres exaltam a contribuição das DEAMs para diminuição de maus tratos entre os casais.

Por outro lado, são poucas as mulheres que conhecem a lei e, mesmo aquelas que têm alguma noção, apenas se referem às medidas protetivas, o

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que sugere desconhecimento das medidas preventivas, ao mesmo tempo em que indica o quanto esse instrumento jurídico carece de maior publicização e divulgação entre as mulheres. Além disso, se as mulheres entrevistadas já ouviram falar da Lei Maria da Penha, do total de 231 mulheres, a maioria (+ de 60%), desconhece os direitos garantidos pela Lei, o que se mostra preocupante e demonstra a necessidade de uma maior divulgação acerca desse instrumento jurídico nas comunidades.

Considerações Finais

A pesquisa revela que grande parte das mulheres entrevistadas desconhece a Lei Maria da Penha e, por conseguinte, estão impossibilitadas de terem acesso aos direitos que a referida Lei lhes confere. Assim, mesmo que sejam orientadas por terceiros a denunciarem a violência sofrida nas DEAMs, a sua ignorância em relação à Lei as impede de reagir contra a morosidade, o descaso e exigirem que suas demandas sejam atendidas e seus direitos respeitados. Desde modo, a Lei Maria da Penha, assim como o papel e atribuições das Delegacias e Juizados devem ser publicizados junto à população feminina. Finalmente, as mulheres entrevistadas também desconhecem os serviços de apoio, o que aponta para a necessidade de uma ação mais efetiva no tocante à criação de espaços e instrumentos que fomentem o debate sobre a violência contra a mulher, mas também de difusão de informações, o que requer uma maior articulação entre as políticas intersetoriais e os movimentos sociais.

Referências

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Referências

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