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SEMIÓTICA E IMAGINÁRIO: CAMINHOS CONVERGENTES PARA A APREENSÃO DO(S) SENTIDO(S)

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SEMIÓTICA E

LINGÜÍSTICA GERAL

SEMIÓTICA E IMAGINÁRIO: CAMINHOS CONVERGENTES

PARA A APREENSÃO DO(S) SENTIDO(S)

Geraldo Vicente Martins

São Paulo

2006

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SEMIÓTICA E

LINGÜÍSTICA GERAL

SEMIÓTICA E IMAGINÁRIO: CAMINHOS CONVERGENTES

PARA A APREENSÃO DO(S) SENTIDO(S)

Geraldo Vicente Martins

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Semiótica e Lingüística Geral, do Departamento de Lingüística da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, para obtenção do título de Doutor em Semiótica e Lingüística Geral.

Orientador: Prof. Dr. Cidmar Teodoro Pais

São Paulo

2006

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aos que não pioram com ele.

À Maria de Lourdes, pela vida, e à Edvânia, pelo sentido da vida – cuja tradução é o amor –, entrego um pouco dos frutos que elas tornaram possíveis florescer.

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diálogo com os outros que se constroem as idéias e se realiza o trabalho. Agradecer-lhes, portanto, é reconhecer sua importância em nossas realizações; por isso, minha mais profunda gratidão:

ao Professor Doutor Cidmar Teodoro Pais, pela lição de respeito e dignidade no convívio com o saber, além das frutíferas sessões de orientação;

às Professoras Doutoras Maria Thereza Strôngoli e Liana Sálvia Trindade, pelas contribuições dadas no Exame de Qualificação. À primeira, devo também o estímulo inicial para este trabalho;

à Professora Doutora Maria Aparecida Barbosa, cuja integridade humana e intelectual foi, em grande parte, motivadora do desenvolvimento desta tese;

aos Professores do Departamento de Lingüística, em especial Ivã e Marcos Lopes, Antônio Vicente e Norma Discini, pelas questões levantadas em diversos momentos;

ao Júlio e ao Inácio, e aos demais colegas do NUPLIN, pela interlocução constante, além dos congressos e, sobretudo, da amizade;

aos meus familiares – especialmente, a meus irmãos, pelo carinho, a força e o incentivo constantes;

à Edvânia, cujo amor é a inspiração e a força de toda a minha existência; à CAPES, pelo apoio financeiro;

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O presente trabalho realiza uma aproximação entre as teorias semiótica discursiva e antropologia do imaginário, cujas formulações ocorreram em torno, respectivamente, de Algirdas Julien Greimas e Gilbert Durand, e servem de sustentação ao trabalho de análise de discursos os mais diversos: literários, folclóricos, publicitários e jurídicos, entre outros.

Para alcançar tal objetivo, adotou-se o seguinte procedimento: abordar os principais conceitos relativos às duas teorias, discutindo suas implicações e a perspectiva de convergência entre eles. Essa escolha motivou a pesquisa a se direcionar em vista dos seguintes objetivos: redimensionar as polêmicas entre Greimas e Durand em torno das premissas epistemológicas que deram origem às suas propostas teóricas, focalizando a pertinência de cada uma delas; analisar as possíveis convergências entre os conceitos dos dois conjuntos; e verificar as possibilidades de integração, adaptação e incorporação entre eles.

Diante dos resultados obtidos, pôde-se concluir que as divergências apontadas de ambos os lados constituíram-se a partir de considerações superficiais, resultando muito mais da defesa veemente que cada autor fazia de suas idéias do que propriamente da incoerência ou incompatibilidade entre elas; quanto à análise das convergências possíveis entre os conceitos e seus desdobramentos, verificou-se a pertinência da proposta responsável pelo desenvolvimento do trabalho, sobretudo em relação a conceitos fundamentais das teorias, a saber: pela semiótica discursiva,

semi-símbolo, isotopias figurativas, instância de enunciação, modos de existência e modalidades e junção, e, pela antropologia do imaginário, símbolo, regimes de imagens, trajeto antropológico, estruturas e esquemas verbais.

Palavras-chave: semiótica discursiva; antropologia do imaginário; análise do discurso; conceitos fundamentais; convergência.

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This dissertation brings discursive semiotics and anthropology of the imaginary closer together, which includes their respective formulations that were developed around Algirdas Julien Greimas and Gilbert Durand. These theories are the support to the analysis of several discourses such as: literary, folkloric, advertising and legal among others.

In order to accomplish the goals, major concepts of both theories have been approached, discussing their implications and convergence. This choice motivated the research to be directed into a re-dimensioning of polemics between Greimas and Duran concerning epistemological premises that originated both theories, aiming at their pertinence as well as the analysis of possible convergences between the concepts of both settings and the possibility to integrate, adapt and incorporate both of them.

According to the results, it is possible to conclude that divergences of both sides have been built from superficial considerations, much more as a result of the defense both authors made of their ideas than from an incoherence or incompatibility between both of them. As for the analysis of possible convergences between concepts and their implications, the proposal to develop this dissertation has been proved pertinent, especially concerning fundamental concepts of theories such as: discursive semiotics, semi-symbol, figurative isotopy, enunciation, existence mode and modality and junction, as well as the anthropology of the imaginary, symbol, image regimen, anthropological route, structures and verbal schemes.

Key Words: discursive semiotics; anthropology of imaginary; discourse analysis; fundamental concepts; convergence.

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Introdução... 01 Capítulo I –DAS TEORIAS... 1.1 Primeiras palavras... 1.2 Semiótica discursiva... 1.3 Antropologia do imaginário... 10 10 11 25 Capítulo II –DAS DIVERGÊNCIAS... 2.1 Primeiras palavras... 2.2 A querela entre semiótica e imaginário...

33 33 33 Capítulo III –DAS CONFRONTAÇÕES... 3.1 Primeiras palavras... 3.2 Entre símbolo e semi-símbolo... 3.3 Entre regimes de imagens e isotopias figurativas... 3.4 Entre trajeto antropológico do imaginário e instância de enunciação... 3.5 Entre estruturas e modos de existência e modalidades ... 3.6 Entre esquemas e junção...

49 49 50 62 68 78 85 Capítulo IV –DAS CONVERGÊNCIAS... 4.1 Primeiras palavras... 4.2 Da imperfeição e o simbólico: um ensaio de homologação...

93 93 94

Considerações Finais... 110 Bibliografia... 114

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I

NTRODUÇÃO

Com o presente trabalho, propomo-nos a realizar uma aproximação entre as teorias semiótica discursiva e antropologia do imaginário. Não sendo por acaso que as idéias, responsáveis por nos conduzir rumo aos diversos empreendimentos que assumimos, nascem e tomam forma em nossa existência, torna-se necessário explicar as razões que as motivaram. A elas, pois.

Envolver-se em pesquisa é, para nós, mais que um projeto acadêmico, um projeto de vida, uma vez que a vontade de aprofundar-se no conhecimento da área em que nossos estudos se inserem mescla-se, o tempo todo, com propósitos pessoais. Por isso, desde que, para realizar a dissertação de mestrado, utilizamo-nos da semiótica discursiva para a fundamentação das análises feitas em letras de música do cantor e compositor brasileiro Renato Russo, líder da banda de rock Legião Urbana, de relativo sucesso nas décadas de 1980 e 1990, tomou-nos um grande interesse por essa teoria.

Contraída a “paixão pela semiótica”, não havia outro caminho a seguir, senão o que conduzia à obtenção de maiores informações sobre suas origens, desenvolvimentos e características. Em razão disso, após a conclusão do Mestrado, voltamo-nos para leituras sucessivas de obras que refletiam o percurso de avanços e impasses sobre o qual se construíra esse “projeto com vocação científica”. Até nos depararmos, com mais tempo e maturidade, com a obra que, de certa forma,

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ajudou-nos a refletir sobre algumas questões que conduziriam ao desejo de empreender esta pesquisa: o segundo tomo do Dicionário de semiótica.

Ao publicarem, em 1986, esse volume, que, em matéria de coerência teórica, se encontrava bem distante do primeiro, editado em 1979, os semioticistas Algirdas Julien Greimas e Joseph Courtés observavam que diversos estudiosos da teoria vinham procurando expandir o campo de sua atuação, buscando, não raro, para alcançar tal objetivo, o auxílio de sistemas de idéias que possuíssem interesses afins. Essa constatação poderia ser estendida aos anos seguintes, quando a semiótica discursiva, em vista da necessidade de abordar as paixões nos discursos, permitiu que seu leque de indagações se abrisse ainda mais para áreas de exploração científica vizinhas. É nessa linha de raciocínio que se insere nossa pesquisa, tentando ensaiar conciliações entre a semiótica e a antropologia do imaginário, teoria que se constrói a partir de uma preocupação do sociólogo francês Gilbert Durand em explorar e entender o vasto arsenal de imagens constituídas ao longo da história da humanidade bem como sua significação.

Assim, este trabalho constitui-se como um exemplo concreto da abertura citada há pouco, pois estudiosos de ambas as teorias visadas nesta pesquisa, por diversas vezes, mencionaram a possibilidade de assimilação entre algumas de suas idéias, contudo, não se sabe por quais razões, nenhum deles realizou, efetivamente, essa aproximação. Partindo da exploração sistemática dos postos e pressupostos de alguns conceitos-chave das teorias, tencionamos mostrar que existe, de fato, uma convergência possível entre elas.

Também o interesse pelos postulados da antropologia do imaginário teve início no decorrer do curso de Mestrado, quando procurávamos uma teoria auxiliar que contribuísse para as interpretações e inferências alcançadas na análise das letras de música. Contudo, o desejo de concluir aquela etapa de estudos no período regimentar mínimo impediu-nos de avançar nos estudos sobre o imaginário, e a intenção somente pôde concretizar-se mais tarde.

No que se refere à gênese das relações entre as duas teorias, podemos notar que elas se iniciam já nos primeiros anos de existência de ambas, pois, em

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Semântica Estrutural, obra fundadora da semiótica francesa (como também é

conhecida a semiótica discursiva), Greimas, apontando discordâncias com a metodologia adotada por Gilbert Durand, criticava idéias contidas em As estruturas

antropológicas do imaginário, livro fundamental para a constituição dos estudos na

área, considerando bastantes fluidos os critérios de análise e organização das imagens que o estudo trazia.

A crítica seria respondida por Durand em diversos textos seguintes, inclusive no prefácio a edições posteriores de sua obra capital, nos quais ressaltaria algumas diferenças entre as duas perspectivas de estudo, mas isso não o impediria de considerar suas preocupações como pertencentes ao mesmo paradigma em que se inseririam as do semioticista: o da busca do sentido. Retomando tais “desavenças”, desejamos contextualizá-las e reconfigurá-las dentro do quadro de possíveis convergências que pesquisamos.

Dadas as tendências contemporâneas dos estudos científicos que visam a promover a interação entre as diversas teorias que fornecem subsídios à ampliação do conhecimento humano, este trabalho também encontra sua relevância no fato de estudar em quais pontos dois conjuntos teóricos, de certa forma, ainda recentes e em constante aprimoramento, e que servem de sustentação à análise do discurso, podem possuir convergências em suas bases conceituais.

A busca de conjugação dos dados advindos de teorias distintas também se articula com os objetivos de um “novo paradigma científico”, visto que, depois de um tempo em que a ciência moderna viu como positivo o florescimento de um grande número de teorias que visavam a explicar os objetos com os quais o homem se vê às voltas, vivemos uma outra era, na qual se julga necessário conciliar as perspectivas teóricas que contemplem um mesmo objeto. Afinal, como nota o sociólogo francês Michel Maffesoli (1995, p. 37):

Pouco importa o termo empregado: ideal-tipo (Weber), resíduo (Pareto), caráter essencial (Durkheim), estrutura (Lévi-Strauss), arquétipo (G. Durand), o essencial é destacar um denominador comum capaz, senão de explicar a época em sua totalidade, de pelo menos desenhar seus principais contornos.

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Tomando como fundamento da concepção de fazer ciência o que essa declaração pressupõe, ou seja, que sob a diversidade de aparatos metodológicos e nomenclaturas reside o mesmo desejo de compreender a aventura humana, mas sempre reconhecendo as especificidades de cada um desses instrumentais, procuramos estudar sob a forma comparativa alguns termos-chave dos dois conjuntos teóricos surgidos na década de 1960: antropologia do imaginário e semiótica discursiva.

Inicialmente, ao se considerar as origens das concepções ocidentais de mundo, pode verificar-se que semiótica e imaginário provêm de ramos diferentes: a primeira ligando-se à concepção aristotélica, levando em conta a compreensão do homem e do universo proporcionada por uma observação dos dados norteada pelo uso da razão, privilegiando uma lógica binária, uma dialética que busca o certo ou o errado e exclui uma terceira possibilidade; a segunda associando-se à concepção platônica, considerando a possibilidade de um conhecimento por via indireta, mediado pela imaginação, pela imagem, cabendo a esta reconduzir os sujeitos ao que se consideram verdades inacessíveis para a razão, tornadas possíveis pela experiência mítica. Como, poeticamente, assinala Durand (1998, p. 17): “Ali onde a imagem bloqueada não consegue penetrar, a imagem mítica fala diretamente à alma”. Mas não avancemos; por ora, para os fins desta introdução, contextualizemos apenas a filiação histórica mais próxima aos dois conjuntos teóricos.

Tributária das análises dos contos tradicionais russos efetuadas por Vladimir Propp, das idéias do antropólogo Claude Lévi-Strauss e das reflexões sobre a linguagem de Louis Trolle Hjelmslev, entre outras, a semiótica, desde o seu surgimento, preocupa-se em indagar como um texto, independente da linguagem que o veicule (verbal, visual, sincrética, etc), constrói o sentido. Nos termos dos semioticistas já citados por nós,

A teoria semiótica deve apresentar-se inicialmente como o que ela é, ou seja, como uma teoria da significação. Sua primeira preocupação será, pois, explicitar, sob forma de construção conceptual, as condições da apreensão e da produção do sentido. (grifo dos autores) (s/d, p. 415)

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A construção conceptual mencionada no trecho vem sendo desenvolvida, ao longo das décadas, dando origem a um instrumental metodológico que permita explicar o engendramento de sentido do discurso, concebendo-o sob a forma de um percurso gerativo que, indo do mais simples e abstrato ao mais complexo e concreto, seria constituído por três níveis: o fundamental, o narrativo e o discursivo, cada um deles comportando um componente sintáxico e outro semântico.

No nível fundamental, patamar profundo do percurso gerativo do sentido, a sintaxe comporta uma organização mínima, uma estrutura elementar que se estabelece a partir de dois termos-objeto, os quais, por meio das operações de asserção e de negação, encontram seus termos contraditórios e contrários, possibilitando a construção do quadrado semiótico, modelo básico da semiótica que mostra a articulação geral das oposições semânticas do discurso. Já a semântica fundamental trata dos valores investidos sobre a instância das categorias elementares, a partir da categoria tímica que os articula /euforia/ vs /disforia/; a qual é resultante de uma apreciação da conformidade (ou não) entre o sujeito e o meio em que ele se encontra inserido.

No nível intermediário do percurso, denominado narrativo, encontram-se, em sua sintaxe, sujeitos que estão juntos (em conjunção) ou separados (em disjunção) dos objetos que pretendem alcançar, pois nestes investiram determinados valores que lhes são significativos, em razão dos quais buscarão a junção desejada; já a semântica narrativa diz respeito ao momento em que os elementos semânticos são selecionados e relacionados com os sujeitos, efetivando-se como valores que são inscritos nos objetos desejados por esses mesmos sujeitos.

Finalmente, no nível que se considera mais superficial do percurso gerativo, o discursivo, na sintaxe, é possível destacar os mecanismos de instauração de pessoas, tempos e espaços no discurso: a debreagem, operação pela qual o sujeito da enunciação separa e projeta fora de si, para permitir a constituição do discurso, as categorias actoriais, temporais e espaciais, e a embreagem, que simula um retorno à enunciação, por meio da suspensão dos termos referentes às categorias citadas e pela denegação do enunciado. Na semântica, observam-se, sobretudo, os

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procedimentos de tematização e figurativização dos conteúdos abordados no discurso.

Por sua vez, a antropologia do imaginário se constituirá a partir dos estudos de Gaston Bachelard, mestre de Durand, sobre a imagem poética, da apropriação e reconfiguração do conceito de arquétipo da psicologia de Carl Gustav Jung, da valorização do discurso mítico efetuada pela antropologia de Lévi-Strauss e das comprovações realizadas pela reflexologia de Betcherev. Pode-se dizer que a preocupação básica do sistema durandiano é verificar em que medida as imagens manifestadas no discurso contribuem para revelar a organização do pensamento do enunciador.

Para alcançar seu objetivo, no início de seu trabalho de classificação das imagens, contrariando as idéias vigentes até então, Durand (1988, p. 77) afirmaria que “não há ruptura entre o racional e o imaginário, pois o racionalismo não passa de uma estrutura, dentre muitas outras, polarizante própria do campo das imagens”. Assim, a imaginação – que o autor diferencia de imaginário, uma vez que este seria a dinamização das imagens criadas por aquela instância – apresenta-se como fator geral de equilibração psicossocial.

Decorre disso que o estudioso do imaginário pode falar em “estruturas discursivas do imaginário”, concebendo neste a existência também de um percurso: o trajeto antropológico do imaginário, que se encontra definido, pelo autor (1997, p. 41), como “a incessante troca que existe no nível do imaginário entre as pulsões subjetivas e assimiladoras e as intimações objetivas que emanam do meio cósmico e social”.

Pela concepção durandiana, torna-se indiferente o trajeto antropológico partir da cultura ou da natureza psicológica, pois aquilo que seria o essencial da representação e do símbolo encontra-se contemplado entre esses dois marcos, os quais, além de outras características, seriam reversíveis.

Ao longo desse trajeto antropológico, situam-se termos caros à psicologia, à antropologia e à semiologia, os quais são revistos e redimensionados pelo estudioso, como esquema, arquétipo, símbolo e estrutura, entre outros. Elaborando

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o conjunto teórico de forma a levar os termos a se imbricarem adequadamente entre si, em um crescendo hierárquico, chega-se aos regimes de imagens, concebidos como agrupamentos de estruturas vizinhas.

Inicialmente, havia apenas dois regimes: o diurno e o noturno, sendo que este comportava uma subdivisão em duas grandes estruturas. Mais tarde, ao reconhecer certa fragilidade na bipolarização com que trabalhava, Durand percebeu que era necessário reconhecer a existência de um terceiro regime, em cujo interior as imagens oscilavam, ora rumo a um sentido, ora rumo a outro, e passou a trabalhar com essa hipótese, que, na atualidade, já se encontra bastante aceita entre os pesquisadores da área.

A abordagem dos conceitos pertinentes às duas teorias, com a conseqüente discussão de suas implicações e a perspectiva de convergência entre eles, motivou a pesquisa a se direcionar em vista dos seguintes objetivos:

1. estudar e redimensionar as polêmicas entre Greimas e Durand em torno das premissas epistemológicas que deram origem às suas propostas teóricas, focalizando a pertinência de cada uma delas;

2. analisar as possíveis convergências entre os conceitos de ambos os conjuntos teóricos e os desdobramentos em seu interior;

3. verificar as possibilidades de integração, adaptação e incorporação entre os elementos da antropologia do imaginário e da semiótica discursiva.

Além desta Introdução, que desenvolve as motivações gerais da pesquisa, suas características principais e os objetivos que almeja alcançar, a composição da tese compreende quatro capítulos, os quais são seguidos pelas Considerações Finais e a Bibliografia

O Capítulo I apresenta uma síntese da teoria semiótica discursiva e da antropologia do imaginário, retendo as linhas gerais de cada uma delas, sem desconsiderar os desenvolvimentos ulteriores que receberam na concepção de seus fundadores e de outros estudiosos da área, com ênfase nos elementos que mais possam interessar à pesquisa.

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O Capítulo II contém uma abordagem das críticas feitas por Greimas a Durand e das respostas deste, com análise de pressupostos epistemológicos que se deixam entrever na discussão entre os autores, apoiando-se também nas considerações de outros pensadores modernos das ciências humanas.

O Capítulo III realiza a comparação entre alguns conceitos fundamentais das teorias visando a uma possível integração e suas implicações, nele, cada tópico é finalizado com uma pequena proposta de integração dos elementos convergentes. É importante mencionar que para a elaboração desse capítulo, apoiamo-nos, sobretudo, nas obras Semântica estrutural, de Greimas, Dicionário de semiótica, volumes I e II, de Greimas e Courtés, sendo que o segundo tomo conta com a participação de diversos adeptos do projeto semiótico, Tensão e significação, de Jacques Fontanille e Claude Zilberberg, e As estruturas antropológicas do

imaginário, A imaginação simbólica, Figures mythiques e visages de l’oeuvre e Campos do imaginário de Durand, por serem as que, no conjunto da produção de

cada um dos autores e seus colaboradores, demonstram preocupações mais explícitas com a metalinguagem de suas construções teóricas, esforçando-se para caracterizá-la. Além disso, considerando que fazer ciência é sempre um trabalho conjunto, que resulta da construção de um sujeito coletivo, recorremos, sempre que nos parecesse ser pertinente, às obras de precursores e seguidores das duas teorias.

O Capítulo IV examina as confrontações do anterior à luz de Da imperfeição, estudo singular no conjunto da obra greimasiana, e suas propostas de descrição do fenômeno estético, do qual decorrem observações sobre a natureza poética e simbólica da linguagem, ensaiando uma homologação entre a semiótica discursiva e a antropologia do imaginário.

As Considerações Finais trazem a síntese dos resultados alcançados, de modo a situar o leitor em relação, sobretudo, às conciliações entre os dois conjuntos teóricos, e a Bibliografia contém a indicação dos autores que trouxeram, de alguma forma, subsídios à pesquisa.

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Acreditamos que a realização deste trabalho possa contribuir para o desenvolvimento de ambas as teorias, resultando em que elas, já em patamar bastante considerável de elaboração e proficuidade, ofereçam condições de servir ainda mais aos estudiosos da área do texto e do discurso.

(17)

C

APÍTULO

I

D

AS

T

EORIAS

1.1

P

RIMEIRAS PALAVRAS

Embora ambas as teorias que se discutem neste trabalho sejam ainda recentes, não registrando cinqüenta anos de existência, o esforço de seus mentores em construir um edifício teórico-analítico consistente levou-as a alcançarem graus de complexidade bastante consideráveis, de modo que mesmo os conhecedores de uma delas podem sentir-se incomodados com as especificidades da outra. Assim, este capítulo inicial visa a proporcionar certa familiarização com os termos principais da semiótica discursiva e antropologia do imaginário.

Nesse sentido, efetuamos algumas opções que devem ser destacadas. Primeiro, procuramos reter de cada teoria os conceitos essenciais, comentando-os e, às vezes, simplificando-os à medida que sentíamos essa necessidade Segundo, a tarefa foi mais árdua no que se refere à semiótica, pois ela conta com pesquisadores que não somente utilizam a teoria, mas também a desenvolvem, em vários países – a discussão dos seus conceitos foi limitada pelos objetivos finais da tese, justificando-se a exclusão de alguns tópicos ou o espaço menor dado a eles. Terceiro e último, quanto à antropologia do imaginário, guiou-nos a orientação fornecida pelo próprio Durand em seus textos, ressaltando os itens nucleares de seu método de estudo das imagens – obviamente, interferimos na importância conferida

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a um ou outro termo sempre que o julgamos pertinente no trabalho de comparação entre as teorias.

Tais escolhas refletem-se visivelmente neste capítulo, quando se verifica o espaço maior ocupado pela resenha e discussão da semiótica discursiva em prejuízo da antropologia do imaginário. Entretanto, essa extensão maior dos comentários sobre a semiótica justifica-se tão-somente pelas constantes revisões por que a teoria tem passado nos últimos anos, em virtude da concepção de projeto científico de seu fundador; ao passo que, para o estudo do imaginário, os métodos indicados pela antropologia foram, em certa medida, erigidos com uma preocupação de possuírem um valor “definitivo”.

1.2

S

EMIÓTICA DISCURSIVA

Na origem da semiótica discursiva, encontra-se como marco fundamental a publicação da obra Semântica estrutural – pesquisa de método, de Greimas, em 1966. Nela, em capítulos organizados segundo uma preocupação lingüística específica, o pesquisador de origem lituana preocupava-se, de fato, com o estabelecimento de linhas de trabalho para um método de exploração semântica dos discursos.

Contudo, uma contínua revisão dos postulados presentes neste livro conduziria o autor a retomá-los em diversos artigos produzidos nos anos seguintes, os quais seriam reproduzidos no livro Sobre o sentido, de 1970. À medida que aprofundava suas reflexões, Greimas e alguns de seus colaboradores conferiam novas feições ao arcabouço teórico da semiótica, fato que se pode verificar, sobretudo, em três dos rigorosos ensaios presentes nesse livro: “O Jogo das Restrições Semióticas”, “Elementos de uma Gramática Narrativa” e “A Estrutura dos Actantes da Narrativa”.

A constante preocupação com a aplicabilidade dos conceitos formulados levaria o estudioso a publicar um livro em que se encontra reproduzido um trabalho sistemático e rigoroso de análise semiótica. Maupassant – a semiótica do texto:

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exercícios práticos, de 1976, contém os resultados da exploração do conto “Dois

amigos”, de autoria do escritor Guy de Maupassant, que havia sido preparada ao longo dos três anos anteriores; nela, a preocupação em demonstrar, passo a passo, a validade e a produtividade da teoria, sobretudo na explicação dos níveis fundamental e narrativo, encontra-se explícita em vários comentários do autor.

Mas seria a publicação do primeiro tomo do Dicionário de semiótica, em 1979, elaborado em parceria com Courtés, que reforçaria o caráter de unidade da semiótica. Por meio de verbetes que procuram abarcar exaustivamente os conceitos semióticos basilares e operatórios e da constante remissão de um item a outro, pela qual se esclarecia a relação entre eles, era possível verificar a marca da coerência interna a direcionar toda a elaboração da semiótica, esse projeto científico em permanente construção.

No prólogo a esse volume, Greimas e Courtés (ibid., p. 1), preocupados em evitar quaisquer interpretações equivocadas sobre a natureza da obra trazida à luz, explicam:

O dicionário que apresentamos pretende retomar, atualizando-as, certas reflexões sobre a problemática da linguagem e sintetizar, pelo menos parcialmente, certos esforços que têm por objetivo dar a esse campo do saber a forma de uma teoria coerente. É sabido que o projeto semiótico ensejou, de quinze anos para cá, desdobramentos diversos, orientados, parece, em todas as direções; talvez tenha chegado o momento de compatibilizá-los, homologá-los, avaliá-los.

Pela leitura atenta dessa obra, é possível obter uma boa visão geral da teoria semiótica discursiva, cujo postulado de base reconhece que a construção de sentido do discurso ocorre por meio de um percurso gerativo, que vai do mais simples e abstrato ao mais complexo e concreto. Esse percurso possui três níveis: o fundamental, o narrativo e o discursivo, sendo que cada um deles comporta um componente sintáxico e outro semântico.

Para uma visão sintética do conteúdo de cada nível, cumpre considerar que: no fundamental, uma sintaxe procura explicar as primeiras articulações da

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substância semântica bem como das operações sobre ela efetuadas, enquanto uma semântica apresenta-se como um inventário das categorias sêmicas com representação sintagmática garantida pela sintaxe; no narrativo, uma sintaxe coordena o fazer, compreendido como simulacro do homem no mundo e das suas relações com os outros homens, e uma semântica fornece estatuto de valor aos objetos desse fazer; finalmente, no discursivo, uma sintaxe organiza as relações entre enunciação e discurso-enunciado e uma semântica opera com percursos temáticos e figurativos.

Após a breve visão destacada no parágrafo acima, torna-se necessário observar a constituição de cada um dos níveis do percurso, a começar pelo fundamental, considerando, um pouco mais de perto, suas características e desdobramentos.

O nível fundamental encontra-se no patamar profundo do percurso gerativo do sentido. Nele, a sintaxe comporta uma organização mínima, uma estrutura elementar que se estabelece a partir de dois termos-objeto; estes, por meio das operações de asserção e de negação, encontram seus termos contraditórios e contrários, possibilitando a construção do quadrado semiótico, modelo básico da semiótica discursiva que visa a mostrar a articulação geral das oposições semânticas existentes no discurso. Não se pode esquecer ainda a possibilidade de criação de um termo complexo, a partir da junção dos contrários, e de outro neutro, na junção dos contraditórios, postulados que são ainda mais significativos no que tange à análise de discursos cujas relações se mostram problematizadas, como é o caso, por exemplo, do mítico.

Já a semântica fundamental trata dos valores semânticos investidos sobre a instância das categorias fundamentais, do ponto de vista da categoria tímica que os articula, a /euforia/ vs /disforia/, sendo que a relação eufórica ocorre quando os seres estão em conformidade com os valores do meio em que se encontram e a disfórica, quando estão em situação de desconformidade com esses valores. A categoria tímica recupera a problemática da interoceptividade, exteroceptividade e proprioceptividade que, por estar fortemente vinculada à percepção, foi vista,

(21)

durante certo tempo, com muita reserva pelos semioticistas, denotando grande preocupação com a forma pela qual se poderia conceber o corpo enquanto instância produtora de sentidos, indagação que, aliás, já se encontrava na base da teoria desde a elaboração de Semântica Estrutural. Nas páginas dessa obra, o autor levantava a questão de uma categoria meta-sêmica que se articularia como

exteroceptividade vs interoceptividade, associando tais termos, respectivamente,

aos níveis semiológico e semântico do universo imanente da significação. Mais tarde, além dessa correlação, uma outra, ainda mais pertinente aos questionamentos da teoria, seria feita: a que se refere a figurativo e não-figurativo.

Porém, ao longo do desenvolvimento do projeto semiótico, essa categoria, associada ao termo complexo (ou neutro – problema sempre deixado em aberto pelos semioticistas!) da proprioceptividade, não deixaria de incomodar, uma vez que sua origem residia, exclusivamente, em critérios e pressupostos extra-semióticos (para ser exato, de conotações psicológicas), como registram Greimas e Courtés no primeiro volume do Dicionário de semiótica, sugerindo que, aos poucos, tal categoria cedesse espaço à outra, a tímica, articulando-se em euforia vs disforia e tendo como termo neutro a foria. Entretanto, aquela categoria não somente sobreviveu como ainda permanece em uso no interior da semiótica, mormente nos últimos anos, quando o papel do corpo na produção de sentido passou a ser investigado por diversos autores.

Cabe registrar especificamente a que dizem respeito os termos da categoria “ceptiva”: os elementos exteroceptivos seriam aqueles que têm correspondência em figuras do mundo natural e os interoceptivos corresponderiam ao mundo interior, cognitivo e emocional do sujeito, cabendo à proprioceptividade fazer a passagem de um a outro. Courtés (2003), visando a conferir maior clareza à postulação desses termos pela semiótica, propõe que se relacione a interoceptividade às sensações, associando-as ao ponto de vista interior do sujeito, como o fato de sentir-se bem ou mal, por exemplo, em um dado instante, e a exteroceptividade às percepções, associadas ao mundo exterior que nos rodeia, por motivações externas a partir de qualquer ordem: auditiva, visual, táctil, gustativa ou olfativa.

(22)

Enquanto a semiótica se desenvolvia na explicação dos componentes que diziam respeito à ação nos discursos, era natural que as investigações sobre o corpo fossem relegadas a um segundo plano. Mas quando a preocupação da teoria voltou-se para a tentativa de compreender e explicar as paixões que voltou-se apoderavam dos sujeitos/atores desse discurso, seu componente sensível ganhou força, derivando daí a necessidade de se conceder maior atenção ao papel que o corpo desempenhava na produção de sentido(s).

Em Semiótica das paixões, Greimas e Fontanille (1993, p. 13), em uma das páginas de introdução às discussões propostas na obra, fazem a seguinte afirmação:

É pela mediação do corpo que percebe que o mundo transforma-se em sentido – em língua –, que as figuras exteroceptivas interiorizam-se e que a figuratividade pode então ser concebida como modo de pensamento do sujeito.

Por essa afirmação dos autores, percebe-se que a instância do corpo vai permitir a união entre os elementos que visam a formar o nível fundamental e os do discursivo no percurso gerativo, uma vez que se relacionam as noções de proprioceptividade e figuratividade. Assim, a mediação do corpo, a qual se atribui um papel homogeneizante, resultaria na importância atribuída aos conceitos de

tensividade e foria. Como bem nota Luiz Tatit (1997, p. 42), a respeito desse papel

do corpo na geração do sentido: “A partição do uno, condição para ingressar no plano cognitivo, causa desarmonia no universo do ser, fragmenta o corpo, mas, em compensação, instaura o sentido em nossa vida”. Sem a dissociação entre o eu e o outro, alteridade que chama identidade, portanto, a constituição do sentido não se tornaria possível.

Dessa forma, o desenvolvimento das noções aqui abordadas passaria a obter um espaço cada vez maior no interior da semiótica. Fontanille (2004) reconhece, sob as metáforas de natureza corporal e sensório-motora empregadas para referir-se ao corpo na produção de sentido, o fato de o corpo não ser considerado somente como um meio termo entre o eu e o mundo, mas ser o referente último de toda operação

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semiótica, e o operador primordial da semiose, ou seja, do ato gerador de sentido. Indo além disso, o autor postula que por meio de um exame mais atento do que se passa no instante em que alguma coisa se individualiza a partir do magma da experiência, passando a fazer sentido para os sujeitos, seríamos levados a constatar que o corpo, e mais precisamente, nas palavras do autor, “a carne em movimento”, encontra as linhas de resistência do que se denominou horizonte ôntico, limite das especulações semióticas sobre as pré-condições do sentido.

É com base em semelhante linha de raciocínio que Fontanille enxerga a necessidade de que, em qualquer experiência mínima de sentido, seja reconhecido, pelo menos, um encontro entre dois movimentos: aquele do mundo em devir e o do corpo.

No outro nível do percurso gerativo do sentido, o narrativo, encontram-se, em sua sintaxe, sujeitos que estão juntos (em conjunção) ou separados (em disjunção) dos objetos que pretendem alcançar, pois neles investiram determinados valores que lhes são significativos (note-se que tais objetos, denominados objetos-valor, não são necessariamente “coisas”, mas tudo em que o sujeito investe certo valor, como, por exemplo, conforto, amor, felicidade, riqueza, etc.). A conjunção ou disjunção entre o sujeito e o objeto caracteriza um estado inicial ao qual sucederá uma transformação, que dará origem a uma busca, por parte do sujeito, de um estado final por ele considerado estável, o que conduz à noção de narrativa mínima. A relação de junção (conjunção ou disjunção) entre o sujeito e objeto-valor determina um enunciado de estado, enquanto a passagem de um estado a outro, por meio de uma transformação ou de uma função fazer, determina justamente um enunciado de fazer.

O desenvolvimento narrativo pressupõe ainda um relacionamento entre os sujeitos da narrativa, no qual um deles, o destinador – concebido como um actante narrativo – pretende, por meio de um fazer persuasivo, convencer o outro, o destinatário, a aceitar determinado contrato. Este outro sujeito, por sua vez, realiza um fazer interpretativo pelo qual julga a validade da proposta e se deve aceitá-la ou não. Se o fazer persuasivo caracteriza-se, primeiro, como um fazer-crer e, depois,

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como um fazer-saber, o fazer interpretativo caracteriza-se como um ato que leva ao crer. Ambos os fazeres encontram-se colocados na dimensão cognitiva do discurso.

Cumpre ressaltar que o fazer-crer, por sua vez, é de capital importância para a análise da dimensão patêmica do discurso, pois, implicando a adesão de um dos sujeitos a um estado de coisas proposto pelo outro, interfere, de modo direto, em seu estado de alma, modificando-lhe as capacidades judicativas.

Na verdade, o destinador tenta manipular o destinatário para que este realize ou não determinada atividade. A manipulação pode ocorrer por meio da utilização de quatro estratégias diferentes: a provocação, em que o destinador faz uma imagem negativa do destinatário para levá-lo ao dever-fazer; a sedução, em que o destinador faz uma imagem positiva do destinatário para levá-lo ao querer-fazer; a intimidação, em que o destinador oferece valores negativos ao destinatário para levá-lo ao

dever-fazer; e a tentação, em que o destinador oferece valores positivos ao destinatário

para levá-lo ao querer-fazer. Vê-se que a manipulação opera com as modalidades virtualizantes, dever e querer, pois são estas as responsáveis pela instauração do sujeito, uma vez que se este não se encontrar motivado para a busca, não haverá narrativa.

A manipulação é a primeira fase de um esquema narrativo canônico, depois dela existem ainda a competência, a perfórmance e a sanção. A competência é o momento em que o destinador confere ao destinatário-sujeito o poder-fazer e/ou

saber-fazer que o tornam apto para a ação, para o fazer-ser que identifica a terceira

fase do esquema, a perfórmance, isto é, o momento em que se realiza o ato. A competência trabalha com as modalidades atualizantes, poder e saber, que permitem ao sujeito o agir; a perfórmance, por sua vez, utiliza-se das modalidades realizantes, fazer e ser, que correspondem à realização do sujeito, uma vez que sujeito realizado é exclusivamente o sujeito que faz. A quarta e última fase do esquema narrativo é a sanção (ou julgamento), momento em que a ação realizada pelo destinatário é julgada pelo destinador, o qual lhe confere uma retribuição, negativa ou positiva, conforme o resultado de sua ação.

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Ainda que as fases do esquema narrativo sintetizadas acima nem sempre apareçam explicitadas ou ordenadas seqüencialmente no discurso, é possível reconstituí-las por pressuposição lógica, uma vez que se o sujeito realizou algo é porque tinha a capacidade de fazê-lo, a qual, por seu turno, fora adquirida de alguma forma; além disso, deve ter sido levado, por alguma razão, ao desejo de realizar tal ação.

Mencionaram-se, há pouco e de modo bastante sucinto, o enunciado de estado e o enunciado de fazer: o enunciado é a unidade básica da sintaxe narrativa. Quando um enunciado de fazer rege um de estado, integrando assim estados e transformações, obtém-se um programa narrativo, primeira unidade operatória da sintaxe narrativa. O programa narrativo (PN) pode ser de uso ou de base: é de uso quando se revela como um programa necessário à realização de outro, este, por sua vez, é o de base, pois necessita daquele para sua realização – pelos mesmos critérios, são considerados PNs respectivamente simples e complexos. A seqüência de programas narrativos distintos, como o de competência e o de perfórmance, estabelece um percurso narrativo. Este pode ser o do destinador-manipulador, o do sujeito ou o do destinador-julgador. A unidade da sintaxe narrativa que se segue, diretamente, ao percurso narrativo, é o esquema narrativo – já exposto anteriormente.

Tratou-se até este instante somente da sintaxe do nível narrativo, mas este comporta também uma semântica, a qual diz respeito ao momento em que os elementos semânticos são selecionados e relacionados com os sujeitos, efetivando-se como valores que são inscritos nos objetos deefetivando-sejados por esefetivando-ses mesmos sujeitos. Têm-se aí a modalização do fazer, que instaura o sujeito e o torna qualificado para a ação (é o fazer-fazer), além de organizar a sua competência modal (é o ser-fazer), e a modalização do ser, que determina a relação do sujeito com o objeto, por meio das modalidades veridictórias articuladas pela ótica do ser vs

parecer, sendo também responsável pelos valores que incidem diretamente sobre o

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Como se pode depreender da exposição do nível narrativo, a semiótica explora consideravelmente as modalidades, concebendo-as como um instrumental bastante operatório. Isto ocorre porque no instante em que se postula a existência das modalidades, abrem-se as portas para um imaginário narrativo, pois uma coisa é a enunciação do ato em si; outra, bastante diferente, é sua enunciação a partir da perspectiva das modalidades.

Considerando as inter-relações entre os níveis do percurso gerativo de sentido, e as nuanças entre os conceitos de modalidade e modalização, Diana Luz Pessoa de Barros (2001, p. 50) afirma

Na perspectiva da semiótica, as modalidades resultam da conversão da categoria tímico-fórica fundamental (...) e alteram, na instância narrativa, as relações do sujeito com os valores. A modalização, por sua vez, deve ser entendida como a determinação sintática de enunciados: um enunciado, que será denominado modal, modifica um enunciado dito descritivo.

Quanto às modalidades veridictórias, elas operam com o plano da imanência, o do ser, e o da manifestação, o do parecer, para alcançar um efeito de sentido de verdade (o que é e parece), de mentira (o que parece mas não é), de falsidade (o que não é nem parece) ou de segredo (o que não parece mas é).

Para o estudo de ambas as modalizações, a do fazer e a do ser, a semiótica concebeu, durante muito tempo, apenas a existência das quatro modalidades citadas anteriormente: o dever, o querer, o saber e o poder. Mais tarde, porém, a elas incorporou uma quinta: a do crer, que se revelou fundamental para o estudo das paixões, uma vez que a crença é, na maioria das vezes, atitude de total responsabilidade do sujeito, além de determinante na assunção dos estados de alma que o tomam. Se pelo exposto, sabe-se que modalizações e modalidades participam das fases de manipulação, competência e perfórmance do esquema narrativo canônico, com a inclusão do crer diversos semioticistas puderam aventar a existência de uma etapa anterior ainda à manipulação no percurso gerativo de sentido.

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Resta dizer que foi da modalização do ser, ao se estudarem os valores que o sujeito investe nos objetos, que resultaram a abordagem e o estudo das paixões que movem ou interrompem o percurso desse sujeito. Dessa forma, para a semiótica discursiva, as paixões são vistas como efeitos de sentido resultantes de qualificações modais que alteram o sujeito do estado.

Finalmente, mais próximo à manifestação textual, estaria o nível discursivo. Neste, a sintaxe compreende os mecanismos de instauração de pessoas, tempos e espaços no discurso: a debreagem e a embreagem. A debreagem é, segundo Greimas e Courtés (ibid., p. 95),

a operação pela qual a instância da enunciação disjunge e projeta fora de si, no ato de linguagem, e com vistas à manifestação, certos termos ligados à sua estrutura de base, para assim constituir os elementos que servem de fundação ao enunciado-discurso.

Se tal operação trabalha, como se disse acima, sobre as categorias de pessoa, tempo e espaço, deduz-se que existem três formas de debreagem, correspondentes a essas categorias: a actancial, a temporal e a espacial. Nas palavras dos semioticistas citados (ibid., p. 95),

a debreagem actancial consistirá, então, num primeiro momento, em disjungir do sujeito da enunciação e em projetar no enunciado um não-eu; a debreagem temporal, em postular um não-agora distinto do tempo da enunciação; a debreagem espacial, em opor ao lugar da enunciação um não-aqui.

Existem ainda duas possibilidades distintas de debreagem: a enunciativa e a enunciva. A debreagem enunciativa ocorre quando o sujeito instala no discurso a pessoa (eu), o tempo (agora) e o espaço (aqui) da enunciação; a enunciva, quando o sujeito instala a pessoa (ele), o tempo (então) e o espaço (alhures) do enunciado. Ressaltamos que os termos entre parênteses foram colocados apenas a título de exemplificação, pois existem outros que podem identificar as formas de debreagens citadas.

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O outro mecanismo a ser considerado na instauração das categorias mencionadas é a embreagem, que, ainda segundo Greimas e Courtés (ibid., p. 140), é “o efeito de retorno à enunciação, produzido pela suspensão da oposição entre certos termos da categoria da pessoa e/ou do espaço e/ou tempo, bem como pela denegação da instância do enunciado”. A embreagem ocupa um papel importante no texto porque aponta para o caráter de construção lingüística do discurso, denunciando as operações que o enunciador tem em mãos para efetuar deslocamentos dos efeitos de sentido visados no enunciado.

No componente semântico do nível discursivo, encontram-se os procedimentos de tematização e de figurativização das estruturas narrativas. A tematização diz respeito à formulação dos valores de um discurso de forma abstrata, organizando-os em um percurso; desse modo, os percursos encontram-se marcados pela recorrência de traços semânticos, ou semas, apresentados abstratamente. Já na figurativização, figuras do conteúdo servem como cobertura dos percursos temáticos e conferem-lhes elementos de revestimento sensorial. Comparando os dois procedimentos, pode-se perceber que os discursos não são completamente temáticos ou figurativos, mas que existem graus diversos de tematização e figurativização empregados em sua construção.

É nesse ponto do percurso que surge um conceito bastante operatório no que concerne à identificação da temática de um discurso: o de isotopia, a reiteração de temas e a recorrência de traços semânticos na composição das figuras do discurso. A importância da isotopia reside no fato de que ela, ao permitir a manutenção da linha sintagmática do discurso, bem como de sua coerência semântica, confere unidade de sentido ao enunciado.

Existem duas formas de isotopia: a temática e a figurativa. A primeira constitui-se pela repetição de elementos semânticos abstratos em um mesmo percurso temático; a segunda, pela redundância de traços figurativos na associação de figuras próximas.

O desenvolvimento das pesquisas semióticas ao longo dos anos, porém, conduziria a revisões constantes do instrumental concebido no percurso gerativo, de

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que decorreria o desdobramento de diversos conceitos, o (quase) abandono de alguns e a inclusão de outros, como é o caso da noção de semi-símbolo. Esta nasce, sobretudo, com os estudos que visavam à determinação do estatuto da poeticidade nos discursos analisados, não somente de caráter verbal, mas também em outras linguagens, notadamente a visual.

Com o conceito de semi-símbolo, os semioticistas de orientação greimasiana pretendem evitar a ambigüidade contida na idéia de símbolo. Para isso, propõem, em virtude de sua fidelidade ao conceito saussuriano de arbitrariedade, considerar a existência, em determinados discursos, de possíveis correlações entre categorias do significante e do significado, ou melhor, da expressão e do conteúdo, as quais resultariam em relações semi-simbólicas.

Todavia, apesar do caráter de acabamento que a teoria apresentava com o volume primeiro do Dicionário de semiótica, as pesquisas nos anos seguintes mostrariam novas áreas de exploração semiótica, destacando-se, entre elas, a da abordagem das paixões, entendidas como resultado do percurso modalizante dos sujeitos da narrativa, e a dos discursos artísticos, mormente no que se referia à produção de efeitos de sentido estéticos.

Desse modo, além da publicação de Du sens II, em 1983, que, a exemplo do primeiro Sobre o sentido, reunia ensaios fundamentais para a compreensão da semiótica, com destaque para os ensaios “A modalização do ser”, “O contrato de veridicção”, “O saber e o crer: um mesmo universo cognitivo” e “Sobre a cólera. Estudo de semântica léxica”, e do segundo tomo do Dicionário de semiótica, em 1986, no qual a coerência do primeiro cedia espaço a indagações diversas sobre o papel da teoria e sua relação com áreas próximas do conhecimento, a grande atenção dos semioticistas se voltaria para dois livros publicados originalmente no final da década de 1980: Da imperfeição, em 1987, e Semiótica das paixões, em 1989.

Em Da imperfeição, Greimas, um pouco menos preocupado com o rigor teórico, analisava, na primeira parte da obra, trechos literários extraídos de fontes diversas: episódios de romances de Michel Tournier e Ítalo Calvino, um poema de

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Rainer Maria Rilke, um ensaio de Junichiro Tanizaki e um conto de Julio Cortázar. Neles, sob a denominação de “fratura”, procurava entender como se dá o momento feliz da apreensão estética, localizando-a no espaço de uma rara conjunção entre sujeito e objeto. Já na segunda parte, sob o título de “escapatórias”, elaborando algumas reflexões a partir dos fragmentos analisados e com base em considerações de natureza histórica, o autor apresentava certos comentários sobre a concepção ocidental de estética, diferenciando-a da noção de estesia. No Capítulo IV da presente tese, quando se efetuará um ensaio de homologação entre as duas teorias, discutiremos com maior profundidade as propostas esboçadas nesse livro.

Quanto à Semiótica das paixões, obra escrita em parceria com Fontanille, tratava-se de uma tentativa de dar conta, sem recorrer ao psicologismo e sem “ontologizar” a semiótica, mas sempre se abeirando da linha que limitam tais campos, dos estados de alma que acometem os sujeitos nas narrativas. Assim, após uma longa introdução de natureza teórica, que procura explicar os fundamentos que presidem ao estudo das paixões, os autores procedem à análise da avareza e do ciúme em textos literários clássicos.

Ora, a análise de tais paixões, sobretudo da avareza, não deixa de revelar aos semioticistas que elas são determinadas, em grande parte, pelo universo de discurso em que se encontram; os quais, por sua vez, em última análise, determinam-se pelas sociedades em que se originam. Assim, no limiar do horizonte em que a semiótica permite considerar, existiria uma relação entre o meio social (e outros pilares) em que o discurso é produzido e os valores veiculados por tal discurso. Nas palavras dos autores (op. cit., p. 155):

A constituição determina, enfim, o teto de seqüência, o ser do sujeito, a fim de que ele esteja apto para acolher a sensibilização ; essa etapa obriga a postular, no nível do discurso, uma determinação do sujeito discursivo anterior a toda competência e a toda disposição: um determinismo – social, psicológico, hereditário, metafísico, seja lá qual for – preside, então, à instauração do sujeito apaixonado. (grifo dos autores)

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Tais considerações não se encontram isoladas; antes se apresentam como resultado da busca por um suporte explicativo para as variações culturais manifestadas nas paixões abordadas, entre os quais se discute, inclusive, a pertinência de conceitos sociológicos, como o de habitus social de Pierre Bourdieu, com a preocupação de dar conta da articulação formal do corpo, das imagens do corpo e das determinações socioculturais. Diante da observação desses conceitos, porém, Greimas e Fontanille (ibid, p. 145) tecem a seguinte consideração:

Todavia, essas noções sociológicas atribuem grande valor ao “adquirido”; ora, nada permite afirmar que a sensibilização cultural passe mais pelo adquirido que pelo inato. De fato, na proporção em que a sensibilização sobredetermina o processo pelo qual os semas exteroceptivos e interoceptivos são homogeneizados pelo proprioceptivo, ela transcende a oposição entre inato e adquirido. Mas temos poucas informações sobre a maneira pela qual o corpo próprio pode intervir no processo; contentamo-nos, diante das axiologias e da oposição entre a euforia e a disforia, em imaginar que a proprioceptividade agia unicamente por atrações e repulsões. Mas nada diz que o corpo não é suscetível de produzir simbolizações elementares mais complexas, que, sem adotar ainda um funcionamento semiótico, preparariam a sensibilização das formas significantes.

O caráter inovador de Semiótica das paixões evidenciava-se também à medida que se postulava a existência de uma etapa anterior ao nível fundamental na constituição do percurso gerativo; um nível das pré-condições do sentido, hipótese que abria espaço para a recuperação da problemática da percepção no desenvolvimento da semiótica, além de reforçar as discussões em torno do sujeito enunciativo e do processo de enunciação. Em conseqüência disso, ganham força os conceitos que, de alguma forma, se associam à percepção, como os de tensividade e foria, inclinando o olhar da teoria para uma revalorização da contribuição advinda dos estudos da fenomenologia da percepção, os quais já haviam estado presentes na base de formulações iniciais do projeto semiótico, sobretudo na influência do filósofo francês Maurice Merleau-Ponty sobre Greimas.

A morte de Greimas, em 1992, no momento em que a teoria ensaiava esses passos rumo a, de certa forma, um novo centro de interesse, levou os colaboradores do projeto semiótico a se concentrarem em áreas de predileção pessoal, abrindo

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caminhos para que idiossincrasias de toda ordem adentrassem o terreno. Tal postura fez com que esses pesquisadores desenvolvessem velhas e novas linhas de trabalho, conduzindo a teoria à aquisição de uma face mais heterogênea em contraposição à pesquisa mais específica de outrora – conforme se pode comprovar pela observação das diferenças encontradas nas publicações mais recentes de alguns semioticistas.

1.3

A

NTROPOLOGIA DO IMAGINÁRIO

A antropologia do imaginário surge com a preocupação do sociólogo francês Durand em classificar as imagens que se haviam acumulado ao longo da história da humanidade, uma vez que, para ele, era possível perceber uma certa afinidade entre elas. Entretanto, Durand não desejava efetuar tal classificação a partir de dados extrínsecos às próprias imagens, como antes havia sido feito por outros estudiosos, inclusive por um dos seus mestres, Bachelard, o qual norteara suas observações sobre as imagens em função dos quatro grandes elementos cósmicos (ar, terra, água e fogo).

Para efetuar sua classificação, Durand dá início, então, à análise de um grande arsenal de imagens, as quais ele vai buscar em diversas áreas do conhecimento humano, indo desde a literatura até as artes plásticas, passando pela música, além de relatos tradicionais e míticos de vários povos.

Com a necessidade de definir um método de agrupamento das imagens, o autor reconfigura a noção da antropologia como união de todas as ciências que, de fato, se preocupam com o estudo do homem e suas manifestações. Em razão dessa visão, que implicava, necessariamente, um trabalho multidisciplinar, recorre a contribuições advindas da escola de Reflexologia de Leningrado, a qual estudava os gestos de recém-nascidos, da antropologia de Lévi-Strauss, no que se refere à análise de capacidade do pensamento entre civilizações primitivas e modernas, da pesquisa de Bachelard sobre a imagem, que havia recuperado o importante papel desta para qualquer criação do homem, e da psicologia de Jung, a qual, trazendo as

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noções de arquétipo e de inconsciente coletivo, proporcionava um novo olhar sobre a humanidade.

Como a pesquisa durandiana acontecia em um momento marcante para as ciências humanas, no qual a preocupação com métodos para estudar a construção de objetos significantes alcançava novos horizontes, Durand esforçou-se na tentativa de elaborar um vocabulário específico, uma metalinguagem que evitasse, ao máximo, mal-entendidos. Dessa forma, na primeira parte do seu livro fundador de uma visão sobre a área, As estruturas antropológicas do imaginário, fruto de sua tese de doutorado e cuja primeira edição data de 1960, dedicava-se a apresentar os termos básicos de seu conjunto teórico.

Revendo as concepções científicas anteriores ao início do século XX, Durand notou que o erro fundamental cometido por elas, ao postularem a objetividade como valor primordial do fazer científico, havia sido corrigido pela física moderna, cujas experiências haviam demonstrado alterações no objeto a partir da interferência do pesquisador. Assim, não havia como esperar neutralidade do sujeito em sua relação com o objeto.

Outro ponto fortemente contestado pelo autor foi o fato de essas mesmas ciências terem se fundado sobre uma visão aristotélica que rejeitava a possibilidade de um conhecimento indireto, o que havia levado a quase 25 séculos de não somente desprezo para com a imagem e suas implicações, mas sobretudo a um ódio irrestrito (iconoclasmo) a ela e a todo movimento humano que buscasse valorizá-la. Aliás, a concepção aristotélica já recebera forte contestação da parte de Bachelard, para quem tanto o conhecimento pela experimentação quanto o pela poesia são dignos de valor.

Além de demonstrar tais equívocos, o estudioso das imagens procurava mostrar que a imaginação é atividade fundamental para o homem, uma vez que, por meio dela, ao tomar consciência da efemeridade de sua existência, da finitude que o acompanha, ele busca construir um sentido para a vida. Nota-se que há uma distinção entre imaginação e imaginário: se aquela diz respeito à faculdade de

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perceber, criar e reproduzir imagens, este se refere à forma como essa faculdade é operacionalizada.

Na construção de sua metalinguagem, o autor parte das considerações feitas pela reflexologia sobre os três reflexos fundamentais do ser humano, de posição, de deglutição e de copulação, por ver neles a possibilidade de integração entre a expressão da subjetividade e as intimações do ambiente. Como explica o próprio Durand (1997, p. 41):

Afinal,o imaginário não é mais que esse trajeto no qual a representação do objeto se deixa assimilar e modelar pelos imperativos pulsionais do sujeito, e no qual, reciprocamente, como provou magistralmente Piaget, as representações subjetivas se explicam “pelas acomodações anteriores do sujeito” ao meio objetivo.

Os reflexos expandem-se até a formação de um schème, conceito que remete a uma tendência geral dos gestos, de natureza anterior à imagem e responsável pela junção entre os gestos inconscientes e as representações. Esboça-se, nesse ponto, uma primeira reação do sujeito ante um conteúdo pregnante de sentido que o envolve.

A seguir, surge o arquétipo, imagem primeira de caráter coletivo e inato, uma vez que encontra suas raízes ao longo da própria história humana, marcando conteúdos muito caros à imaginação dos homens em todas as épocas; depois, há o símbolo, um signo concreto que evoca, por relação natural, uma entidade ausente ou impossível de ser percebida, representação que dá a ver um sentido secreto; até que se chega ao mito, sistema dinâmico de símbolos, arquétipos e schèmes que tem a tendência a formar um relato, de apresentar-se sob a forma de história, o qual, por esse motivo, já pode ser considerado um início de racionalização.

Embora, em sua apresentação dos conceitos, Durand siga um modo linear, o autor faz questão de ressaltar que não existe anterioridade de um elemento sobre outro, pois, no imaginário, as relações de natureza causal são abolidas; o que há são relações de incessante troca entre uma ocorrência e outra, num dinamismo próprio das imagens, ou seja, embora estas se organizem como uma constelação,

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orientando-se para um centro de convergência, não é preciso que haja primazia de umas sobre outras, senão a conferida pelo discurso em que se encontram.

Ocorre que as imagens vão se organizar, ou melhor, agrupar seguindo a orientação de um núcleo polarizante, e segundo o preceito do isomorfismo; a partir disso, constata-se a existência de determinadas normas de representação imaginária, as quais são denominadas de estruturas, entendidas, porém, de uma forma dinâmica, uma vez que o autor busca escapar à concepção vigente na época que compreendia a estrutura como um elemento de predomínio formal, na qual as relações contavam mais que o valor da imagem em si.

Comentando essa concepção dinâmica da estrutura durandiana, Maria Zaíra Turchi interpreta-a como resultado do esforço do autor visando a conciliar os postulados advindos do estruturalismo formal de Lévi-Strauss e da hermenêutica existencialista e historicizante de Paul Ricouer; na busca de tal conciliação, Durand elaborou um estruturalismo figurativo. Como afirma Turchi (2003, p. 25-6):

Tal aproximação se justifica, entendendo estrutura, como o faz Lupasco, não como uma forma estática e esvaziada de sentido, mas como uma reação dinâmica – forma intuitiva e princípio organizador. Diante desta concepção, não há conflito entre símbolo e estrutura, uma vez que esta última deriva, no seu próprio dinamismo, diretamente da posição “aberta” do símbolo. É a figura, o sentido figurado, que distribui as estruturas, da mesma forma como a linguagem movimenta a língua, a fala aciona a sintaxe, a significação orienta o signo. Em outras palavras, é a força da imagem, manifestada no símbolo, que dinamiza a estrutura.

Finalmente, com base na concepção do autor, percebe-se que a organização das imagens segue a duas intenções diversas, o que justificará a postulação de dois grandes regimes de imagens: o diurno e o noturno.

Embora tenha determinado a existência desses dois regimes, desde o início, Durand verificou que eles continham três estruturas do imaginário, o que permitiria, mais tarde, a reformulação da idéia original de dois para três regimes, trabalho em que tomou parte a pesquisadora brasileira Maria Thereza Strôngoli. Esta, observando a orientação isotópica seguida na denominação dada aos regimes, chamou ao terceiro regime crepuscular, nome aprovado por Durand, como relata a

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própria estudiosa (2005, p. 164-5), no artigo “Encontros com Gilbert Durand: Cartas, Depoimentos e Reflexões sobre o Imaginário”, que faz parte do livro Ritmos do

imaginário:

Na carta que abre este artigo, Durand, comentando minha observação sobre a plurivocidade do crepuscular, afirma que o mérito dessa denominação está, sobretudo, no fato de ela destacar a heterogeneidade desse regime (o noturno) e indicar a consciência de sua bipolaridade.

A função dos regimes e das estruturas do imaginário é servir como uma resposta e um enfrentamento do homem à angústia que a passagem do tempo e a percepção de sua caminhada para o final de sua existência trazem. Assim, embora com orientações diversas, todos eles visam a cumprir esse papel.

Para Durand (ibid., p. 58):

O Regime Diurno tem a ver com a dominante postural, a tecnologia das armas, a sociologia do soberano mago e guerreiro, os rituais da elevação e da purificação; o Regime Noturno subdivide-se nas dominantes digestiva e cíclica, a primeira subsumindo as técnicas do continente e do hábitat, os valores alimentares e digestivos, a sociologia matriarcal e alimentadora, a segunda agrupando as técnicas do ciclo, do calendário agrícola e da indústria têxtil, os símbolos naturais ou artificiais do retorno, os mitos e os dramas astrobiológicos. (grifos do autor)

O diurno é o regime que diz respeito às imagens geradas a partir da dominante postural e de seus schèmes; suas estruturas são de natureza esquizomorfa, entre as quais se destacam a separação e a geometrização. Assim, a problemática do tempo que passa e da certeza da morte é confrontada pelo regime diurno por meio de uma atitude diairética, a qual separa os traços positivos, projetando-os para o além, para o atemporal, restando os negativos como a significação própria do devir e do destino.

Nesse regime, a angústia da morte, instância negativa, é representada pelos símbolos teriomorfos, ligados à animalidade, nictomorfos, às trevas, e catamorfos, à queda e ao abismo. Assim, encontra-se o cavalo com uma significação nefasta e macabra, exemplificando o primeiro caso; as trevas infernais, as águas negras e a

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lua negra, exemplificando o segundo; e o movimento brusco da queda, a exemplificar o terceiro. Em razão disso, toda a orientação do regime diurno é contra o semantismo da animalidade, das trevas e da queda, porque estes se relacionam ao tempo mortal.

Para enfrentar tais obstáculos, a imaginação diurna se reveste de uma postura heróica, reforçando a antítese simbólica, por meio da figura ascensional e luminosa do herói, portando suas armas para combater a ameaça noturna destruidora. Esses esquemas de ascensão e diairese encontram-se caracterizados por dois símbolos, o cetro e o gládio. Existe, portanto, um contraponto para a queda no esquema ascensional, em que, diante do monstro devorador, surge o herói disposto a lutar, com espada em punho, até destruí-lo.

Finalmente, o autor postula a existência de quatro estruturas de separação no regime diurno: a idealização ou o recuo autístico, em que o sujeito busca alcançar certo distanciamento da realidade e uma fuga para a subjetividade; a “spaltung”, em que o sujeito busca a separação não entre si e o mundo, mas o separar-se de uma forma geral; o geometrismo, em que se busca uma concepção organizada do espaço, com o objetivo de dominá-lo; e o pensamento por antítese, em que se verifica uma atitude de conflito entre o sujeito e o mundo, enfatizando a problemática do confronto. Tais atitudes seguidas pela imaginação conduzem às estruturas gerais da representação.

O noturno é o regime das imagens geradas pela dominante da nutrição e pela dominante copulativa, bem como por seus respectivos schèmes. Como existe a possibilidade de duas dominantes neste regime, há dois tipos de estruturas: as místicas e as sintéticas; as primeiras abarcam as imagens da intimidade e as segundas, as imagens do ciclo em diversos níveis.

A face mística do regime noturno tem como símbolos marcantes a inversão e a intimidade e comporta, a exemplo do diurno, quatro estruturas: redobramento e perseverança, em que se nota a presença do eufemismo alcançado pela dupla negação e a inversão de sentido; viscosidade e adesividade, em que se buscam estabelecer conexões entre figuras e objetos logicamente separados; realismo

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sensorial; em que se encontra a união de movimento e cor fundada na intuição e na sensibilidade; e gulliverização, em que se nota o procedimento de miniaturização, com vistas a conferir à natureza uma substância íntima.

Quanto à face sintética do regime noturno, que se marca pela presença dos símbolos da circularidade do tempo e do progresso, a exemplo das vistas anteriormente, também possui quatro estruturas: a harmonização dos contrários, em que se verificam, simultaneamente, aspectos distintos da realidade em convivência pacífica; dialética ou contraste, em que se busca a coerência entre as características de dois termos; histórica, em que não se busca esquecer o tempo mas sim utilizá-lo para dominar a fatalidade; e a progressista, em que se pretende alcançar uma aceleração da história para aperfeiçoá-la.

Os regimes, para Durand, justificam-se em razão de existir um direcionamento para as imagens; servem assim, como reconhecimento de um princípio de coesão a orientar o percurso da imaginação.

Verifica-se que o agrupamento das imagens não é concebido de forma inflexível, cabendo ao estudioso do imaginário a responsabilidade de voltar sua atenção não para a força do substantivo em si, mas para o qualificativo que o reforça. Assim, se certa primazia para a identificação do regime encontra-se com a análise dos esquemas verbais, devido à força da ação imaginante que eles contêm, a observação dos epítetos recebidos pelos símbolos também se torna elemento fundamental para a classificação das imagens.

Durand (ibid., p. 59) faz questão de ressaltar ainda a perspectiva adotada e que tornou possível realizar sua pesquisa:

o desenvolvimento desse estudo só foi possível porque partimos de uma concepção simbólica da imaginação, quer dizer, de uma concepção que postula o semantismo das imagens, o fato de elas não serem signos, mas sim conterem materialmente, de algum modo, o seu sentido.

No desenvolvimento da teoria do imaginário, não deixa de ser curioso que, tendo ela nascido a partir de alguns elementos advindos de teorias que resvalam em

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