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CONSELHO DE DISCIPLINA

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Academic year: 2021

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CONSELHO DE DISCIPLINA

SECÇÃO PROFISSIONAL

Processo n.º 46 - 20/21

DESCRITORES: Infrações Especificas dos

Clubes – Infrações disciplinares graves – Falta

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ESPÉCIE: Processo Disciplinar

PARTES: Futebol Clube de Arouca – Futebol, SDUQ, Lda., na qualidade de arguida OBJETO: Eventual falta de colaboração com a justiça desportiva

DATA DO ACÓRDÃO: 14 de junho de 2021 TIPO DE VOTAÇÃO: Unanimidade

RELATOR: Vasco Cavaleiro

NORMAS APLICADAS: Artigo 86.º-A, n.º 1, do RDLPFP SUMÁRIO:

I. O promotor do espetáculo desportivo, em cujo recinto se realiza um jogo inserido numa competição desportiva de natureza profissional, tem o dever de instalar e manter em perfeitas condições um sistema de videovigilância que permita o controlo visual de todo o recinto desportivo, e respetivo anel ou perímetro de segurança, dotado de câmaras fixas ou móveis com gravação de imagem e som e impressão de fotogramas, o qual visa a proteção de pessoas e bens.

II. O clube que, devidamente notificado para o efeito, não disponibilize à Comissão de Instrutores da LPFP, no prazo regulamentarmente estatuído, cópia das imagens capturadas pelo sistema de videovigilância do respetivo estádio, incumpre o seu dever de colaboração com a justiça desportiva e, nessa medida, incorre na prática da infração disciplinar p. e p. pelo artigo 86.º-A, n.º 1, do RDLPFP.

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ACÓRDÃO

Acordam, em Plenário, ao abrigo do artigo 206.º, nº 1, do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional1 os membros do Conselho de Disciplina, Secção Profissional, da Federação Portuguesa de Futebol,

I – RELATÓRIO

§1. Registo inicial

1. Por deliberação da Secção Profissional do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, foi oportunamente instaurado e remetido à Comissão de Instrutores da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (doravante, CI), o processo disciplinar n.º 12-20/21. 2. No âmbito do referido processo foi prolatado despacho, datado de 5 de fevereiro de 2021, por via do qual, e atento o não envio, por parte da Futebol Clube de Arouca – Futebol, SDUQ, Lda., do registo de imagens e som criado pelo sistema de videovigilância instalado no seu Estádio, conforme melhor solicitado naqueles autos, se ordenou extrair certidão e remessa à Exma. Senhora Presidente do Conselho de Disciplina da FPF para os fins tidos por convenientes – cf. fls. 2 a 30

3. Nessa sequência, por deliberação da Secção Profissional do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, datada de 9 de fevereiro de 2021, foi instaurado e remetido, no dia 18 de fevereiro de 2021, à CI, o presente processo, autuado como processo disciplinar, tendo o seguinte objeto: «[e]ventual falta de colaboração coma justiça desportiva» – cf. Capa do processo e fls. 1 a 31.

4. Por despacho do Exmo. Senhor Presidente da CI, datado de 22 de fevereiro de 2021, foi ordenada a sua distribuição ao Exmo. Senhor Dr. Bruno Sampaio (cf. fls. 33).

1 Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional, aprovado na

Assembleia Geral Extraordinária de 27 de junho de 2011 (com as alterações aprovadas nas Assembleias Gerais Extraordinárias de 14 de dezembro de 2011, 21 de maio de 2012, 06 e 28 de junho de 2012, 27 de junho de 2013, 19 e 29 de junho de 2015, 08 de junho de 2016, 15 de junho de 2016 e 29 de maio, 13 de junho de 2017, 29 de dezembro de 2017, 13 de junho de 2018 e 29 de junho de 2018, 22 de maio de 2019 e 28 de julho de 2020, ratificado na reunião da Assembleia Geral da FPF de 26 de agosto de 2020), doravante abreviado, por mera economia de texto, por RDLPFP. O texto regulamentar encontra-se disponível, na íntegra, na página da FPF..

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5. Ainda no dia 22 de fevereiro de 2021, o Ilustre Instrutor designado nos autos deu início à instrução, atento o disposto nos artigos 228.º, n.ºs 2 e 3, e 229.º, n.ºs 1 e 2, do RDLPFP, sendo que, na mesma data, foi dado cumprimento ao preceituado no artigo 227.º daquele corpo regulamentar, notificando-se a SAD arguida quanto à instauração do processo disciplinar (cf. fls. 34 e ss.).

6. Devidamente notificada para se pronunciar sobre os factos em investigação e pelos quais se encontrava indiciada, pronunciou-se a SAD Arguida, por correio eletrónico, datado de 26 de fevereiro de 2021, conforme consta de fls. 48 a 53 dos autos.

7. Na pendência da fase de instrução, o Ilustre Instrutor promoveu a junção aos autos de documentação (infra discriminada) e realizou as seguintes diligências:

a) do extrato disciplinar da arguida, designadamente abrangendo as três últimas épocas desportivas anteriores àquela em que se verificaram os factos (cf. fls. 41 a 46); e

b) da cópia da pronúncia escrita que a Arguida Futebol Clube de Arouca – Futebol, SDUQ Lda. apresentou, em resposta ao cumprimento do disposto no artigo 227.º do RDLPFP, no âmbito do Processo Disciplinar n.º 27-20/21 (cf. fls. 54).

§2. Acusação

8. Finda a fase de instrução, o Ilustre Instrutor designado nos autos considerou existirem indícios suficientes da prática de infração disciplinar por parte da SAD arguida e, consequentemente, ao abrigo do disposto no artigo 233.º, n.º 1, do RDLPFP, deduziu, em 10 de maio de 2021, acusação contra a mesma (cf. fls. 58 a 71).

9. Em termos sumários, resulta do libelo acusatório a imputação à SAD arguida de 1 (uma) infração disciplinar p. e p. nos termos do disposto no artigo 86.º-A, n.º 1, do RDLPFP [Falta de colaboração com a justiça desportiva];

10. A indiciação lançada em sede de acusação apresenta-se sustentada na prova produzida nos autos, nomeadamente na já referida nos pontos 3., 6. e 7. do presente Acórdão.

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11. Conforme o disposto no artigo 237.º do RDLPFP19, remetidos os autos à Secção Disciplinar, se nada obstar ao seu recebimento, a Exma. Senhora Presidente do Conselho de Disciplina da FPF ordena a notificação da acusação ao arguido e procede ao agendamento de uma audiência disciplinar para um dos 10 dias úteis seguintes.

12. Destarte, em 17 de maio de 2021, a Exma. Senhora Presidente do Conselho de Disciplina da FPF: (i) distribui os presentes autos ao ora Relator; e (ii) designou o dia 25 de maio de 2021, pelas 10H00, como data da audiência disciplinar, a realizar, na sede da LPFP, perante o Relator (vide fls. 74).

13. A audiência disciplinar realizou-se no dia indicado, contando com as presenças do ora Relator e do Ilustre representante da CI, Sr. Dr. Bruno Sampaio, não tendo a SAD arguida comparecido nem apresentado qualquer pronúncia atinente à referida diligência.

14. No início da audiência foi dada a palavra ao representante da Comissão de Instrutores para sustentar a acusação, tendo o mesmo pugnando pela sua procedência (cf. fls. 85).

II – COMPETÊNCIA DO CONSELHO DE DISCIPLINA

15. De acordo com o artigo 43.º, n.º 1, do RJFD20082, compete a este Conselho, de acordo com a lei e com os regulamentos e sem prejuízo de outras competências atribuídas pelos estatutos e das competências da liga profissional, instaurar e arquivar procedimentos disciplinares e, colegialmente, apreciar e punir as infrações disciplinares em matéria desportiva. No mesmo sentido, dispõe o artigo 15.º do Regimento deste Conselho3.

III – QUESTÕES PRÉVIAS

16. Inexistem questões prévias que tenham sido suscitadas ou que importe conhecer, sendo que, os elementos constantes nos autos são bastantes para habilitar a tomada de decisão. Cumpre, assim, apreciar e decidir.

2 Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 248-B/2008, de 31 de dezembro (regime jurídico das federações desportivas e do

estatuto de utilidade pública desportiva) e alterado pelo artigo 4.º, alínea c), da Lei n.º 74/2013, de 6 de setembro (Cria o Tribunal Arbitral do Desporto e aprova a respetiva lei) e ainda pelos artigos 2.º e 4.º do Decreto-Lei n.º 93/2014, de 23 de junho, cujo texto consolidado constitui anexo a este último. O artigo 3.º da Lei nº 101/2017, de 28 de agosto, veio também a introduzir alterações neste regime, embora sem relevância neste domínio.

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IV – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

§1. A prova no direito disciplinar desportivo

17. Nem no RDLPFP, nem em qualquer outro diploma de natureza jusdisciplinar desportiva que regule as competições futebolísticas, encontramos uma resposta expressa à questão da valoração da prova em ambiente disciplinar desportivo.

18. Contudo, a redação do n.º 1 do artigo 16.º do RDLPFP permite-nos resolver, ainda que indiretamente, essa questão: «[n]a determinação da responsabilidade disciplinar é

subsidiariamente aplicável o disposto no Código Penal e, na tramitação do respetivo procedimento, as regras constantes do Código de Procedimento Administrativo e, subsequentemente, do Código de Processo Penal, com as necessárias adaptações».

19. Neste enquadramento, quando se questiona e se procura indagar a base normativa para a valoração da prova pelo julgador, para efeitos do processo disciplinar desportivo e, especialmente, porque este assume natureza pública, o entendimento deste Conselho, que já antes ia nesse sentido, fica, por via daquele normativo, mais sedimentado e com respaldo regulamentar, ou seja, a resposta está nos princípios do direito penal e, em especial, nas regras do respetivo processo.

20. Portanto, é, sem dúvida, no processo penal que vamos encontrar um complexo normativo referencial também para a questão da valoração da prova no direito disciplinar desportivo, desde logo porque encontramos as normas processuais penais que são, pela sua própria natureza, aquelas que se colocam como mais garantísticas dos direitos de defesa dos arguidos, razão pela qual, nalguns casos e sempre com as necessárias adaptações, o processo penal pode e deve representar a matriz do direito sancionatório público (criminal, contraordenacional e disciplinar)4.

21. Por outro lado, é também entendimento pacífico na nossa jurisprudência que ao processo disciplinar se deve aplicar a regra da “livre apreciação da prova” consagrada no artigo 127.º, do Código de Processo Penal5, o que bem se compreende, dadas as proximidades e as

4 A própria Constituição da República Portuguesa parece sufragar este entendimento quando, a propósito das

garantias do processo criminal, estende a outros processos sancionatórios, de forma inequívoca, pelo menos algumas delas (cf. artigo 32.º, n.º 10).

5 Neste sentido ver, entre outros, o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, processo n.º 03132/11.6BEPRT,

de 20-05-2016; o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, processo n.º 07455/11, de 12-03-2015; o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, processo n.º 06944/10, de 20-12-2012; o acórdão do Tribunal Central

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similitudes entre o processo disciplinar e o processo penal, designadamente no que respeita a alguns procedimentos e às garantias do arguido.

22. Na verdade, o artigo 127.º do Código de Processo Penal estatui que a prova é apreciada segundo as regras da experiência comum e a livre convicção da entidade competente, sem prejuízo, como é óbvio, do princípio da “presunção de inocência”, consagrado no artigo 32.º, n.º 2, da CRP, e do princípio “in dubio pro reo”, que igualmente fazem parte da dimensão jurídico-processual do princípio material da culpa.

23. Nesta conformidade, o julgador, no exercício do poder disciplinar – ou seja, a “entidade competente” de que nos fala o citado artigo 127.º, para o processo penal – tem a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos submetidos à sua apreciação e ao seu julgamento, sendo que a livre apreciação da prova não pode nunca “ser entendida como uma operação puramente

subjectiva pela qual se chega a uma conclusão unicamente por meio de impressões ou conjecturas de difícil ou impossível objectivação, mas valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objectivar a apreciação, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão”6.

24. Em conclusão, o julgador em sede disciplinar deve apreciar a prova de acordo com as regras da experiência comum e a sua livre convicção, sendo, porém, objetivo, ponderado e justo na análise dessa mesma prova, dentro dos limites da legalidade a que deve obediência.

25. É, pois, em conformidade com estes princípios que cumpre decidir sobre a matéria de facto relevante para a decisão final.

§2. Factos provados

26. Analisada e valorada a prova produzida nos autos, com relevância para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

1) A SAD arguida participa, na época desportiva 2020/2021, na II Liga – à data dos factos, Liga PRO –, correspondente ao segundo escalão das competições organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional;

Administrativo Norte, processo n.º 00093/06.7BEVIS, de 09-12-2011; o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, processo n.º 01717/06, de 05-11-2009; o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, processo n.º 12372/03, de 29-09-2005; o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, processo n.º 10842/01, de 11-03-2004 (todos disponíveis em www.dgsi.pt).

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2) No dia 19 de setembro de 2020, realizou-se, a contar para a Liga PRO, o jogo oficialmente identificado sob o n.º 20204, entre a Futebol Clube de Arouca - Futebol, SDUQ, Lda., e a Leixões Sport Clube – Futebol, SAD;

3) Relativamente a factos ocorridos aquando do jogo suprarreferido, foi instaurado e correu termos na Comissão de Instrutores da Liga Portugal o Processo Disciplinar n.º 12-20/21; 4) No âmbito do Processo Disciplinar n.º 12-20/21, por despacho datado de 9 de outubro de 2020, a Comissão de Instrutores ordenou a notificação (ocorrida a 12 de outubro de 2020) da Futebol Clube de Arouca - Futebol, SDUQ, Lda., para «remeter, no prazo de dois

dias, o registo de vídeo (imagem e som) criado pelo sistema de videovigilância instalado no respectivo estádio, aquando do jogo n.º 20204 (204.01.013), entre si e a Leixões SC, SAD, realizado no dia 19 de Setembro de 2020, a contar para a Liga PRO»;

5) Nessa sequência, apesar de regulamentarmente notificada, a Futebol Clube de Arouca - Futebol, SDUQ, Lda., não habilitou a Comissão de Instrutores naquele prazo, ou em qualquer outro, com cópias de qualquer registo de imagem e/ou som criado pelo sistema de videovigilância (vulgo CCTV) instalado no respetivo estádio aquando do jogo referido no facto provado 2);

6) Apenas no dia 22 de dezembro de 2020 (mais de dois meses depois da notificação aludida no facto provado 4)), e no âmbito de outro procedimento disciplinar (Processo Disciplinar n.º 27-20/21) é que a SAD arguida veio informar e “justificar” que o sistema de videovigilância estava a funcionar incorretamente, «(..) mais concretamente, as câmaras

instaladas na zona técnica, não se encontravam funcionar e que tal facto, deveu se ao temporal que se sentiu na região, nomeadamente, fortes trovoadas, que queimaram o referido circuito»;

7) A SAD arguida, com a conduta descrita supra em 4) e 5), agiu de forma livre, consciente e voluntária, bem sabendo que o seu comportamento omissivo, designadamente ao não habilitar a Comissão de Instrutores, no prazo de 2 dias e após notificação para o efeito, com cópia das imagens e som capturadas pelo sistema de videovigilância do seu estádio, nem ter alegado nada, no mesmo prazo de dois dias, que justificasse a ausência de remessa de cópia das referidas imagens e som, consubstancia conduta prevista e punida pelo ordenamento jusdisciplinar desportivo, não se abstendo, porém, de a realizar;

8) A SAD arguida não tem, na data anterior à prática dos factos, na época desportiva 2020/2021, qualquer averbamento disciplinar; não tendo sido punida pelo ilícito disciplinar p.

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p. pelo artigos 86.º-A, n.º 1, do RDLPFP, em nenhuma das três épocas desportivas anteriores àquela em que ocorreram os factos objeto destes autos.

§3. Factos não provados

27. A SAD Arguida tinha antecedentes disciplinares na época desportiva 2020/2021.

§4. Motivação quanto à matéria de facto

28. A convicção formada apoia-se, fundamentalmente, nos documentos juntos aos autos que se harmonizam entre si, tendo sido analisados de forma crítica e conjugada, quer cada um deles isoladamente, quer todos eles de forma conjunta e global, desse modo permitindo concluir pela verificação da factualidade acima dada como provada.

Destarte, concretizando:

(i) Os factos descritos em 1) a 5) de §2. Factos provados encontram arrimo probatório nas certidões dos despachos e notificações constantes de fls. 1 a 30;

(ii) A prova do facto descrito em 6) de §2. Factos provados resultouda cópia da pronúncia escrita que a Arguida Futebol Clube de Arouca – Futebol, SDUQ Lda. apresentou, em resposta ao cumprimento do disposto no artigo 227.º do RDLPFP, no âmbito do Processo Disciplinar n.º 27-20/21 (cf. fls. 54 a 57);

(iii) No que respeita à materialidade de índole subjetiva da SAD arguida aposta no facto descrito em 7) de §2. Factos provados, representando o estado psíquico atinente ao preenchimento do elemento subjetivo do tipo da infração disciplinar em dissídio, a sua demonstração decorre in re ipsa e, por conseguinte, também da valoração dos elementos probatórios juntos ao processo (acima já analisados) à luz das regras da experiência comum e da lógica;

(iv) O extrato disciplinar da SAD arguida, designadamente abrangendo as três últimas épocas desportivas anteriores àquela em que foram praticados os factos, presente de fls. 41 a 46, oferece a prova para o facto descrito em 8) de §2. Factos provados.

(v) O extrato disciplinar da SAD arguida, designadamente o referente à presente época desportiva, junto a fls. 46, oferece a prova para o facto não provado.

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V – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

§1. Enquadramento jurídico-disciplinar – Fundamentos e âmbito do poder disciplinar

29. O poder disciplinar exercido no âmbito das competições organizadas pela Federação Portuguesa de Futebol – ou, por delegação, pela Liga Portuguesa de Futebol profissional – assume natureza pública. Com clareza, concorrem para esta proposição as normas constantes dos artigos 19.º, n.º 1 e 2, da Lei n.º 5/2007 de 16 de janeiro (Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto), e dos artigos 10.º, 13.º, alínea i), do RJFD2008.

30. A existência de um poder regulamentar justifica-se pelo dever legal – artigo 52.º, n.º 1, do RJFD2008 – de sancionar a violação das regras de jogo ou da competição, bem como as demais regras desportivas, nomeadamente as relativas à ética desportiva, entendendo-se por estas últimas as que visam sancionar a violência, a dopagem, a corrupção, o racismo e a xenofobia, bem como quaisquer outras manifestações de perversão do fenómeno desportivo (artigo 52.º, n.º 2, do RJFD2008).

31. O poder disciplinar exerce-se sobre os clubes, dirigentes, praticantes, treinadores, técnicos, árbitros, juízes e, em geral, sobre todos os agentes desportivos que desenvolvam a atividade desportiva compreendida no seu objeto estatutário (artigo 54.º, n.º 1, do RJFD2008). Em conformidade com o artigo 55.º do RJFD2008 o regime da responsabilidade disciplinar é independente da responsabilidade civil ou penal.

32. Todo este enquadramento, representa, entre tantas consequências, que estamos perante um poder disciplinar que se impõe, em nome dos valores mencionados, a todos os que se encontram a ele sujeito, conforme o âmbito já delineado e que, por essa razão, assenta na prossecução de finalidades que estão bem para além dos pontuais e concreto interesses desses agentes e organizações desportivas.

§2. Das infrações disciplinares em geral

33. O RDLPFP encontra-se estruturado, no estabelecer das infrações disciplinares, pela qualidade do agente infrator – clubes, dirigentes, jogadores, delegados dos clubes e treinadores, demais agentes desportivos, espectadores, árbitros, árbitros assistentes, observadores de árbitros e delegados da Liga.

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34. Para cada um destes tipos de agente o RDLPFP recorta tais infrações e respetivas sanções em obediência ao grau de gravidade dos ilícitos, qualificando assim as infrações como muito graves, graves e leves.

§3. Das infrações disciplinares concretamente imputadas

35. Considera-se infração disciplinar o facto voluntário, por ação ou omissão, e ainda que meramente culposo, que viole os deveres gerais ou especiais previstos nos regulamentos desportivos e demais legislação aplicável (vide o artigo 17.º do RDLPFP).

36. Quanto ao âmbito subjetivo de aplicação das normas disciplinares, determina o n.º 2 do artigo 7.º, do mesmo corpo regulamentar que «[o]s clubes são responsáveis pelas infrações

cometidas nas épocas desportivas em que participarem nas competições organizadas pela Liga Portugal e no âmbito dessas competições».

37. No caso em apreço situamo-nos no universo das infrações específicas dos clubes – estando em causa o ilícito disciplinar previstos e punidos nos artigos 86.º-A [Falta de

colaboração com a justiça desportiva] n.º 1, qualificado como graves7, cujo teor se transcreve nas partes que interessam para o presente processo:

«

Artigo 86.º-A

Falta de colaboração com a justiça desportiva

1. O clube que, notificado para o efeito, não habilite a Comissão de Instrutores, no prazo de dois dias úteis, com cópia das imagens capturadas pelo sistema de videovigilância do respetivo estádio, será́ punido com a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 20 UC e o máximo de 100 UC.

2. (…).

3. Em caso de reincidência em algum dos ilícitos previstos nos números anteriores, os limites mínimo e máximo da sanção neles prevista serão elevados para o dobro.

Artigo 87.º-A

Incumprimento de deveres de organização

7 Capítulo IV (Infrações disciplinares), Secção I (Infrações específicas dos clubes), Subsecção II (Infrações disciplinares

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(…)

2. O clube que não cumpra a obrigação de corte da relva estabelecida no n.º 4 do artigo 39.º do Regulamento das Competições é punido com a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 50 e o máximo de 100 UC.

(…)

4. O clube que não cumpra as obrigações relativas ao sistema de videovigilância que para si decorrem do Regulamento das Competições é punido com a sanção prevista no n.º 2.

(…)

5. Em caso de reincidência no ilícito previsto no número anterior, para além da sanção nele prevista, o clube é punido com a sanção de realização de um a dois jogos à porta fechada»

38. Importa ainda compulsar o RCLPFP8, a fim de encontrarmos as normas que estatuem as obrigações relativas ao sistema de videovigilância. Neste conspecto, temos então as seguintes normas:

Artigo 35.º

Medidas preventivas para evitar manifestações de violência e incentivo ao fair-play

1. Em matéria de prevenção de violência e promoção do fair-play, são deveres dos clubes:

(…)

t) instalar e manter em funcionamento um sistema de videovigilância, de acordo com o preceituado nas leis aplicáveis;

(…)

Anexo VI

Regulamento de Prevenção da Violência

8 Regulamento das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional, com as alterações

aprovadas nas Assembleias Gerais Extraordinárias de 27 de junho de 2011, 14 de dezembro de 2011, 21 de maio de 2012, 28 de junho de 2012, 27 de junho de 2013, 20 de junho de 2014, 19 e 29 de junho de 2015, 21 de outubro de 2015, 15 de março de 2016, 28 de junho de 2016, 07 de fevereiro de 2017, 12 de junho de 2017, 29 de dezembro de 2017, 27 de fevereiro de 2018, 27 de abril de 2018, 25 de maio de 2018 e 29 de junho de 2018, 22 de maio de 2019, 08 de junho de 2020, 28 de julho de 2020 e 30 de setembro de 2020.

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Artigo 6.º

Deveres do promotor do espetáculo desportivo

O promotor do espetáculo desportivo tem os seguintes deveres: (…)

u) instalar e manter em funcionamento um sistema de videovigilância, de acordo com o preceituado nas leis aplicáveis;

(…)

Artigo 13.º

Jogos de risco elevado

O promotor do espetáculo desportivo, nos jogos considerados de risco elevado, além do respeito pelo que se encontra estabelecido no Regulamento de Competições, deve cumprir o seguinte:

a) Diligenciar para que o recinto no qual vai ser realizado o jogo esteja dotado: (…)

iii. de um sistema de videovigilância, em perfeitas condições de funcionamento, que permita o controlo visual de todo o recinto desportivo e respetivo anel ou perímetro de segurança, dotado de câmaras fixas ou móveis com gravação de imagem e som e impressão de fotogramas».

39. Atentas as remissões que fazem o artigo 35.º, n.º 1, alínea t), do RCLPFP e o artigo 6.º, alínea u) do ANEXO VI [Regulamento de Prevenção da Violência], para as leis aplicáveis, importa termos presente a Lei n.º 39/2009, de 30 de julho, na versão atualizada, por último, pela Lei n.º 113/2019 de 11 de Setembro, que, estabelece o regime jurídico da segurança e combate ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espetáculos desportivos, concretamente ao respetivo artigo 18.º , no qual, além do mais, se estatui o seguinte:

Artigo 18.º

Sistema de videovigilância

1 – O promotor do espetáculo desportivo, em cujo recinto se realizem espetáculos desportivos de natureza profissional ou não profissional considerados de risco elevado, sejam nacionais ou internacionais, instala e mantém em perfeitas condições um sistema de videovigilância que permita o controlo visual de todo o recinto desportivo e respetivo anel ou perímetro de segurança, dotado de câmaras fixas ou móveis com gravação de imagem e som e impressão de fotogramas, as quais visam

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a proteção de pessoas e bens, com observância do disposto na legislação de proteção de dados pessoais.

2 - A gravação de imagem e som, aquando da ocorrência de um espetáculo desportivo, é obrigatória, desde a abertura até ao encerramento do recinto desportivo, devendo os respetivos registos ser conservados durante 60 dias, por forma a assegurar, designadamente, a utilização dos registos para efeitos de prova em processo penal ou contraordenacional, prazo findo o qual são destruídos em caso de não utilização.

(…)

7 - O organizador da competição desportiva pode aceder às imagens gravadas pelo sistema de videovigilância, para efeitos exclusivamente disciplinares e no respeito pela Legislação de proteção de dados pessoais, devendo, sem prejuízo da aplicação do n.º 2, assegurar-se das condições de reserva dos registos obtidos.

40. Acresce salientar que, a existência de um sistema de videovigilância, com as enunciadas características, é um requisito legal inerente às condições de segurança dos estádios, como cristalinamente decorre do estatuído nos artigos 9.º, n.º 2, alínea a), 10.º, n.º 3 e 14.º, n.º 2, todos do Decreto-Lei n.º 141/2009, de 16 de junho9 e no artigo 14.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto Regulamentar n.º 10/2001, de 7 de junho10; aliás, por força da sua previsão legal, tal requisito foi consignado no RCLPFP, como se constata do teor da Ref.ª E18 – Dispositivos de Controlo de Entradas e Vigilância de Espectadores do respetivo Anexo IV (Regulamento das Infraestruturas e Condições Técnicas e de Segurança nos Estádios).

§2. O caso concreto: subsunção ao direito aplicável

41. Feito o necessário enquadramento jurídico-disciplinar da situação sub judice, importa agora apurar a responsabilidade disciplinar da SAD arguida, face à infração disciplinar que lhe é imputada, para o que se afigura necessário ter presente – além da norma citada e de outras a que adiante aludiremos – o disposto no artigo 17.º do RDLPFP que determina que se considera infração disciplinar o facto voluntário, por ação ou omissão, e ainda que meramente culposo,

9 Diploma que estabeleceu o Regime Jurídico das Instalações Desportivas de Uso Público. 10 Decreto que aprovou o Regulamento das Condições Técnicas e de Segurança dos Estádios.

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que viole os deveres gerais ou especiais previstos nos regulamentos desportivos e demais legislação aplicável.

42. Temos assim que são elementos essenciais da infração disciplinar, de verificação cumulativa, os seguintes: (i) o facto do agente (que tanto pode traduzir-se numa ação como numa omissão); (ii) a ilicitude desse mesmo facto; e (iii) a culpa. No plano da culpa basta que estejamos face a uma conduta meramente culposa ou negligente do agente, para que essa conduta, desde que ilícita, seja passível de punição disciplinar.

43. Destarte, a SAD arguida participou, na época desportiva 2020/2021, disputou na II Liga – à data dos factos, Liga PRO, competição organizada pela LPFP11, e como tal, é inequívoco que promove (tal como aconteceu nos jogo em apreço nos autos principais e processo apenso), espetáculos desportivos que respeitam a competição desportiva (II Liga) considerada de natureza profissional – vide artigo 7.º, n.º 1, alínea b), do RCLPFP, artigo 59.º do Decreto-Lei nº 248-B/2008, de 31 de dezembro12, e artigo 14.º da Portaria n.º 50/2013, de 5 de Fevereiro13. 44. Por ser promotora «do espetáculo desportivo em cujo recinto se realizem espetáculos

desportivos de natureza profissional ou não profissional considerados de risco elevado»14, estava a SAD arguida obrigada, na data dos factos, nos termos conjugados da alínea t) do n.º 1 do artigo 35.º do RCLPFP19, alínea u) do artigo 6.º do Anexo VI ao sobredito RCLPFP [Regulamento de Prevenção da Violência], bem como nos n.ºs 1 e 2 do artigo 18.º da Lei n.º 39/2009 de 30 de Julho, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 113/2019, de 11 de setembro, a instalar, manter em perfeitas condições e em funcionamento, um sistema de videovigilância, que permitisse o controlo visual de todo o recinto desportivo, e respetivo anel ou perímetro de segurança, dotado de câmaras fixas ou móveis com gravação de imagem e som e impressão de fotogramas.

45. A existência de um sistema de videovigilância é um requisito legal inerente às condições de segurança dos estádios cfr. artigos 9.º, n.º 2, alínea a), 10.º, n.º 3, e 14.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 141/2009, de 16 de junho e artigo 14.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto Regulamentar n.º 10/2001, de 7 de junho e, nessa medida, foi transposto para o RCLPFP (cf. E18 – Dispositivos

11 Veja-se o artigo 7.º do RCLPFP, quanto à denominação da competição, e os artigos 22.º e ss. do mesmo

regulamento, relativamente ao aludido escalonamento.

12 Cf. nota 2.

13 Através da referida Portaria foram definidos os parâmetros para o reconhecimento da natureza profissional das

competições desportivas e os consequentes pressupostos de participação nas mesmas.

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de Controlo de Entradas e Vigilância de Espetadores do seu Anexo IV – Regulamento das

Infraestruturas e Condições Técnicas e de Segurança nos Estádios).

46. Assim, como resulta do estatuído no artigo 86.º-A, n.º 1, do RDLPFP, ao abrigo do princípio da colaboração com a justiça desportiva, os clubes, uma vez notificados para o efeito, devem habilitar a CI, no prazo de dois dias úteis, com cópia das imagens capturadas pelo sistema de videovigilância dos respetivos estádios.

47. Este dever regulamentar, com respaldo disciplinar na citada norma, encontra a sua razão de ser na importância de que se revestem os sistemas de videovigilância instalados nos estádios de futebol para a deteção, seguimento e punição disciplinar dos mais diversos comportamentos (disciplinarmente) ilícitos imputáveis, desde logo, aos próprios clubes, mas também a todos quantos intervêm no espetáculo desportivo que é um jogo de futebol, desde dirigentes, técnicos, jogadores, passando por elementos da própria organização da competição, até aos espetadores. Com efeito, como demonstrado à saciedade por múltiplos procedimentos disciplinares, o acesso às imagens e som captados pelos sistemas de videovigilância é, muitas das vezes, a única forma de prosseguir a ação disciplinar e punir os responsáveis por factos que podem ir da mera presença de pessoas não autorizadas na zona técnica do estádio até atos de agressão, vandalismo e de perigo para a segurança de pessoas e bens.

48. Por ser assim, é que o artigo 18.º da Lei n.º 39/3009 determina no seu anterior n.º 6, atual n.º 7, que o organizador da competição desportiva pode aceder às imagens gravadas pelo sistema de videovigilância, para efeitos exclusivamente disciplinares e no respeito pela legislação de proteção de dados pessoais; estatuição esta que vem na linha do antecedente n.º 2, onde se afirma que “a gravação de imagem e som, aquando da ocorrência de um espetáculo

desportivo, é obrigatória, desde a abertura até ao encerramento do recinto desportivo, (…), por forma a assegurar, designadamente, a utilização dos registos para efeitos de prova em processo penal ou contraordenacional” (sublinhado nosso). Porquanto, designadamente é um advérbio

usado para destacar informação, dando uma ideia de exemplificação, não sendo, pois, sinónimo de exclusivamente, advérbio que tem um sentido de não admissão, de exclusão; assim, aquele n.º 2 está em total consonância com o disposto no anterior n.º 6, atual n.º 7, do mesmo artigo 18.º.

49. Por outro lado, importa precisar que o organizador da competição desportiva – o que,

in casu, abrange o Conselho de Disciplina da FPF e a CI – pode aceder às gravações de imagem

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50. Com efeito, o n.º 2 do citado artigo 18.º estabelece que os registos de imagem e som podem ser utilizados para efeitos de prova em processo penal ou contraordenacional; o atual n.º 6 do mesmo artigo diz que as imagens recolhidas podem ser utilizadas pela APCVD e pelas forças de segurança para efeitos de instrução de processo de contraordenação; e o subsequente atual nº 7, anterior n.º 6, determina que o organizador da competição desportiva pode aceder às imagens gravadas para efeitos exclusivamente disciplinares.

51. Ademais, o artigo 8.º da Lei n.º 39/2009, na redação atualmente em vigor, estatui na alínea u), do seu n.º 1 que, sem prejuízo de outros deveres que lhe sejam cometidos nos termos dessa mesma lei e na demais legislação ou regulamentação aplicáveis, é dever do promotor do espetáculo desportivo proceder ao envio da gravação de imagem e som e impressão de fotogramas colhidos pelo sistema de videovigilância, quando solicitado pelas forças de segurança ou pela APCVD.

52. Temos, pois, que o legislador tanto alude a registos de imagem e som, como apenas a

imagens gravadas ou imagens recolhidas.

53. Como decorre do estatuído no artigo 9.º do Código Civil, a interpretação da lei não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada. Concretamente quanto ao elemento sistemático de interpretação, como ensina Baptista Machado, este «compreende a consideração

das outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretanda, isto é, que regulam a mesma matéria (contexto da lei), assim como a consideração de disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins (lugares paralelos). Compreende ainda o “lugar sistemático” que compete à norma interpretanda no ordenamento global, assim como a sua consonância com o espírito ou unidade intrínseca de todo o ordenamento jurídico.

Baseia-se este subsídio interpretativo no postulado da coerência intrínseca do ordenamento, designadamente no facto de que as normas contidas numa codificação obedecem por princípio a um pensamento unitário.

Nomeadamente o recurso aos “lugares paralelos” pode ser de grande utilidade, pois que, se um problema de regulamentação jurídica fundamentalmente idêntico é tratado pelo legislador em diferentes lugares do sistema, sucede com frequência que num desses lugares a fórmula legislativa emerge mais clara e explícita. Em tal hipótese, porque o legislador deve ser uma

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pessoa coerente e porque o sistema jurídico deve por igual formar um todo coerente, é legítimo recorrer à norma mais clara e explícita para fixar a interpretação de outra norma (paralela) mais obscura ou ambígua»15.

54. Nesta conformidade, numa perspetiva sistemática e de coerência do sistema jurídico – não só na ótica das enunciadas normas, entre si, mas também destas com a preservação do direito à segurança de pessoas e bens que subjaz ao n.º 1 do mesmo artigo 18.º –, afigura-se-nos que a referência a imagens gravadas ou imagens recolhidas, nas citadas normas da Lei n.º 39/2009, compreende os registos de imagem e som captados pelos sistemas de videovigilância; o mesmo valendo, como resulta óbvio, para a exegese hermenêutica do artigo 86.º- A, n.º 1, do RDLPFP.

55. Aqui chegados, debalde a notificação para que a SAD arguida remetesse, no prazo de dois dias, o registo de vídeo (imagem e som) criado pelo sistema de videovigilância instalado no respetivo estádio, realizada, no dia 12 de outubro de 2020, no âmbito do Processo Disciplinar n.º 12-20/21, só no dia 22 de dezembro de 2020 (mais de dois meses depois daquela solicitação), e no âmbito do Processo Disciplinar n.º 27-20/21, é que a SAD arguida veio informar e procurar, à laia de justificação, que o sistema de videovigilância estaria a funcionar incorretamente, «(…)

mais concretamente, as camaras instaladas na zona técnica, não se encontravam a funcionar e quetal facto, deveu se ao temporal que se sentiu na região, nomeadamente, fortes trovoadas, que queimaram o referido circuito».

56. Ora, a manifesta intempestividade de tal informação / justificação não se mostra materialmente apta a dirimir a responsabilidade disciplinar da arguida, atenta a ausência de resposta e o não envio, no prazo de dois dias, das imagens geradas pelo sistema de videovigilância do Estádio previamente designado pela SAD arguida para as competições profissionais, não obstante devidamente notificada para o efeito, por parte da CI, porquanto se verifica comportamento (omissivo) ilícito e culposo por parte da SAD arguida. Ademais, e tendo presente a justificação da SAD arguida, cumpre recuperar as judiciosas considerações feitas a propósito dessa materialidade, no âmbito do Processo Disciplinar n.º 12-20/21, no acórdão prolatado em 11 de maio de 2021, Relator: Coutinho de Almeida16, onde se faz constar que: «(…)

é notório e do domínio público, especialmente desportivo, que a arguida usa o Estádio Municipal de Arouca em exclusivo para as provas desportivas da competição que promove e em que

15 Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 23.ª reimpressão, Coimbra: Almedina, 2016, p. 183. 16 Disponível para consulta na página eletrónica da FPF.

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participa e que acima nos referimos e, por isso, tem o dever e a obrigação de velar pela instalação e manutenção do referido sistema, nos termos que se encontram legal e regularmente estipulados, devendo mesmo precaver-se contra eventuais falhas ou desleixos de terceiros, criando condições para que tal não aconteça e, em especial, impedir que ocorra um período temporal tão dilatado para repor o sistema em perfeito funcionamento. A arguida não logrou, assim, trazer para os autos qualquer elemento probatório que pudesse sustentar, ainda que indiciariamente, a exclusão da ilicitude da sua conduta, ou seja, não produziu qualquer prova relativamente à tese que apresentou - estamos a referir-nos, concreta e especialmente, ao alegado “temporal que se sentiu na região, nomeadamente, fortes trovoadas, que queimaram o referido circuito” - e que colocasse em causa os factos da acusação».

57. Nesta conformidade, o comportamento da SAD arguida, nos termos e circunstâncias em que se verificou, é objetiva e subjetivamente ilícito, porquanto apesar de regulamentarmente notificada para o efeito, não habilitou a CI no prazo indicado, ou em qualquer outro, com cópias de qualquer registo de imagem e/ou som criado pelo sistema de videovigilância (vulgo CCTV) instalado no respetivo estádio aquando do jogo dos autos, tendo atuado com manifesto dolo direto (vide artigo 14.º, n.º 1, do Código Penal), mostrando-se assim preenchidos os elementos integrativos da infração disciplinar p. e p. pelo artigo 86.º-A, n.º 1, do RDLPFP, devendo, por isso, a Arguida ser disciplinarmente responsabilizada e sancionada.

VI – MEDIDA E GRADUAÇÃO DA SANÇÃO

§1. Determinação da medida da sanção

58. Qualificados juridicamente os factos e operada a sua subsunção ao preceito legal sancionador, cumpre, agora, proceder à determinação da medida concreta da sanção a aplicar à SAD arguida.

59. É no Capítulo III (medida e graduação das sanções), artigos 52.º a 61.º, do RDLPFP que nos deparamos com as normas que possibilitam alcançar a medida concreta da sanção, tendo sempre presente o princípio da proporcionalidade patente no artigo 10.º: as sanções disciplinares aplicadas como consequência da prática das infrações disciplinares previstas no presente Regulamento devem ser proporcionais e adequadas ao grau da ilicitude do facto e à intensidade da culpa do agente.

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60. Também como princípio mentor da tarefa de concretização da medida da sanção deve ter-se como revelante o disposto no artigo 52.º (Determinação da medida da sanção), n.º 1: «A

determinação da medida da sanção, dentro dos limites definidos no presente Regulamento, far-se-á em função da culpa do agente, tendo ainda em conta as exigências de prevenção de futuras infrações disciplinares. Adita o n.º 2 deste artigo que na determinação da sanção, atender-se-á

a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo da infração, militem a favor do agente ou contra ele.

61. Por seu lado, o artigo 53.º, vem estabelecer as circunstâncias agravantes, dispondo no seu n.º 1 que:

«Constituem especiais circunstâncias agravantes de qualquer infração disciplinar: a) a reincidência;

b) a premeditação;

c) a acumulação de infrações;

d) a combinação com outrem para a prática da infração; e) a dissimulação da infração;

f) a prática da infração com o objetivo ou a finalidade de impedir a deteção ou a punição de outra infração».

62. Cabe ao artigo 55.º, n.ºs 1 a 3, elencar as circunstâncias atenuantes, assim:

«1. São especiais circunstâncias atenuantes das faltas disciplinares:

a) o bom comportamento anterior, aferido pela inexistência de condenações disciplinares há mais de um ano;

b) a confissão espontânea da infração;

c) a prestação de serviços relevantes ao futebol; d) a provocação;

e) o louvor por mérito desportivo.

2. Para além das atenuantes previstas no número anterior, é ainda considerada como circunstância especialmente atenuante o cumprimento de uma pena de suspensão que posteriormente venha a ser reduzida em mais de um terço ou revogada por decisão final na ordem jurídica desportiva caso a suspensão já tenha sido integral ou parcialmente cumprida. 3. Além destas, poderão excecionalmente ser consideradas outras atenuantes, quando a sua relevância o justifique».

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63. Por último, há ainda a registar a possibilidade de atenuação especial da sanção, prevista no artigo 60.º: a sanção concretamente aplicada, depois de determinada ao abrigo do disposto nos artigos anteriores, poderá ainda ser especialmente atenuada quando existam circunstâncias anteriores, contemporâneas ou posteriores à infração que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto ou a culpa do agente.

§2. O caso concreto

64. Ora, apurados os factos valorados como atentatórios da ordem jurídica desportiva e enquadrados nos respetivos tipos de infração, resta apreciar e decidir as sanções a aplicar. 65. Sendo que, prevenção e culpa são os critérios gerais a atender na fixação da medida concreta da sanção, espelhando o primeiro a necessidade comunitária do sancionamento do caso concreto [nas palavras de FIGUEIREDO DIAS a «necessidade da tutela da confiança e das

expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada»17] e constituindo o segundo dos enunciados critérios, especificamente dirigido ao agente da infração, o limite às exigências de prevenção e, portanto, o limite máximo da sanção.

66. Mister é, neste particular, notar que é a ideia de prevenção geral (positiva), enquanto finalidade primordial visada pela sanção, que dá sustento ao cumprimento do princípio da necessidade da pena consagrado, em termos gerais, no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa. São, nomeadamente, as exigências de prevenção geral que definem a chamada “moldura da prevenção”, em que o quantum máximo da sanção corresponderá à medida ótima de tutela dos bens jurídicos e das expetativas comunitárias que a sanção deve alcançar e o limite inferior é aquele que define o limiar mínimo da defesa do ordenamento jurídico, abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação de sanção sem irremediável prejuízo da respetiva função tutelar. Nesse contexto, no que concerne às exigências de prevenção especial ou individual, a sanção não pode deixar de alcançar o objetivo de fazer o arguido interiorizar o desvalor da sua conduta de molde a prevenir a prática de futuros ilícitos disciplinares. Em todo o caso, a medida da sanção não pode ultrapassar a medida da culpa, que constitui «um limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas» (cf. FIGUEIREDO DIAS, in Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, p. 230).

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67. Elucidada a forma como se relacionam a culpa e a prevenção no processo de determinação concreta da sanção e qual a função que uma e outra cumprem naquele processo, importa então eleger a totalidade das circunstâncias do complexo integral do facto («aquele

recorte ou pedaço de vida», na expressão de FIGUEIREDO DIAS) que relevam para a culpa e para a prevenção. FIGUEIREDO DIAS chama a esta tarefa «a determinação do substrato da medida da

pena» e àquelas circunstâncias «os fatores da medida da pena» (op. cit., p. 232). Na

concretização deste trabalho e nos termos já acima abordados, quanto à determinação da medida da sanção, dentro dos limites definidos no RDLPFP, a mesma faz-se em função da culpa do agente, tendo ainda em conta as exigências de prevenção de futuras infrações disciplinares, considerando todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de infração, militem a favor do agente ou contra ele, nomeadamente, as constantes dos artigos 53.º e 55.º do mencionado/diploma disciplinar.

68. Posto isto, em termos de prevenção geral, há que considerar a natureza e a relevância dos bens jurídicos protegidos pelos tipos de ilícito em questão – nomeadamente a realização do espetáculo desportivo em condições de segurança e normalidade competitiva e a colaboração com a justiça desportiva. Do mesmo modo, não se pode deixar de ter em conta a frequência da ocorrência de fenómenos como os provados nos autos, o que incrementa a «necessidade da

tutela da confiança e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada»18. Não sendo, assim, insignificantes as necessidades de prevenção geral que se fazem registar.

69. No que concerne às exigências de prevenção especial ou individual, avulta que as mesmas são de pequena monta, atenta a ausência de cadastro disciplinar da SAD arguida, quanto à presente época desportiva e à data da prática dos factos em apreço nestes autos. 70. Como resulta do cadastro disciplinar de fls. 45 e 46, a SAD arguida não tem averbado qualquer ilícito disciplinar tanto na presente época desportiva, como na anterior (2019/2020). Tal circunstância suscitaria a ponderação da aplicação da circunstância modificativa atenuante prevista no artigo 55.º, n.º 1, al. a), do RDLPFP (bom comportamento anterior aferido pela

inexistência de condenações disciplinares há mais de um ano). Todavia, acompanhando aquela

que tem sido a jurisprudência deste Conselho19, o funcionamento daquela circunstância

18 FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal – Parte Geral, Tomo I, 2ª Edição (2ª Reimpressão), Coimbra Editora, 2012, p. 79. 19 Cf. o RHI n.º 07 – 2020/2021, acórdão da Secção Profissional tirado por unanimidade em 09.12.2020 (Relator: Vasco

Cavaleiro), em especial o ponto 62. e o PD 20-2020/21, acórdão da Secção Profissional tirado por unanimidade em 19.01.2021 (Relatora: Marta Vicente), em especial o ponto 101; e PD 56-2020/21, acórdão da Secção Profissional tirado por unanimidade em 07.06.2021 (Relatora: Isabel Lestra Gonçalves).

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atenuante, aferida a partir da inexistência de condenações disciplinares há mais de um ano, pressupõe que o clube tenha estado inscrito nas competições profissionais organizadas pela Liga Portugal durante a época desportiva anterior (in casu, na época desportiva 2019/2020). Ora, tal não se verifica em relação à SAD arguida, que, nessa época, não esteve inscrita nas competições profissionais organizadas pela Liga Portugal – pelo que, não poderá operar a circunstância atenuante em causa.

71. Por outro lado, não se antolham quaisquer circunstâncias anteriores, contemporâneas ou posteriores à prática da infração disciplinar pela SAD arguida que possam conduzir à possibilidade de atenuação especial das sanções, prevista no artigo 60.º do RDLPFP.

72. Assim, a moldura sancionatória abstratamente aplicável à SAD arguida pela prática da infração disciplinar p. e p. pelo artigo 86.º-A, n.º 1, do RDLPFP, é a da sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 20 UC e o máximo de 100 UC.

73. Aqui chegados, sopesada toda a materialidade dada como provada e os critérios normativos orientadores da dosimetria da sanção, entende-se suficiente e adequado, tanto em termos preventivos como para efeitos sancionatórios, situar a sanção concreta a aplicar à SAD arguida no mínimo legal da respetiva moldura sancionatória aplicável, ou seja, com a sanção de multa que se fixa em 20 UC, isto é, 714,00 € (setecentos e catorze euros)20.

VII – DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, julga-se a acusação procedente por provada e, em consequência, condena-se a arguida Futebol Clube de Arouca – Futebol, SDUQ, Lda. pela prática da infração disciplinar p. e p. pelo artigo 86.º-A, n.º 1, do RDLPFP, com a sanção de multa que se fixa em 20 UC, isto é, 714,00 € (setecentos e catorze euros).

Custas a cargo da SAD arguida, fixando-se o emolumento disciplinar em 204,00 € (duzentos e quatro euros), valor correspondente a 2 (duas) UC (artigos 279.º, n.º 1 e 284.º, n.º 2, todos do RDLPFP).

Registe, notifique e publicite.

Cidade do Futebol, 14 de junho de 2021

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RECURSO DESTA DECISÃO

As decisões do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol são passíveis de recurso, nos termos da lei e dos regulamentos, para o Conselho de Justiça ou para o Tribunal Arbitral do Desporto. De acordo com o artigo 44.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 248-B/2008, de 31 de dezembro, na redação conferida pelo artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 93/2014 de 23 de junho, cabe recurso para o Conselho de Justiça das decisões disciplinares relativas a questões emergentes da aplicação das normas técnicas e disciplinares diretamente respeitantes à prática da própria Regimento do Conselho de Justiça aprovado pela Direção da Federação Portuguesa de Futebol, em 18 de dezembro de 2014 e de 29 de abril de 2015 e publicitado pelo Comunicado Oficial n.º 383, de 27 de maio de 2015, com as alterações publicitadas pelo Comunicado Oficial n.º 188, de 9 de janeiro de 2018 e as alterações publicitadas pelo Comunicado Oficial n.º 5 de 1 de julho de 2019).

Em conformidade com o artigo 4.º, n.ºs 1 e 3, da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto (aprovada pelo artigo 2.º da Lei n.º 74/2013 de 6 de setembro, que cria o Tribunal Arbitral do Desporto e aprova a respetiva lei, na redação conferida pelo artigo 3.º da Lei n.º 33/2014 de 16 de junho - Primeira alteração à Lei n.º 74/2013, de 6 de setembro, que cria o Tribunal Arbitral do Desporto e aprova a respetiva lei), compete a esse tribunal conhecer, em via de recurso, das deliberações do Conselho de Disciplina. Exclui-se dessa competência, nos termos do n.º 6 do citado artigo, a resolução de questões emergentes da aplicação das normas técnicas e disciplinares diretamente respeitantes à prática da própria competição desportiva.

O recurso para o Tribunal Arbitral do Desporto deve ser interposto no prazo de 10 dias, contados da notificação desta decisão (artigo 54.º, n. º 2, da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto).

Referências

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