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sociedade, podendo daí emergir representações sociais, o papel das instituições nas

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Academic year: 2021

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Nos anos 70 conforme aponta Stolcke, (2004) as feministas negras nos E. Unidos organizaram-se para denunciar a opressão exercida através da raça, sexo, e classe, diferentemente daquelas experiências vividas por mulheres brancas. Ficava claro que as negras precisavam se organizar para combater tanto o racismo da população branca, quanto o domínio dos homens. As feministas negras introduziram novos desafios teóricos e políticos fazendo-nos ver, que as desigualdades são engendradas e que não representam uma soma destas, na verdade, interceptam numa dinâmica de raça, classe, gênero, etc.

É preciso que se atente para o problema das intolerâncias correlatas, visto que ao negligenciar fatores pelos quais estão expostos determinados grupos, corre-se o risco de obscurecer e tornar invisível muitos direitos humanos. Na busca do reconhecimento destes direitos, várias conferências mundiais a exemplo do Cairo, Viena e Beijing, discutiram e detalharam medidas provisórias para lidar com essas formas de discriminação de raça e gênero. Dessa maneira nos informa Crenshaw:

“Assim como também é verdadeiro o fato de que todas as mulheres estão de algum modo, sujeitas ao peso da discriminação de gênero, também é verdade que outros fatores relacionados a suas identidades sociais, tais como classe, casta, raça, cor,etnia, religião, origem nacional e orientação sexual, são „diferenças que fazem diferença‟ na forma como vários grupos de mulheres vivenciam a discriminação”( 2002 )

Desfaz-se deste modo a noção de identidade única, fazendo emergir as diversas experiências da mulher e negra, o que torna de menor importância as discussões sobre o que ainda se costuma ouvir, sobre a política de prioridades na agenda destas mulheres, se a luta contra o sexismo ou contra o racismo.

No nosso estudo sobre o defloramento1 e conforme Esteves (1989), considero este crime revelador de práticas e comportamentos sociais que podem ser entendidos como “grande conflito”, por envolver variadas pessoas desde parentes, amigos, vizinhos até mesmo, desconhecidos dos envolvidos, passando a ter características de acontecimento social e dessa maneira, o que poderia parecer um “simples defloramento”, é revelador de aspectos importantes e da ordem moral de uma sociedade, podendo daí emergir representações sociais, o papel das instituições nas

1 Crime sexual previsto no Código penal de 1890 que no seu artigo 267, era descrito como ato de deflorar

mulher menor de idade empregando sedução, engano ou fraude. Entendia-se por sedução quando havia meios tendentes para influenciar na vontade da menor dispondo-se a ceder unicamente para servir e ser agradável ao sedutor. Engano, quando o meio empregado é tal que uma esperança de lucros e vantagens que não aparecerão, e fraude quando a vítima era levada a consumar o ato sexual, sem pensar que isso sacrificaria sua honra, a exemplo dos falsos casamentos.

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difusões de hábitos e normas, controles sobre as sexualidades, submissão da mulher, podendo ser compreendido como formas de se apresentaram as relações de gênero e raça no contexto soteropolitano do inicio da república.

A república brasileira nascida sob égide do racionalismo científico europeu e em consonância com a divulgação das teorias baseadas no determinismo biológico, na crença e hierarquização das raças, fez com que em terras brasileiras desenvolvessem um projeto de nação baseada em tais concepções.

A aplicação da teoria da superioridade racial pelas elites pode ser vista, tão logo começaram a pensar na substituição da mão de obra escrava, problema solucionando através da imigração que veio cumprir uma função econômica, quando os trabalhadores brancos europeus estiveram no topo das preferências. Podemos verificar a hierarquização racial e sua predileção na política estatal brasileira, conforme nos fala Giralda Seyferth, ou mesmo em um momento posterior, quando passaram a admitir a idéia de miscigenação e branqueamento, a possibilidade para se chegar ao fenótipo branco seria através da imigração da população branca européia, posição defendida por alguns teóricos a exemplo de J.B. Lacerda.

Depreende-se então, que o estado brasileiro não esteve ausente das concepções que envolvia a crença em torno da divulgação de determinadas teorias raciais. Partindo desta concepção, podemos também voltar para a averiguação dessas idéias estarem disseminadas nas instituições e direcionadas para aplicações de normas de condutas na população, aspecto já sinalizado por alguns estudos (Schwarcz, 1993) em torno dos programas de saneamento e higienização, quando se apresentavam como a possibilidade de tratar os males das cidades e, por conseguinte dos seus moradores, convertendo-se depois em disciplinamento social.

Dessa forma, é possível falar que valores e práticas sociais orientam modos de viver dos indivíduos e se isto for verdade, estas mesmas práticas poderão desenhar a sexualidade e carreira afetivo-sexual, é neste sentido que penso, até onde e como as estruturas sociais poderiam se fazer presente na sexualidade das mulheres negras inseridas no seio das classes populares. Porque conforme nos aponta HEILBORN:

“(...) certos segmentos sociais estão mais expostos à lógica cultural da modernidade, enquanto outros como das classes trabalhadoras, compartilham distintamente desses códigos hegemônicos. (...) Tais grupos expressariam uma visão de mundo holística, na qual valores ligados á preeminência do todo e não do indivíduo, seriam os estruturadores da sua lógica social Assim a sexualidade não se

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constituiria em domínio de significação isolada estando sexo e prazer englobados em uma moralidade mais abrangente. (1999, p. 41)

Ao analisarmos os processos-crime de defloramento, a principal fonte de pesquisa desse estudo, é possível visualizar as normas sociais e o ideal de feminilidade e masculinidade que as elites, representadas pelos profissionais do judiciário defendiam, através do código de comportamento exigido e perceptível nos autos de perguntas. Resta-me procurar responder, quais as razões que levaram aqueles agentes a subverterem as regras de honradez, pureza e castidade, pregadas pelas elites, e quais as respostas dadas para a sublevação deste projeto, sinais que só poderão ser possíveis perceber no decorrer da pesquisa, ora em andamento.

Falando sobre os mitos da sexualidade brasileira, Maria Luiza Heilborn, (2006) nos alerta sobre como é necessário desnaturalizar a sexualidade e entendê-la a partir de uma perspectiva da construção social, que orienta a manifestação de desejos e condutas corporais Neste trabalho, trata também a respeito da criação de fronteiras entre os corpos, padrões de privacidade e pudor, e de como o uso do corpo pode expressar idéias dominantes e normas sociais que induzem a certos comportamentos de grupos sociais, num determinado contexto histórico. Alguns padrões de conduta podem ser aceitos num dado momento e espaço sócio-cultural e negados noutros, e se tratando do desejo sexual, muitos discursos tiveram origem no século XIX, estando ligados aos campos da psiquiatria. A partir dessa compreensão é que o sexo deve ser entendido como algo que se aprende como qualquer outro tipo de conhecimento humano.

Essas considerações são importantes para percebermos que os comportamentos sexuais de homens e mulheres devem ser vistos numa compreensão de construção, onde entram em jogo as experiências vividas dentro de determinados padrões sociais e contextos culturais, fazendo notar, que o uso do corpo responde às idéias dominantes em cada sociedade.

A possibilidade de tratar a sexualidade numa compreensão entre indivíduo e sociedade, nos conduz ao mito da construção da sexualidade brasileira, ancorada na imagem de país permissivo e tolerante no que se refere às práticas sexuais. Essa representação quando tratamos sobre o defloramento de mulheres negras na pós-abolição e início da república no país, deparamos com a possibilidade da identidade étnica contribuir para o estabelecimento desses estereótipos, uma vez que a Heilborn, visualiza o embrião desses pensamentos na história da formação do país, na idéia da

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chegada dos colonizadores se encontrando com nativos nus, do encontro das raças, da mistura, da mulata liberal. A idéia da sexualidade do povo negro e seus descendentes, a exemplo da mulata, construídos nesse contexto, nos permitem pensar numa expressão onde intersectam gênero, raça, classe elementos conjugados para a submissão feminina e a difusão de estereótipos sociais.

Ao entender as relações sexuais como uma construção cultural, abre-se a possibilidade para demonstração sobre aquilo que é esperado como conduta aceitável para homens e mulheres, são diferenças marcadas pelas concepções de gênero para cada sujeito.

As mudanças nas relações de gênero trazidas pelos ventos da modernidade e associadas à sexualidade foram analisadas por Tiago de Melo Gomes, no Rio de Janeiro dos anos 1920 (2004). Através de textos jornalísticos ele percebeu a intensa associação que essas publicações faziam de mulheres negras a uma sexualidade exacerbada. Gomes diagnosticou nesses textos a vinculação da negra e mulata a um tipo de comportamento sexual censurável, sendo sempre utilizada como medida de comparação para desqualificar as atitudes das mulheres de classe média, quando estas praticavam atos julgados inadequados ou vulgares para os padrões brancos e burgueses no espaço urbano carioca. Vemos nesses episódios a conjugação dos elementos de classe, raça, gênero e sexualidade, se articulando no sentido de controlar comportamentos de mulheres de classe média, mas também, da extrema necessidade que veículos de comunicação, legítimos representantes dos valores da sociedade daquela época, se esforçar na tentativa de indicar lugares para os negros pobres.

Os relacionamentos afetivos e o amor, tratado na perspectiva de formulações socialmente construídas, assim como seu estatuto de cientificidade vieram na década de 70, visto que até então, eram entendidos como elementos de difícil observação, justificando assim sua entrada tardia nas Ciências Sociais. As novas situações daí emergidas tornaram possível reconhecer o valor do amor e sua importância no desenvolvimento das relações íntimas seu papel nos processos de namoro, casamento e divórcio. (Neves, 2007, p. 610)

Assim como a sexualidade, o amor também pode ser visto na dimensão social, e vê-se cada vez menos a abordagem individual dos temas, ao qual estiveram ligados no início, buscando analisá-los a partir de especificidades culturais e temporais.

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Deste modo, é possível entender o amor dentro de contextos históricos e nesses mundos, ele poderá existir com a função reguladora e muitas vezes também percebido como sentimento de mulheres, fato este pensado provavelmente dentro da naturalização das quais estão expostas as mulheres, ligando-as ao campo das emoções e da vocação para o cuidado com os outros. Pode-se também dizer, que a relação feita dessa doação feminina se relaciona com a difusão do ideal do amor romântico, da dedicação exclusiva das mulheres aos homens. Os papéis de gênero podem ser facilmente identificados em torno desse ideal de amor romântico, principalmente no início dos relacionamentos quando se espera o desenvolvimento adequado para cada sexo. A associação do sexo ao romance é mais um dos vieses culturais que liga a sexualidade feminina a passividade (ibid, p. 613)

No estudo do crime de defloramento, lidamos com os elementos das relações pessoais sexo-afetivo, e com reclamações das mulheres da quebra do compromisso pelo homem em continuar a relação, depois que o casal vive a experiência sexual. Sobre a responsabilidade na estabilidade do relacionamento, outra expressão do gênero nas relações de intimidade, é percebida através da organização das estratégias. Estudos citados por Neves, revelam que no início é do homem o interesse da preservação da relação e quando esta vai se adiantando, cabe a mulher este papel, as investigações realizadas em torno desta questão, aponta para que:

“aparentemente são as mulheres que parecem envolver-se no prolongamento das relações intimas, idéia que corrobora a questão de socialmente atribuir ao sexo femininos atributos da emocionalidade e da prestação de cuidados com vistas a preservação dos laços familiares e, mais concretamente e dos laços afectivos”(ibid., p. 614)

Sobre esse ponto e até onde é possível falar, a minha pesquisa converge para as conclusões verificadas no estudo acima citado, quando já foi possível observar nos relatos das mulheres as inúmeras tentativas de persuasão masculina: diálogos, convite para passeios, envio de cartas, realizadas na perspectiva de dar início a um relacionamento, esse mesmo empenho não pode ser observado quando o tema era a manutenção da relação, após satisfação dos desejos sexuais.

Neste momento me sirvo do conceito de “amor confluente” utilizado por Neves, aquele tipo de amor que parte de uma compreensão de igualdade entre homens e mulheres, esperando que esta sim, seja a lógica das relações, porém para que isso ocorresse, seria preciso que fosse operada uma mudança na condição social das mulheres, para que igualdade pudesse ser uma expressão nas relações de intimidade.

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Referências Bibliográficas

CRENSHAW, Kimberlé. “Documento para o encontro de especialistas em aspectos da discriminação racial relativos ao gênero”. Revista Estudos Feministas V. 10. N.1 2002.

ESTEVES, Martha de Abreu. Meninas Perdidas: Os populares e o cotidiano do Amor no Rio de Janeiro da Belle Époque: Paz e Terra, 1989

GOMES, Tiago de Melo “Massais, mulatas e meretrizes: imagens da sexualidade feminina no Rio de Janeiro dos anos 1920”. Cadernos Pagu ( 23), julho- dezembro de 2004 p. 121 -147

HEILBORN, Maria Luiza. ( 1999) “ A Construção de si gênero e sexualidade”. In Sexualidade: o olhar das Ciências sociais, (Org.) HEILBORN, Maria Luiza, Rio de Janeiro, Zahar Editor

____________________ “Entre as tramas da sexualidade brasileira” Estudos Feministas, Florianópolis, 14, 1 ) : 43 -59 , janeiro – abril /2006

NEVES, Ana Sofia Antunes das. “As mulheres e os discursos gendenrizados sobre o amor: „ a caminho do amor confluente‟ ou o retorno do „ mito do amo romântico‟ Estudos Feministas . Florianópolis, 15 (3) :336, setembro- dezembro / 2007

SCHWARCZ, Lilia Moritz. O Espetáculo das raças: Cientistas instituições e questão racial no Brasil 1870/ 1930. São Paulo. Companhia das letras

STOLCKE, Verena. La mujer es puro cuento : La cultura del género” Revista Estudos feministas ( Rio de Janeiro ) V 12, n 2 77- 105, 2004

SYFERTH, Giralda. “Identidade Nacional, diferenças regionais, integração étnica e questão imigratória no Brasil” Região e Nação na América Latina, p. 81 - 199

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