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MULHERES NEGRAS ENQUANTO CLASSE: O SUJEITO REVOLUCIONÁRIO BRASILEIRO

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Academic year: 2021

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MULHERES NEGRAS ENQUANTO CLASSE: O SUJEITO REVOLUCIONÁRIO BRASILEIRO

Rhaysa Sampaio Ruas da Fonseca. Graduanda em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ),

bolsista de iniciação científica CNPq do Programa de Estudos de América Latina e Caribe – PROEALC e membro do Coletivo Preto Patrice Lumumba, da Faculdade de Direito da UERJ. E-mail: rhaysaruas@gmail.com

“Afrocentricidade é nosso materialismo-histórico-dialético... Favela é Quilombo Urbano!

Francilene Cardoso

PALAVRAS-CHAVE: Classe. Gênero. Raça. Mulheres Negras. Genocídio.

RESUMO: Mulheres Negras do século XXI, no Brasil, sofremos a mais cruel das

interseccionalidades: uma forma de genocídio que congrega todas as opressões que o sistema capitalista pode oferecer a um grupo de seres humanos – raça, gênero e classe. Ao mesmo tempo, assim como historicamente fizemos, continuamos a nos insurgir contra a ordem que nos oprime das mais diversas formas: lideramos uma revolução estética e cultural pela valorização das culturas negras, pesquisas acadêmicas, movimentos de resistência em nossas favelas e periferias, e somos as principais chefes de família no Brasil. Mães, filhas e irmãs, em nossa luta por sobrevivência, lutamos também para recuperar a agência de nossa classe, negada e arrancada dos povos negros desde a abolição da escravidão. Entretanto, é visível que a maioria de nós, sobretudo as que ainda estão excluídas dos espaços acadêmicos, não têm a plena consciência da extensão e do significado coletivos de suas lutas, e não objetivam suas condutas de forma organizada, universal e anticapitalista, sintomas do tipo de dominação – estrutural, disciplinatória, interpessoal e hegemônica – a qual estamos submetidas. O que fazer, no entanto, com tanta potência e agência, diante de tal sistema de opressão? Porque nenhum outro grupo ou organização social lidera ou organiza, hoje, no âmbito nacional, a luta e a resistência contra este sistema? Qual é a relação entre as organizações de esquerda brasileiras e estas mulheres, que em sua maioria não estão inseridas naquelas? Como nós, mulheres negras que chegamos a pouco em peso às Universidades, e já lideramos espaços de discussão política e acadêmica, bem como importantes lugares de poder, podemos trabalhar junto às nossas mães e irmãs para que a diária resistência ao nosso genocídio se transforme em reorganização de um movimento de luta antissistêmica a nível global? Este pequeno artigo procura pistas para a melhor compreensão histórica e social desse fenômeno na realidade brasileira, enxergando o racismo e o sexismo como

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relações sociais objetivas estruturais ao capitalismo, e busca iniciar um debate sobre as atuais possibilidades de organização coletiva das mulheres negras brasileiras contra a ordem genocida que segue exterminando o povo negro no Brasil e em todos os países da Diáspora Africana.

Introdução

Nós, Mulheres Negras no Brasil, passamos hoje por mais um intenso processo de desconstrução, mudança e empoderamento que nos é visível. Mulheres negras de todas as faixas etárias, com as mais diversas posições financeiras que compõe as classes subalternizadas, e dos diversos estados da Federação, temos nos levantado contra padrões estéticos e sociais, e nos (re)descoberto enquanto Mulheres Negras, deixando de alisar nossos cabelos, ocupando espaços de fala e de poder dos quais, por algum tempo fomos afastadas, silenciadas e invisibilizadas, retomando nossas

agências e recuperando nossa subjetividade coletiva.

Enxergar esse processo como mais um movimento de ascenso de consciência de classe e para além de sua aparência e seus aspectos individuais, ou seja, como um processo coletivo e não atomizado, é um desafio essencial para o entendermos e melhor compreendermos a dinâmica pela qual opera o racismo hoje, bem como repensarmos a organização dos movimentos sociais no Brasil, e, a partir daí nossa contribuição na necessária reorganização dos movimentos contra-hegemônicos a nível mundial.

Para iniciar esta análise, se faz necessário pontuarmos rapidamente nossa compreensão acerca do que seja o racismo e o sexismo, bem como sua relação com o capitalismo. Para nós, ambos instrumentos de opressão são estruturais ao capitalismo, uma vez que constituem uma relação social objetiva que cria, forma e deriva das relações sociais de produção e reprodução capitalistas. Não cabe aqui, neste pequeno ensaio, detalharmos a forma como o sistema-mundo capitalista foi constituído a partir dos Estados Nacionais Modernos e da imposição do Universalismo Europeu – patriarcal e branco –, sobre toda a humanidade através do colonialismo (período de acumulação primitiva de capital).

Entretanto, é de extrema importância ressaltarmos que racismo e sexismo não são meras ideias que uma vez difundidas socialmente, podem ser combatidas apenas com debates políticos, mudanças na educação, ou nas ações individuais cotidianas. Nem mesmo são inerentes à natureza humana, à história da humanidade ou algo do tipo. Não podemos deixar que a existência histórica e social dessas relações se torne ontológica, ou seja, eternizada e naturalizada. Pelo contrário, o racismo e o sexismo existem no e devido ao capitalismo, constituindo o ser social e as subjetividades dessas sociedades modernas, e sendo indispensáveis para a acumulação, produção e reprodução capitalista. Além disso são mecanismos de opressão inseparáveis, complementam-se e constituem-se entre si. Apenas uma revolução universal que mude a estrutura do sistema capitalista, tal qual acabe com o valor e a sociedade de mercadorias (mercantilização da vida), bem como com a separação entre trabalho manual e espiritual, o Estado e a subjetividade jurídica, tem a possibilidade de acabar com o racismo e o sexismo.

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Tal revolução, só pode ser fruto de um longo processo coletivo de construção diária da desconstrução e da transformação que gere e se some a uma conjuntura favorável à sua concretização. Enquanto isto não acontecer, conviveremos com o racismo e o sexismo estrutural e institucional; nos resta, portanto, trabalhar para transformar as atuais formas de resistência individuais a estas opressões em

agência coletiva para dar curso a este processo de mudança estrutural-global que

envolve lutas, desconstruções e transformações diárias.

Tal processo necessita de uma (re)construção coletiva e direcionada, para que toda essa agência não seja dispersada pela própria atomização causada pelo atual nível de dominação (aprofundamento da barbárie, aumento dos individualismos e da mercantilização da vida no capitalismo tardio) e para que este processo não se encerre na própria resistência ao ponto de ele ser restringido totalmente apenas à nossa luta por sobrevivência.

Os povos negros e originários que ainda hoje ocupam o Brasil, historicamente, resistiram. Resistiram e até hoje resistem das mais diversas formas que possamos imaginar, individuais e coletivas, ao longo processo histórico de genocídio que constituiu este país. Mulheres e homens subalternizados têm resistido desde a diáspora africana e o massacre dos povos originários (colonialismo), não só através de sua luta por sobrevivência, mas também na luta institucional, antisistêmica. A educação dos filhos para sobreviver ao genocídio, à escravidão e ao racismo; a alternativa quilombola; os inúmeros levantes, revoltas e greves; os abortos provocados; os suicídios coletivos e a não sujeição dos corpos ao regime de trabalho imposto, foram apenas algumas formas de resistência que historicamente constituíram estes povos no Brasil.

Entretanto, observamos que, no atual estágio das relações sociais de exploração e dominação (relações de genocídio), os movimentos sociais e a resistência popular encontram-se atomizados, isolados e restringidos à diária luta por sobrevivência, servindo mais para reagir ao genocídio e às demandas diárias do que para um processo de desconstrução e construção de uma alternativa a longo prazo, o que exige de nós – que temos o privilégio de poder pensar para além de nossa sobrevivência, pois muitos dos nossos morreram para que pudéssemos o fazer –, encontrar soluções imediatas para a reversão deste quadro.

Tais soluções podem ser encontradas a partir do empoderamento individual e coletivo, bem como de uma proposta epistemológica de análise das relações sociais que parta das especificidades das interseccionalidades de raça, gênero e classe, como propõe Patricia Hill Collins, Angela Davis, Audre Lorde e outras grandes intelectuais negras. Tal proposta seria capaz de nos proporcionar uma maior compreensão e conscientização coletiva acerca das relações estruturais que engendram o sistema capitalista de dominação e exploração universal. A resistência, porém, só será eficaz para um processo que revolucione as estruturas de dominação, se voltar a ser coletiva, posto que a resistência individualizada não é capaz de fazer frente a dominação capitalista, que é universal e organizada.

Precisamos falar de classe!

Ao contrário do que se tem propagado, falar de classe social não se restringe à clássica dicotomia burguesia x proletariado, tão pouco é algo estático, imutável,

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que esteja historicamente ultrapassado ou que esteja ligado a uma visão de mundo eurocêntrica, a uma filosofia ou teoria branca. Tão pouco é sinônimo da exclusão ou minimização das questões estruturais de raça ou gênero como muito tem se falado em algumas correntes dos movimentos sociais e da decadente esquerda partidária nacional, influenciados, seja pela onda pós-moderna, ou pela desarticulação teórica e prática causada pela atual conjuntura e pelos quase trinta anos de ditadura civil-militar. Classe social é categoria histórica, é algo que ocorre efetivamente e cuja ocorrência pode ser demonstrada nas relações humanas. É um fenômeno histórico que unifica uma série de acontecimentos díspares e

aparentemente desconectados, tanto na matéria-prima da experiência quanto na consciência (THOMPSON, 2010, p.9).

Para a teoria marxiana, explicar a realidade não é descobrir os nexos que a constituem, mas ajudá-la a constituir-se, ou seja, o pensamento está na constituição do real, e assim surge a categoria teórica (IANNI, 2011, p.397). Classe social é categoria teórica, tão mutável quanto todas as categorias sob a perspectiva marxiana, pois constituída do real, em constante processo de construção histórica no desenvolvimento das relações de produção e reprodução da vida social. Ainda que os interesses de cada fração das classes dominantes sejam diversos, para dominar, explorar, comprimir e retirar nossas agências, elas têm consciência e solidariedade de classe entre si. Portanto, nos enxergar enquanto classe, seja enquanto proletariado ou classes subalternizadas, é oferecer uma resposta real à opressão sistêmica propagada pelas classes dominantes.

Historicamente, os povos originários, negros e brancos proletários constituíram, a grosso modo, uma classe social que fundamentalmente se opunha a outra classe social neste país. Não foi à toa, que as principais alternativas ao sistema capitalista já concretizadas por aqui – os quilombos – reuniam em si estes povos, que, ainda que muito diferentes entre si, se viam em unidade para fugir aos horrores do colonialismo no Brasil, e constituíram uma alternativa real, econômica, política e social, ao modo de produção escravista, vide o exemplo de Palmares (MOURA, 2014).

Entendo, portanto, que essa desqualificação e esvaziamento da categoria de classe social, bem como esta estratégia de atomização dos indivíduos e de serialização das experiências individuais, é uma construção histórica de dominação estrutural, disciplinarizante e hegemônica, que possui direta relação com as ideologias pós-modernas que sustentam o neoliberalismo (FOSTER; WOOD, 1999). Tal construção serve para comprimir a agência das classes subalternas, impedindo que estas se reconheçam e organizem enquanto classe, ou seja, que estas compreendam que as opressões que atingem e vitimizam cada pessoa em sua individualidade, na verdade atinge da mesma forma um conjunto amplo de pessoas posto que advém de uma estrutura de dominação, impedindo também, a solidariedade de classe e a construção coletiva, e consequentemente o florescimento de uma consciência comum acerca das estruturas de dominação e exploração social.

Desta forma, no século XXI, a opressão passa a ser vista por suas vítimas como fenômenos isolados, e aquelas não conseguem dar respostas, que não também isoladas, a este fenômeno. As pessoas passam a reconhecer em outras pessoas igualmente oprimidas, seu opressor direto, criando escalas de opressão que, apesar de aparentemente existirem, não correspondem à realidade. Perdese a

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compreensão de que a relação de opressão pressupõe uma relação de poder, estrutural, que apenas na aparência é propagada através da atitude de indivíduos isolados, mas que essencialmente advém do conjunto da sociedade e das classes dominantes, das estruturas de dominação.

De forma alguma descarto aqui o combate a atitudes individuais, as manifestações individuais de opressão. Tal combate diário é necessário e faz parte do processo de construção revolucionário, mas deve ser visto como uma estratégia complementar à luta contra as estruturas de dominação e as classes que a engendram, e o debate deve ser guiado no sentido de demonstrar as estruturas que fazem com que aquelas atitudes individuais se manifestem. Tal reação jamais pode ser vista como um fim em si mesmo, porque aí passamos a combater pessoas, ou seja, passamos a nos combater a nós mesmos, alimentando a ideologia de defesa

social (BARATTA, 2002) que nos culpabiliza e legitima nosso genocídio, e

deixando as instituições livres para a reprodução das estruturas de dominação. Patrícia Hill Collins, em seu livro Black Feminist Though – Knowledge,

Consciousness, and the Politics of Empowerment, nos traz alguns exemplos deste

fenômeno, e afirma que uma vez que ideologias racistas e sexistas são desacreditadas individualmente, elas perdem impacto, mas logo se ressignificam a fim de permanecerem dando suporte às estruturas de dominação (COLLINS, 2000).

Além disso, como todas as opressões incidem diretamente sobre as mulheres negras, não temos a opção de reforçar estas estruturas e para nós, não há hierarquia de opressão, como nos alertava Audre Lorde

Da minha participação em todos esses grupos, aprendi que opressão e intolerância com as diferenças aparecem em todas as formas e tamanhos e cores e sexualidades; e que entre aqueles de nós que compartilham objetivos de libertação e um futuro viável para nossas crianças, não pode existir hierarquia de opressão. Eu aprendi que sexismo (a crença na inerente superioridade de um sexo sobre todos os outros e assim o seu direito de dominar) e heterossexismo (a crença na inerente superioridade de um modelo de amor sobre todos os outros e assim seu direito de dominar) surgem da mesma fonte do racismo – a crença na inerente superioridade de uma raça sobre todas as outras e assim seu direito de dominar. (...). Eu não posso me dar ao luxo de lutar por uma forma de opressão apenas. Não posso me permitir acreditar que ser livre de intolerância é um direito de um grupo particular. E eu não posso tomar a liberdade de escolher entre as frontes nas quais devo batalhar contra essas forças de discriminação, onde quer que elas apareçam para me destruir. E quando elas aparecem para me destruir, não demorará muito a aparecerem para destruir você. (LORDE, 2009, p. 219220)1

1 Tradução minha. Versão original: “From my membership in all of these groups I have learned that oppression and the intolerance of difference come in all shapes and sizes and colors and

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Podemos ainda, perceber melhor a capacidade de reinvenção do racismo se olharmos o fato de vivemos hoje, aparentemente, um racismo sem raças, desde que as ideologias positivistas biologizantes que, durante o século XIX, justificavam a existência das raças humanas, bem como suas superioridades/inferioridades ontológicas, foram intensamente desacreditadas após a II Guerra Mundial. Rapidamente, o racismo se ressignificou e abandonou o paradigma biológico da raça para o da cultura, da etnia, e hoje, ele assim se camufla. Segundo Wallerstein, podemos notar este mesmo fenômeno observando que o racismo, através do Universalismo Europeu, subsiste hoje nos discursos de direitos humanos e do dever moral de intervenção dos países capitalistas centrais para com os outros países do planeta a fim de instaurar a democracia, mas que se expressava na forma de missão civilizadora nos séculos XVIII e XIX, e através da lei natural e do cristianismo nos séculos XVI e XVII (WALLERSTEIN, 2007).

Luta de classes e sujeito revolucionário: quem é o proletariado no Brasil?

Outras categorias importantes para pensarmos a organização e a agência das classes subalternizadas no Brasil, são as categorias de sujeito revolucionário e de

luta de classes. Pensar que a luta de classes e a existência das classes sociais são

uma e a mesma coisa, é importantíssimo para a compreensão da teoria marxiana. As classes só existem em sua relação material dentro das lutas de classes em uma determinada formação social. Todas as condições da produção, da circulação e das distribuições capitalistas estão dominadas e permeadas pela existência das classes sociais e da luta de classes. Todos os fenômenos econômicos são processos que têm lugar sob relações sociais que são em última instância, quer dizer, sob suas

aparências, relações de classe, e relações de classes antagônicas, quer dizer,

relações de luta de classes (ALTHUSSER, 1980).

Sujeito revolucionário é em Marx, o sujeito histórico sobre o qual recai a potência

revolucionária; aquela parcela da população que, constantemente explorada e esmagada por todas as contradições do capitalismo, as concentra em si e tem, portanto, as condições materiais de se sublevar e derrubar o sistema que a oprime, em época de ascensão revolucionária, desde que presente a conjuntura histórica e social necessária (MARX, 2011).

sexualities; and that among those of us who share the goals of liberation and a workable future for our children, there can be no hierarchies of oppression. I have learned that sexism (a belief in the inherent superiority of one sex over all others and thereby its right to dominance) and heterosexism (a belief in the inherent superiority of one pattern of loving over all others and thereby its right to dominance) both arise from the same source as racism—a belief in the inherent superiority of one race over all others and thereby its right to dominance. (…) I cannot afford the luxury of fighting one form of oppression only. I cannot afford to believe that freedom from intolerance is the right of only one particular group. And I cannot afford to choose between the fronts upon which I must battle these forces of discrimination, wherever they appear to destroy me. And when they appear to destroy me, it will not be long before they appear to destroy you”. (LORDE, 2009, p. 219-220).

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Em 1844, pensando a materialidade da vida, Marx enxergou no proletariado da Europa Ocidental, o sujeito revolucionário de seu tempo, da sociedade em que vivia, onde a luta de classes se manifestava de forma determinada (MARX, 2011, p. 154). Da mesma maneira, pôde estender tal percepção a outras sociedades da Europa, nos quais a luta de classes e o desenvolvimento do capitalismo se manifestava de forma parecida, e percebeu que as formas mais acabadas deste sistema que estava em expansão, se manifestavam na Inglaterra, país que usou como objeto de seus estudos desenvolvidos em O Capital. Seria, portanto, um pensamento antimarxiano – a-histórico e anti-dialético –, que nós, ao aplicarmos o método à realidade brasileira, continuássemos a enxergar no proletariado nos moldes do europeu do século XIX, nosso sujeito revolucionário.

Este foi o maior erro da tradição marxista tradicional brasileira. Aplicando erroneamente o método, a elite eurocêntrica que introduziu o pensamento de Marx no Brasil, ao acreditar na necessidade de se formar um proletariado nos moldes do europeu para termos um sujeito revolucionário na sociedade brasileira, admitiu reduzir o proletariado nacional a uma aristocracia operária, isto é, aqueles que geralmente eram homens brancos ou negros mais claros, que vendiam sua força de trabalho no mercado formal (minoria dos trabalhadores à época). A grande maioria dos trabalhadores na década de 1920 eram ex-escravizados ou descendentes diretos destes, negros e negras, que durante a maior parte de nossa história após a escravidão, não puderam vender sua força de trabalho no mercado formal, tendo a maioria da população no pós-abolição sido obrigada a ficar na informalidade, nos subempregos, e tornando-se um exército industrial de reserva permanente, uma vez que, como uma das estratégias de genocídio, o mercado formal de trabalho fora preenchido com mão de obra estrangeira (imigrantes europeus) e qualquer acesso à terra lhes foi negado.

Com este entendimento, o Partido Comunista Brasileiro (PCB), primeiro partido comunista nacional, ainda na década de 1920 (recém-criado, e seguindo a filosofia marxiana aplicada à realidade europeia), apostou no proletariado urbano branco ou branqueado como verdadeiro sujeito revolucionário do país, inclusive trabalhando, para formar este proletariado, inserindo militantes das classes médias no operariado urbano através de processos e estratégias de proletarização. Mais tarde, com o amadurecimento da intelectualidade comunista latino-americana, com Mariátegui no Peru, Marighella e Ruy Mauro Marini no Brasil, e através das discussões geradas pela revolução russa e posterior revolução chinesa, olhou-se para o campo, e houve quem acreditasse estar no camponês o verdadeiro sujeito revolucionário nacional.

Acreditamos que esta distorção do método ocorreu, dentre outras coisas, em parte pela necessidade dos intelectuais da esquerda diante dos projetos políticos estrategicamente em disputa, mas principalmente pelas próprias limitações da composição dessas organizações, geralmente dirigidas e compostas por homens e, em menor escala mulheres, brancos e oriundos das classes médias urbanas ou da aristocracia nacional com muitas heranças da ideologia racista escravocrata e do eurocentrismo que até hoje os domina.

O fato é que os tais revolucionários brancos, esqueceram-se da grande massa de africanos sequestrados e escravizados por mais de 400 anos em terras brasileiras e das experiências revolucionárias das quais estes foram protagonistas.

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Interessante pensar que este “esquecimento” se deu mesmo com todos os esforços, debates e resoluções da III Internacional que davam maior importância sobre a questão racial nas colônias africanas e ex-colônias americanas. Por mais que a produção intelectual sobre a escravidão e as peculiaridades brasileiras sejam vastas, pouco se estudou, no campo marxista, sobre o real significado da escravidão preta no Brasil, dos seus reais impactos na cultura política do país, e de seu potencial revolucionário, com a exceção de Clóvis Moura, comunista que jamais esquecera da resistência de seu povo2, e que já na década de 1940 combatia essa visão branca e elitista dentro do partido comunista e no seio da intelectualidade brasileira, sempre duramente criticado por intelectuais como Caio Prado Junior e pelo PCB, que até hoje tenta apagar seu legado.

Desta forma, a pouca inserção do PCB dentre os povos negros e originários e sua tática voltada para a proletarização, conscientização e formação de uma classe proletária branca nos moldes europeus, por acreditar na necessidade de se criar um proletariado brasileiro, impediu que o verdadeiro sujeito revolucionário brasileiro viesse à luz e conseguisse se organizar em conjunto com o movimento comunista e proletário enquanto tal3. Em longo prazo, o erro histórico do PCB e dos partidos que dele se derivaram, também pode ser visto como responsável pela pouca inserção da esquerda entre a maior parte da população pobre e não-branca. A luta de classes no Brasil jamais poderia ser pensada sem considerarmos sua realidade material e histórica: os efeitos da diáspora africana e a especificidade de sua condição de país colonizado, de capitalismo periférico e dependente, que se modernizou de forma conservadora, pela via da revolução passiva4. Aqui, a luta de classes se manifesta historicamente através de uma forte oposição de raças e de gêneros, eis que envolve o confronto direto do mundo patriarcal branco do europeu colonizador em oposição ao mundo matriarcal preto do povo africano sequestrado

2 Já em seu livro Rebeliões da Senzala, publicado em 1959, Clóvis Moura ousava em chamar os ex-escravizados de revolucionários, e jamais deixou de assim os considerar, dedicando toda a sua vida ao estudo das agências dos escravizados e seus descendentes no Brasil. Cf. MOURA, 2014. 3 Tal caminho fora seguido, de certa forma, pelos posteriores partidos comunistas/socialistas criados ou nascidos do esfacelamento do PCB, principalmente após a desarticulação que o movimento comunista de base sofreu pelo massacre perpetrado pela Ditadura Civil-Militar brasileira.

4 Segundo o ensinamento de Silene de Moraes Freire, percebemos que o conceito de revolução passiva “contribui enormemente para o entendimento do modo como ocorreu a via de modernização capitalista no Brasil. Consequentemente, podemos perceber porque aqui o industrialismo não implicou rupturas revolucionárias e sim um ajustamento entre empresários industriais e oligarquias agrárias, realizado sob a égide de um Estado empenhado numa revolução-conservação”. Neste sentido, cf. (FREIRE, 2011. p. 20). Para melhor compreendermos o conceito de revolução passiva em Gramsci, resgatamos também a lição de Carlos Nelson Coutinho: “Ao contrário de uma revolução popular, “jacobina”, realizada a partir de baixo – e que, por isso, rompe radicalmente com a velha ordem política e social –, uma revolução passiva implica sempre a presença de dois momentos: o da “restauração” (trata-se sempre de uma reação conservadora à possibilidade de uma transformação efetiva e radical proveniente “de baixo”) e da “renovação” (no qual algumas das demandas populares são satisfeitas “pelo alto”, através de “concessões” das

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e se instala sobre o extermínio dos diferentes povos nativos (aos quais, de forma racista, chamamos de povo indígena)10.

A questão racial se impõe historicamente como contradição fundamental da sociedade brasileira, uma vez que, durante praticamente 400 dos 516 anos que temos de história, a contradição fundamental de classes que se deu aqui fora

senhores X escravizados, sejam estes últimos povos africanos ou originários,

processo histórico bastante diferente do qual ocorreu nos países europeus, em que ambas contradições convivem de outras formas, fruto de outros processos/desenvolvimentos históricos.

Ou seja, em um país onde a escravidão preta capitalista durou mais tempo que todas as outras formas sociais em sua históriae assumiu as mais perversas formas de exploração do trabalho humano para o desenvolvimento capitalista, deveria ser evidente, para os utilizadores do método em Marx, qual o verdadeiro sentido de proletariado e de sujeito revolucionário nacional. Basta lembrarmos das revoltas que amedrontavam as elites e o poder branco em fins do século XIX, e a formação das cidades negras, com um contingente de africanos e descendentes de africanos superior que a de brancos europeus (MALAGUTI, 2003)11. Não foi à toa que o genocídio contra o povo negro12 brasileiro se instalou institucionalmente nesse período, encaminhando os homens negros para a morte na Guerra do Paraguai, importando sangue branco para exterminar a raça preta, conduzindo as mulheres e crianças pretas à fome, miséria e abandono e principalmente, conduzindo a abolição da escravidão da forma mais danosa possível ao povo preto: retirando-lhes qualquer possibilidade de humanidade, cidadania ou agência (NASCIMENTO, 1978).

Porém, as estruturas de dominação funcionam para todos. Brasileiros brancos formados socialmente neste contexto, seres sociais racistas e com pouca vocação para conhecer a realidade,

camadas dominantes). Nesse sentido, falando da Itália, mas expressando características

universais de toda revolução passiva, Gramsci afirma que uma revolução desse tipo manifesta: [...] o fato histórico da ausência de uma iniciativa popular unitária no desenvolvimento da história italiana, bem como o fato de que o desenvolvimento se verificou como reação das classes dominantes ao subversivismo esporádico, elementar, não orgânico, das massas populares, através de “restaurações” que acolheram uma certa parte das exigências que vinham de baixo; trata-se, portanto, de “restaurações progressistas” ou “revoluções-restaurações”, ou, ainda, “revoluções passivas””. Cf. COUTINHO, 2012. p. 118.

10 Tal questão é muito mais complexa do que se pode demonstrar aqui, e merece um estudo mais detalhado e aprofundado, pretensão minha de abordar em um futuro doutorado. Mas me parece em um primeiro momento que está aqui o nó que não nos permite avançar na nossa auto-organização enquanto classe subalterna ao capital. Tão pouco nos enxergamos dessa forma, e nossa tomada de consciência se dá, geralmente, apenas no campo cultural, onde temos dificuldades de compatibilizar com o campo das reais relações de produção.

11 Já em 1834, 44,4% da população total do país era de escravos, em 1849, o Rio de Janeiro possuía a maior população escrava das américas. Neste sentido: MALAGUTI, 2003.

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12 Entendemos aqui como povo negro todos os descendentes de africanos escravizados que carregam na pele e no fenótipo as marcas da opressão racial e de um passado-presente de subalternização ao capital, uma vez que, pelo passado histórico em comum, essa é a parte da população que compõe também as classes sociais mais baixas, das periferias e favelas brasileiras, fruto de um processo de negação de humanidade e de cidadania que se intensificou no pós-abolição. Cf. NASCIMENTO, 1978. Ou seja, leia-se para fins deste trabalho, povo negro = povos

não-brancos brasileiros.

por mais que assumissem outra posição na luta de classes e se filiassem às trincheiras do comunismo por serem inconformados com a ordem social capitalista, jamais seriam capazes de compreender a totalidade e a complexidade que envolvia enxergar a especificidade do racismo na luta de classes nacional àquela época. Assim, relegaram por décadas o debate racial a segundo plano, e em uma cultura política autocrática marcada pelo mito da democracia racial, produziram uma esquerda embranquecida, universitária, elitizada, que pouco compreendia o significado do povo brasileiro, e se perdia entre o enaltecer a mestiçagem, aplaudir a democracia racial e importar movimentos e teorias que jamais poderiam dar conta de nossa realidade histórico-social – isso para não falarmos da vocação filantrópica e cristã.

Produziu-se desta forma, a esquerda partidária que temos hoje, não surpreendentemente falida, restrita às universidades e aos sindicatos de profissionais liberais e com pouquíssima inserção real entre as camadas mais oprimidas da população, ainda apartada dos espaços onde estão concentrados o

povo negro brasileiro. Enquanto isso, os povos negros, relegados completamente

à miséria e às margens do sistema, sem terras nem trabalho, resistiam aonde podiam: na luta pela sobrevivência. E dentro dela, posteriormente, produziram novas formas de resistência e conseguiram, apesar de todas as barreiras e de todas as expectativas das elites brancas, fazer sua cultura resistir e chegar a compor lugares sociais importantíssimos, inclusive dentro da academia e da luta institucional.

Agora nos é mais evidente a importância de que analisar a sociedade brasileira a partir de uma perspectiva epistemológica diferenciada, que parta da percepção do

povo negro enquanto agência, e da real história africana, de sua antiguidade

clássica e de todo o processo de apagamento e de diáspora africana, produzidos pelo período de acumulação primitiva de capital. Sabemos que tal visão epistemológica ainda está sendo construída no país, e que durante o século XX passou longe do pensamento histórico-social produzido pela Academia brasileira, com exceção da intelectualidade negra, que nos possibilitou esta atual compreensão (Abdias do Nascimento, Lélia Gonzáles, Beatriz Nascimento, Neusa

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Santos, Clóvis Moura, Milton Santos, etc., todos atingidos pelo apagamento produzido pelo genocídio epistemológico).

Desta forma, a ação política das classes médias e o genocídio perpetrado pela historiografia branca, ocultou tal sujeito da história do país, ao negar o trabalho da intelectualidade negra, colocando no camponês europeu trazido para as nascentes fábricas brasileiras a figura do operário anarco-sindicalista, relegando ao esquecimento as revoltas dos marinheiros negros, os verdadeiros gaúchos tradicionais – negros (!), destacando o cangaceiro e o mestiço a fim de quase criar uma nova raça (o sertanejo; o mulato; o mestiço) para apagar os povos africanos e originários e criar uma identidade nacional, apagando a presença negra em Canudos, diminuindo as experiências dos Malês e de Palmares, etc., ignorando assim, o potencial revolucionário anti-sistêmico5 destes povos.

Genocídio e agência: mulheres negras, o nosso sujeito revolucionário!

Neste sentido, entendemos o povo negro brasileiro como o proletariado nacional, o real sujeito revolucionário do país, em essência. Entretanto, por sua forçada alienação histórica de qualquer filosofia prática emancipatória (inclusive de suas próprias filosofias nativas), e por toda a opressão, repressão e genocídio que lhe recai apagando-lhe toda a memória e identidade de povo e raça a fim de anular sua agência, o proletariado brasileiro hoje, encontra-se hegemonizado pelas estruturas de dominação. Não consegue enxergar-se enquanto classe, é classe em si, não classe para si. Principal alvo dos aparelhos privados de hegemonia, como a mídia, a educação escolar ou universitária não emancipadora (ou a ausência total dela), e, sobretudo, a Igreja evangélica, que assume grande espaço no vácuo político e social aprofundado pelo neoliberalismo, o povo negro possui ainda mais dificuldades de se reconhecer e de se organizar mesmo que enquanto povo (com um passado histórico e uma ancestralidade comum).

Além disso, vivenciamos a cada dia no Brasil, o aprofundamento do genocídio sistemático desta classe, que se propaga desde os tempos da escravidão, e que se manifesta de diversas formas, não sendo executado apenas através da morte e do extermínio físico (apesar de sua juventude ser o principal alvo desta vertente do genocídio). Vivemos também, através do racismo estrutural e da perpetuação e intensificação das práticas racistas institucionais através dos aparelhos de Estado, as diversas formas de execução do genocídio, que convém - para fins meramente

5 Aprendemos desta forma que todas as revoltas negras não passavam de insurgências contra as injustiças da escravidão, sem raciocinarmos que se tratavam, sobretudo, de movimentos de emancipação humana, voltadas contra o sistema e contra as relações de produção capitalistas, dentro dos quais se inseria a escravidão, como auge da exploração humana e da forma mercantil e jurídica, sobre a qual se estruturou e se estrutura até hoje a sociabilidade capitalista.

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didáticos -, separar em: genocídio-morte, genocídio-prisão, genocídio-cultural, genocídio-epistemológico e genocídioestético. Cabe ressaltar que chamamos de aparelhos de Estado (repressivos ou ideológicos), as diversas instituições como judiciário, prisões, polícia, escolas, universidade, etc., pois todas estas instituições possuem entre si uma ligação: ainda que algumas não sejam em tese de fato vinculados diretamente ao Estado, em todas se manifesta a ideologia de Estado, de acordo com as especificidades de cada uma (ALTHUSSER, 1985). É, portanto, a ideologia de Estado — o racismo e o sexismo institucional —, o que unifica o aparelho prisional, ao aparelho escolar, ao aparelho cultural, etc.

Desta forma, entendemos que cada manifestação do racismo institucional citada acima, constitui o genocídio destes povos, que em sua vertente morte física atinge sobretudo as crianças e adolescentes, geralmente tachados como juventude/menores “infratores”. Os dados atuais sobre essa questão são tão alarmantes6 que, recentemente, gerou a formalização de uma denúncia do Estado brasileiro perante a Comissão de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), e a mesma, reconhecendo a gravidade da denúncia e o avançado estágio do genocídio brasileiro, passou a cobrar medidas do Estado brasileiro para combatê-lo15.

Ocorre que, pela cultura matriarcal africana e pelo desenvolvimento histórico do país, temos, historicamente, à frente do povo negro, as mulheres negras enquanto principais agentes da resistência. Apesar da imposição do patriarcado branco e do nosso genocídio cultural, podemos perceber hoje que, historicamente, liderando cada processo revolucionário popular brasileiro, encontramos uma mulher negra. Dandara, Aqualtune, Luiza Mahin, Maria Gomes de Oliveira nas suas trincheiras de batalha. Maria Firmina dos Reis, Carolina Maria de Jesus com sua revolução literária, Virgínia Leone Bicudo e tantas outras mulheres negras, como hoje, as mães de maio, mães de acari, núcleo de mães contra a violência, mulheres da REDE contra a violência, sem falar das mulheres independentes, que apesar de ocuparem o lugar social mais subalternizado possível estiveram e estão à frente das trincheiras e das rebeliões populares, da busca pela justiça por seu povo, da defesa de seus filhos e maridos, e que foram as primeiras de sua cor a chegar às universidades e a conquistarem lugares essenciais na constituição do pensamento de sua classe, não só, pelo fato do genocídio-morte atingir mais violentamente os homens negros, mas pela posição que ocupam culturalmente na comunidade negra.

Hoje, as mulheres negras, principal sujeito revolucionário brasileiro, estão à frente dos principais movimentos sociais pela emancipação popular, seja em nível acadêmico, compondo a maior parte dos novos intelectuais da negritude, seja no front de batalha nas favelas. Ao mesmo tempo, as mulheres negras no Brasil representam também a fração de classe mais afetada com o racismo e o sexismo estrutural e institucional. Apesar de não serem as principais vítimas diretas do

6 Em 2008, jovens negros tinham 138% mais chances de morrer de forma violenta que jovens brancos na mesma faixa etária; todos os dias 82 jovens negros são assassinados no Brasil; em 2012, 56.000 pessoas foram assassinadas no Brasil, destas, 30.000 são jovens entre 15 a 29 anos e, desse total, 77% são negros; a ONU aponta um aumento de 500% nas mortes executadas por grupos de extermínio no Estado da Bahia nos últimos 20 anos, sendo

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genocídiomorte provocado pelo extermínio Estatal direto, são as pessoas em maior condição de vulnerabilidade e de restrição de direitos fundamentais. Isto porque estão expostas diretamente, como explicitaremos a seguir, e indiretamente (através dos sistemáticos ataques aos seus filhos, principais alvos do genocídio-morte e do grande encarceramento/genocídio-prisão), a todas as formas de genocídio citadas aqui.

99% das vítimas, negras; há também um subnotificado número de jovens negros desaparecidos

forçadamente, sequelados por projétil de arma de fogo desferidos pelo braço armado do Estado ou ainda vitimados pelo encarceramento em massa de negras e negros. Segundo dados da Justiça Global, pelo menos 60% dos homicídios são cometidos por policiais e estes integram também milícias e grupos de extermínio, responsáveis por um alto número de assassinatos. Importante destacar ainda, que, segundo o Mapa da Violência de 2014, efetivamente, entre os brancos, no conjunto da população, o número de vítimas diminui de 19.846 em 2002 para 14.928 em 2012, o que representa uma queda de 24,8%, enquanto que entre os negros, as vítimas aumentam de 29.656 para 41.127 nessas mesmas datas, ou seja, há um crescimento de 38,7%. Em 2002, morreram proporcionalmente 73% mais negros que

brancos, e em 2012, esse índice sobe para 146,5%. A vitimização negra, no período de 2002 a 2012, mais que duplicou. Dados retirados do Mapa da Violência de 2010. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/noticias/agencia/docs/MapaViolencia2010.pdf>. Último acesso em: 10/10/2015; da

Campanha Negro Vivo da Anistia Internacional de 2015. Disponível em: <https://anistia.org.br/campanhas/jovemnegrovivo/> Último acesso em: 10/10/2015., e Reaja ou será mort@. Disponível em: <http://reajanasruas.blogspot.com.br/p/quem-somos.html>

Último acesso em: 10/10/2015..

15 Para mais informações acerca da denúncia formalizada perante a OEA: AZEVEDO, Lena. OEA cobra ações para enfrentar genocídio de negros no Brasil. <http://reajanasruas.blogspot.com.br/2015/03/oea-cobra-acoes-paraenfrentar.html> Acesso em: 11/10/2015.

Ao analisarmos as estatísticas oficiais, percebemos que são as mulheres negras as mais afetadas pelo genocídio que se expressa através da saúde pública (segundo o Ministério da Saúde, 60% da mortalidade materna ocorre entre mulheres negras, contra 34% da mortalidade entre mães brancas)16; são também as que mais estão sujeitas ao desemprego, e quando conseguem atingir o mercado de trabalho, são as que recebem os menores salários e as que tem os subempregos mais precarizados17; são ainda, as principais responsáveis pelos lares brasileiros, sendo as famílias chefiadas por mulheres negras maioria entre aquelas dos tipos “casal com filhos” e “mulher com filhos”: respectivamente, 52,4% e 55,2% do total das famílias7.

7 Estas são famílias que tendem a ser mais numerosas e representavam os dois modelos mais frequentes entre as chefes negras e a chefia feminina de modo geral. Além disso, chefes de família de cor/raça branca contam com renda familiar per capita média de quase o dobro da dos/das chefes de família de cor/raça negra. Segundo o dossiê das condições de vida das mulheres negras, lançado em 2012 pelo IPEA, “em relação à dimensão racial, nota-se que as mulheres negras chefes de famílias estão relativamente mais presentes entre aquelas de até 44 anos de idade, enquanto as brancas aparecem mais entre aquelas a partir de 45 anos.

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Percebe-Sendo as principais chefes de famílias de baixa renda, no que tange à questão da moradia, as mulheres negras são também as mais afetadas com as remoções e com a impossibilidade histórica de obter casa própria para a manutenção de suas famílias e de sua tripla jornada de trabalho, estando

16 Além disso, entre as atendidas pelo SUS, 56% das gestantes negras e 55% das pardas afirmaram que realizaram menos consultas pré-natal do que as brancas. A orientação sobre amamentação só chegou a 62% das negras atendidas pelo SUS, enquanto que 78% das brancas tiveram acesso a esse mesmo serviço. Leia mais sobre esse assunto em ALENCASTRO, Catarina. Mulheres negras são 60% das mães mortas durante partos no SUS, diz Ministério. 2014. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/sociedade/mulheres-negras-sao-60-das-maes-mortas-durantepartos-no-sus-diz-ministerio-14655707#ixzz3mO9rlbEX>. Acesso em: 10/10/2015.

17 “Embora as mulheres apresentem um melhor desempenho educacional (média de anos de estudos mais elevada, maiores taxas de escolarização em todos os níveis de ensino e uma maior proporção de pessoas com nível superior concluído), elas ainda enfrentam desafios no que diz respeito aos retornos esperados pelo investimento educacional: seus rendimentos são inferiores aos dos homens, sua participação nos postos de comando e na condição de proprietárias-empregadoras ainda é restrita. Estas desigualdades também estão relacionadas à condição de gênero, como a média de horas trabalhadas das mulheres ser inferior à dos homens, dada a necessidade de dupla jornada, além de estarem concentradas nos setores de atividade com salários mais baixos, como saúde e educação. Ressalta-se, ainda, que sua concentração e participação em setores específicos é fruto de um forte viés de gênero nas carreiras universitárias. As mulheres, embora mais escolarizadas, frequentam cursos menos valorizados no mercado de trabalho”. LIMA, Marcia; RIOS, Flavia; FRANÇA, Danilo. ARTICULANDO GÊNERO E RAÇA: A PARTICIPAÇÃO DAS MULHERES NEGRAS NO MERCADO DE TRABALHO (1995-2009). In: MARCONDES, Mariana Mazzini...[et al.]. Dossiê mulheres negras: retrato das condições de vida das mulheres negras no Brasil. Brasília: Ipea, 2013. p.54. Além disso, o salário médio da mulher negra com emprego formal, é menos da metade do que o salário de um homem branco e a mulher negra ganha, em média, R$ 790 e o salário do homem branco chega a R$ 1.671,00 - mais que o dobro. No número de empregos, a discriminação também é estampada pelos números: são apenas 498.521 empregos formais de mulheres negras contra 7,6 milhões de mulheres brancas e 11,9 milhões de homens brancos. Cf. JUNGMAN, Mariana. Mulheres negras têm salário menor e menos acesso ao mercado de trabalho. Brasília: Agência Brasil, 2009. Dados disponíveis em: <http://noticias.uol.com.br/cotidiano/2009/08/15/ult5772u4965.jhtm> Acesso em: 10/10/2015.

vulneráveis ainda, em relação à ausência de propriedade sobre os seus lares, mesmo que historicamente construídos por seus antepassados nas favelas e periferias brasileiras.

se aqui, novamente, uma maior expectativa de vida da população branca comparativamente à negra, relacionada à maior mortalidade e menor acesso a bens e serviços de saúde e saneamento. Assim também, a inserção laboral é mais precária para a população negra, que, sem proteção social, usufrui menos dos benefícios sociais a que teria direito, a exemplo da renda oriunda de aposentadoria”. Para mais, ver: MARCONDES, Mariana Mazzini...[et al.]. Dossiê mulheres negras: retrato das condições de vida das mulheres negras no Brasil. Brasília: Ipea, 2013. p. 28 e 29.

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São elas, ainda, as pessoas que mais são oneradas pela tributação, sendo as que mais pagam mais impostos, e ao mesmo tempo as mais atingidas pelo desemprego. Segundo recente pesquisa realizada pelo IPEA,

a conjugação dos efeitos do racismo e do sexismo torna ainda mais difícil para as mulheres negras conseguirem uma ocupação no mercado de trabalho. Em 2009, de cada cem negras chefes de família, onze estavam desempregadas. Entre as brancas, este valor era de sete. Enquanto isto, entre os homens chefes de família, o desemprego era uma realidade para apenas 3% do total, 2,7% dos brancos e 3,4% dos negros (MARCONDES, 2013, p. 32).

Ou seja, não obstante serem afetadas diretamente pelo racismo estrutural e institucional, são também oprimidas pelo patriarcado, que se traduz no sexismo estrutural e institucional: além da tripla jornada de trabalho (emprego, filhos e casa, e as vezes quádrupla jornada para aquelas que se aventuram a estudar), as mulheres negras brasileiras ainda sofrem com o genocídio sistemático de seus filhos e companheiros (genocídio este que além da morte física, passa pelo encarceramento em massa da juventude pobre e negra), cuidam de seus pais idosos e desde pequenas dos irmãos e sobrinhos e são as que mais morrem nas clínicas clandestinas de aborto, sendo ainda, as principais vítimas de violência doméstica8 e das diversas expressões da violência sexual9. Não é a toa que as mulheres negras também são as mais afetadas no que tange à saúde mental21.

8 Segundo dados do IPEA, em pesquisa lançada em 2013, das mulheres mortas por feminicídio entre 2009 e 2011, 61% eram negras. Mais dados em GARCIA, Leila; FREITAS, Lucia [et all.]. Violência contra a mulher: feminicídios no Brasil. Disponível em:

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Econômicos e Sociais da Região Nordeste do RS, 6 e 7 / 10 / 2014, Caxias do Sul, RS. Disponível em <https://www.ucs.br/site/midia/arquivos/TEC-10-Dornelles-Mincato-Grazzi-Violencia-domestica.pdf>. Acesso em: 15/10/2015.

9 Segundo a pesquisadora Jackeline Aparecida Ferreira Romio, “discutindo a violência sexual de forma ampla, não apenas centrada na questão do estupro e assédio, percebe-se que a mulher negra ainda tem que enfrentar a exploração sexual infantil e de adolescentes e o tráfico de mulheres, violência em que as negras compõem o grupo de maior incidência. Estes tipos de violência têm forte relação com as imagens de controle que envolvem a mulher negra como objeto de consumo e exploração sexual, como também com a ausência de políticas públicas de controle e

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Temos acompanhando, aqui no Rio de Janeiro, a luta por justiça de diversas mães que tiveram seus filhos ou companheiros mortos pelo genocídio estatal. De forma solitária, essas mães resistem em manifestações e julgamentos, contando incansavelmente suas histórias para a sociedade através da mídia e de movimentos populares. Estas mulheres, ainda que não o façam intencionalmente, têm lutado por justiça social, por todas as vítimas de genocídio no Brasil. Entretanto, tal resistência se dispersa no interesse de organizações de esquerda ou de instituições de defesa de direitos humanos que canalizam essas lutas individuais para sua própria autoconstrução, ao invés de canalizar para uma construção coletiva, e dar-lhes o apoio necessário para a compreensão de que elas não vão encontrar na justiça formal uma solução para sua própria opressão, mas que apenas sua luta por justiça social uma vez coletivizada e canalizada para a libertação do conjunto dos povos oprimidos, pode encontrar essa solução.

Na Academia, as mulheres negras que conseguem escapar minimamente da condição de miséria a que são historicamente submetidas – apesar de todas as adversidades que ainda as acompanha – ocupam maior lugar que os homens negros, e apesar do crescimento geral do acesso ao nível superior, ambos ocupam menor lugar que homens e mulheres brancas. Ou seja, a despeito do crescimento das taxas de escolarização, a presença de mulheres e homens brancos ainda é muito superior à de mulheres e homens negros. Por mais que estejam se formando cada vez mais no nível superior e que ainda façam pós-graduação, as mulheres negras passam longe dos espaços de poder e decisão política, ocupados quase sempre por pessoas brancas, e em raras vezes por homens negros. São elas as que mais sofrem com a hierarquização do ensino, e com a instituição escolar, que é um espaço de reprodução e legitimação da ordem social estabelecida. Além disso, as pesquisas mais recentes demonstram que a tendência é que mulheres e homens negros se concentrem em carreiras de menor prestígio e que ingressem mais no ensino superior privado do que no público, que ainda é majoritariamente composto de homens brancos e em menor escala, mulheres brancas. Não raro, as poucas que chegam nestes lugares de poder, veem esta ascensão como simples mérito individual, e acabam por reproduzir a lógica de dominação e as relações de opressão, uma vez que suas carreiras se tornam geralmente um fim em si mesmo, muitas vezes com nenhum retorno social, e um modo de se distinguir socialmente através da ideologia meritocrática.

Considerações finais

Estes são apenas alguns dos indícios que nos mostram como, no século XXI, mulheres negras brasileiras vivem a mais cruel intersecção de desigualdades, onde estão expostas à opressão de raça, de classe, de gênero e de sexualidade, de forma que uma não se sobrepõe a outra, formando uma classe que congrega em si todas

responsabilidade midiática e com a indústria do turismo, que deveria trabalhar para a eliminação desses estereótipos, mas acaba por reforçá-los”. A entrevista completa encontra-se disponível em: <https://www.rets.org.br/?q=node/2797>. Último acesso em: 10/10/2015. Podemos também verificar um estudo mais completo sobre o assunto em: ROMIO, Jackeline. A VITIMIZAÇÃO DE MULHERES POR AGRESSÃO FÍSICA,

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as opressões que a sociedade capitalista moderna pode oferecer, sendo paradoxalmente somente delas, a prerrogativa de realizar uma verdadeira revolução social no Brasil, representando, portanto, o sujeito revolucionário por excelência.

Ao mesmo tempo, procuramos demonstrar os desafios para que este sujeito revolucionário venha à tona e consiga organizar um processo real de mudança estrutural que envolva e parta das classes

SEGUNDO RAÇA/COR NO BRASIL. In: MARCONDES, Mariana Mazzini...[et al.]. Dossiê mulheres

negras: retrato das condições de vida das mulheres negras no Brasil. Brasília: Ipea, 2013. 21 Diversos estudos apontam para a maior incidência de problemas ligados à saúde mental entre as mulheres negras, e já restou comprovado que, atualmente, a maior parte de usuários da saúde mental no Brasil são mulheres negras e pobres. Neste sentido, cf. ZANELLO, Valeska; SILVA, René, 2012.

subalternizadas. Fica claro para nós que a saída não pode ser individual, e que a luta deve ser no sentido de desindividualizar as agências e torná-las processos coletivos, a fim de que consigamos perceber que o objetivo e o subjetivo, o coletivo e o individual não são processos concorrentes, mas sim complementares, e somente vistos assim podem propiciar a emancipação individual e coletiva de cada sujeito subalternizado.

Assim, concluímos que as mulheres negras brasileiras constituem em si, à nível nacional, o sujeito revolucionário e uma classe social cujo avanço de consciência tem sido constantemente impedido pelas diversas estratégias de genocídio, o que aponta para a necessidade da produção de novas estratégias de auto-organização e para a necessidade de, com isso, reorganizar os movimentos sociais brasileiros.

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Política de separação étnica na escravidão africana no Brasil Cristiane da Rosa Elias

Este trabalho que apresento partiu de um projeto maior de nome “Africanos, descendentes e comunidades linguísticas no Brasil e no mundo atlântico” em que fiz parte até agosto de 2015 como bolsista de Iniciação Cientifica junto da orientadora Ivana Stolze Lima. Tal projeto teve como objetivo tentar entender os grupos sociais negros formados pela escravidão. Compreendendo quais os caminhos que as comunidades linguísticas no Brasil e no mundo Atlântico percorreram. Entendemos com isso que as diversas interações sociais – festas, trabalho, fuga, danças, língua – desses africanos, escravos e descendentes são

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essenciais para nos guiar no entendimento de como eles se comunicavam, se organizavam e compartilhavam de um mesmo contexto.

Nesse sentido em meu trabalho tenho como objetivo geral pensar a diversidade linguística existente no contexto colonial Português dentro do que convencionamos chamar de mundo Atlântico. Pensando como a ordem colonial lidou com as línguas, indígenas e africanas, sendo o português uma língua, que somente se consolidará como língua dominante no século XVIII. Houve nesse período colonial a formação das línguas gerais indígenas que se tornaram a base das relações coloniais22. Já que o português era uma língua dentro de centenas presentes no Novo Mundo. Dentro desse quadro temos as línguas africanas que se tornaram muito presentes na vida colonial ao ponto de autoridades coloniais e missionários criarem formas de lidar com tais línguas. Criando gramáticas e vocabulários para entender essas línguas especialmente a Angola e a Língua Geral de Mina.

Percebemos a princípio então que o português não foi dado de imediato dentro da colônia, José Honório Rodrigues diz, que esse foi um processo bélico, uma expiação linguística que levou séculos de amadurecimento “que unia hoje e via amanha a paz rompida, pela entrada de novos colonos, de novos escravos africanos, pelo amansamento e submissão de tantos índios.23

22 BESSA-FREIRE, José R. Nheengatu: a outra língua brasileira. In: CARMO, Laura e LIMA, Ivana Stolze (Org.). História Social da Língua Nacional. Rio de Janeiro: Edições Casa de Rui Barbosa, 2008. p. 119-149.

23 RODRIGUES, J.H. “A Vitória da Língua portuguesa no Brasil Colonial” Humanidades vol I, n. 4, julho/setembro de 1983.

Dentro desse plano geral o projeto focaliza dois documentos: a “Arte da Língua de Angola” de 1697 formulada pelo padre Pedro Dias e a “Obra Nova da Língua Geral de Mina” de 1741, produzida por Antonio da Costa Peixoto. Ambas são importantes, pois nos mostram o grande empenho que existia para entender as línguas africanas seja para doutrinar os negros na fé cristã e assim conseguir enquadra-los em uma lógica da escravidão, seja para tentar evitar revoltas contra os senhores e consequentemente contra o sistema escravocrata.

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Pensando isso, minha questão vem no sentido de pensar as possíveis políticas de separação étnica na escravidão portuguesa do Brasil e até que ponto elas existiram. Pretendo assim problematizar o ideário ainda existente de que africanos e descendentes não se comunicavam entre si, por eles serem de regiões ou nações diferentes e consequentemente inimigas. Podemos verificar a presença desse ideário na citação de José Honório Rodrigues quando observa,

Foi política colonial portuguesa variar o mais que pudesse a composição da gente africana que trazia para o Brasil. Assim evitavam sua unidade, pela diversidade de língua e os mantinham submissos. (RODRIGUES, 1983 – p. 29)

Diante dessas questões procurei localizar referências que contribuíssem para o entendimento mais específico sobre esse tema.

A partir da leitura da historiografia, de textos de história linguística e da análise de alguns documentos manuscritos do Conselho Ultramarino pude aprofundar essa problemática.

Os manuscritos com os quais trabalhei são do acervo do Conselho Ultramarino, pertencente ao Arquivo Histórico Ultramarino, que contém a produção legal e administrativa portuguesa em relação a suas colônias. Os documentos usados nesse trabalho foram selecionados a partir dos catálogos do Arquivo Histórico Ultramarino que foram transcritos e analisados por mim.

Diálogo

Ramificando a proposta acima colocada podemos problematizar algumas relações impostas com essa grande diversidade linguística no Brasil colonial. A forma com que a sociedade escravista e as autoridades lidavam com tais línguas – se as conheciam, se as diversificavam ou as proibiam. Lembremos que lidar com as línguas africanas significa lidar com os africanos das diversas nações que aqui chegaram.

A identificação das línguas trazidas ao Brasil é um campo ainda em aberto com problemas em relação à nomenclatura dessas línguas. O entendimento detalhado do tráfico e dos povos africanos ajuda na identificação. Os documentos com os quais trabalhei apresentam certo conhecimento das línguas de Angola e Geral de

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Mina que, em proporções diferentes, tinham como objetivo estabelecer contatos com esses africanos, pois para enquadrá-los à sociedade escravista era necessário o contato e conhecimento de suas línguas. Os missionários jesuítas foram os principais agentes que lidaram com essa diversidade linguística, produzindo obras como gramáticas, vocabulários e catecismos. Muitos deles circulavam entre Brasil e Angola, o que contribuiu para o domínio do quimbundo10.

Silvia Lara nos lembra de que durante a vigência da escravidão, as diferenças étnicas nunca deixaram de ser notadas por seus contemporâneos o que podemos perceber em diferentes documentos. Dentro disso podemos notar que existia um conhecimento senhorial da diversidade étnica da escravidão, conhecimento esse que podemos dizer que girava em torno da manutenção da escravidão, ou como a autora vai dizer, do domínio senhorial. Podemos notar vários exemplos desse conhecimento, aqui cabe a do jesuíta Antonil que diz:

Os que vêm para o Brasil são ardas, minas, congos, de São Tomé, de Angola, Cabo Verde e alguns de Moçambique, que vêm nas naus da Índia. Os ardas e minas são robustos. Os de Cabo Verde e de São Tomé são mais fracos. Os de Angola, criados em Luanda, são mais capazes de aprender ofícios mecânicos que os das outras partes já nomeadas. Entre os congos há também alguns bastantemente industriosos e bons, não somente para o serviço da cana mas para as oficinas e para o meneio das casas. (Antonil, apud. Lara, 1999.)

Porém mesmo com esse conhecimento por parte dos senhores a ameaça e a tensão existente eram constantes, pois podemos pensar também em uma possível comunicação externa – em que tínhamos padres, senhores e escravos – e interna – entre os escravos. Em um dos documentos que transcrevi e analisei vemos uma autoridade do século XVII preocupado com a possibilidade de comunicação entre herdeiros do rei do Dongo que haviam sido mandados para o Brasil e os fugitivos do quilombo de Palmares. Em carta de 1673 do então governador do Brasil, Afonso Furtado de Castro ao rei D. Pedro, o governador demonstra o receio que tinha desses príncipes se unirem aos negros dos mocambos e assim tentarem fundar um Reino em território português.

Referências

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