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A (in)admissibilidade e valoração das declarações de um co-arguido em prejuízo de outro co-arguido

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Universidade do Minho

Escola de Direito

Joana Rafaela Baldaia Vieira Moreira

abril de 2019

A (in)admissibilidade e valoração das

declarações de um co-arguido em prejuízo

de outro co-arguido

Joana Rafaela Baldaia Vieir

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a

A (in)admissibilidade e v

aloração das declarações de um co-arguido em prejuízo de outro co-arguido

UMinho|20

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Joana Rafaela Baldaia Vieira Moreira

abril de 2019

A (in)admissibilidade e valoração das

declarações de um co-arguido em prejuízo

de outro co-arguido

Trabalho realizado sob a orientação do

Professor Doutor Pedro Miguel Fernandes Freitas

Dissertação de Mestrado

Mestrado em Direito Judiciário

Universidade do Minho

Escola de Direito

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Direitos de autor e condições de utilização do trabalho

por terceiros

Este é um trabalho académico que pode ser utilizado por terceiros desde que respeitadas as regras e boas práticas internacionalmente aceites, no que concerne aos direitos de autor e direitos conexos.

Assim, o presente trabalho pode ser utilizado nos termos previstos na licença abaixo indicada.

Caso o utilizador necessite de permissão para poder fazer um uso do trabalho em condições não previstas no licenciamento indicado, deverá contactar o autor, através do RepositórioUM da Universidade do Minho.

Atribuição CC BY

https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/

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Agradecimentos

Obrigada Mãe e Pai por todo o apoio! Se algum dia pensei aplicar a frase – “sem vocês não seria possível” – na minha vida, sem margem de dúvidas que este é o momento.

Aos meus irmãos. Manos, os meus melhores amigos, a vocês quero agradecer por acreditarem sempre em mim!

Ao meu Patrono Fernando Rocha Lobo, por todo o apoio e disponibilidade!

Sem dúvida que quero agradecer ao meu orientador Professor Doutor Pedro Freitas, foi imprescindível, ajudando em tudo o que estava ao seu alcance.

Aos meus amigos um obrigado pela paciência, em especial ao “Prof.” Dr. José Rocha que dedicou o seu precioso tempo a passar fio a pavio o meu trabalho; e à minha amiga Rafaela Duarte pelas maratonas na biblioteca.

Mais uma etapa concluída, Obrigada!

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Declaração de Integridade

Declaro ter atuado com integridade na elaboração do presente trabalho académico e confirmo que não recorri à prática de plágio nem a qualquer forma de utilização indevida ou falsificação de informações ou resultados em nenhuma das etapas conducente à sua elaboração.

Mais declaro que conheço e que respeitei o Código de Conduta Ética da Universidade do Minho.

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Resumo

"A (in)admissibilidade e valoração das declarações de um co-arguido em prejuízo de outro co-arguido"

Nesta dissertação, pretende-se explorar a problemática da valoração das declarações incriminatórias de um co-arguido em fase de julgamento e à eventual necessidade de o Juiz ter de recorrer à regra da corroboração, para que este meio seja credível e verosímil.

Numa fase inicial, debruçamo-nos sobre os aspetos teóricos e fundamentais na prática Processual Penal, para que se consiga perceber os pontos cruciais da questão aqui discutida, nomeadamente os princípios estruturantes em matéria de prova, sem descurar da sua estrutura acusatória. Posta esta fase, introduzimos o estatuto de arguido de forma a contextualizar o sujeito processual em estudo. E dos direitos que lhe são garantidos, falando com particular relevo, no direito ao silêncio e o direito à não autoincriminação, que estão diretamente ligados e são erguidos aquando da valoração das declarações de um co-arguido.

Numa segunda fase, falamos do co-arguido, mais propriamente no que diz respeito ao seu conhecimento probatório, uma vez que estamos a discutir este como um meio de prova em si mesmo.

Por fim, debruçar-nos-emos sobre o problema da valoração das declarações dos co-arguidos em fase de julgamento e, claro, sobre estas no momento de ser realizadas em outras fases processuais, mas reproduzidas em fase de julgamento. Vamos assim falar não só da alteração ao CPP, com a Lei n.º 48/2007, de 29/08 como da Lei n.º 20/2013, de 21/02.

Palavras-chave: Co-arguido; Corroboração; Declarações; Julgamento; Silêncio.

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Abstract

The (in)admissibility and assessment statement of a codefendant to the detriment of others codefendant.

In this dissertation, we uphold the problematic underlying the appraisal of incriminatory statements by co-defendant(s), against other defendants, mainly in situations in which there are no other means of proof, and the question of knowing whether those statements are sufficient to sustain a conviction in trial, conveying the possibility for the Judge to have recourse to the corroboration rule, if in need, so that this evidence is credible and truthful.

We start by making some general considerations and fundamental aspects of criminal procedure, in order to understand the crucial points of the issue here discussed, namely the structuring principles of evidence, without neglecting its accusatory structure. After this stage, we will discuss the defendant's procedural status. We will dedicate a whole chapter, giving a special attention, to the existence or nonexistence of the right to silence in the scope of the statements given by a co-defendant in prejudice, when the latter chooses to remain in silent and the right to non-self-incrimination. On the second moment, we explore the problematic of the co-defendant, more properly as it regards his evidentiary knowledge, since we are discussing this as a means of proof in itself.

Finally, we will talk about the problem of assessing the co-defendants statements in trial and, of course, when they are carried out in other procedural stages while reproduced at the trial stage. Thus, let us speak not only of the amendment to the CPP, with Law no. 48/2007, of 08/29 and of Law no. 20/2013, of 02/21.

Keywords: Co-defendant; Corroboration; Judgement; Silence; Statements.

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VII

Índice

Direitos de autor e condições de utilização do trabalho por terceiros ... II Agradecimentos ... III Declaração de Integridade ... IV Resumo………V Abstract……….IV Lista de abreviaturas ... IX Introdução ………..10

Capítulo I Princípios a perscrutar no âmbito das declarações de co-arguido ……….….15

1) Do In Dubio Pro Reo ... 21

2) Da investigação ou da verdade material ... 24

3) Da livre apreciação da prova... 28

4) Da presunção de inocência ... 35

4.1) Na fase de julgamento ... 38

5) Referência conclusiva ... 41

Capítulo II Enquadramento do arguido no Processo Penal ... 45

1) Estatuto do arguido ... 45

1.1) Direitos do arguido………..47

1.2) Deveres do arguido………..49

2) Declarações de arguido ... 50

3) A existência ou inexistência do privilégio – Direito ao silêncio e o Direito à não autoincriminação ... 52

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VIII

Capítulo III O Conhecimento probatório do co-arguido ... 60

1) Modelos de ligação entre os arguidos ... 60

1.1) Conceito formal de co-arguido……….60

1.2) Conceito material de co-arguido……….61

2) Referência conclusiva ... 62

Capítulo IV Rudimentos envolto do n.º 4, do artigo 345.º, do CPP .... 64

1) Técnicas de verificação de prova ... 64

1.1) Técnica da corroboração………65

2) O n.º 4, do artigo 345. °, do CPP ... 70

2.1) A Relação do n.º 4, do artigo 345.º, com o novo regime de admissibilidade de leitura de declarações de co-arguido em audiência de julgamento……….81

3) O co-arguido e a separação de processos ... 83

4) O co-arguido ausente e o co-arguido que fez uso do silêncio…87 Conclusão ………89

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9 IX

Lista de abreviaturas

CC CDFUE Código Civil

Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia

CEDH Convenção Europeia dos Direitos do Homem

Cfr. Conforme

CP Código Penal

CPP Código de Processo Penal

CRP Constituição da República Portuguesa

DUDH Declaração Universal dos Direitos do Homem

MP Ministério Público

STJ Supremo Tribunal de Justiça

TC Tribunal Constitucional

TRL Tribunal da Relação de Lisboa

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Introdução

A presente dissertação tem por objetivo discutir a (in)admissibilidade das declarações incriminatórias de co-arguido quando a instâncias do outro co-arguido este se remete ao silêncio.

O interesse pelo tema surgiu com a introdução da Lei n.º 48/2007, de 29/08 e, mais recentemente, pela Lei n.º 20/2013, de 21/02, na medida em que a sociedade e o próprio meio jurídico não detém de uma certeza quanto à aceitação ou não da valoração das declarações de co-arguido.

Assim, questionamo-nos até que ponto interessa à Sociedade e ao ordenamento jurídico repelir este meio de prova, rotulando-o como inadmissível porquanto há falta de contraditório, em detrimento de uma efetiva investigação da verdade. Nesta medida, na falta de outra prova, e

em observância do Princípio in dubio pro reo, o Juiz terá de absolver o

arguido.

Olvidando as considerações históricas e de Direito Comparado, não esquecendo, contudo, aqui mencionar o importante contributo do Direito Italiano nesta matéria.

Colocaremos assim em hipótese, a ser analisada no decorrer da presente dissertação, a possibilidade de ser concedida, ao Juiz, a liberdade de avaliar cada situação tendo em conta os seus diversos aspetos, atento à gravidade de cada caso, à índole da relação jurídica controvertida, à dificuldade em verificar a veracidade das declarações, dos indícios, etc... O Juiz decidiria qual dos interesses em conflito deverá ser sacrificado, e em que medida. Contudo, este Princípio da livre apreciação da prova quando analisado deste modo, padece de díspares críticas. Na medida em que se

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dá uma margem excessiva à influência de fatores subjetivos por aplicação do Juiz.

A discussão objeto de estudo está enredada entre os Direitos Fundamentais do indivíduo e os Princípios que norteiam o Processo Penal e a necessidade da descoberta da verdade material, tanto para a proteção da Sociedade, quanto para a efetivação do ideal de Justiça. Ideal que representa o anseio máximo e a razão de ser do Direito. É indicador claro de um dos grandes problemas que atualmente preside a humanidade: proteger os direitos até então conquistados. Dado que, de um lado temos o indivíduo e por outro o Estado.

Hoje, o Direito Processual Penal apresenta como objetivos primordiais “a realização da justiça e a descoberta da verdade, mas também, cumulativamente, para a proteção perante o Estado dos direitos fundamentais das pessoas e o restabelecimento da paz jurídica comunitária posta em causa pelo crime e a consequente reafirmação da

validade da norma jurídica violada”1.

São então estes os pilares que sustentam o Processo Penal que conhecemos. Que procuram lhe atribuem um carácter consistente e que transmitem a ideia de segurança e Justiça que a sociedade tanto ambiciona alcançar.

No entanto, estes princípios, que juntos, sustentam o Processo Penal, encontram (por vezes) pontos de discórdia, podendo gerar situações em que algum dos princípios se opõe a outro, ficando de um dos lados os interesses defendidos pelo arguido e no outro lado os interesses representados pelo Estado. E em várias situações o respeito e

1 DIAS, JORGE DE FIGUEIREDO, Direito Processual Penal, lições do Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias coligidas por Maria João Antunes Assistente da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, lições policopiadas, 1988-9, pág. 21.

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concretização de um dos princípios poderá pôr em causa a prossecução de uma das outras finalidades do Direito Processual Penal.

Exemplo da situação anteriormente descrita será o momento em que para ser descoberta a verdade material e ser realizada a Justiça, os Direitos Fundamentais, defendidos pelo Estado e, muitos deles consagrados e protegidos pela lei, sejam então desrespeitados e violados.

Ao longo da presente dissertação iremos abordar um possível exemplo demonstrativo do conflito entres os Princípios Processuais Penais basilares no Regime Jurídico Português: a questão das declarações de arguido e a sua relevância para o processo criminal. No caso concreto, opor o desejo da descoberta da verdade com os direitos fundamentais que devem ser respeitados.

Iremos analisar como a realização da Justiça e a busca, feita em prol da descoberta da verdade material, podem pôr em causa direitos legalmente consagrados. Em concreto, propomo-nos analisar a questão do direito ao silêncio, direito que assiste ao arguido durante a tramitação processual e que é, em diversas situações e por variados motivos, colocado em causa ao longo do decorrer dos trâmites processuais penais.

No estudo aqui explanado propomo-nos a analisar quais as implicações inerentes à utilização das declarações proferidas pelo co-arguido em fase de julgamento. E de que modo contribui para o desrespeito pelo direito ao silêncio como direito que assiste ao arguido.

A questão do silêncio em Processo Penal é, hoje, um tema amplamente discutido quando relacionado com o estatuto do arguido previsto no nosso CPP. Coloca-se a dúvida sobre o alcance deste direito e em que medida afeta a posição do (co-)arguido, enquanto sujeito do processo durante a tramitação processual.

Sendo o direito ao silêncio um direito salvaguardado no nosso ordenamento jurídico, encontrando consagração não só na Lei

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Fundamental (CRP) mas também em diplomas internacionais, como é o caso da DUDH, será necessário analisar de que modo se encontra presente a nível de jurisprudência e quais as implicações que advêm da sua aplicação.

Abordaremos, em pormenor, esta questão de modo a dar a conhecer o regime aplicado a estas situações. Analisando o sistema processual penal vigente, os princípios que o norteiam e em concreto ao direito ao silêncio e o direito à não autoincriminação que assiste ao arguido.

O mundo é hoje um palco em constante mutação que se depara com novos desafios. Paralelamente, a Sociedade sente-se menos segura e pretende combater de forma eficaz os efeitos negativos desta nova realidade. Assim, assistimos ao agravamento das sanções, a diferentes poderes de investigação e a uma tentativa de criação de meios mais eficazes de combate ao crime que podem, de alguma forma, ser tão hábeis que acabam por beliscar o que se entende por Direitos Fundamentais.

Dizer que o co-arguido não presta juramento e, por isso, as suas declarações ao ser valoradas tem de se ter algumas reservas. Uma vez que este pode, por exemplo, prestar declarações falsas por uma questão de amizade, ou de vingança ou para ser declarado inocente. E a testemunha que presta juramento? Já não haverá necessidade de ter uma certa cautela na sua valoração? Então onde se coloca o princípio da inocência do arguido até transito em julgado?

Iremos dividir a presente dissertação em cinco capítulos de forma a levar a bom porto a questão objeto de estudo.

Será vertida também a nossa opinião, mas nunca descurando os diversos entendimentos que se perfilham atualmente, quer a nível doutrinal e jurisprudencial, no que diz respeito à valoração das declarações dos co-arguidos como meio de prova incriminatória, na fase processual primordial, a audiência de julgamento, dando enfoque ao n.º 4 do artigo 345.º, do CPP,

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aditado pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, que veio estabelecer a proibição da valoração das declarações do co-arguido em relação a outro co-arguido sempre que aquele se remeter ao silêncio no momento em que for questionando sobre os factos que estão relacionados com o crime que lhe é imputado. Mais, não descoramos a ligação da alteração de 2013 ao CPP, que, no nosso entender, compreende diversas problemáticas e contradições do legislador.

Salientamos, ainda que, a discussão sobre este assunto tem crescido muito entre a doutrina, estando ainda longe de encontrar serenidade, principalmente no que diz respeito ao estabelecimento de normas claras quanto à (in)admissibilidade das declarações incriminatórias do co-arguido, valoradas aquando do sacrifício do direito ao silêncio.

Desta forma, a partir da análise dos direitos e observando os princípios relacionados com este meio de prova, propomo-nos a apresentar uma reflecção que se proporcione a maior transparência, segurança e justiça em todo o processo penal.

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Capítulo I

Princípios a perscrutar no âmbito das declarações de

co-arguido

O Processo Penal que conhecemos hoje, que se afirma pela sua estrutura acusatória, surgiu com o Estado Liberal. Este modelo caracteriza-se pela caracteriza-separação entre a entidade que investiga e acusa e a entidade que

julga2, ou seja, centra-se na igualdade processual de armas3, e de meios,

existentes entre a acusação e defesa. Foi com o surgir deste modelo que o arguido adquiriu direitos na sua esfera jurídica como o direito de defesa,

uma vez que lhe passou a ser garantido o princípio da igualdade de armas4

e o princípio da autorresponsabilidade probatória5. Trouxe assim consigo

um processo de partes, que deixou de ver o arguido como um objeto e passou a ver como um sujeito processual. Vejamos o n.º 5, do artigo 32.º da CRP: “o processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os atos instrutórios que a lei determinar subordinados ao

princípio do contraditório”. 6

Opõe-se à estrutura inquisitória, onde o tribunal é o dominus do

processo, podendo intervir ex officio sempre que entender, desde a própria

2 (MAFALDA, 2004 p. 509 a 540), “(...) que tem poderes para controlar a decisão da entidade que deduziu acusação”.

3 (SILVA, 2017 p. 70).

4 Acórdão do TC n.º 160/2010, Processo n.º 834/09, de 2010-06-08, disponível em www.dre.pt. 5 (VILELA, 2000 p. 29 e ss.).

6 (CANOTILHO, 2014 p. 522), "O princípio acusatório (n.º 5, 1.ª parte) é um dos princípios estruturantes da constituição processual penal. Essencialmente, ele significa que só se pode ser julgado por um crime precedendo acusação por esse crime por parte de um órgão distinto do julgador, sendo a acusação condição e limite do julgamento. Trata-se de uma garantia essencial do julgamento independente e imparcial. Cabe ao tribunal julgar os factos constantes da acusação e não conduzir oficiosamente a investigação da responsabilidade penal do arguido (princípio do inquisitório). A «densificação» semântica da estrutura acusatória faz-se através da articulação de uma dimensão material (fases do processo) com uma dimensão orgânico-subjetiva (entidades competentes). Estrutura acusatória significa, no plano material, a distinção entre instrução, acusação e julgamento; no plano subjetivo, significa a diferenciação entre juiz de instrução (órgão de instrução) e juiz julgador (órgão julgador) e entre ambos e órgão acusador. O princípio da acusação não dispensa, antes exige, o controlo judicial da acusação de modo a evitar acusações gratuitas, manifestamente inconsistentes, visto que a sujeição a julgamento penal é, já de si, um incómodo muitas vezes oneroso e não raras vezes um vexame. Logicamente, o princípio acusatório impõe a separação entre o juiz que controla a acusação e o juiz de julgamento.”.

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formulação da acusação, onde o arguido não tem direitos, e é submetido a

um tribunal norteado pela busca da verdade e pela defesa da sociedade.7

Esta separação é exposta através do axioma nullum judicium sine

accusatione, enunciado por FERRAJOLI8, que por sua vez, leva ao

“terzietà”9 do Juiz em relação às partes.

Nas palavras de GERMANO MARQUES DA SILVA10, o nosso sistema

“(…) procura a igualdade de poderes de atuação processual entre a acusação e a defesa, ficando o julgador numa situação de independência, supra «partes», apenas interessado na apreciação objetiva do caso que lhe é submetido pela acusação”, pelo que “o processo inicia-se com a acusação pelo ofendido ou quem o represente e desenvolve-se com pleno contraditório entre o acusador e o acusado, pública e oralmente, perante a passividade do Juiz que não tem qualquer iniciativa em ordem à aquisição da prova, recaindo o encargo da prova sobre o acusador”, sendo que “o acusado presume-se inocente até que a sua responsabilidade seja definitivamente definida e em consequência permanece em liberdade no decurso do processo.”

Assim, “o processo de tipo acusatório caracteriza-se, pois, essencialmente, por ser uma disputa entre duas partes, uma espécie de duelo judiciário entre a acusação e a defesa disciplinado por um terceiro, o Juiz ou tribunal, que ocupando uma situação de supremacia e de independência relativamente ao acusador e ao acusado, não pode promover o processo (ne procedat judex ex officio), nem condenar para

além da acusação (sedentia debet esse conformis libello).”11

7 (MIRANDA, 2005 p. 359).

8 (FERRAJOLI, 1990 p. 593) “l’estraneità del giudice all’interesse delle parti in causa”. 9 Imparcialidade.

10 (SILVA, 2010, 6ª edição p. 72). 11 (SILVA, 2010, 6ª edição p. 72 e 73).

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Na estrutura acusatória há uma “cisão indispensável entre a entidade

investigadora (acusada) e a julgadora”.12 Estamos perante uma “espécie

de duelo judiciário entre a acusação e a defesa”13.

É a acusação que define e fixa o objeto do processo, pelo que o acusado nem sempre é condenado no que diz respeito aos factos

constantes da acusação14. Este princípio ao limitar o objeto do processo

acaba por determinar o âmbito da produção probatória, o que faz com que

o Juiz não usufrua de “todo o poder” – quod non est in actus non est in

mundo15.

Sabemos que quem dirige a investigação é o Ministério Público sendo ele responsável pela acusação. Se houver lugar à instrução, esta segunda fase de investigação já é dirigida por um Juiz de Instrução Criminal que será sempre diferente do Juiz de Julgamento. A estrutura acusatória está adstrita assim ao Princípio da vinculação temática, o que significa que o Juiz de Julgamento está tematicamente vinculado aos factos que lhe são levados pela entidade que acusa. Daí ser importante verificar o momento em que se fixa o objeto do processo que será no momento em que o Ministério Público deduz a acusação ou quando é requerida por parte do assistente a abertura de instrução. Assim, a estrutura acusatória do processo exige para além da diferença entre a entidade que acusa e a que julga, que o julgador esteja “(...) vinculado ao tema do processo que lhe é trazido pelo acusador. O Juiz do julgamento só pode pronunciar-se sobre

os factos que lhe são trazidos, em princípio, pelo Ministério Público(...).”16

17

12 (DIAS, 2004 p. 64). 13 (SILVA, 2017 p. 63 e 64).

14 (SILVA, 2010, 6ª edição p. 76) “assim, é nula a pronúncia na parte em que pronuncie o arguido por factos que constituam alteração substancial dos descritos na acusação ou no requerimento para abertura da instrução (artigo 309.º CPP) e é também nula a sentença que condene por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia (artigo 379.º, CPP)”.

15 (NEVES, 1968 p. 34 a 43). 16 (BELEZA, 1993 p. 51 e 52). 17 (SILVA, 2010, 6ª edição p. 76 e 77).

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18

Neste seguimento, importa referir um dos princípios basilares do objeto do processo – o principio da indivisibilidade – que se resume no dever que recai sobre o Tribunal em “conhecer e julgar o objeto que lhe foi proposto («Thema decidendum» e «Thema probandum») na sua totalidade,

isto é, unitária e indivisivelmente.” 18. FIGUEIREDO DIAS faz também

referência, perfilhando que, o objeto do processo é “um recorte, um pedaço da vida, um conjunto de factos em conexão natural (…) analisados em toda a sua possível relevância jurídica, ou seja, à luz de todos os juízos jurídicos pertinentes. O objeto do processo será (…) uma questão-de-facto integrada

por todas as possíveis questões-de-direito que possa suscitar.”19

Relativamente ao objeto da presente dissertação, as declarações de co-arguido em audiência de julgamento, e a sua relação com o presente

modelo20, diz respeito exatamente ao facto de o arguido só poder ser

acusado pelos factos essenciais em relação aos quais foi interrogado nos autos, o que implica que não o tendo sido, não pode ser acusado por outros, pois é a acusação que limita o objeto do processo.

DAMIÃO DA CUNHA diz que, no processo de estrutura acusatória, a audiência de julgamento e a produção de prova assumem um lugar central no Processo Penal. A produção de prova, que deve servir para fundamentar a convicção do julgador, tem de ser realizada na audiência e segundo os princípios naturais de um processo de estrutura acusatória: imediação, oralidade e contrariedade. Sendo que a derrogação destes princípios só pode acontecer excecionalmente quando justificada por determinados circunstancialismos e regulada segundo o princípio de concordância

prática21.

GERMANO MARQUES DA SILVA, neste enquadramento, faz referência a outro princípio que decorre do modelo de estrutura acusatório

18 (TENREIRO, 1987 p. 1002). 19 (DIAS, 2004 p. 145).

20 Cfr. n.º 1, do artigo 272.º, do CPP. 21 (CUNHA, 1997 p. 405 e 406).

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do Processo Penal português que é o princípio da lealdade, que consiste, numa “maneira de ser da investigação e obtenção das provas em conformidade com o respeito dos direitos das pessoas e a dignidade da justiça. A lealdade significa uma postura compatível com o nosso sistema

constitucional democrático”22.

É deste último princípio que resulta a conhecida exigência do

processo penal, o chamado processo equitativo23 ou “processo justo” e a

garantia dos meios de defesa.

O conceito de "processo equitativo" está consagrado no artigo 6.º da CEDH, e resulta também do n.º 4, do artigo 20.º da CRP, que compreende o conjunto de direitos que as pessoas gozam, abrangendo assim o direito à publicidade, o direito ao contraditório, o direito à igualdade de armas, o direito de presença, e o direito ao julgamento da causa em prazo razoável. Segundo GERMANO MARQUES DA SILVA, o conteúdo mínimo do processo equitativo ou julgamento justo corresponde ao axioma norte americano “due process of law”, que se caracteriza por uma adequate notice (natureza e os motivos da acusação); um fair hearing (procedimento leal na formação do juízo); e um Juiz imparcial relativamente ao objeto do processo que não dê a alguma das partes um tratamento favorável ou

desfavorável. 24

Nas palavras de PAULO DÁ MESQUITA, “o princípio da imediação

representa o contacto direto do Juiz com a prova”25 sendo “uma forma de

concretização do contraditório26, e implica que as declarações processuais

22 (SILVA, 2010, 6ª edição p. 83 a 85).

23 O princípio do processo equitativo, tem assento legal no artigo 6.º da CEDH e tem um grande desenvolvimento jurisprudencial no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem sob o brocardo nemo tenetur se ispum accusare. Um dos corolários do nemo tenetur é precisamente o Direito ao Silêncio.

24 (SILVA, 2010, 6ª edição p. 84 e 85). 25 (MESQUITA, 2011 p. 294).

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apenas valem para efeitos de formação da convicção do Tribunal se tiverem

sido produzidas na audiência”27.

A imediação é o que permite, como foi definido pelo STJ28, “a análise

conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e das lacunas, das contradições, hesitações e inflexões da voz (…) que porventura transpareçam em audiência, das mesmas declarações e depoimentos”. E ainda pelo mesmo Tribunal “a possibilidade de os julgadores captarem, nos silêncios, nos tons de voz, nos gestos, nas expressões faciais, o sentir de quem declara, conferindo-lhes mais ou menos credibilidade, constitui justamente uma das virtudes da imediação que preside à audiência de julgamento em primeira

instância.”29.

PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE30 defende que “o princípio da

imediação é uma garantia da defesa e é também uma garantia da própria sentença, protege ambos arguido e assistente.”.

Podemos assim concluir que os princípios da oralidade e da imediação são instrumentos de realização do contraditório, sendo garantidos para a fase da audiência de julgamento.

Agora vejamos os princípios que estão diretamente ligados com a matéria de prova subjacentes ao Processo Penal. Uma vez que estamos perante um tema relativo à prova importa antes de mais definir este conceito:

Nos termos do artigo 341.º do CC, as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos. Este termo é utilizado em três situações distintas e com significados distintos em cada uma das três situações. Ora vejamos, é utilizado como atividade probatória, em que se

27 (MESQUITA, 2011 p. 300).

28 Acórdão do STJ, processo n.º 05A2007, de 20/09/2005, Relator: Fernandes Magalhães, disponível em www.dgsi.pt.

29 Acórdão do STJ, processo n.º 2864/08, de 15/10/2008, Relator: Raul Madeira, disponível em www.dgsi.pt. 30 (ALBUQUERQUE, 2011 p. 914).

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traduz no ato ou complexo de atos que tendem a formar a convicção da entidade decisora sobre a existência ou inexistência de uma determinada situação factual; como resultado, onde está em causa a convicção da entidade decisora formada no processo sobre a existência ou não de uma dada situação de facto; e por último , como meio, sendo aqui um

instrumento probatório para formar aquela convicção.31

1) Do In Dubio Pro Reo

“o princípio in dubio pro reo arranca da ideia segundo a qual a liberdade pessoal é um bem inestimável e infungível. Por isso, mais vale inclusivamente, na dúvida, andar um

criminoso à solta, do que estar um inocente na cadeia” 32.

Segundo CRISTINA BISSACO, o princípio do in dubio pro reo teve

origem no tratado de Traiano (98-117 d.C.) que refere "Sed nec de suspicionibus debere aliquem damnari divus Traianus Adisidio Severo rescripsit: statius enim essi impunitum delinqui facinum nocentis quam

inocentem condemnari".33

Significa que no caso de existir somente meras suspeitas é preferível um arguido livre do que um inocente na cadeia. O que leva a crer que a mera suspeita seria a causa para a absolvição do arguido.

Contudo, foi na idade pós-clássica (IV e V, d.C.), por influência do Cristianismo («favor miserarum» e «l`humanitas»), que este princípio surgiu em massa. Teodósio I em 380 d.C. exerceu sobre os cristãos uma certa tolerância que levou a religião crista a ser a religião oficial do reino e a

31 (SILVA, 2008 p. 110). 32 (PIMENTA, 1989 p. 214). 33 (BISSACO, 2008 p. 12).

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partir desse momento a igreja entrou na vida e na organização social do

Estado, e, por conseguinte, no direito.34

Em Portugal, o princípio in dubio pro reo decorre do princípio de

inocência, previsto no n.º 2, do artigo 32.º35, da CRP, o qual determina:

todo o arguido se presume inocente até ao transito em julgado da sentença de condenação. No entanto, podemos encontrar algumas referências indiretas no CPP, nomeadamente nos artigos 61.º e 261.º.

De forma sucinta este princípio consubstancia-se em o tribunal não

poder ficar com um non liquet36, ou seja, se o tribunal, depois de produzir

todos os meios de prova, ficar com uma dúvida razoável a (doubt for which reasons can be given) não poderá dar como provados os factos constantes da acusação – decida pro reo, e dar como não provado os factos que lhe

são desfavoráveis. 37

A dúvida a que se refere é uma dúvida que impede sobre a livre convicção do juiz, é uma dúvida positiva, uma dúvida racional que ilide a

certeza contrária.38 Sendo assim uma garantia subjetiva do arguido uma

vez que impos ao juiz que este decida de forma favorável ao arguido quando

não tiver a certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa. 39

Este princípio consubstancia-se no modo como o tribunal deve valorar as provas presentes em sede de julgamento e decidir com base nestas. Logo, se face às provas apresentadas, o tribunal não ficar convicto de que o arguido é culpado, deverá absolvê-lo, e é neste seguimento que se refere a ligação entre este princípio e o princípio da inocência.

34 (BISSACO, 2008 p. 12).

35 Todo o arguido se presume inocente até ao transito em julgado da sentença de condenação, nos termos da 1.ª parte, do n.º 2, do artigo 32.º, da CRP.

36 (SILVA, 2010, 6ª edição p. 84). “A dúvida sobre a responsabilidade é a razão de ser do processo. O processo nasce porque uma dúvida está na sua base e uma certeza deveria ser o seu fim. Dados, porém, os limites do conhecimento humano, sucede frequentemente que a dúvida inicial permanece a dúvida final, malgrado todo o esforço para a superar. Em tal situação, o princípio político-jurídico da presunção de inocência imporá a absolvição do acusado já que a condenação significaria a consagração de um ónus de prova a seu cargo, baseado na prévia admissão da sua responsabilidade, ou seja, o princípio contrário ao da presunção de inocência”. 37 (CARVALHO, 2013 p. 24 e 25).

38 (MONTEIRO, 1997 p. 166). 39 (CANOTILHO, 2014 p. 519).

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Por tudo isto, o princípio do in dubio pro reo é o que chamamos

recorrentemente de dúvida razoável. E, neste seguimento, o problema que se coloca é saber se esta dúvida compreende matéria de facto ou também matéria de direito.

COSTA PIMENTA perfilha da ideia de que esta deve abarcar as duas. Em sentido contrário, FIGUEIREDO DIAS refere que “… a persistência de dúvida razoável após a produção da prova tem de atuar em sentido favorável ao arguido e, por conseguinte, conduzir à consequência imposta no caso de se ter logrado a prova completa da circunstância favorável ao

arguido”40. Faz saber que este princípio vale só “… em relação à prova da

questão de facto e já não a qualquer dúvida suscitada dentro da questão de direito: aqui a única solução correta residirá em escolher não o entendimento mais favorável ao arguido, mas sim aquele que juridicamente

se reputar mais êxito.”41.

PAULA MARQUES DE CARVALHO42 também perfilha desta última

opinião, afirmando que este princípio só tem que ver com a questão de facto, “não tendo aplicação no caso de alguma dúvida assaltar o espírito do Juiz acerca da matéria de direito.”.

Em suma, “o princípio em causa apenas se refere à decisão sobre a prova dos factos e não à interpretação e aplicação do direito, quando a solução seja jurídica interpretativamente duvidosa. Neste caso, não se pode aceitar a solução mais favorável ao arguido, antes se deverá sempre impor a solução exata e justa”43.

E neste seguimento, o tribunal ao valorar as declarações incriminatórias de co-arguido em sede de julgamento sendo uma prova válida, que por sua vez advém daquele que teve uma intervenção direta nos factos, não colocará, no nosso entendimento, a boa decisão da causa, uma

40 (DIAS, 2004 p. 215). 41 (DIAS, 2004 p. 146).

42 (CARVALHO, 2013 p. 24 e 25). 43 (NEVES, 1968 p. 55).

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vez que o tribunal com aquela declaração pode ficar esclarecido, esgotando com a dúvida que deu origem aquele processo.

2) Da investigação ou da verdade material

“A natureza não tem limites, mas todo o sistema de direito positivo, deve, com base política, prescrever fronteiras artificiais (…), com o efeito de se excluir prova em determinados, dentro de circunstâncias especiais, em regra com fundamento em

utilidade ou conveniência.”44

O princípio de um julgamento norteado pela investigação judicial está presente na doutrina processual portuguesa desde o segundo quartel do século XX, associado ao conceito da verdade material.

Segundo PAULO DÁ MESQUITA, ideia que se partilha, este princípio é tão só “um fator determinante dos poderes-deveres probatórios do tribunal de julgamento no quando do objeto processual previamente definido, método epistémico que compreende um pressuposto

ético-jurídico: o fim, a verdade e a punição apenas dos culpados”. 45

O Processo Penal Português tem um modelo de estrutura

acusatório46 mitigado com o princípio da investigação. O Juiz não é

44 (MESQUITA, 2011 p. 264). 45 (MESQUITA, 2011 p. 186 a 293).

46 (SILVA, 2010 p. 128 e 129). “num processo de estrutura acusatória pura o tribunal deveria limitar-se à apreciação das provas que lhe fossem apresentadas pela acusação e pela defesa, com o que assumiria inteiramente a posição de terceiro «super partes», indiferente à verdade histórica, mas apenas interessado na «verdade» que resultasse da discussão da prova apresentada pela acusação e pela defesa e por ambas produzida perante o tribunal. Fixado o tema da prova pelas alegações de facto da acusação e da defesa, a estes sujeitos processuais competiria também aduzir os meios para prova dessas alegações. A decisão judicial estaria absolutamente limitada pelas alegações de facto da acusação e da defesa, fixando o objecto do processo e da prova, por uma parte, e pela prova carreada por estes sujeitos processuais, por outra parte; por isso que a «verdade processual» seria uma verdade formal, tanto mais que o objecto da prova seria apenas constituído pelas alegações de facto e a prova dessas alegações também exclusivamente produzida pela acusação e defesa (iudex iudicare debet secundum aleegata et probata partium). Um tal sistema, se é teoricamente aceitável quando se reconheça uma efetiva igualdade de possibilidades por parte da acusação e da defesa, não o é certamente quando a desigualdade existe na prática e na grande maioria dos casos ou, pelo menos, quando se aceita que essa desigualdade possa acontecer e é mesmo provável que aconteça em muitos casos, como a experiência das defesas oficiosas o comprova. Acresce que em razão da natureza e fins da própria sanção penal se considera insatisfatória a mera «verdade formal» e insuportável admitir-se que alguém possa ser punido penalmente apenas por insuficiência de defesa. Seria eticamente insuportável que tendo o tribunal de decidir

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passivo, nem se limita a valorar o que lhe é trazido pelos sujeitos

processuais, não pode ficar com um non liquet resultante das provas

produzidas pelos intervenientes processuais, é imperativo ultrapassar o estado de incerteza. Ora, este princípio é também um princípio geral da prossecução processual e um princípio geral da prova.

O princípio da investigação centra-se na questão probatória e confere ao Tribunal o domínio dos temas de prova que hão de ser tratados em Tribunal. O Tribunal nos termos do n.º 2, do artigo 340.º, para além do dever de atender aos meios de prova oferecidos tanto pela acusação como pela defesa, o Juiz pode ainda ordenar a produção de quaisquer outros, ou

seja, o Juiz tem em si um poder-dever47, conforme a conjugação das alíneas

a) e b), do n.º 1, do artigo 323.º e o n.º 1, do artigo 340.º, ambos do CPP, de investigar e de prosseguir com incessante busca pela verdade material e, consequentemente, à boa decisão da causa. No entanto, o Juiz tem como limitação o objeto do processo como foi referido anteriormente.

Há que relembrar que apesar desta limitação não temos um Juiz passivo, impávido e sereno, somente a “assistir ao duelo judiciário entre a

acusação e a defesa, que esgrimem as suas armas”48.

No que diz respeito à verdade material ou verdade processual esta é uma verdade que não é obtida a todo preço, mas sim processualmente

válida.49 Podemos dizer que a verdade a nível jurídico-penal não passa de

sobre a culpabilidade do arguido a convicção dos juízes tivesse de ser formada considerando apenas as provas produzidas pela acusação e defesa o que certamente geraria mais situações de dúvida. O Estado, a comunidade, não tem um interesse oposto ao do arguido, antes lhe interessa exclusivamente a realização da Justiça: a condenação do culpado e a absolvição do inocente. Esse interesse pode e deve ser prosseguido por todos os órgãos de administração da justiça, nomeadamente pelo MP e pelo tribunal. Por isso que, desde logo, o Ministério Público não intervenha no processo como «parte» e tenha o dever de estrita objetividade, buscando no processo a decisão justa, e por isso também que não se limite o tribunal na procura da verdade, antes se lhe imponha o encargo de procurar a verdade histórica, para melhor realização da justiça, suprindo assim, demais sujeitos e intervenientes processuais, podendo para tanto ordenar a produção de todos os meios de prova que considere necessários para a descoberta da verdade e da boa decisão da causa e com a mesma finalidade intervir na produção da prova apresentada pelos demais sujeitos processuais. Diz-se agora, por contraposição ao sistema em que o tribunal deve ser passivo na aquisição e produção da prova, que se busca a verdade material.”. 47 (DIAS, 2004 p. 192). “(…) o princípio da investigação pretende-se traduzir antes o poder-dever que ao tribunal incumbe de esclarecer e instruir autonomamente, mesmo para além das contribuições da acusação e da defesa, o «facto» sujeito a julgamento, criando aquele mesmo as bases necessárias à sua decisão.”.

48 (RODRIGUES, 1991). 49 (MENDES, 1961 p. 741).

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um ideal, impossível de atingir na prática, uma vez que o processo penal evolui com os ideias políticos e sociais. Assim, de acordo, com CONDE

MONTEIRO50, “a verdade do direito penal é uma verdade contextualizada,

que pode ou não coincidir com outro tipo de verdades ou mesmo com a ideia e verdade presente no seu escopo”.

O princípio da verdade material impõe ao tribunal que, por si só e sem ter que esperar por contributos alheios, proceda à produção de prova dos factos que são sujeitos ao seu julgamento por forma a que através dela tente alcançar a sua exata reconstituição e, consequentemente, a verdade acerca deles.

Afirma CAVALEIRO DE FERREIRA, “não há uma verdade formal e uma

verdade material; mas somente a verdade”. 51 E segundo este, não se

deveria tratar por verdade formal ou uma verdade material, mas sim por dois princípios: princípio formal e princípio material, acerca da verdade. Assim a verdade em processo penal seria só uma, a verdade, e o que se colocaria em causa seria a “natureza processual do meio de obter a verdade”.

Já PAULO SARAGOÇA DA MATTA52 diz que a “a verdade formal é a

verdade processualmente demonstrada por recurso às provas carreadas para os autos, sujeita a todos os limites que, por definição, tem o espirito humano na tentativa de conhecer e compreender o real, e ainda por aqueles que decorrem da própria vontade do legislador de tutelar os direitos dos cidadãos”. E a verdade processual ou material para este autor é aquela que os recursos da justiça e os limites impostos à ação da lei lograram alcançar. Daí o entendimento, que seria falsário conhecer-se em tribunal uma só verdade, porque os sujeitos processuais vêm a juízo apresentar

50 (MONTEIRO, 2009 p. 330 e 331). 51 (FERREIRA, 1981 p. 50). 52 (MATTA, 2004 p. 230 e 231).

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articuladamente factos “que, se articulados de modos sensivelmente diferentes, levariam a demonstrações de carácter oposto”.

Ao dizer-se que a verdade processual é uma verdade material e não absoluta, é a forma que o Processo Penal encontra de se aproximar da realidade, uma vez que o tribunal na busca incessante pela verdade encontra diversas limitações, nomeadamente os limites que condicionam a aquisição e valoração da prova, com respeito às normas legais e aos princípios gerais de direito. O julgador procura a verdade histórica no sentido de saber quais são os factos e como se sucederam no tempo e no espaço, e não se pode exigir que este o faça pela busca da verdade absoluta, porque isso levaria a um sistema arbitrário, sem limites quanto à procura da verdade, caminho esse que não é compatível com a natureza acusatória do processo penal.

Importa referir que as provas e os factos que são dados ao processo não podem garantir resultados de absoluta certeza, pelo que devemos contentar com nos aproximar mais possível da verdade objetiva. Ora,

GERMANO MARQUES DA SILVA53, diz mesmo que é “impossível alcançar a

verdade pois que sendo o conhecimento uma construção mental sem conexão necessária com os fenómenos do mundo real, não se pode configurar um conhecimento verdadeiro de um facto.”

Esclarece FIGUEIREDO DIAS54 que a verdade material deve ser

entendida tanto como uma “verdade subtraída à influência que, através do seu comportamento processual, a acusação e a defesa queiram exercer sobre ela;” e como uma verdade que, “não sendo “absoluta”, há-de ser antes de tudo uma verdade judicial, prática e, sobretudo, não uma verdade obtida a todo o preço mas processualmente válida”.

53 (SILVA, 2010 p. 231). 54 (DIAS, 2004 p. 131).

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O TRL55, no acórdão de 13 de fevereiro 2013 relatado por CARLOS

ALMEIDA, diz que “nas questões humanas não pode haver certezas.” A verdade enunciada, a verdade do processual, é aquela que resulta da prova processualmente válida, ou seja, obtida por meios processualmente válidos, “enquanto declaração da violação de interesses

comunitários”56, que não é de todo, obtida a qualquer custo.

3) Da livre apreciação da prova

Surgiu pós-revolução francesa como oposição às provas legais, tendo sido um ponto crucial na transição do modelo inquisitório para um modelo

acusatório do processo57. Foi nos meados do século XIX, com a corrente

liberal, que se implementou em Portugal a Prova Livre baseada na livre convicção do Juiz.

Este princípio está hoje previsto no artigo 127.º, do CPP, que estabelece “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras de experiência e a livre convicção da entidade competente”. Por outras palavras, podemos dizer que, fora as proibições de prova previstas na lei, não existem critérios valorativos de prova nem uma hierarquização dos meios de prova, pois o que ao processo penal interessa é o conhecimento amplo dos factos, que é avalizado através da busca da verdade, verdade esta que se deve aproximar, o quanto possível,

55 Acórdão do TRL, Processo: 256/10.0GARMR.L1-3, de 13/02/2013, Relator: Carlos Almeida, disponível em www.dgsi.pt.

56 (SANTOS, 2003 p. 60).

57A livre convicção pode no entanto conceber-se em ambos os modelos, vejamos para um “a liberdade significa que a descoberta da verdade é um objetivo tao alto que não suporta entraves e demoras, dendo perseguir-se com todos os instrumentos capazes de alcançar aquele objetivo (…) o método probatório é visto, não como um limite necessariamente posto ao poder do juiz, mas antes como um instrumento entregue à sua própria disponibilidade.” (SEIÇA, 1999 p. 163) Citação: NOBILI, Il princípio, pág. 23 e 24; E por outro lado, existe uma perspetiva diversa, que considera tao essencial como a descoberta da verdade e a repressão da criminalidade a forma pela qual esse objetivo se incrementa. (SEIÇA, 1999 p. 163).

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da certeza de uma probabilidade de certeza dos factos se terem verificado de determinada forma, como analisado no ponto anterior. A livre convicção constitui assim um meio de descoberta da verdade, não uma afirmação infundamentada da verdade, ou seja, uma conclusão livre, porque subordinada à razão e à lógica, e não limitada por prescrições formais

exteriores.58 Vai de acordo com a estrutura processual de cada Estado, de

acordo com o método probatório.

Esta livre convicção tem de ser fundada através de uma apreciação

sujeita a discricionariedade legal59.

A liberdade de prova “não é, nem deve implicar nunca o arbítrio, ou sequer a decisão irracional, puramente impressionista-emocional que se furte, num incondicional subjetivismo, à fundamentação e à

comunicação”60. O tribunal deverá assim procurar valorar toda a prova de

forma racional tendo em conta as regras da lógica, da razão, de experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objetivar a apreciação,

requisito necessário para uma efetiva motivação da decisão. 61 Ainda,

PAULA MARQUES DE CARVALHO62 diz que “o tribunal não pode fazer da

sua liberdade uma aplicação discricionária e arbitrária, ou seja, decidir sem base, nem fundamentação. Ele tem o dever fundamentar as suas decisões nos termos do n.º 5, do artigo 97.º, do n.º 2, do artigo 274.º, do n.º 2, do artigo 410.º, todos do CPP e do n.º 1, do artigo 205.º, da CRP.”.

O legislador ao prever este princípio “prescreveu um sistema de motivação da decisão final e de controlo da apreciação da prova. Destarte, a prova ao permitir a “reconstrução” do iter lógico da ocorrência do facto ou dos factos, manifesta-se como pressuposto da atividade decisória do

julgador” 63, por outras palavras, “no sistema da prova livre a observância

58 (FERREIRA, 1956 p. 27). 59 (CONCEIÇÃO, 2009 p. 42). 60 (NEVES, 1968 p. 53). 61 (DIAS, 2004 p. 141 e 142). 62 (CARVALHO, 2013 p. 24). 63 (NEVES, 2011 p. 91).

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30

das regras da experiência e dos critérios da lógica são, obrigatoriamente,

os seus pressupostos valorativos”.64

“A valoração da prova demonstra uma dinâmica axiológica a cargo

do próprio julgador”65.

Em 2010, PAULO DE SOUSA MENDES66 considerou este sistema

como um “símbolo de modernidade”, referindo que a prova livre é hoje o julgador moderno. Adverte que “o julgador moderno tem, cada vez mais, de produzir abundante fundamentação dos seus juízos probatórios. Para o efeito ele faz apelo não só aos meios de prova científicos, mas também às chamadas regras da experiência”.

Estas regras de experiência são juízos hipotéticos independentes do caso em concreto, assentes na experiência comum, “e por isso independentes dos casos individuais em cuja observação se alicerçam, mas

para além dos quais têm validade”67. Acabam por desencadear presunções

judiciais, que não estão estabelecidas na lei que se baseiam apenas na

experiência de vida68, daí ficarem sujeitas à livre apreciação do Juiz.

Refere PAULO SOUSA MENDES que estas têm “uma função instrumental no quadro de uma investigação orientada para os factos individuais.” “(...) O Juiz historiador tem que reconstituir um facto individual que ele mesmo não percepcionou. Na melhor das hipóteses, o Juiz historiador conseguirá ainda assim ter acesso a fragmentos da matéria de facto”. “Na maior parte das vezes o Juiz historiador terá de lançar mão de um procedimento indiciário, recorrendo à perceção de meros factos

probatórios através dos quais procurará provar o facto principal.”69

64 (FERREIRA p. 228). 65 (NEVES, 2011 p. 57). 66 (MENDES, 2009 p. 1002). 67 (FERREIRA, 1956 p. 30). 68 (MENDES, 2010 p. 1003 a 1011). 69 (MENDES, 2009 p. 1002 a 1004).

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31

Como se sabe, a prova indiciária é aquela que permite a passagem do facto conhecido ao facto desconhecido. É neste campo que as regras da experiência se tornam necessárias, na medida em que ajudam à realização dessa passagem.

A livre valoração da prova não deve nunca “ser entendida como uma operação puramente subjetiva pela qual se chega a uma conclusão unicamente por meio de impressões ou conjeturas de difícil ou impossível objetivação, mas valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objetivar a apreciação, requisito

necessário para uma efetiva motivação da decisão”7071, isto é, não é de

todo como já referido uma valoração de prova arbitrária. Mais, acresce

FIGUEIREDO DIAS72 que esta é “... uma convicção pessoal - até porque

nela desempenha um papel de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais, mas em todo o caso, também ela uma convicção objetivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros .”

Conforme PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE73, o legislador, ao

conferir poder ao Juiz para apreciar livremente a prova, colocou-lhe três limitações internas nomeadamente, o grau de convicção requerido para a decisão, a proibição de meios de prova e a observância do princípio da presunção da inocência; e uma limitação externa, que é a observância do princípio in dubio pro reo.

Sendo que os limites internos são os que estão diretamente ligados ao exercício da apreciação da prova, condicionando a formação da

convicção e da descoberta da verdade; já a observância do princípio in

70 (SILVA, 2010 p. 126).

71 Acórdão do TC, Processo n.º 96-0142, de 19/19/1996, Relator: Monteiro Diniz, disponível em www.dgsi.pt. 72 (DIAS, 2004 p. 203 a 205).

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dubio pro reo é o que condiciona o resultado da apreciação. Todos estes devem atendidos pelo tribunal na medida em que “este princípio concretiza os princípios constitucionais do Estado de Direito, da separação e interdependência dos poderes e da interdependência dos tribunais

consagrados nos artigos 2.º e 203.º, ambos da CRP.”74

Perfilhamos da ideia de que o Juiz tem de deter enquanto decisor o poder discricionário uma vez que não faria sentido permitir a valoração da prova por critérios restritos e expressamente previstos na lei, o que levaria a erros judiciários. Vejamos, não é possível criar previsões legais que

antevejam todo o desenrolar do julgamento.75

Este pensamento permite afirmar que a livre apreciação da prova é o meio mais realista para potenciar a descoberta da verdade material. Importa referir neste seguimento que a liberdade discricionária concedida ao decisor é um ato de legalidade vinculada, ou seja, ele exerce o

poder-dever dentro dos limites da lei.76 Como diz CAVALEIRO FERREIRA, a

decisão é uma conclusão livre77, na medida em que a objetividade

decorrente da prova produzida perante o julgador é trespassada pela

natural subjetividade deste”.78

Quando se fala em valoração fala-se em demonstração da prova em

que o Juiz exerce sobre esta uma atividade de dedução intelectiva.79

Vejamos, por último, a posição perfilhada pela diversa doutrina, de FIGUEIREDO DIAS, que confere a este princípio um significado ambivalente. Por um lado, negativo, enquanto “ausência de critérios legais predeterminantes do valor a atribuir à prova”; e, por outro, positivo, na

74 (ALBUQUERQUE, 2011 p. 53). 75 (NEVES, 2011 p. 57).

76 “A segurança jurídica em sede criminal é um valor, mas forte que tem que ser assegurado em detrimento da estipulação de uma liberdade discricionária - que naturalmente sofre a restrição da realização daquele valor, quando em causa esteja a liberdade da pessoa humana, dada a consequente natureza gravosa das sanções penais”. (NEVES, 2011 p. 126)

77 (FERREIRA, 1956 p. 298). 78 (NEVES, 2011 p. 17). 79 (POÇAS, 2007 p. 42).

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medida em que se traduz numa “liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada “verdade material” –, de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, reconduzível a critérios objetivos e,

portanto, em geral suscetível de motivação e de controlo ...”80, que acaba

por sintetizar o mesmo.

O princípio da livre apreciação da prova assume especial relevância na audiência de julgamento, encontrando afloramento, nomeadamente, no artigo 355.º do CPP. É aí que existe a desejável oralidade e imediação na produção de prova, na receção direta de prova.

Relativamente à sua relação com as declarações de co-arguido em desfavor de outro co-arguido, em fase de julgamento, vejamos o acórdão

do TRP, de 16-09-201581: “as declarações do co arguido fora do caso

expresso no n.º4 do artigo 345.º CPP não podem deixar de estar sujeitas às regras de apreciação da prova: a livre apreciação tal como lhe é imposto pelo artigo 127.º CPP, - pelo que tudo se resume a uma questão de credibilidade do seu valor probatório, sem prejuízo de se exigir ao tribunal estar ou se manter alerta sobre as razões e motivação de tal depoimento incriminatório, sendo nessa apreciação que incide sempre a atividade do tribunal na apreciação de qualquer prova. De outro modo estar-se-ia perante uma conduta que a lei não admite, (…) Assim em face da letra da lei e da evolução jurisprudencial já não se mostra razoável questionar a validade das declarações do co arguido, posto como expressa o Ac da RP de 19/09/2012, proc. 720/11.4PAOVR.P1, in www.dgsi.pt Desemb. Francisco Marcolino “o arguido respondeu a todas as perguntas que lhe foram formuladas.” pelo que as declarações desfavoráveis a outro arguido podem ser valoradas, à luz do princípio da livre apreciação da prova.”

80 (DIAS, 2004 p. 202 e 203).

81 Acórdão do TRP, processo n.º 252/11.0JAAVR.P1, de 16/09/2015, relator: José Carreto, disponível em www.dgsi.pt.

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Face ao exposto e partilhando as palavras de MEDINA DE SEIÇA82

“(…) o aplicador, dentro da sua margem de apreciação livre, pode condenar um co-arguido baseado exclusivamente nas declarações de outro arguido. Julgamos, no entanto, que se torna possível, descortinar para além do geral bom-senso (que não sendo critério legal é factor não despiciendo na aplicação do direito), elementos normativos que justificam o apelo à regra da corroboração das declarações do co-arguido na parte respeitante à responsabilidade de outro arguido, corroboração que surge, repetimos, como momento integrador do juízo valorativo dessa informação probatória.”.

As declarações do co-arguido, ainda que relativas aos factos constitutivos da responsabilidade criminal do outro, são valoradas nos termos gerais do artigo 127.º, quer dizer, «segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente». E deste modo, não havendo expressa previsão no sentido contrário, é possível utilizar, como material probatório fundante da decisão, a informação prestada por um co-arguido, ainda que não se mostre corroborada. O que permite ao aplicador dentro da sua margem de apreciação livre poder condenar um co-arguido baseado exclusivamente nas declarações de outro arguido. No entanto, é de entendimento geral que a corroboração dessas declarações integrem o juízo valorativo dessa informação probatória.

A livre convicção do julgador traduz-se na possibilidade de este atribuir peso probatório a cada meio de conhecimento sem estar vinculado de antemão a critérios legais. O Juiz pode dar maior crédito ao depoimento do co-arguido do que ao de uma ou várias testemunhas, sem necessidade de qualquer tábua de graduação ao estilo da aritmética probatória do modelo das provas legais, uma vez que, a livre apreciação da prova traduz-se exatamente pela “ausência de critérios legais predeterminados do valor

a atribuir à prova”83, contudo, não descuramos que o Juiz nesta avaliação

82 (SEIÇA, 1999 p. 206 e 207). 83 (DIAS, 1988 e 1989 p. 139)

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não pode ignorar que não há uma total nivelação de todas fontes de convencimento, que as razões de convencimento têm graus diferentes e que a eficácia persuasiva não é alheia à fonte de onde nasce. Se assim não for e entendermos que apenas o julgador pode valorar, ou seja, atribuir valor de convencimento a cada resultado probatório, então passamos a ter

uma “total nivelação de todas as fontes de convencimento.”84.

4) Da presunção de inocência

O significado de presunção origina-se do latim praesumptio, no qual, o verbo é “praesumera,” que se traduz na antecipação de algo que ainda não aconteceu. Inocência, provêm do latim, innocentia. O seu significado está ligado a práticas religiosas. No campo canónico, a inocência era aplicada àquele que nunca pecou, ou seja, ao indivíduo que nunca infringia as regras divinas. Com o passar do tempo e por influência do Iluminismo o termo inocência adquiriu um significado filosófico, em que uma pessoa não pode ser apontada como culpada sem antes haver uma comprovação que a incrimine.

Em 1764, CESARE BECCARIA85 aludia que “A um homem não se

pode chamar culpado antes da sentença do Juiz, nem a sociedade pode negar-lhe a sua proteção pública, senão quando se decidir que violou os pactos com os quais se outorgou. Qual é, pois, o direito, se não o da força que dá protestas ao Juiz para impor uma pena a um cidadão enquanto há dúvidas se é réu ou inocente? Não é novo este dilema: ou o crime é certo ou incerto. Se certo, não convém que se lhe aplique outra pena diferente daquelas que se encontram previstas na lei, e é inútil a tortura porque inútil

84 (SEIÇA, 1999 p. 208) 85 (BECCARIA, 1998 p. 71).

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a confissão do réu; se é incerto, não se deve atormentar um inocente, pois ele é, segundo a lei, um homem cujos delitos não estão provados”.86 Terá

sido este autor a identificar e distinguir dos demais princípios, o principio da presunção de inocência.

O princípio da presunção de inocência surgiu, do ponto de vista histórico, como resposta ao abuso exercido sobre o arguido na estrutura inquisitória do Processo Penal. Segundo EDUARDO MAIA COSTA87 a

“presunção de inocência visava defender o arguido num duplo aspeto: dos tratamentos cruéis e degradantes (tortura e outras violências não estritamente necessárias à sujeição do arguido ao processo); e da obtenção de confissões não espontâneas”.

Este princípio obteve em 1789, consagração na DUDH, no seu n.º 2, do artigo 9. °, que estabelecia: “Todo acusado é considerado inocente até ser declarado culpado e, se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente reprimido pela lei”. Em 1948, a DUDH, veio reformular este, estatuindo, no seu atual n.º1, do artigo 11.º, que “toda a pessoa acusada de um ato delituoso se presume inocente até que a sua culpabilidade fique legalmente provada no decurso de um processo público em que todas as garantias necessárias de defesa lhe sejam asseguradas”. Em 1959, o direito a julgamento equitativo é postulado no n.º 2 do artigo 6. ° da CEDH: "Qualquer pessoa acusada de uma infração presume-se inocente enquanto a sua culpabilidade não tiver sido legalmente provada". De igual modo, no Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, de 1976, estabelece-se que “qualquer pessoa acusada de infração penal é de direito presumida inocente até que a sua culpabilidade tenha sido legalmente estabelecida” (artigo 14.º, n.º 2). Já em 2000, a CDFUE estatui no seu n. º1, do artigo 48.º que “Todo o arguido

86 (BECCARIA, 1998 p. 71). 87 (COSTA, 2002 p. 66 a 70).

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se presume inocente enquanto não tiver sido legalmente provada a sua culpa.”.

Já na doutrina portuguesa a sua consagração foi difícil, denotando-se na omissão deste princípio na 1.ª edição da CRP Anotada (1978) de GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA. Este só se torna relevante na edição de 1984 onde surge como regra de valoração de prova. Hoje em dia, está previsto no n.º 2 do artigo 32.º da CRP , onde se determina: “Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa”.

Segundo FIGUEIREDO DIAS88, o princípio da presunção de inocência

é elevado à categoria dos “princípios fundamentais do processo penal em qualquer estado de direito”.

Refere ainda MARIA FERNANDA PALMA89 que este princípio no

envolto da estrutura acusatória do processo penal português é mais nada que “ […] uma regra do jogo de intervenientes em igualdade de circunstâncias a merecer constante aprofundamento”, e neste seguimento, “ […] implica que quem acuse demonstre globalmente que tem razão, segundo métodos e critérios aceites por todos, incluindo o próprio acusado”.

Em matéria de prova relativamente ao arguido em processo penal o princípio da presunção de inocência incide fundamentalmente na inexistência de um ónus probatório do arguido, no sentido de que o arguido não tem que provar a sua inocência para ser absolvido, pelo que o que carece de prova é o contrário, ou seja, a culpa do arguido, concentrando a

88 (DIAS, 2004).

Referências

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