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O ensino com pesquisa como potencializador da formação profissional e do desenvolvimento profissional docente / Research teaching as a potentializer of vocational training and teacher professional development

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O ensino com pesquisa como potencializador da formação profissional e do

desenvolvimento profissional docente

Research teaching as a potentializer of vocational training and teacher

professional development

DOI:10.34117/bjdv6n11-207

Recebimento dos originais: 03/10/2020 Aceitação para publicação: 11/11/2020

Álvaro Lima Machado

Doutor em Educação. Instituto Federal da Bahia (IFBA)/Universidade do Estado da Bahia (UNEB). E-mail: alma@uneb.br

Silvia Luiza Almeida Correia

Doutora. Universidade Federal de Sergipe (UFS). E-mail: slacorreia@hotmail.com

Maria de Cássia Passos Brandão Gonçalves

Doutora. Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB). E-mail: cassiauesb@gmail.com

RESUMO

O ensino com pesquisa tem sido amplamente discutido no meio acadêmico como estratégia privilegiada de ensino, tendo em vista o seu potencial para o desenvolvimento de competências, bem como para se estabelecer a relação entre teoria e prática na formação de futuros profissionais (CUNHA, 1996; SEVERINO, 2008; SOARES, 2013). Neste trabalho, as reflexões e as discussões acerca desta temática são realizadas a partir das representações sobre o processo de ensino-aprendizagem de docentes universitários que atuam no Curso de Ciências Contábeis. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, que teve como dispositivos de recolha de dados, entrevistas semiestruturadas e narrativas profissionais. Os achados foram analisados sob a ótica das representações sociais de Moscovici (2009) e da análise de conteúdo de Bardin (1977). Embora haja um reconhecimento por parte dos docentes universitários acerca da importância do ensino com pesquisa, de modo geral, os resultados sinalizam que o seu caráter didático-pedagógico, isto é, voltado para os objetivos de formação, ainda estão distantes do contexto de algumas práticas docentes. A pesquisa quando incorporada ao ensino, geralmente, tem sido assumida numa perspectiva de estudo bibliográfico, como apreensão de um produto, estando a serviço exclusivamente da teoria. Ou, ainda, com a intenção de ensinar técnicas voltadas para aprender como elaborar artigos científicos. Aspectos necessários à formação, mas não suficientes para o desenvolvimento do protagonismo, da autonomia e do espírito crítico do estudante. Percebe-se que a formação inicial dos docentes universitários pautada numa abordagem positivista de ciência, na predominância de uma cultura docente transmissiva e centrada nos conteúdos teóricos e, também, na ausência de políticas institucionais de formação docente, ou seja, ações que atentem para o núcleo da pessoa do docente, crenças, concepções, atitudes e valores que condicionam suas práticas sociais e pedagógicas, constituem-se nos principais desafios para o desenvolvimento do ensino com pesquisa nos cursos de graduação. Conclui-se, portanto, que há necessidade das universidades investirem em projetos de desenvolvimento profissional docente para além de cursos, seminários e palestras, utilizando estratégias formativas que propiciem aos docentes universitários assumirem a indagação, a dúvida e a reflexão como elementos do seu processo formativo.

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Palavras-chave: Ensino com pesquisa, Formação profissional, Desenvolvimento profissional docente. ABSTRACT

Teaching with research has been widely discussed in the academic environment as a privileged teaching strategy, in view of its potential for the development of skills, as well as to establish the relationship between theory and practice in the training of future professionals (CUNHA, 1996; SEVERINO, 2008; SOARES, 2013). In this work, reflections and discussions on this theme are carried out based on representations about the teaching-learning process of university professors who work in the Accounting Sciences Course. It is a qualitative research, which had data collection devices, semi-structured interviews and professional narratives. The findings were analyzed from the perspective of Moscovici's social representations (2009) and Bardin's content analysis (1977). Although there is a recognition on the part of university professors about the importance of teaching with research, in general, the results indicate that its didactic-pedagogical character, that is, aimed at training objectives, is still far from the context of some practices teachers. Research, when incorporated into teaching, has generally been assumed in a bibliographic study perspective, as the apprehension of a product, being at the service of theory alone. Or, still, with the intention of teaching techniques aimed at learning how to prepare scientific articles. Aspects necessary for training, but not sufficient for the development of the student's role, autonomy and critical spirit. It is clear that the initial training of university teachers based on a positivist approach to science, in the predominance of a transmissive teaching culture and centered on theoretical contents and, also, in the absence of institutional policies for teacher training, that is, actions that focus on the core of the teacher's person, beliefs, concepts, attitudes and values that condition their social and pedagogical practices, constitute the main challenges for the development of teaching with research in undergraduate courses. It is concluded, therefore, that there is a need for universities to invest in teacher professional development projects in addition to courses, seminars and lectures, using training strategies that enable university professors to assume the question, the doubt and the reflection as elements of their training process .

Keywords: Teaching with research, Professional qualification, Teacher professional development.

1 INTRODUÇÃO

As recentes mudanças ocorridas na sociedade, decorrentes do fenômeno da globalização e da internacionalização da economia, alinhado aos avanços das tecnologias da informação e da comunicação; ao processo de democratização do acesso à universidade; às exigências por parte do mercado de um trabalhador mais qualificado e polivalente, capaz de se adaptar, se relacionar e articular saberes, dentre outros aspectos, têm demandado novos desafios à docência universitária. Desafios que estão relacionados tanto às dificuldades de aprendizagem, de leitura e de interpretação de texto; de desenvolvimento de um raciocínio lógico e de capacidade para aprender; aprender a aprender; aprender a pesquisar, como também dificuldade de usar de forma adequada as novas tecnologias da informação e da comunicação no ensino e na construção de um pensamento autônomo e crítico-reflexivo.

Tais desafios, ao suscitarem a necessidade de buscar novas estratégias de ensino, capazes de contribuir para a melhoria da qualidade da aprendizagem e, consequentemente, com a formação de profissionais competentes, críticos, autônomos e éticos, têm proporcionado a alguns docentes universitários refletirem sobre a importância da articulação entre ensino e pesquisa. Haja vista a

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pesquisa ser apontada por diversos autores, Demo (2005), Soares (2013), Soares e Cunha (2010) dentre outros, como um dos caminhos em que os docentes universitários, tomando como ponto de partida sua própria prática, podem transformar situações de ensino em objetos de investigação e, assim, aproximarem-se do que Schön (1983) denomina de prática reflexiva desenvolvida através da “reflexão na e sobre a ação”. No entanto, como existem várias formas de desenvolver a pesquisa no âmbito acadêmico, passa a ser importante refletir sobre qual delas terá um maior impacto para a construção de uma pedagogia própria da docência universitária, visando à melhoria da qualidade do ensino de graduação.

Sob esse aspecto, o “ensino com pesquisa” apresenta-se como uma estratégia privilegiada de ensino, uma vez que pode, quando bem conduzida, potencializar a formação promovendo o desenvolvimento de competências cognitivas e profissionais que se tornam necessárias para colocar a teoria na ação (CUNHA, 1996; SANZ DE ACEDO LIZARRAGA, 2010; SOARES, 2013). Além disso, os conteúdos ensinados passam a fazer mais sentido para os estudantes, na medida em que se aproximam de situações concretas da prática profissional. Resta-nos saber como o ensino com pesquisa tem sido visto e assumido na prática, por docentes universitários, na perspectiva de formar, formando-se.

As reflexões e as discussões, neste artigo, são realizadas a partir da análise das representações sobre o processo de ensino-aprendizagem de docentes universitários que atuam no Curso de Ciências Contábeis em uma universidade pública federal brasileira, tendo como foco o ensino com pesquisa como potencializador, tanto da formação do profissional da contabilidade, como do próprio docente universitário. Trata-se de uma pesquisa qualitativa sob a ótica das representações sociais de Moscovici (2009), que teve como dispositivos de recolha de dados, entrevistas semiestruturadas e narrativas profissionais. Os achados foram analisados com base na análise de conteúdo de Bardin (1977).

2 ENSINO COM PESQUISA, FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DOCENTE

A pesquisa no ensino é uma das finalidades demandada à educação superior na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, no entanto, sua regulamentação no ensino de graduação, na forma da norma, só adveio com as Diretrizes Curriculares estabelecidas pelo Conselho Nacional de Educação – CNE, a partir das quais, muitos cursos de graduação, tanto de licenciatura como de bacharelado, foram impelidos a reestruturarem seus currículos. Concomitante ao movimento de reformulação dos currículos dos cursos de graduação, várias pesquisas na área de educação divulgadas no país buscavam enfatizar a importância da pesquisa na formação profissional (LÜDKE, 1993; DEMO, 2005; PASSOS, 1997; GARRIDO, 2000), contudo,

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a maioria se restringiu à formação inicial de professores, pouco se voltando para a formação de profissionais realizadas nos cursos de bacharelado. Como existem várias formas de desenvolver a pesquisa no âmbito acadêmico, torna-se importante saber qual delas terá um maior impacto na construção do conhecimento visando à melhoria da qualidade do ensino de graduação.

A pesquisa na formação de profissionais deve ser incorporada, segundo Perrenoud (1993, p.117), “como modo de apropriação ativa de conhecimentos de base em ciências humanas; como preparação para utilização de resultados da investigação em educação ou para participação no seu desenvolvimento". Dessa forma, o docente introduz no ensino elementos da pesquisa, problematizando as situações de ensino à luz de referenciais pedagógicos mais amplos, indo além da perspectiva transmissiva, ao tempo em que os estudantes desenvolvem competências; o que implica em formar, formando-se, questionando o outro e a si mesmo a respeito da realidade que os rodeiam.

O ensino com pesquisa constitui-se em uma estratégia de ensino conduzida por meio da problematização que instiga o estudante a buscar, a construir o conhecimento e a aprender a aprender. Prática que, ao se fundamentar na aprendizagem ativa, demanda dos estudantes capacidades cognitivas complexas, o que potencializa uma aprendizagem mais significativa, possibilitando sua transferência para novas situações (POZO; ECHEVERRIA, 2009). Refere-se, conforme Cunha (1996, p.32), a um ensino que incorporando as atitudes metodológicas da pesquisa e “tendo a dúvida como referência pedagógica", o estudante torna-se protagonista do seu processo de aprendizagem e o conhecimento é tomado como algo a ser construído pelos atores presentes no próprio movimento de ensino e aprendizagem. Refere-se, conforme Cunha (1996, p.32), a um ensino que incorpora atitudes metodológicas da pesquisa, “tendo a dúvida como referência pedagógica", no qual o estudante torna-se protagonista do torna-seu processo de aprendizagem onde o conhecimento é visto como algo a torna-ser construído pelos atores presentes no próprio movimento de ensino e aprendizagem.

Ao se adotar a estratégia metodológica de ensino com pesquisa, docente e estudantes são convocados a refletirem, a partir de situações desafiadoras e inusitadas, sobre as concepções, crenças e representações que condicionam suas ações (SCHÖN, 2000). Processo que pode levar a mudanças nas formas de pensar, sentir e agir, com impacto, tanto na formação do futuro profissional como no desenvolvimento profissional do docente. Este último, compreendido como um processo contínuo que implica em uma capacidade de adaptação ativa à mudança; uma forma dos docentes responderem aos contextos sociais, pessoais, profissionais, organizacionais e políticos (DAY, 2001). Em outras palavras, o desenvolvimento profissional docente corresponde a "cualquier intento sistemático de mejorar la

práctica, creencias y conocimientos profesionales, con el propósito de aumentar la calidad docente, investigadora y de gestión" (BENEDITO; FERRER; FERRERES, 1995, p.131); caracteriza-se por uma

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atitude permanente de indagação do docente frente às situações de ensino, de problematização da prática mediante perguntas e problemas em busca de suas soluções (MARCELO; VAILLANT, 2009). No entanto, incorporar o ensino com pesquisa no modus operandi da docência universitária não é uma tarefa fácil. Alguns elementos podem contribuir para explicar a dificuldade que se tem em articular a pesquisa ao ensino, sob os interesses deste último (CUNHA, 1996). Dentre esses elementos, a concepção positivista de ciência comumente presente entre os docentes se constitui como um obstáculo epistemológico (BACHELARD, 1996), vez que o conhecimento é visto como produto acabado; a disciplina intelectual é tomada como reprodução pura e simples das atitudes e experiências do docente; a memória é considerada como um privilégio para um ensino baseado nas certezas; a ênfase é dada a um pensamento convergente e, por fim, a concepção de cada disciplina é tida como território do conhecimento e lugar seguro para ter toda a matéria dada, aspectos que, por sua vez, dificultam a produção de rupturas nas próprias práticas educativas dos docentes universitários.

3 REPRESENTAÇÕES DE DOCENTES UNIVERSITÁRIOS DO CURSO DE CIÊNCIAS CONTÁBEIS SOBRE A PESQUISA NO ENSINO

Na análise dos achados, inicialmente, pode-se perceber nas representações dos docentes sobre o processo de ensino e aprendizagem, que há um reconhecimento acerca da importância da pesquisa no ensino de graduação, seja porque "pode favorecer ao estudante diversas visões. [...] em diversos ângulos para aquele assunto" (P6), porque é necessário "trabalhar mais com pesquisa em sala e nós não fazemos” (P3), ou porque é condição importante "para a formação do profissional; [...] incentivar ele a buscar a própria informação” (P2). Entretanto, não se encontram evidências, em nenhuma de suas falas, sobre a concepção e a modalidade de pesquisa que são ou podem ser assumidas em suas práticas, tampouco, explicitam como poderia ser desenvolvido este trabalho em sala de aula. O sentimento é de que os docentes, apesar de reconhecerem e valorizarem a pesquisa como estratégia de ensino, não sabem como desenvolvê-la de modo articulado com o processo de ensino e aprendizagem.

Um dos elementos que explica essa dificuldade do docente e a persistência da dicotomia entre ensino e pesquisa, segundo Cunha (2010), é a forma como a pesquisa vem sendo desenvolvida na universidade, principalmente, nos programas de pós-graduação, cursos responsáveis pela formação do docente universitário. Embora os cursos de mestrado e doutorado sejam o espaço legal para a formação do docente universitário, a pesquisa desenvolvida nesses espaços acadêmicos, na ótica de Soares e Cunha (2010), não tem uma preocupação com a prática da docência referente ao ensino; subestimam as ferramentas metodológicas da pesquisa nas suas possibilidades de atuar como um princípio educativo; nesses espaços, ainda, predomina "uma concepção restrita da docência universitária,

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centrada no domínio dos conteúdos dos campos científicos e na competência de fazer pesquisa" (SOARES; CUNHA, 2010, p. 49).

A separação entre ensino e pesquisa no contexto das práticas na universidade, termina por dificultar o desenvolvimento de atividades formativas que vá além dos conteúdos, fazendo com que os docentes se voltem para refletir coletivamente sobre suas práticas, atitudes, crenças individuais e coletivas, nas quais se encontram implicados aspectos cognitivos e metacognitivos. Também concorre nesse sentido à ausência de uma formação docente para o professor universitário, assim como, uma formação inicial estruturada a partir de uma abordagem positivista de ciência, de uma cultura docente transmissiva e centrada nos conteúdos teóricos, sem que haja uma política institucional de desenvolvimento profissional docente, o que dificulta a tomada de consciência e mudança das concepções, crenças e representações que condicionam as práticas sociais e pedagógicas dos docentes universitários.

Sob a influência da concepção positivista de ciência, os docentes reconhecem e legitimam a pesquisa como um produto a ser transmitido pelo docente e apropriado pelos estudantes na sala de aula, uma vez que são concebidos como receptores passivos (SOARES, 2013), necessitando aprender apenas o que foi historicamente acumulado. Paradoxalmente a essa perspectiva, Demo (2005, p. 78) alerta que a “pesquisa não se reduz a conhecimento de ponta, mas é, antes de tudo, ambiente de aprendizagem". Aprendizagem compreendida como um processo de construção de conhecimento, no qual a própria prática de pesquisa pode se constituir como um caminho a ser trilhado no processo de ensino e aprendizagem (SEVERINO, 2008), na medida em que estimule o debate, a problematização do conhecimento, a construção de argumentos e sua respectiva validação, o que contribui para uma formação mais ampla dos sujeitos envolvidos.

No entanto, apesar dos docentes entrevistados terem uma formação de pesquisador, no mínimo, em nível de mestrado, e demonstrarem um reconhecimento acerca da importância da pesquisa, ainda assim, manifestaram uma concepção de pesquisa associada ao ensino como algo de natureza eminentemente bibliográfica. Isso fica evidente quando revelam que nas suas orientações de ensino aos estudantes: "peço para que eles procurem em livros, revistas técnicas ou, até mesmo na internet" (P6); "mando para ele ler aquela notícia e ele já começa a se sentir também motivado a fazer essas outras buscas" (P2). Embora a pesquisa bibliográfica se constitua como etapa fundamental da pesquisa, limitar o seu objetivo no ensino a esta etapa é negar o seu potencial enquanto forma de produção de conhecimento e de desenvolvimento de competências cognitivas complexas.

Partir de uma situação desafiante da prática, problematizar, levantar hipóteses, coletar dados, construir um problema e analisá-lo à luz de referenciais teóricos, assim como escrever um texto científico corretamente, são elementos constitutivos da pesquisa que podem ser utilizados para o

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desenvolvimento de habilidades e competências cognitivas complexas pelos estudantes, estimulando os estudantes a aprenderem a investigar, pensar e escrever sobre um determinado tema, refletindo criticamente a seu respeito. São ações que possibilitam uma formação para a autonomia profissional por meio do questionamento sistemático, crítico e criativo (DEMO, 2012). Contraditoriamente, a ênfase na pesquisa bibliográfica, reafirma a crença num ensino voltado para a transmissão de conteúdos prontos, acabados, vistos como verdades inquestionáveis, ao tempo que revela a ausência de uma intencionalidade formativa numa perspectiva construtivista.

A percepção da pesquisa como instrumento a serviço da teoria para ilustrar ou complementar os conteúdos que não foram vistos em sala de aula, também, é perceptível na fala de alguns entrevistados. O que fica evidenciado nos depoimentos quando afirmam que o estudante: "ao ter entendido o assunto, pesquisou e trouxe a questão da Samarco (empresa controlada pela Vale e pela multinacional BHP que causou desastre ambiental). [...] Então o próprio aluno conseguiu entender o assunto" (P6); ou ainda, "a gente tenta melhorar a fragilidade dos alunos que entram no curso [...] eu peço a eles para desenvolverem pesquisa, alguma resenha” (P7). A concepção manifesta é de que a pesquisa deve estar a serviço da teoria com a finalidade de "internalizar" ou contextualizar o assunto já visto, na tentativa de atribuir um sentido à teoria para o estudante. Essa perspectiva, além de evidenciar o papel instrumental e utilitarista da pesquisa a serviço da teoria, também, reafirma o pensamento de que o conhecimento decorrente da pesquisa se caracteriza enquanto um produto pronto e acabado, diante do qual não se tem dúvida, restando-lhes apenas utilizá-los, como dogmas, para legitimar os conteúdos teóricos das práticas (SOARES, 2012). Nessas condições, docentes e estudantes mantêm uma relação com o conhecimento como espectadores e meros usuários, não como construtores do conhecimento.

Não obstante, é de se esperar que muitos docentes universitários encontrem dificuldade para implementar o “ensino com pesquisa”, haja vista estarem imersos nessa perspectiva dogmática de ensino, e por não terem vivenciando em seu percurso formativo experiências de aprendizagem construtivistas, envolvendo estratégias de ensino e aprendizagem em que se prioriza trabalhar com o outro, horizontalizar relações de poder entre os sujeitos, problematizar a relação com o conhecimento, dentre outros aspectos. Condições que podem levar o docente a repensar o ensino e a formação que faz, avaliando e avaliando-se nas possibilidades de mudanças de si e do outro.

Vivemos num mundo das incertezas, como assinala Barnett (2005), assim, cabe à universidade capacitar os futuros profissionais para saber lidar com a dúvida, a incerteza e a imprevisibilidade das situações concretas. O que só é possível por meio de uma formação que privilegie o questionamento, a crítica e a possibilidade de ressignificação da teoria pelos estudantes, estimulando-os na prática “a se constituírem como sujeitos cognoscentes, problematizadores, criativos e críticos, capazes de

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transformar a realidade externa e a si próprios, num movimento dialógico, e em interação com o contexto e com seus pares” (SOARES, 2012, p. 381).

Entretanto, a pesquisa além de ser vista a serviço da teoria e como produto e verdade inquestionável a ser agregada ao conhecimento acadêmico teórico, ainda, é concebida pela maioria dos participantes como uma estratégia para incentivar a produção de artigos, ou seja, "alguns alunos, ao terminarem a disciplina, sentem-se motivados a escrever artigos, a tentar buscar um conhecimento além daquilo que foi trabalhando em sala. E, isso, eu atribuo à forma que são incentivados a pesquisar" (P6); na medida em que "mesmo que eu seja um profissional da contabilidade, mas eu preciso saber pesquisar. [...] e quanto mais eu puder pesquisar uma área que tenha realmente interesse, que apareça a pesquisa mais eu vou poder contribuir, dar valor às pesquisas que podem ajudar na prática" (P1). Tais depoimentos evidenciam a valorização e uma articulação da pesquisa ao ensino, na qual se privilegia o resultado, a produção de artigos acadêmicos, sem que fique claro, nesse processo, a valorização e o investimento nas competências a serem adquiridas para atingir este fim e, tampouco, são explicitados as funções e responsabilidades da mediação docente ao assumir a ação-formação, tendo como base a pesquisa como uma estratégia de ensino.

Ao manter a ênfase no produto da pesquisa, tal como a escrita de um artigo acadêmico, sem considerar o processo em que se dá a produção do conhecimento como significante para a construção da aprendizagem, os docentes perdem a oportunidade de utilizar a pesquisa como uma estratégia de ensino, na qual entra em jogo as habilidades e competências que podem ser desenvolvidas pelos estudantes no caminho trilhado para se chegar a um determinado fim, que pode ser a produção de um artigo científico. Nesse sentido, a produção de artigos é uma consequência da atividade de pesquisa, cujo processo precisa ser incorporado às formas de fazer e pensar do discente da graduação.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os docentes universitários, de modo geral, reconhecem e valorizam as atividades de pesquisa no ensino de graduação, contudo, a pesquisa enquanto estratégia formativa ainda se encontra distante de algumas práticas. Isto porque a pesquisa quando incorporada ao ensino, geralmente, tem sido assumida numa perspectiva de estudo bibliográfico, como apreensão de um produto, estando a serviço exclusivamente da teoria. Ou, ainda, com a intenção de ensinar técnicas voltadas para aprender como elaborar artigos científicos, resenhas entre outros, aspectos necessários à formação, mas não suficientes para o desenvolvimento do protagonismo dos estudantes, de sua autonomia e do espírito crítico.

A despeito das pesquisas que, ao denunciarem a ausência de formação pedagógica para os docentes universitários, têm, também, anunciado a necessidade de um investimento político institucional no desenvolvimento profissional docente apontando algumas possibilidades de práticas.

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Assim, como o reconhecimento de que, geralmente, a formação inicial desses professores foi pautada numa abordagem positivista de ciência, com a predominância de uma cultura docente transmissiva e centrada nos conteúdos teóricos, no Brasil, ainda, são escassas as iniciativas de políticas institucionais de formação para o docente universitário. Sobretudo aquelas que atentem para o núcleo da pessoa do docente, vinculado às suas crenças, concepções, atitudes e valores que, por sua vez, condicionam suas práticas sociais e pedagógicas. Essa ausência termina por se constituir como um dos principais desafios a ser enfrentado quando se almeja o desenvolvimento do ensino com pesquisa nos cursos de graduação, uma vez que envolve situações diante das quais os sujeitos não foram formados, isto é, implica em trabalhar com o outro, horizontalizar as relações de poder entre os sujeitos, problematizar as relações com o conhecimento dentre outros aspectos.

Na forma como se operacionaliza no interior da universidade, a pesquisa tem sido articulada ao ensino numa visão instrumental e reproducionista, distante dos interesses do ensino e da prática profissional. Cenário que pode se modificar na medida em que o docente universitário vai percebendo os desafios e a complexidade de sua prática e passa a buscar soluções para além dos conhecimentos específicos da formação, o que pode repercutir em um processo de melhoria da aprendizagem do estudante e de desenvolvimento profissional do docente que pode se dar, dentre outros caminhos, através da incorporação de ferramentas da pesquisa ao ensino de graduação.

A expectativa que se tem, neste trabalho, é que a pesquisa possa ser incorporada ao ensino por meio do ensino com pesquisa; compreendida como uma estratégia privilegiada e potencializadora para a construção do conhecimento e para o desenvolvimento de competências dos estudantes. Uma pesquisa diferente daquela que tem sido realizada em qualquer área do conhecimento científico, mas que se vincule aos interesses do ensino e da prática profissional, atuando como princípio educativo, numa perspectiva pedagógica e epistemológica.

Conclui-se, portanto, que há necessidade das universidades investirem em projetos de desenvolvimento profissional docente para além de cursos, seminários e palestras, utilizando estratégias formativas que propiciem aos docentes universitários assumirem a indagação, a dúvida e a reflexão como elementos do seu processo formativo. A estratégia de ensino com pesquisa é um dos caminhos para uma formação em que, ao mesmo tempo, o docente forma e forma-se. Assim, espera-se que este trabalho possa contribuir com as reflexões da área de educação no que se refere ao reconhecimento do potencial do ensino com pesquisa, tanto para a formação de profissionais na universidade, como para o desenvolvimento profissional do docente universitário.

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REFERÊNCIAS

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