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Análise bioética da utilização de imagens de pacientes em mídias sociais eletrônicas

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Academic year: 2021

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FACULDADE DE CIÊNCIAS DA SAÚDE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM BIOÉTICA

DALVINA BENICIO DO NASCIMENTO

ANÁLISE BIOÉTICA DA UTILIZAÇÃO DE IMAGENS DE PACIENTES

EM MÍDIAS SOCIAIS ELETRÔNICAS

Brasília-DF 2016

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DALVINA BENICIO DO NASCIMENTO

ANÁLISE BIOÉTICA DA UTILIZAÇÃO DE IMAGENS DE PACIENTES

EM MÍDIAS SOCIAIS ELETRÔNICAS

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Bioética pelo Programa de Pós-graduação em Bioética da Universidade de Brasília.

Orientador: Prof. Dr. Natan Monsores de Sá

BRASÍLIA-DF 2016

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NASCIMENTO, DALVINA BENICIO do. ANÁLISE BIOÉTICA DA UTILIZAÇÃO DE IMAGENS DE PACIENTE EM MÍDIAS SOCIAIS ELETRÔNICAS. 2016. 1 0 3 f. Dissertação de mestrado (Programa de Pós-graduação em Bioética) – Faculdade de Ciências da Saúde, Universidade de Brasília, Brasília-DF.

Dissertação aprovada em 15/02/2016

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. Natan Monsores de Sá Orientador(UnB)

Prof. Dr. Leandro Brambilla Martorell Avaliador externo (UFG)

Prof. Dr. Volnei Garrafa Avaliador interno (UnB)

Prof. Dr. Fabiano Maluf Membro suplente (SES-DF)

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Ao iniciar meu trabalho na UnB, em 2010, tinha grande expectativa de fazer cursinho de informática e de inglês. Cheguei cheia de sonhos e vontade de estudar um pouco mais para complementar minha formação. Tão logo, foi minha frustação; infelizmente eu não poderia fazê-los, pois eram disponíveis apenas aos servidores efetivos e, na minha função de estagiaria técnica (recém-formada), não poderia cursar nenhum. Isso entristeceu-me, mas não me abateu. Prestei meu serviço com a maior qualidade que pude: dedicação, responsabilidade e compromisso; conquistei confiança e mudei de setor. Quando tudo parecia chegar ao fim (final do contrato), nasceram as possibilidades de que tanto almejava, vieram as bênçãos: primeiro a bolsa para o curso de especialização em bioética, depois a de mestrado, e agora a um passo para ingressar no doutorado.

Por todas as oportunidades, pelo acesso concedido para os estudos, pela ajuda, pela compreensão, dedico imensamente a todos que de alguma forma me ajudaram a chegar até aqui. Mas gostaria de dedicar especialmente à algumas pessoas, sem ordem de importância, porque todos foram imprescindíveis em minha vida, em minha caminhada.

Ao meu orientador Prof. Dr. Natan pelo ajuda, paciência e compreensão de sempre.

Ao professor Dr. Volnei Garrafa, pelas oportunidades e por acreditar em mim.

Ao meu amigo e irmão de coração, psicólogo nos meus momentos de desespero, Camilo Manchola.

A minha amiga Rosimara Alves por ajudar-me a ingressar na UnB.

À minha amiga Lízia por sua ajuda imprescindível para a minha participação na seleção para o mestrado!

Aos meus amados pais Conegundes B. Nascimento Maria Raimunda C. De Queiroz. À minhas queridas irmãs, e mus lindos e amados sobrinhos!

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AGRADECIMENTOS

À Deus;

À Cátedra Unesco de Bioética e ao Programa de Pós-Graduação pelas oportunidades, pela confiança e pela bolsa concedida, sem a qual, não teria sido possível fazer o curso.

Ao meu orientador Prof. Dr. Natan Monsores de Sá, por ajudar me desde o início, pela paciência, pelas palavras de incentivo, pela disponibilidade e delicadeza ao longo deste trabalho.

À banca examinadora.

Aos meus pais que mesmo sem estudo, ensinaram-me a ter caráter, a respeitar o outro, a não me apossar do que não conquistei, e a ser uma pessoa com sensibilidade à necessidade alheia.

Á minha amiga Lízia Fabiola, que sem sua ajuda não teria conseguido fazer a seleção para o mestrado.

Aos colegas de turma do mestrado em Bioética, pela convivência, pela colaboração no aprendizado, em especial ao meu amigo e irmão de coração Camilo Manchola, Nilceu Oliveira, Fábio Rivaz, André Lemos, Iris Santos e Patrícias Duarte

Ao Professor Volnei pela oportunidade concedida, pela confiança, pelo carinho e cuidado paternal que tem com os alunos. Estendo aqui os agradecimentos a todos os professores e funcionários do PPGBioética.

À diretoria da SBB pelo apoio e compreensão, nessa reta final de escrita da dissertação.

À minha amiga Natasha Lunara por sua ajuda, incentivo e torcida. Às minhas amigas Rosimara Alves e Luzia Teodoria.

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“É preciso amar as pessoas e usar as coisas e não, amar as coisas e usar as pessoas”.

“Há pessoas que nos falam e nem as escutamos, há pessoas que nos ferem e nem cicatrizes deixam, mas há pessoas que simplesmente aparecem em nossas vidas e nos marcam para sempre”.

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RESUMO

Este trabalho propôs uma investigação para conhecer a percepção ética de estudantes da área de saúde da Universidade de Brasília, sobre a divulgação da imagens/vídeos e informações sobre pacientes em mídias sociais, como Facebook, WhatsApp e Instagram, tomando como marco referencial teórico os relacionamentos fluidos na pós-modernidade, preceitos defendidos por Bauman; e a Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos. O estudo é de natureza descritiva e exploratória. Foi aplicado questionário a 94 estudantes, composto por questões fechadas e abertas, para averiguar a percepção ética dos estudantes. Após a coleta de dados, foi realizada correlação das respostas com o referencial teórico escolhido. Ficou perceptível certa contradição no discurso em relação a prática evidenciada na literatura e nos comentários dos próprios estudantes. Foi constatada a presença frequente do uso de imagens de pacientes nas práticas de ensino com autorização na maioria das vezes, apenas verbal; feita na presença de professores/preceptores. Houve algumas publicações em redes sociais, apesar dos estudantes considerarem que divulgação de foto/ filme de paciente sem permissão pode violar algum princípio ético. A forte presença de ações inadequadas dos estudantes, mesmo com a presença de professores, demostra estar faltando o exemplo virtuoso do professor para a prática da educação em saúde. Grande parte dos estudantes afirmou não conhecer nenhuma norma ou lei que trata acerca do uso de imagens de pessoa ou paciente. Salienta que é fundamental uma educação em ética e bioética para sanar as ocorrências de desrespeitos dos direitos dos pacientes frente ao uso de mídias sociais eletrônicas. Ao conceituarem privacidade, confidencialidade e sigilo fizeram certa confusão na definição dos conceitos. Os resultados evidência de que se faz necessário emprego do ensino de bioética com maior abrangência para evitar questões éticas de apropriação indevidas de imagens de pacientes e exposição nas redes sociais.

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ABSTRACT

This thesis proposes an investigation to know the ethical perception of students in the health area of the University of Brasilia, on the disclosure of images / videos and patient information in social media like Facebook, WhatsApp and Instagram, taking as theoretical March relationships fluids in postmodernity, principles defended by Bauman; and the Universal Declaration on Bioethics and Human Rights. The study is descriptive and exploratory nature. questionnaire was applied to 94 students, with closed and open questions, to ascertain the ethical perception of students. After data collection, correlation was made of the responses to the chosen theoretical framework. It was noticeable certain contradiction in discourse regarding the practice evidenced in literature and comments from the students themselves. the frequent presence of the use of patient images in teaching practices authorized in most cases, only verbal was found; made in the presence of teachers / tutors. There were some publications on social networks, despite the students consider that publicity photo / patient without permission film may violate any ethical principle. The strong presence of inappropriate actions of the students, even with the presence of teachers, demonstrates be missing the virtuous example of the teacher to the practice of health education. Most students said they did not know any rule or law that deals about the use of images of people or patient. It stresses the importance of an education in ethics and bioethics disrespect to remedy the instances of patients' rights against the use of electronic social media. To conceptualize privacy, confidentiality and secrecy did some confusion in the definition of concepts. The results evidence that it is necessary to use of bioethics education with greater scope to avoid ethical issues of misappropriation of patient and display images on social networks.

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LISTA DE TABELAS E SIGLAS

Tabela 1- Dados de caracterização da amostra, referentes ao sexo, filhos, estado civil, cor ou raça. ... 31 Tabela 2 - Dados de caracterização da amostra, referentes ao local de residência, renda familiar, instituição em que cursou o ensino fundamental e médio. ... 33 Tabela 3 - Dados de caracterização da amostra, referentes a universidade que estuda, o curso de graduação, e em qual semestre está cursando. ... 33 Tabela 4 - Dados que demostram a interação entre profissional de saúde com os pacientes, sobre: contato com paciente(s) durante o curso, quem é o protagonista na relação paciente e profissional de saúde, se já tirou foto ou fez algum filme de

paciente, se conhece. ... 34 Tabela 5 - Dados de onde, quando e porque as /filmes foram feitos. ... 35 Tabela 6 - Dados referentes a ação do profissional de saúde em obter ou não fotos ou filme de pacientes no ato do atendimento: se pediu autorização; se a autorização foi escrita, verbal ou outras formas; se havia algum supervisor e se este era

professor, preceptor servidor do hospital, outros. ... 40 Tabela 7 - Dados referentes a postura do profissional de saúde quanto a captura e finalidade de imagem e/ou vídeos de pacientes e a divulgação nas redes sociais ... 41 Tabela 8 - Dados que mostram os motivos da divulgação de fotos/filmes em grupos fechados ou abertos. ... 42 Tabela 9 - Dados sobre a repercussão da divulgação da foto/filme se foi positiva ou negativa. ... 44 Tabela 10 - Dados referentes a percepção e a empatia com o paciente. ... 47 Tabela 11 - Argumentos pelos quais os estudantes justificam se autorizaria ou não a divulgação de fotos/filmes seus enquanto paciente. ... 48 Tabela 12 - Resposta dos estudantes sobre qual/quais seria(m) o(s) princípio(s) éticos violados na divulgação de fotos/vídeos em redes sociais. ... 51 Tabela - 13 Definição do conceito de autonomia do paciente, feita pelos estudantes do 10º,8º 2º e 1º semestre. ... 52 Tabela 14 - Definição do conceito de privacidade do paciente, feita pelos estudantes do 10º,8º 2º e 1º semestre. ... 53 Tabela 15 - Definição do conceito de confidencialidade, feita pelos estudantes do 10º,8º 2º e 1º semestre. ... 54

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Tabela 16 - Definição do conceito de sigilo, feita pelos estudantes do 10º,8º 2º e 1º semestre... 55 Tabela 17 - Resposta dos estudantes se conhece alguma norma ou lei que oriente acerca da divulgação de imagens de pessoas. ... 56

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LISTA DE FIGURAS

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CFM - Conselho Federal de Medicina CF - Constituição Federal

COFEN - Conselho Federal de Enfermagem CNS - Conselho Nacional de Saúde

DUBDH - Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos DUDH - Declaração Universal dos Direitos humanos

ECA - Estatuto da Criança e Adolescente

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura TCLE - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ... 1

2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ... 8

2.1. OS CONCEITOS DE PRIVACIDADE E DE CONFIDENCIALIDADE ... 8

2.2. PRIVACIDADE DIGITAL E COMPORTAMENTO DE PROFISSIONAIS DE SAÚDE ... 17

2.3. ASPECTOS JURÍDICOS DE PROTEÇÃO E NORMAS ... 20

2.4.A DECLARAÇÃO UNIVERSAL SOBRE BIOÉTICA E DIREITOS HUMANOS 22 3. OBJETIVOS ... 28

3.1. OBJETIVO GERAL ... 28

3.2. OBJETIVOS ESPECÍFICOS ... 28

4. MÉTODO ... 29

4.1. CARACTERÍSTICAS E UNIVERSO DE ESTUDO ... 29

5. RESULTADOS E DISCUSSÃO ... 31

5.1. AVALIAÇÃO GERAL DOS DADOS POR SEMESTRE ... 59

5.1.1. 1º semestre ... 59

5.1.2. 2º semestre ... 59

5.1.3. 8º semestre ... 60

5.2. ANÁLISE GERAL DA PERCEPÇÃO POR CURSO ... 61

5.2.1. Odontologia... 61

5.2.2. Medicina (27 estudantes) ... 62

5.2.3. Enfermagem ... 64

5.3. SERIA NECESSÁRIO UMA FORMAÇÃO PROFISSIONAL VIRTUOSA NA PÓS-MODERNIDADE? ... 66

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 70

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1. INTRODUÇÃO

O crescimento do uso de redes sociais virtuais tem sido exponencial no Brasil. São cerca de oitenta milhões de brasileiros com contas ativas em Social Networking Sites como Facebook, Instagram e Twitter 1. Em paralelo, este novo hábito tecnológico tem dado nova roupagem para um clássico dilema da relação profissional-paciente: a violação do direito ao sigilo, à privacidade e à confidencialidade da informação. Deve-se salientar que a preservação das informações é considerara um dever prima facie de qualquer profissional de saúde que estabeleça um vínculo com um paciente 2, 3.

Desde o início da computação médica a questão da privacidade tem sido posta em evidência 4-12. Na década de 1970, época de desenvolvimento dos primeiros sistemas de informação médica, a questão da relação entre computadores e privacidade dos pacientes começou a ser debatida; o desenvolvimento dos computadores e das redes trouxe em paralelo à questão da preservação da privacidade 6, 10-15.

Os registros eletrônicos de pacientes, particularmente os prontuários eletrônicos, são alvo de ampla discussão no campo da saúde 14, 16-20. Há controvérsias no que tange a segurança de dados, sobre quem deve ter acesso, sobre partilha de dados e sobre sua portabilidade. Soma-se aos registros os avanços nas ferramentas em telemedicina e telediagnóstico, que geram uma grande quantidade de imagens e informações biológicas 16, 18, 21-25. Contudo, estes são registros oficiais ou institucionais que são amparados por preceitos legais bem definidos, ainda que existam lacunas 22, 26, diferindo da modalidade de compartilhamento de informações aqui abordada, que é a veiculação de fotos e vídeos de pacientes em redes sociais virtuais 27-30.

No âmbito privado de um sistema de prontuário eletrônico (medical records), as formas de intervenção nas informações são estabelecidas por protocolos e normas, onde cada ação é registrada31-33. No caso da veiculação de informações de um paciente em redes sociais, este controle se encontra sob tutela dos provedores de serviço que, habitualmente nos termos de uso das redes sociais, estabelecem que não são responsáveis pelos dados adicionados pelos usuários34. Moubarak35 e Martorell et al36 têm chamado a atenção para as consequências legais e morais da veiculação de imagens de pacientes em tais redes.

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O uso de tecnologias móveis, em avaliação feita por pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é amplo no Brasil37. Mais da metade dos brasileiros estão conectados à internet. Em 2012 eram 49,2% internautas, passando em 2013 para 50,1%. A pesquisa apontou que, em 2013, houve crescimento do uso do celular como único meio telefônico nos domicílios. As pessoas a partir dos dez anos, que usam celular, representaram 75,5% da população brasileira, correspondente a 130,8 milhões de pessoas. O crescimento do uso do celular, de 2012 para 2013, ocorreu em todas as maiores regiões, na seguinte proporção: Norte (5,6%), Nordeste (6,2%), Sudeste (4,5%), Sul (4,9%) e Centro-Oeste (5,1%)37.

Com isso, produziu-se um maior uso do WhatsApp, que é um aplicativo para uso em sistemas operativos Android, iOs, Windows Phone, BlackBerry, que possibilita a criação de grupos e a troca de mensagens, áudios e vídeos entre pessoas e grupos. O mesmo acontece com o Instagram38, uma rede social online de compartilhamento de foto e vídeo que permite aos seus usuários tirar fotos e vídeos, aplicar filtros digitais e compartilhá-los em uma variedade de Social Networking Sites, como Facebook39, Twitter 40, 41, Tumblr42 e Flickr43.

O Facebook é uma dessas redes sociais em que as pessoas divulgam e compartilham todo tipo de informações e principalmente imagens e vídeos. Esse, como plataforma da internet, permite aos seus usuários criarem um perfil onde uns podem ter acesso ao perfil dos outros, o que possibilita encontrar amigos, compartilhar diariamente informações, experiências, etc. Alguns divulgam informações comerciais para fins lucrativos, outros, informações pessoais expondo, desde os mínimos detalhes do seu dia a dia, até informações, imagens e vídeos de pessoas com as quais convivem, ou com quem apenas têm algum tipo de contato; e é neste contexto que são divulgadas fotos no interior de unidades clínicas ou hospitalares e de pacientes.

No campo da discussão bioética, Martorell e colaboradores apontaram que este é um problema moral que precisa ser discutido e aprofundado. Denunciam que esta é uma transgressão ética que precisa de novos olhares36. O tema da utilização de imagens de pacientes tem sido debatido desde a década de 197027, 30, 35, 44-46, mas ganhou roupagem nova em tempos de internet. Desta forma, o que se buscou na presente pesquisa foi compreender um pouco do contexto e das escolhas morais que estudantes do campo da saúde fazem em relação à intimidade do

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paciente ou usuário do Sistema Único de Saúde (SUS), isto é, como compreendem a tríade privacidade-confidencialidade-sigilo em tempos de uso contínuo de smartphones e internet.

O marco normativo escolhido para apoiar a investigação foi a Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos – DUBDH 47. Também se lançou mão de teóricos que discutem a questão das redes sociais na pós-modernidade, como Castells e Bauman. Este último estabeleceu uma concepção de que a pós-modernidade é liquida, com relacionamentos fluidos e perda da sensibilidade moral 48-50

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Bauman também destaca a atual conjuntura histórica, política e social, traçando um panorama preciso de como a sociedade e as pessoas, em tempos de internet, têm organizado suas vidas:

O que aconteceu no século XX foi uma passagem de toda uma era da história mundial, ou seja, da sociedade de produção para a sociedade de consumo. Por outro lado, houve os processos de fragmentação da vida humana. [...]. No início deste século, as pessoas se preocupavam com o projeto de vida, e em executá-lo, passo a passo. Nos dias atuais, isto não acontece, porque a vida é dividida em episódios, fragmentados, o que não era assim no início do século XX. As sociedades foram individualizadas. Em vez de se pensar em termos de a qual comunidade se pertence, a qual nação se pertence, a qual movimento político se pertence, etc., tentamos redefinir o significado de vida, o propósito de vida, a felicidade na vida, para o que está acontecendo com a própria pessoa, as questões da identidade que têm um papel importante hoje, no mundo. A pessoa tem que criar a sua própria identidade. A pessoa não a herda. Não apenas é necessário fazer isso desde o início da vida, mas é necessário passar a vida, de fato, redefinindo a própria identidade. [...].Muitas mudanças, não apenas a passagem do totalitarismo para a democracia, mas muitas outras coisas mudaram...51

Esta condução episódica da vida pode ser um importante fator para se compreender a relação da atual geração de estudantes com pacientes e futuros colegas de profissão. A noção de que cada instante (episódio) precisa de registro e de divulgação é uma característica da geração Y, que será alvo da presente investigação. Esta geração cresceu habituada a conectividade, às interações virtuais, às relações fluidas no trabalho e na vida pessoal52, 53. E este grupo faz uso intensivo de redes sociais, dispensando grandes quantidades de horas em grupos ou comunidades virtuais em que há próximos morais ou indivíduos com afinidades culturais 54-56. É na rede virtual que esta geração (e mesmo os adolescentes e jovens

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das classes desfavorecidas se conectam) tem constituído sua identidade e sensação de pertencimento. Nessas redes a imagem (o simulacro, o avatar) é elemento fundamental. Fotos, vídeos, memes, cartoons, mangás, gifs animados compõem, de maneira fluida e transitória, cada perfil individual destas redes. Cada imagem é compartilhada, replicada, encaminhada, difundida. São individualidades coletivizadas, simulacros translúcidos da vida no mundo real.

Pode-se afirmar que uma questão peculiar às redes sociais é que, de maneira geral, a autoria de uma imagem se torna difusa57. Para além do dilema foucaultiano58 de que o consumo de uma obra (foto, vídeo, som, texto no caso da internet) decreta a “morte” do autor, tornando-se o apreciador da obra um novo autor, nas redes sociais o autor se multiplica ou se amplifica exponencialmente. Segundo Castells 59 existe uma enorme penetrabilidade dos efeitos das novas tecnologias na sociedade, que se dá através da convergência tecnológica e dos novos comportamentos. Acompanhando esta lógica, pode-se afirmar que os efeitos da veiculação e da circulação de uma imagem em um ambiente complexo, dinâmico, interativo e aberto não permite a previsão exata de consequências morais ou sociais. A objetificação (reificação) da figura do paciente e a integração de sua imagem no imaginário coletivo dos usuários das redes sociais, mesmo que tenha havido consentimento prévio, precisa de uma reflexão mais aprofundada.

No campo da ética médica e da bioética, a questão do direito à privacidade tem sido discutida desde a década de 196060-62. Em tempos de avanço de microcefalia e de Zika vírus, cabe ressaltar que o debate público mais famoso no campo da ética médica, no que tange à privacidade, se deu em 1973. É o caso 410 U.S. da Suprema Corte Americana, conhecido como Roe versus Wade 63-70; uma discussão a respeito do direito a decisão privada da mulher de abortar, sem interveniência externa ou do Estado. O aspecto de privacidade abordado neste caso é a privacidade sobre o corpo, um pouco diferente da questão do uso da imagem, a ser abordada no presente trabalho. Mas ambas são aspectos diferentes da mesma concepção de inviolabilidade daquilo que autonomamente é decidido como íntimo.

A discussão contemporânea sobre direito à privacidade remonta à primeira metade do século XX 71-78. Enquanto direito humano fundamental, teve apresentação formal na Declaração Universal dos Direitos Humanos:

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Ninguém será objeto de ingerências arbitrárias em sua vida privada, sua família, seu domicílio ou sua correspondência, nem de ataques a sua honra ou a sua reputação. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais ingerências ou ataques.79

E, como já afirmado, é um princípio bioético enunciado na DUBDH juntamente com a confidencialidade das informações:

A privacidade dos indivíduos e a confidencialidade de suas informações devem ser respeitadas. Com esforço máximo possível de proteção, tais informações não devem ser usadas ou reveladas para outros propósitos que não aqueles para que foram coletadas ou consentidas, em consonância com o direito internacional, em particular com a legislação internacional sobre direitos humanos.47 Alguns teóricos 80 convencionaram definir privacidade como uma tríade de direitos:

(a) Direito de não ser monitorado, entendido como direito de não ser visto, ouvido, etc.

(b) Direito de não ser registrado, entendido como direito de não ter imagens gravadas, conversas gravadas, etc.

(c) Direito de não ser reconhecido, entendido como direito de não ter imagens e conversas anteriormente gravadas publicadas na Internet em outros meios de comunicação.

Não ser monitorado, registrado ou reconhecido estabelecem limites para decisão autônoma acerca do que se deseja sobre a própria imagem. São limites da liberdade individual que se estendem aos direitos dos pacientes, figurando em políticas de humanização e em cartilhas elaboradas pelo SUS e por diversas secretarias de saúde 81.

Além do panorama complexo de discussão dos limites da vida privada e da intimidade, do direito a ser esquecido 82 e da garantia de privacidade, hoje a difusão tecnológica é elemento chave na compreensão de como o direito à privacidade precisa ser revisitado pelos bioeticistas. Dispositivos móveis como os aparelhos celulares, ipads e tablets evoluíram com o desenvolvimento e hoje são construídos com câmaras acopladas e acesso à internet. Isto proporciona grande capacidade de registro de informações, imagens e vídeos, de pessoas e/ou coisas; também permite a divulgação instantânea das mesmas em correio eletrônico e em redes sociais virtuais. Por um lado, estas ferramentas são um poderoso aliado na divulgação de novos conhecimentos, mas por outro lado, podem se tornar um canal capaz de

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propagar dados, imagens, vídeos e informações privadas, podendo causar danos e/ou prejuízos, violar a privacidade, a dignidade humana e direitos humanos de pacientes 83-85.

Bauman86, 87 afirma que atualmente temos a nossa disposição à web mundial e a internet, que nos possibilitam conexão em “tempo real” por todo o planeta, por meio de pequenos aparelhos como Ipods e smartphones, que carregamos para todos os lugares o tempo todo. Essa disponibilidade de acesso vem carregada de desafios para todas as áreas de interação humana, sendo na área da saúde um tanto mais delicado, por se tratar de pessoas em estado de maior fragilidade e vulnerabilidade.

Como já afirmado, na sociedade contemporânea, o uso de imagem e/ou vídeos em mídias sociais eletrônicas tem se tornado uma prática constante por todos os segmentos sociais88, 89. A geração Y, que cresceu utilizando redes sociais, está habituada ao consumo de imagens e informação em grandes volumes. Nestes ambientes, o like and share 90 é incentivado e recompensado, levando seus usuários a se apropriarem dos conteúdos circulantes e a difundi-los em seus grupos 91. Há uma aparente relativização da privacidade e da noção de propriedade. Os compartilhamentos parecem ser superficiais/voláteis, não são reais compromissos. Muitas vezes são conflituosos entre si. Parece que em alguns casos sequer são lidos /interpretados, seria o efeito “avalanche” de informação, que não da tempo à reflexão. Da mesma forma que os limites sociais do mundo real, no imaginário dos jovens usuários, parece não ter o mesmo significado que nas redes; não é incomum a circulação de fotos íntimas, de ocorrências de cyberbullying 92.

Estes novos limites líquidos apontam a necessidade de se investigar o comportamento de estudantes do campo da saúde ao estagiarem em hospitais e clínicas. A omnipresença dos smartphones e a compulsão pelo registro instantâneo digital de tudo e de todos 93, 94, pode levar os estudantes a registrarem pacientes para diversas finalidades, como por exemplo: estudo futuro, registro da doença ou da prática, apresentação de trabalhos. Todavia, no contexto de assistência em saúde, campo de prática dos estudantes, o paciente, vulnerado por sua situação de saúde, pode estar nu, desacordado, em estado crítico ou em situação na qual não poderiam ou gostariam de ser expostos. E, a depender do estado do paciente pode se levar a crer que, a obtenção do registro de imagem e sua exposição pública se produziu sem seu consentimento.

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Segundo Fabri & Fortes95, no início deste milênio, tanto a confidencialidade como a privacidade nas relações entre usuários, profissionais e instituição de saúde sofreram grande impacto pelo risco potencial de violação, podendo comprometer a confiança entre ambos. Para Francisconi & Goldim96, a privacidade atribui ao profissional de saúde a obrigação de proteger “as informações que teve contato e de preservar a própria pessoa do paciente”, ainda que sua relação não seja direta, também pode se considerá-la como um dever da instituição de saúde. Também, a confidencialidade implica que o profissional de saúde se torna responsável a preservar as informações reveladas diretamente a si, pelos pacientes, visto que uma pessoa geralmente revela algo de sua intimidade quando se estabelece confiança, conforme Cohen97 explica:

a confiança surge da empatia com uma pessoa e da ideia de que o indivíduo ao qual revelaremos esse segredo é uma pessoa íntegra e não nos exporá ao ridículo ou nos irá humilhar frente a nossa fraqueza, esta confiança emerge dos sentimentos de ligação, segurança, intimidade, respeito no ser humano (p.193).

Os estudantes, ao registrarem imagens de pacientes (com ou sem consentimento) e veiculá-las em redes sociais estariam violando esta confiança. No contexto de instituições como hospitais universitários, muitos pacientes são pessoas carentes e passivamente se submetem a condições que não gostariam por medo de não serem mais atendidas. Acrescenta-se a isto que, em tempos de redes sociais, o sujeito pode consentir com a captura da imagem ou vídeo, porém não deixar claro se permitiria o compartilhamento em mídias, podendo concordar ou não com a exposição. Então cabe inquirir aos estudantes, método adotado na presente pesquisa, a respeito do tipo de consideração moral que dão a relação com um paciente ou usuário de sistema de saúde. As respostas a este questionamento certamente são permeadas por diferentes concepções de vulnerabilidade, de autonomia reduzida e de paternalismo, que permitem uma reflexão bioética.

Há poucos estudos sobre privacidade, confidencialidade e bioética no Brasil 95, 98-108

, desta forma, conhecer a percepção ética de estudantes da área de saúde sobre o uso das imagens e/ou vídeos bem como informações de pacientes e sua exposição em meios sociais e discutir à luz da Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos, é um exercício que permitirá uma reflexão sobre a formação em bioética dos estudantes de saúde.

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2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

2.1. OS CONCEITOS DE PRIVACIDADE E DE CONFIDENCIALIDADE

O sociólogo Zigmunt Bauman traz em suas obras reflexões sobre a modernidade, o modo de agir da sociedade e de cada pessoa em particular. Em muitas de suas reflexões elabora metáforas e analogias para permitir uma compreensão do momento atual da sociedade. Os líquidos e sua fluidez são sua metáfora mais frequente:

Os líquidos, uma variedade dos fluidos, devem essas notáveis qualidades ao fato de que suas “moléculas são mantidas num arranjo ordenado que atinge apenas poucos diâmetros moleculares”, enquanto “a variedade de comportamentos exibida pelos sólidos é um resultado direto do tipo de liga que une os seus átomos e com arranjos estruturais destes”. “Liga”, por sua vez, é um termo que indica a estabilidade dos sólidos - a resistência que eles “opõem à separação dos átomos(p.7-8).50

Em suas obras discorre sobre o fato de que os fluidos possuem incrível mobilidade, capacidade de mover com facilidade, escorrer, fluir, respingar, transbordar, vazar, pingar, podem ser filtrados, destilados. Situação que não ocorre facilmente com os sólidos. Esses são aspectos que Bauman transmuta para a sociedade em que vivemos, e esclarece que:

Os sólidos que estão para ser lançados no cadinho e os que estão derretendo neste momento, o momento da modernidade fluída, são os elos que entrelaçam as escolhas individuais em projetos e ações coletivas – os padrões de comunicação e coordenação entre as políticas de vida conduzidas individualmente, de um lado, e as ações políticas de coletividades humanas de outro (p.12)50

Bauman, ao citar entrevista de Ulrich Beck, fala da ação da modernidade sobre ela mesma, uma espécie de “modernização da modernidade”, em que os valores iluministas são postos em xeque. Castiel109, ao discutir temas da atualidade, como a comunicação e a percepção de insegurança, se vale também dos conceitos de Bauman dizendo que:

Bauman analisa aspectos relacionados às novas características do mundo do trabalho no âmbito da chamada „modernidade líquida‟. Mais especificamente, ressalta a tenuidade dos vínculos humanos nesse contexto e assinala que um dos traços marcantes nas condições de vida contemporâneas (referindo-se especialmente às regiões mais

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prósperas e tecnologicamente avançadas do mundo) recebe algumas tentativas de designar tal fenômeno: precariedade, instabilidade, vulnerabilidade. “O fenômeno que todos esses conceitos tentam captar e articular é a experiência combinada da falta de garantias (de posição, títulos e sobrevivência), da incerteza (em relação à sua continuação e estabilidade futura) e de insegurança (do corpo, do eu e de suas extensões: posses, vizinhança, comunidade)”(p.162).

Castiel acrescenta-se que as conjunturas contemporâneas são caracterizadas por mudanças socioculturais velozes. Tornando se perceptível às consequências das exacerbadas mutações da percepção de tempo e espaço sobre os seres humanos, adicionadas à glorificação do “consumismo e do individualismo”. Em que mais e mais os produtos ofertados ao consumo passam a operar como “precárias matrizes de identidade”. A excessiva oferta potencializa a desordenação, a fragmentação e o estranhamento. “Em suma, as fontes instauradoras de solidez às identidades se fragilizaram de modo significativo. Com isto, a segurança ontológica está se volatilizando a olhos vistos”109

.

Os pensamentos de Bauman & Castiel coadunam-se ao expressarem que a conduta dos seres humanos tem sido pautadas em características e valores do mercado do consumo, que não tem uma forma e ao mesmo tempo tem todas as formas, que se moldam conforme o momento. É pautado nessa “ordem” que as pessoas constroem suas vidas e fundamentam suas condutas, identidades e privacidade.

Bauman, em Sociedade Individualizada110, faz um exercício de reflexão sobre como a sociedade contemporânea elabora sua privacidade:

Como observou Peter Ustinov, espirituoso humorista inglês, "Este é um país livre, madame. Temos o direito de compartilhar sua privacidade em um espaço público". Alain Ehrenberg, sociólogo francês, escolheu uma noite de quarta-feira, em outubro de 1983, como momento decisivo na história cultural francesa (e não apenas dela): naquela noite, uma certa Vivianne, na frente de milhões de telespectadores, anunciou que seu marido, Michel, sofria de ejaculação precoce e que ela nunca tivera prazer em suas relações sexuais (...) O "privado" invadiu a cena-destinada-a-ser-pública, mas não para interagir com o "público". Mesmo quando está sendo enxovalhado na frente do público, o "privado" não adquire urna nova qualidade; quando muito, é reforçado em sua privacidade. As conversas televisadas de "pessoas comuns", como Vivianne e Michel, e o mexerico "exclusivo" dos jornais sobre as vidas privadas de estrelas do mundo do espetáculo, políticos e outras celebridades são lições públicas sobre a vacuidade da vida privada e a vaidade das

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esperanças investidas em alguma coisa menos particular do que os problemas privados e as curas privadas(p.256).

Este acontecimento parece indicar, ainda que tenha ocorrido antes da era da informática, como se dariam os arranjos atuais acerca de identidade e individualidade. O espaço público, ilusório virtual, para parecer que somos mais do que realmente somos. Dupas confirma essa realidade quando enfatiza que:

De fato, a vida nas sociedades contemporâneas se apresenta como uma imensa acumulação de espetáculos. Tudo que era vivido diretamente torna se uma representação. (..) O espetáculo constitui o modelo atual da vida dominante na sociedade. A primeira fase da dominação da economia sobre a vida social acarretou uma degradação do “ser” para o “ter”. Em seguida, operou-se um deslizamento generalizado do “ter” para o “parecer-ter”. Na atual situação das grandes massas excluídas da sociedade global só resta o “identificar-se-com-quem-parece-ser-ou-ter” por meio do espetáculo, sequer ao vivo, mas “visto-a-distância” através das mídias globais que lhes oferecem exibições instantâneas de todos os tipos e partes do mundo (p.52).111

Este é o background ético e social do presente trabalho; um período histórico em que há um conflito sobre os limites da intervenção sobre o corpo, a mente, a saúde e o futuro, ao mesmo tempo em que, para dar uma resposta à alienação a qual nos sujeitamos no mundo concreto, intentamos encontrar no mundo virtual as válvulas de escape. Paradoxalmente, o mundo virtual, que seria de constituição libertária, tem sido afetado pelas mesmas mazelas do mundo concreto: jogos de poder, violência, violação de direitos, vigilância panóptica. É neste contexto que as questões de privacidade serão aqui discutidas: da formulação tradicional em bioética até a questão da interface digital.

Os textos mais tradicionais em bioética como no caso de Francisconi & Goldim96 definem privacidade como:

a limitação do acesso às informações de uma dada pessoa, bem como do acesso à própria pessoa e à sua intimidade. É a preservação do anonimato e dos segredos. É o respeito ao direito de o indivíduo manter-se afastado ou permanecer só(p.272).

Cabe esclarecer que no presente trabalho somente será abordado o tema do direito à privacidade no cuidado de saúde. Não serão abordados elementos de privacidade em pesquisas clínicas, privacidade de dados genéticos e gametas,

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privacidade na doação de órgãos ou a questão da defesa do direito ao aborto como direito à privacidade do corpo 112-114.

A concepção de privacidade parece oscilar entre uma concepção de valor moral ou de direito legal. É o agir soberano e autônomo de um indívido sobre sua própria identidade, sobre seu corpo e sobre qualquer aspecto de sua vida privada. Segundo a Encyclopedia of Bioethics,115 Privacidade é um direito relacionado com quatro dimensões da experiência humana, a saber: física (physical privacy), informacional (informational privacy), proprietária (proprietary privacy) e decisória (decisional privacy) (p. 2120).

A privacidade física é compreendida como a liberdade de não querer ter contato com outras pessoas. Allen 115, 116, no entanto, salienta que:

Complete physical privacy is inconsistent with the demands of modern healthcare. The modern delivery of health services presupposes that patients and medical professionals mutually accept nudity, touching, and observation as unavoidable aspects of examination, treatment, surgery, and hospitalization. (i)

A privacidade informacional é definida como a proteção de dados pessoais e registros em prontuários:

(…) secrecy, confidentiality, data protection, or anonymity. It requires limits on the accessibility of personal information. Informational privacy concerns in the healthcare setting have traditionally focused on the confidentiality of the physician–patient relationship and on limiting access to medical and insurance records.115 ( ii)

Segundo Luciano & colaboradores 117, deve-se compreender que a privacidade é ligada, no contexto de instituições de saúde, ao sigilo de dados, quer sejam contidos em prontuários médicos ou na informação de serviço que transita oralmente entre profissionais. É a conduta dos trabalhadores em saúde que assegura cotidianamente o sigilo de tais informações. A privacidade, no que tange a conduta, consiste em decidir com prudência o que falar, para quem falar e onde

i A privacidade física completa é incompatível com as exigências do cuidado em saúde moderno. A moderna prestação de serviços de saúde pressupõe que os pacientes e os profissionais médicos aceitam mutuamente nudez, contato físico e observação, assim como aspectos inevitáveis de exames, tratamentos , cirurgias e internação.

ii (...) sigilo, confidencialidade, proteção de dados, ou anonimato. Ela exige limites sobre a acessibilidade de informações pessoais, preocupações com a privacidade informativos nos cuidados de saúde têm tradicionalmente focada na confidencialidade da relação médico- paciente e na limitação do acesso a registros médicos e de seguros

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falar, visto que tais profissionais possuem autorização de acesso a certos dados, podendo, inadvertidamente, discuti-los em ambiente inapropriados, e com isso, transmiti-los a outros indivíduos, caracterizando assim, vazão de informações restritas de seus pacientes.

Ainda segundo Allen, a privacidade proprietária diz respeito aos impedimentos legais e éticos para apropriação, por terceiros, de um repositório de identidade pessoal, como, por exemplo, uma fotografia, uma gravação de audio, um exame por imagem ou mesmo dados de exames laboratoriais ou material genético 115.

Por fim, Allen 115 apresenta o conceito de privacidade decisória, que denota escolhas autônomas sobre os assuntos pessoais e íntimos que constituem as vidas privadas. Esta última definição se aproxima do respeito pela autonomia. O significado de autonomia, na área de saúde, refere se a capacidade de o usuário tomar decisões em escolher o profissional para seu atendimento, bem como a definição da terapêutica a receber ou admitir, tendo em vista a sua crença ou não. Assim, estabelecendo seus interesses de forma livre. A autonomia se torna fundamentada no “respeito à pessoa humana, à individualidade, implicando o direito à escolha e à manifestação de vontade”(p.102). Nesse sentido as escolhas de todo ser humano decorre do exercício de sua autodeterminação, e outrem não possui direito de impor sua vontade 118.

Como afirmado na introdução, as concepções de respeito à privacidade e confidencialidade fazem parte das principais normas internacionais em bioética, entre as quais a Declaração Internacional sobre os Dados Genéticos Humanos, que não será alvo de avaliação, e Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos, a qual será abordada em tópico específico por trazer conceitos e fundamentos de respeito à pessoa humana, à autonomia, e ao sigilo dos dados, das informações e das imagens dos indivíduos em sua plenitude, além de outros princípios que não serão abordados neste estudo.

Também é importante aportar que no que tange ao respeito à privacidade, há a constante tensão entre o direito a confidencialidade e o dever de confidencialidade. Esta tensão é o encontro de duas (ou mais) autodeterminações, a do profissional e a do paciente, que se implicam num trânsito de informações, sentimentos e intervenções visando o cuidado em saúde. Neste contexto, há o encontro da vida privada do paciente (e a do profissional de saúde) com a vida pública dentro de uma unidade de saúde que pode implicar em estranhamentos

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morais. O paciente e o médico, quer sejam próximos, quer sejam estranhos morais, estabelecem uma relação de confiança que se justifica pela manutenção e sucesso da relação terapêutica e da garantia de funcionamento de todo aparelho terapêutico (unidade de saúde ou hospital) 119.

Em qualquer instituição terapêutica o paciente é registrado e identificado, sendo sua condição “conhecida” pelos profissionais que ali trabalham, mas também é possível verificar que, apesar da possibilidade de rastreamento, existem mecanismos de anonimização ou desidentificação, como, por exemplo, a numeração atribuída a exames laboratoriais, visando preservar a privacidade do paciente frente a setores que somente indiretamente lhe prestam serviços 120.

Apesar das normas institucionais e das prescrições deontológicas, é preciso lembrar que avanço cientifico e tecnológico decorrente do contemporâneo “processo de globalização” e de ampliação do acesso à internet suscitaram intensas transformações comportamentais, afetando as concepções de privacidade entre profissionais de saúde, familiares de pacientes e dos próprios pacientes. A internet, ao encurtar a relação tempo-espaço, apresentou-se como solução que diminuiu as distâncias comunicacionais entre indivíduos e grupos sociais. Enviar uma informação (texto, foto, som ou vídeo) acerca do estado de saúde de um parente ou paciente evita deslocamentos de pessoas. O médico pode remotamente acompanhar seu paciente e amigos e parentes têm um fluxo contínuo de notícias.

A tecnologia móvel também possibilita uma “zona de nebulosidade moral”. O filósofo francês Baudrillard 121 afirma que criamos um duplo virtual performático, isto é, projeta-se, nas redes sociais simulacros daquilo que são os profissionais de saúde ou as pessoas. Trata-se de avatares que representam elementos que nunca existiram ou que não possuem mais o seu equivalente na realidade. E a rede social na internet seria a simulação, que é a imitação de uma operação ou processo existente no mundo real122. Neste espaço simulado, os avatares ganham liberdade transgressora, que pode ser utilizada para o bem ou para o mal. Infelizmente, parece haver uma tendência por parte dos usuários de redes sociais à violência e a perversidade, como por exemplo o ciberbullying, a cybervingança e outras modalidade de agressão ou violação de direitos 92, 123-127.

Os aspectos de violência ou de violação supracitados podem alcançar dimensão mundial quase que instantaneamente e ter maiores consequências que no mundo concreto. O simulacro do ato violento pode aparecer camuflado nas

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impensadas ou propositadas “curtidas” nas redes sociais, conformando uma violência simulada, que nada mais é uma propagação de violência. A violência de fotografar um paciente sem consentimento, se converte na violência da exposição de uma imagem sem permissão, que por sua vez se converte na violência dos olhares não permitidos sobre a intimidade, e por assim em diante. A natureza da rede é complexa e não linear. Uma foto, rapidamente é copiada em dezenas de milhares ou milhões de computadores de todo mundo. Apagar este registro é praticamente impossível dada a veloz capacidade transformação tecnológica e social daquela imagem inicial. Por isso, hoje se fala em direito ao esquecimento 128, isto é, no direito a ter um registro digital apagado no espaço simulado da internet.

Este panorama complexo denota a necessidade de garantir proteção jurídica e normatização de condutas humanas nestes espaços. No âmbito da universidade, se torna necessário criar uma base consistente de formação do profissional de saúde - em bioética - e ofertar educação continuada para uma nova forma de cidadania digital.

Mas ainda que haja norma, o vazamento de informações, imagens e vídeos de pacientes é potencializado pela ampla e acessível disponibilidade das tecnologias, e o modo como seus usuários se comportam frente aos seus sistemas vulneráveis. Por intenção ou por negligência, os profissionais de saúde se apropriaram destas novas tecnologias de comunicação móvel e as utilizam no dia-a-dia, em momentos e de forma não convenientes ao ambiente de atendimento em saúde. Este é um fato inevitável. Desta forma, além de discutir a questão da privacidade, torna-se necessário compreender o que é confidencialidade.

A confidencialidade é um princípio deontológico, também conhecido como segredo ou sigilo médico. Apesar de autores como Francisconi & Goldim96 afirmarem que há diferenças entre os termos, para fins desta dissertação, adotar-se-á ambos indistintamente(iii).

Segundo Hottis & Parizeau129, a confidencialidade é norma que “impõe a obrigação de discrição a qualquer indivíduo depositário, pelas suas funções, das informações que lhe são confiadas”. Segundo os autores, esta obrigação abrange também fatos que são descobertos durante o atendimento de saúde129. Portanto, a

iii

Para os autores, a expressão segredo pode ser entendida como uma ocultação qualquer, ou preservação de informações, e está mais relacionada a intimidade do indivíduo; enquanto sigilo tem sido empregado com caráter mais de ocultação do que de proteção.

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confidencialidade pode ser entendida como o direito de não divulgação ou ainda a garantia de que informação identificável seja conservada longe do alcance dos outros.

Nos campos da odontologia e da medicina estética é frequente a veiculação de imagens de partes do corpo que não permitem a identificação do indivíduo, salvo por ele mesmo ou por alguém muito próximo. Nestas situações pode haver constrangimento individual, mesmo que a figura pública da pessoa tenha sido anonimizada: um sorriso antes e depois de uma intervenção, um seio antes ou depois de cirurgia plástica. Ainda que sejam partes do corpo, sua divulgação sem consentimento pode remeter o indivíduo a sofrimento psíquico, apesar de que na contemporaneidade, as pessoas queiram e busquem a exposição...

A Organização Mundial da Saúde e o Council for International Organizations of Medical Sciences (CIOMS) declaram, em seus documentos, que todos os dados a respeito de uma pessoa que permitam sua identificação, e que estejam registrados (anotados, automatizados, visual, áudio) ou tão somente, guardados na lembrança dos profissionais de saúde, estão subordinado a obrigação de confidencilidade 130.

No Brasil, o Conselho Federal de Medicina - CFM por meio da Resolução Nº 1931/2009 (Código de Ética Médica)iv, capítulo IX artigo 73, aborda a questão do sigilo, como forma de garantir a privacidade do paciente. Decreta que: “É vedado ao médico: Revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por motivo justo, dever legal ou consentimento, por escrito, do paciente”.

Loch131 acrescenta que, no século XX, principalmente depois da Segunda Guerra Mundial, as reivindicações pelos Direitos Humanos fizeram surgir novas expectativas em relação ao sigilo na medicina. Recorda que em documentos internacionais, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, se explicita que não deve haver intromissão na vida particular ou familiar das pessoas. Nesse contexto, o sigilo é definido como “uma proteção contra a divulgação não autorizada de informações, que estabelece, demarca e fortalece as fronteiras da privacidade”(p.40)86

.

Seoane e Fortes 99 afirmam que o significado clássico de confidencialidade também é explicitado no Glossário de Bioética do Instituto Kennedy de Ética: a

iv Resolução CFM nº 2.126/2015 (Publicado no D.O.U., 01 de outubro de 2015, Seção I, p. 131). Dispovível: http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/CFM/2015/2126_2015.pdf

(29)

confidencialidade está pautada em garantir que informações fornecidas de forma pessoal, em regime de confiança, não sejam reveladas sem autorização e sejam protegidas. Cohen132 afirma, em relação aos segredos profissionais, que há dois conflitos éticos diferentes em meio às instituições de saúde: o do segredo na relação profissional-paciente e o segredo na interação das pessoas com a instituição de saúde.

Parece haver consonância de diversos autores acerca do significado de sigilo. Pode-se afirmar que há um conjunto de disposições deontológicas que envolvem a confidencialidade129, a saber:

a) Deve ser respeitado o segredo sobre qualquer informação de natureza confidencial obtida no exercício de uma função profissional. b) A liberação do segredo médico só é autorizada com o consentimento

da pessoa interessada ou quando a lei assim ordenar.

c) O pedido de revelação das informações de natureza confidencial bem como a autorização no sentido de que tais informações sejam confiadas exigem que a pessoa interessada esteja plenamente informada da finalidade do pedido e das diversas utilizações que podem ser dadas a essas informações.

d) A menos que a natureza do caso o exija, é proibido revelar que uma pessoa recorreu a serviços sociais e de saúde.

e) Devem ser evitadas as conversas indiscretas acerca de uma pessoa e dos serviços que lhe foram prestados.

f) É proibido o uso de informação de natureza confidencial em prejuízo de uma pessoa ou tendo em vista a obtenção directa ou indirecta de um benefício pessoal ou destinado a outrem.

g) Numa relação de prestação de cuidados, o segredo não é oponível à pessoa. Nesta matéria, prima o direito à verdade.

Há um paradigmático caso, muito utilizado em aulas de bioética, o caso Tarassof 133, que deu origem a possibilidade de derrogação do segredo médico96 em três circunstâncias:

a) Um sério dano físico a uma pessoa identificável e específica tiver alta probabilidade de ocorrer (não-maleficência);

b) Um benefício real resultar desta quebra de confidencialidade (beneficência);

c) For o último recurso, após ter sido utilizada a persuasão ou outras abordagens (autonomia).

Frente a situações em que o sigilo se torne passível de violação, a prudência é aconselhada ao médico, que precisará compreender “bem os aspectos psicodinâmicos” entremeados no caso, e debater abertamente com a família ou com

(30)

o paciente, em conformidade com a situação, para depois decidir-se, visto ser uma ação muito séria: “enganar deliberadamente a alguém(p.271)”96

.

Naves134, fazendo uma reflexão sobre o sigilo em tempos de internet, afirma:

Deve ser enfatizada a necessidade da vedação quanto à divulgação de imagens de pacientes na internet, inclusive de pessoas públicas e famosas, lembrando-se que tal fato incorre em quebra do sigilo médico, caracterizando sensacionalismo. A preservação do sigilo médico deve ser mantida, devendo ser evitada a transmissão online de atos médicos, cirurgias e consultas. O médico precisa entender que as informações constantes em um site devem ter como finalidade a educação e o esclarecimento da coletividade. O sensacionalismo com a divulgação de “melhores equipamentos” e os “mais modernos” deve ser evitado. Cautela deve ser tomada quanto à utilização de sites patrocinados por indústria farmacêutica e/ou empresa de equipamentos médicos (p.192).

Além da prudência, é importante ressaltar a questão da vulnerabilidade de pacientes nestas situações. Compreende-se vulnerabilidade como uma conjuntura em que certas pessoas se encontram em condições diminuídas de resguardar seus interesses ou estar em maior probabilidade de sofrer exploração130. Estas circunstâncias têm estado vinculada a condição corporal, financeiras, educacional ou situação social específica. Alguns grupos de pacientes são comumente avaliados como mais vulneráveis, como por exemplo: crianças, deficientes, doentes em estado terminal e pessoas com doença mental.

Assim, em muitas situações cotidianas no processo de cuidados de saúde, a autonomia fica comprometida pelo estado potencializado de vulnerabilidade do paciente (doente e dependente de ajuda) frente ao seu atendente. Estas pessoas são impossibilitadas de autodeterminarem os limites do privado e confidencial, por isso carecem de maior proteção.

2.2. PRIVACIDADE DIGITAL E COMPORTAMENTO DE PROFISSIONAIS DE SAÚDE

Nos últimos anos têm surgido indícios de que há necessidade de se estudar os comportamentos de estudantes e estagiários, da área de saúde, frente ao uso das novas tecnologias no âmbito do cuidado em saúde, tendo em vista que determinadas condutas têm potencial de comprometer a qualidade da relação

(31)

profissional de saúde-paciente e com isso, podendo haver transgressão dos direitos dos pacientes. Também vale lembrar (apesar de não ser o foco deste estudo) a importância da relação profissional-profissional e também com suas categorias profissionais para um respeito mútuo e o bom serviço prestado a sociedade.

Martorell e colaboradores 36, no período de agosto a setembro de 2013, selecionaram imagens que já haviam sido publicadas e estavam registradas nos "álbuns" de 17 profissionais de saúde, sendo doze cirurgiões-dentistas e cinco médicos, totalizando trinta e nove imagens selecionadas, nas quais vinte e sete foram divulgadas por cirurgiões-dentistas e doze por médicos. No final da coleta dos dados, foi percebido expressiva participação de internautas, com um total de 800 “curtidas” e 310 comentários.

O estudo notifica que das imagens divulgadas foi possível identificar diretamente as pessoas envolvidas em boa parte das fotos e em outras; foi possível ver o rosto. Identificaram vários comentários de internautas que zombaram ou ridicularizam os pacientes, como no caso de uma foto onde mostra o sorriso de uma paciente com “bigodes”, para a qual havia várias sugestões maldosas. Tirando um ou outro comentário de indignação, a maioria das manifestações era de deboche, ridicularização e diminuição dos pacientes. Baseado nessas informações, os pesquisadores enfatizam que os profissionais de saúde necessitam respeitar a confidencialidade e privacidade do paciente, sobretudo quando se trata de publicações que queiram partilhar em suas redes sociais, e jamais publicarem aquelas nas quais dados de terceiros possam ser identificados ou simplesmente os que o paciente não queira.

Em agosto de 2014, foi noticiada matéria jornalística135 tratando da divulgação de imagem de paciente em redes sociais, feitas por médicos do hospital das Forças Armadas do Distrito Federal-DF. Em uma das imagens, postada por uma oftalmologista, mostrava-se as pálpebras inchadas de um paciente que passou por uma cirurgia de correção (blefaroplastia). Já na segunda imagem, mostra-se o olho e as ferramentas usadas durante uma exérese de pterígio – procedimento para retirar uma membrana de cor rosada que cresce invadindo a córnea; a imagem, aparentemente, parece ter sido feita por uma residente que assistia, a qual tinha também outras imagens do ambiente de saúde em sua rede social. A jornalista Miranda também relata que havia os chamados "selfies"- autorretratos, em que uma moça e dois rapazes fazem referência a passar o carnaval no hospital, e a outra,

(32)

com hashtag de um rapaz com trajes de ambiente aparentemente cirúrgico, em mais de uma postagem.

Jornalistas têm denunciado que profissionais de saúde frequentemente têm exposto suas rotinas de trabalho em redes sociais e consequentemente acabam colocando imagens de pacientes em situações que podem causar constrangimento, ou que desrespeitem a autonomia e a dignidade humana das pessoas. Usam aplicativos de relacionamento, como o Tinderv, para divulgar fotos com trajes do ambiente hospitalar, e consequentemente expõem também os pacientes, que podem ser identificados.

Devido ao acesso fácil aos conteúdos na internet, terceiros não proprietários de imagens e nem dos direitos autorais, podem fazer republicações sem autorização, o que tem deixado até os magistrados com “muitas dúvidas em relação aos conflitos paradoxais entre a proteção dos direitos personalíssimos e o direito à liberdade de informação e manifestação do pensamento”. Como equacionar? Quais seriam os limites?136

Conforme Gonçalves e Verdi 136, as clinicas-escola têm no seu cotidiano algumas situações típicas que podem ter o potencial de aumentar “problemas e conflitos que normalmente fazem parte da rotina de instituições que prestam atendimento de saúde à população por meio de estudantes”(p.756). Isso ocorre devido os indivíduos serem colocados na condição de objeto de estudo, ainda que provisoriamente; porém, isso não significa necessariamente violar princípios éticos de relacionamento, desde que os pacientes sejam esclarecidos de que se trata de „instituições de ensino‟, que os mesmos não sejam expostos a riscos sem necessidade, que tenha e sejam exercidas e respeitadas normas rigorosas “quanto aos princípios do respeito à autonomia do paciente e da confidencialidade das informações obtidas durante o tratamento”(p.756). A questão ética a se avaliar nessa relação paciente-aluno-professor é se não há supremacia de um interesse em desfavor do outro. Também, deve-se levar em consideração a questão da vulnerabilidade social dos indivíduos, que tradicionalmente frequentam as instituições que prestam atendimento-ensino-aprendizagem, que pela necessidade aceitam o que lhes é solicitado, e assim serem mais propensos a terem seus direitos desrespeitados.

vO Tinder é aplicativo para celulares que funciona como um catálogo de encontros, mostrando

(33)

2.3. ASPECTOS JURÍDICOS DE PROTEÇÃO E NORMAS

No Brasil, ainda não há lei específica para garantir os direitos dos pacientes em terem resguardadas todas as nuances do processo de cuidados profissional de saúde- paciente, frente às tecnologias móveis. Até então, esse processo conta apenas com a normatização de Códigos de Ética profissionais que têm empenhado em adequarem-se aos avanços tecnológicos. Há também algumas leis não específicas para o assunto, que versam sobre alguns direitos dos indivíduos como, por exemplo, o Marco Civil da Internet, o Código Penal e o Código Civil, bem como o Estatuto da criança e do adolescente que expressam firmemente o direito de proteção de dados e informações privadas dos indivíduos.

O Marco Civil da Internetvi regula o uso da Internet no Brasil, por meio da previsão de princípios, garantias, direitos e deveres para quem usa a rede, bem como da determinação de diretrizes para a atuação do Estado. Em seu artigo 8º estabelece: “A garantia do direito à privacidade e à liberdade de expressão nas comunicações é condição para o pleno exercício do direito de acesso à internet”.

O Código Civil Brasileiro (Lei 10.406/2002) ao versar sobre os direitos à personalidade traz em seu Artigo 20, proibições e condições para uso de imagem e informações de pessoas por terceiros como:

Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.

Ainda em seu Artigo 21 o Código Civil estabelece que “A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma”.

O Estatuto da Criança e Adolescente 137, em seus artigos 17 e 18, estabelece que crianças e adolescentes têm direito a inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral, bem como preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais. Circunscreve ainda

vi LEI Nº 12.965, DE 23 DE ABRIL DE 2014. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm

(34)

que todas as pessoas têm o dever de zelar para garantir a “dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor” 137

.

Em caráter infra legal, o Conselho Federal de Medicina (CFM) preocupado com o avanço das mídias sociais e a grande exposição de temas médicos em ambientes virtuais, criou a Resolução nº 2.126/2015, que constitui os parâmetros para a publicidade na área médica, “conceituando os anúncios, a divulgação de assuntos médicos, o sensacionalismo, a autopromoção e as proibições referentes à matéria”, define expressamente que:

Art. 2º O artigo 13 da Resolução CFM nº 1.974/11 passa vigorar com a seguinte redação:

Art. 13 As mídias sociais dos médicos e dos estabelecimentos assistenciais em Medicina deverão obedecer à lei, às resoluções normativas e ao Manual da Comissão de Divulgação de Assuntos Médicos (Codame)

§1º Para efeitos de aplicação desta Resolução, são consideradas mídias sociais: sites, blogs, Facebook, Twiter, Instagram, YouTube, WhatsApp e similares.

§2º É vedada a publicação nas mídias sociais de autorretrato (selfie), imagens e/ou áudios que caracterizem sensacionalismo, autopromoção ou concorrência desleal.

§ 3º É vedado ao médico e aos estabelecimentos de assistência médica a publicação de imagens do “antes e depois” de procedimentos, conforme previsto na alínea “g” do artigo 3º da Resolução CFM nº 1.974/11.

§4º A publicação por pacientes ou terceiros, de modo reiterado e/ou sistemático, de imagens mostrando o “antes e depois” ou de elogios a técnicas e resultados de procedimentos nas mídias sociais deve ser investigada pelos Conselhos Regionais de Medicina (p.131).vii O Conselho Federal de Enfermagem, publicou a Resolução nº 311/2007, determinando em seu artigo 19 que a equipe de enfermagem tem o dever de: “respeitar o pudor, a privacidade e a intimidade do ser humano, em todo seu ciclo vital, inclusive nas situações de morte e pós-morte”. Acrescenta no capítulo que trata do sigilo profissional, que é proibido ao enfermeiro:

Art. 84 – Franquear o acesso a informações e documentos para pessoas que não estão diretamente envolvidas na prestação da assistência, exceto nos casos previstos na legislação vigente ou por ordem judicial

vii Resolução CFM nº 2.126/2015 (Publicado no D.O.U., 01 de outubro de 2015, Seção I, p. 131). Dispovível: http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/CFM/2015/2126_2015.pdf

Imagem

Tabela  -2  Dados  de  caracterização  da  amostra,  referentes  ao  local  de  residência,  renda familiar, instituição em que cursou o ensino fundamental e médio
Tabela  4  Dados  que  demostram  a  interação  entre  profissional  de  saúde  com  os  pacientes, sobre: contato com paciente(s) durante o curso, quem é o protagonista na  relação  paciente  e  profissional  de  saúde,  se  já  tirou  foto  ou  fez  algu
Tabela - 5 Dados de onde, quando e porque as fotos/filmes foram feitos.
Figura - 1 Nuvem de palavras construída a partir das respostas da Tabela 5.
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