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CONDIÇÕES OBJETIVAS DE PUNIBILIDADE NA LEI N.° 11.101, DE 9 DE FEVEREIRO DE 2005 (LEI DE FALÊNCIAS)

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(1)

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC-SP

PAULO AMADOR THOMAZ ALVES DA CUNHA BUENO

CONDIÇÕES OBJETIVAS DE PUNIBILIDADE NA LEI N.° 11.101, DE 9 DE FEVEREIRO DE 2005 (LEI DE FALÊNCIAS)

DOUTORADO EM DIREITO

SÃO PAULO

(2)

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC-SP

PAULO AMADOR THOMAZ ALVES DA CUNHA BUENO

CONDIÇÕES OBJETIVAS DE PUNIBILIDADE NA LEI N.° 11.101, DE 9 DE FEVEREIRO DE 2005 (LEI DE FALÊNCIAS)

DOUTORADO EM DIREITO

Tese apresentada à banca examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de DOUTOR em Direito Penal, sob orientação do Prof. Doutor Dirceu de Mello.

SÃO PAULO

(3)

Banca Examinadora

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

(4)

Aos meus pais, Amador e Laura,

(5)

Ao Professor Dirceu de Mello,

pela segunda orientação

e permanente exemplo de postura profissional.

Aos amigos Guilherme e Naila Nucci,

(6)

A Falência é instituto de direito comercial voltado à satisfação dos débitos

da pessoa jurídica que se torna insolvente. Historicamente, o instituto sempre

esteve disciplinado, também, por normas penais, cuja aplicação constantemente foi objeto de controvérsias, por força do contexto peculiar que disciplinavam.

A legislação brasileira teve, recentemente, modificada toda a estrutura do

direito falimentar, em razão da publicação da Lei nº. 11.101, de 9 de fevereiro

de 2005, diploma que transformou substancialmente não apenas a dinâmica

pertinente ao direito privado, mas também a sistemática da parte penal e

processual penal.

Dentre as referidas transformações sobressai a previsão expressa de que a

sentença declaratória da falência ou a concessiva de qualquer das duas

modalidades de recuperação da empresa são condições de punibilidade em todos

os delitos previstos no mesmo diploma legal (art. 180).

Tal disposição, inexistente na legislação pretérita, polemiza por introduzir

no sistema legal a debatida e obscura categoria das condições objetivas de

punibilidade, extremamente criticada na doutrina, especialmente por sua

dificuldade de acomodação com o princípio da culpabilidade e por não se

distinguir com clareza dos demais elementos da estrutura do delito.

O objetivo da pesquisa foi, nesse contexto, primeiramente, tentar

identificar as características das condições objetivas de punibilidade, já que a lei

não o fez e, em seguida, confrontá-las com a referida previsão legal, no intuito

de questionar sua adequação e conveniência, em face de todos os tipos penais

estampados na nova lei, o que, ao final pareceu inviável, notadamente diante do

caráter heterogêneo dos delitos, bem como das exigências de cunho garantista

que informam o moderno direito penal.

(7)

Bankruptcy is an established Commercial Law aimed at the payment of

the debts of a legal entity that becomes insolvent. Historically, the establishment

has always been disciplined, also by criminal regulations, whose application has

constantly been object of controversies, due to the peculiar context that they

used to regulate.

Recently, the Brazilian legislation has had the structure of bankrupt law

modified due to the publication of Law nº 11,101, of the 9th of February of

2005, statute that has substantially transformed not only the dynamics relevant

to private Law, but also the systematic of the criminal part and criminal

proceedings.

It can be distinguished among the referred transformations , the expressed

prediction that the bankruptcy statement order or the granting of any of two

modalities for the company’s recovery are punishable conditions in all the

offenses foreseen in the same statute.(art. 180).

Such disposition, inexistent in the previous legislation, is polemic, as it

introduces in the legal system the debated and obscure category of punishable

objective conditions, extremely criticized in the doctrine, specially for being

difficult to accommodate with the principle of culpability and not for being

undistinguished with clarity from the different elements in the offense structure.

The objective of the research was, in this context, firstly to try to identify

the characteristics of the objective punishable conditions, as they have not been

done by the law, and then after that, confront them with the referred legal

prediction, with the purpose of questioning their adequacy and convenience, in

face of all kinds of penalties printed in the new law. In the end it seemed

impracticable, mainly in face of the heterogeneous character of the offenses, as

well as the warranty requirements which impart the modern criminal law.

(8)

Il Fallimento è l’istituto di diritto commerciale rivolto alla soddisfazione

dei debiti della persona giuridica resa insolvente. Storicamente, l’istituto è

sempre stato disciplinato dalle norme penali, la cui applicazione è stata

costantemente oggetto di controversie per via del contesto peculiare che esse

disciplinavano.

La legislazione brasiliana è stata recentemente modificata in tutta la sua

struttura del diritto fallimentare, a causa della pubblicazione della legge n.

11.101, del 9 febbraio 2005, disposizione che ha trasformato sostanzialmente la

dinamica appartenente al diritto privato, nonché la sistematica della parte penale

e della processuale penale.

Tra queste trasformazioni si noti la previsione espressa in cui la sentenza

dichiarativa di fallimento o la concessione di qualsiasi delle due modalità di

ricupero dell’azienda sono condizioni di punibilità in tutti i delitti previsti nella

stessa disposizione legale (art. 180).

Inesistente nella legislazione precedente, questa disposizione è polemica

giacché introduce nel sistema legale la categoria oscura e tanto discussa delle

condizioni oggettive della punibilità, assai criticata nella dottrina, soprattutto per

la difficoltà d’adattamento al principio di colpabilità, ma anche perché non si

distingue con chiarezza dagli altri elementi della struttura del delitto.

Lo scopo di questa ricerca è stato, prima di tutto, cercar d’identificare le

caratteristiche delle condizioni oggettive della punibilità, poiché la legge non

l’ha fatto, per poi confrontarle con la suddetta previsione legale ai fini di

discutere il suo adattamento e le sue convenienze di fronte a tutti i tipi penali

presenti nella nova legge. Questo compito, però, alla fine, si é dimostrato

impraticabile, in particolar modo per il carattere eterogeneo dei delitti, ma anche

per le esigenze di natura garantistica che informano il diritto penale moderno.

(9)

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO... 11

2 DIREITO PENAL FALIMENTAR ... 14

3 OS CRIMES FALIMENTARES NA LEGISLAÇÃO ESTRANGEIRA ... 22

3.1 Argentina ... 23

3.2 Chile ... 24

3.3 Paraguai ... 26

3.4 Portugal ... 27

3.5 Espanha ... 28

3.6 Itália ... 29

3.7 França ... 32

4 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS CRIMES FALIMENTARES NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA ... 34

4.1 Período Colonial – As “Ordenações Filipinas” ... 35

4.2. O Alvará de 13 de novembro de 1756 ... 38

4.3 Período Imperial – O Código Criminal do Império do Brasil ... 40

4.4 O Código Penal republicano de 1890 ... 43

4.5 A Consolidação das Leis Penais ... 47

4.6 O Decreto-Lei n.° 3.914, de 9 de dezembro de 1941 — A Lei de Introdução ao Código Penal e à Lei de Contravenções Penais ... 48

4.7 O Decreto Lei n.° 7.661, de 21 de junho de 1.945 — A Lei de Falências ... 49

4.8 A Lei n.° 11.101, de 9 de fevereiro de 2.005 ... 52

5 CONDIÇÕES OBJETIVAS DE PUNIBILIDADE — COLOCAÇÃO DO TEMA ... 57

6 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA NOÇÃO DE CONDIÇÃO OBJETIVA DE PUNIBILIDADE ... 63

7 PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DAS CONDIÇÕES OBJETIVAS DE PUNIBILIDADE ... 67

7.1 As Condições objetivas de punibilidade e o elemento subjetivo dos delitos ... 70

7.2 A relação de causalidade e as condições objetivas de punibilidade ... 84

(10)

7.4 A localização das condições objetivas de punibilidade em relação ao tipo penal

... 112

7.5 Condições objetivas de punibilidade e condições de procedibilidade (ou de perseguibilidade) da ação penal ... 124

7.6 Nossa posição ... 133

8 A SENTENÇA QUE DECRETA A FALÊNCIA, CONCEDE RECUPERAÇÃO JUDICIAL OU HOMOLOGA A RECUPERAÇÃO EXTRAJUDICIAL COMO CONDIÇÃO OBJETIVA DE PUNIBILIDADE — O ARTIGO 180 DA LEI N.° 11.101 DE 9 DE FEVEREIRO DE 2005 E OS CRIMES FALIMENTARES EM ESPÉCIE ... 148

8.1 Fraude a credores (artigo 168) ... 160

8.2 Violação de sigilo empresarial (artigo 169) ... 170

8.3 Divulgação de informações falsas (artigo 170) ... 175

8.4 Indução a erro (artigo 171) ... 183

8.5 Favorecimento a credores (artigo 172) ... 188

8.6 Desvio, ocultação ou apropriação de bens (artigo 173) ... 194

8.7 Aquisição, recebimento ou uso ilegal de bens (artigo 174) ... 198

8.8 Habilitação ilegal de crédito (artigo 175) ... 201

8.9 Exercício ilegal de atividade (artigo 176) ... 206

8.10 Violação de impedimento (artigo 177) ... 208

8.11 Omissão de documentos contábeis obrigatórios (artigo 178) ... 216

9 PROPOSTA DE MODIFICAÇÃO DO ARTIGO 180 DA LEI N.° 11.101, DE 9 DE FEVEREIRO DE 2005 ... 223

10 CONCLUSÃO ... 234

REFERÊNCIAS ... 237

(11)

1 INTRODUÇÃO

Os crimes falimentares historicamente representam um ponto de notável

polêmica na doutrina penal, fenômeno evidenciado inclusive entre os penalistas

estrangeiros, em razão das características bastante diferenciadas que as infrações

dessa natureza parecem assumir em relação aos demais delitos.

De fato, a evolução histórica dos crimes falimentares, — que

genericamente podem ser resumidos como modalidades específicas de fraudes

—, dá conta de uma alternância substancial de entendimentos quanto ao seu

próprio conteúdo, que parte desde a presunção da falência como crime, até o

sistema atual, que busca acomodar os atos ordinários da quebra e distingui-los

daqueles voltados ao comprometimento do procedimento falimentar.

Nesse passo, os estudos em torno do tema acabaram, inevitavelmente, por

convergirem para a discussão sobre a posição da sentença que decreta a falência

em relação às infrações penais a ela vinculadas, tema sobre o qual recaíram, e

ainda recaem, pesadas divergências.

De fato, a doutrina em geral ostenta pontos de vista muito díspares quanto

à questão, uns admitindo o decreto falimentar como elemento daquela ordem de

crimes, outros o reconhecendo como condição objetiva de punibilidade e,

finalmente, aqueles que vêem na referida sentença uma condição de

procedibilidade da ação penal.

Os próprios argumentos que tentam fundamentar uma mesma posição,

divergem com freqüência, na medida em que procuram acomodar os princípios

(12)

A questão, no entanto, ganhou expressão maior no direito pátrio, com o

advento da Lei n.° 11.101, de 9 de fevereiro de 2005 — a nova Lei de Falências

— que em substituição ao Decreto-lei n.° 7.661/45, passou a disciplinar a

matéria, notabilizando-se, na parte comercial, pela introdução dos institutos da

recuperação judicial e da recuperação extrajudicial.

Na parte penal, pela primeira vez, o legislador explicitou que tanto a

sentença de quebra quanto aquela que conceda qualquer das modalidades de

recuperação à empresa são condições objetivas de punibilidade dos crimes

estampados no mesmo diploma legal (artigo 180).

Entretanto, ao fazer referência expressa às condições objetivas de

punibilidade, o legislador falimentar acabou por introduzir em nosso sistema

jurídico-penal uma categoria de elementos cujos contornos não chegou a definir,

e nem se encontram definidos em qualquer outro diploma pretérito.

Dita previsão, é bem de se ver, talvez não fosse tão significativa caso a

categoria das condições objetivas de punibilidade não representasse um dos

capítulos mais obscuros e controversos na dogmática penal.

Com efeito, muitos autores negam-lhe existência, argumentando que a

idéia de tais condições surgiu a partir de uns poucos casos isolados, em que a

definição da natureza jurídica de certos elementos operantes, não reclamaria a

intromissão de uma categoria diferenciada de elementos na teoria geral do

delito, podendo resolver-se essas questões pontuais dentro da própria estrutura

(13)

Outros tantos, que reconhecem sua existência, divergem diametralmente

quanto às características e extensão dessas condições, muitas vezes não

distinguindo seus limites em relação aos demais elementos do delito.

A questão, no entanto, torna-se mais delicada quando colocada em termos

práticos, na medida em que a extensão que se empreste às condições objetivas

de punibilidade pode, verdadeiramente, comprometer certas garantias de direito

penal, das quais a mais evidente é a do respeito ao princípio da culpabilidade.

Nesse contexto, as considerações acerca da sentença de quebra ou

concessiva de recuperação como condições objetivas de punibilidade, exigem a

abordagem preliminar sobre o conteúdo geral dessa categoria sui generis, na

tentativa de definir-lhe os contornos e características.

As conclusões obtidas deverão, então, ser submetidas ao confronto com a

previsão genérica fixada pelo legislador falimentar no artigo 180 e, ao depois, de

forma pormenorizada, com as situações descritas nos tipos penais em espécie, a

fim de constatar-se a possibilidade das sobreditas decisões judiciais

acomodarem-se às características das condições objetivas de punibilidade.

Por fim, esse roteiro permitirá obtemperar sobre a conveniência ou não da

inovação legal, bem como indicar os pontos críticos da sistemática que se

estabeleceu, indicando, sem a pretensão de esgotar o tema, a interpretação que

acomode satisfatoriamente a lei e os princípios garantistas que informam o

(14)

2 DIREITO PENAL FALIMENTAR

O direito penal, sempre considerado como a ultima ratio — expressão que

decorre de seu caráter subsidiário — em diversos momentos é chamado a

tutelar, por meio do rigor de suas penas, bens jurídicos cuja violação não é

suficientemente afastada através da proteção, sempre menos incisiva, que pode

ser oferecida pelas esferas cível e administrativa do direito, que não dispõem da

categórica nota da punibilidade.

Assim, são tutelados em nossa legislação penal, bens jurídicos de diversas

naturezas, desde os mais fundamentais à garantia do Estado de direito — como a

vida, a liberdade individual, o patrimônio etc. — até aqueles colocados em

dinâmicas específicas como a ordem tributária, o sistema financeiro, o

meio-ambiente, as relações de consumo e de trabalho, entre outros.

Nesse contexto, vê-se que a norma penal tem a possibilidade de atuar,

como de fato atua, em amplo espectro, alcançando e tutelando a ofensa a bens

jurídicos nos mais particulares e variados ramos do direito, quando estes não se

mostrem, por si mesmos, bastantes para garantir a estabilidade de seus sistemas,

daí vindo um dos argumentos por que se afirma o caráter subsidiário do ilícito

penal,

Realmente, a observação perfunctória da própria lei penal comum,

permite constatar que essa categoria de normas freqüentemente entra em

simbiose com os demais ramos do direito, impondo o rigor da pena a fim de

garantir o funcionamento de suas estruturas legais, contra aquelas ameaças em

que os mecanismos peculiares de determinado segmento jurídico se mostrem

(15)

Nesse contexto, percebe-se, claramente, em diversos momentos a norma

penal caminhando lado a lado com normas de direito tributário, consumerista,

ambiental, administrativo etc..

O mesmo ocorre, e não poderia ser diferente, com as normas de direito

comercial que, muitas vezes, têm no direito penal o socorro à preservação de

suas estruturas.

De fato, verifica-se uma ampla diversidade de normas penais, tanto na

legislação penal comum quanto na especial, voltadas à preservação do sistema

legal de institutos de direito comercial, como os títulos de crédito, as sociedades

comerciais e, finalmente, a falência.

Com efeito, a falência é instituto onipresente em todas as legislações

comerciais, força da própria situação que disciplina, sem dúvida inevitável em

qualquer sociedade que pratique o comércio. Por essa razão é de toda a

procedência a assertiva de Punzo de que “A história do instituto é a própria

história do comércio.”1

O termo “falência”, releva notar, do ponto de vista meramente gramatical,

encontra conhecidos sinônimos como “quebra” e “bancarrota”, expressões cuja

distinção em nossa legislação mereceu o destaque de Siqueira:

Quanto ao primeiro, derivado de fallir (do latim fallere, o mesmo que enganar, faltar ao promettido), vemol-o empregado, bem como o de fallimento, outro derivado, na Ord. Affonsina.

O segundo, que parece ser o verdadeiro termo portuguez para designar aquelle estado, vemol-o já empregado na Ord. Ph., L. V, tit. 66, que se inscreve: Dos mercadores que quebram. E dos que se levantam com fazenda alheia.

O nosso cód. commercial usava indistinctamente os dois termos. Bancarrota é o termo que vemos empregado nas legislações italiana, franceza e belga e para os casos em que se prova culpa ou fraude do

1

(16)

devedor. O nosso código criminal de 1830, art. 263, também o empregava.2

Diferentemente do que acontece, verbi gratia, na legislação italiana, em

que a bancarrota3 corresponde à fraude falimentar, em nossa atual legislação

todas as três expressões podem ser havidas com o mesmo significado, e assim

serão empregadas ao longo deste trabalho.

Historicamente, a falência — entendida, em brevíssimas palavras, como

a insolvência da pessoa jurídica — sofreu notáveis transformações desde os

primórdios do comércio sem, no entanto, jamais se afastar de sua essência, que

se resume na tentativa de disciplinar a satisfação dos débitos do falido.

A disciplina dessa ordem de situação, é bem de se ver, apresentou-se, ao

longo da história, em íntima relação com a sanção de natureza penal, sendo certo

que a evolução das sanções decorrentes da falência evidencia as próprias

transformações que as penas sofreram em seus mecanismos e em suas

finalidades através dos tempos.

À chamada teoria da falência-crime corresponde os primórdios do direito

penal falimentar, sendo certo que suas raízes encontram-se nos diplomas legais

da antiguidade, evidenciando-se, nesse sentido, a Lei da XII Tábuas, que

sancionava o insolvente a despeito de qualquer justificativa que pudesse ser

apresentada 4.

2

SIQUEIRA, Galdino, Direito Penal Brazileiro, v. II, 742.

3

A expressão “bancarrota” tem origem medieval e, segundo Navarro e Rizzi, “(...) tradicionalmente provenía del banco de los comerciantes que antiguamente se rompía en público, en caso que éstos no pudieran pagar a sus acreedores (...)” (Guillermo Rafael Navarro e Aníbal Horacio Rizzi, El delito de quiebra, p. 25).

4

(17)

A insolvência era, por si só, considerada e punida como infração penal, de

sorte que ao comerciante insolvente era imposta pena independentemente da

verificação das causas que o levaram a tal estado. A falência era, portanto, o

próprio crime ou, como historia Antolisei “[...] a todos os comerciantes era

atribuída a qualificação de fraudador.”5

Com o passar dos tempos, a falência-crime evoluiu na direção de

distinguirem-se as características e conseqüências ao devedor de boa-fé e ao de

má-fé. A Benvenuto Straca é atribuída a separação entre as categorias de

falidos6, sendo certo que, a partir daí, a falência deixa de ser por si só um crime,

de molde que o crime falimentar passa a ser uma infração penal perpetrada pelo

falido.

A distinção de Straca adentrou ao longo dos séculos na doutrina penal,

sendo certo que, embora a atual concepção doutrinária sobre os crimes

falimentares haja se transformado expressivamente, a distinção entre as

categorias de falidos em função do elemento subjetivo foi totalmente

assimilada7, sendo consignada, inclusive, no Livro V das Ordenações Filipinas

(subitem 4.1 supra).

Posteriormente, a sistemática dos crimes falimentares modificou-se ainda

mais, de forma que estes passaram a constituir atos previstos em lei que só se

5

ANTOLISEI, Francesco. Manuale di diritto penale – leggi complementari – II – I reati fallimentari, tributari, ambientali e dell’urbanistica, p. 12, “tradução livre do autor”.

6

Cf. Conti: “Si attribuisce all’opera di Benvenuto Stracca la prima compiuta delimitazione tra le varie categorie di falliti [...]” (Luigi Conti, Diritto Penale Commerciale, v. 2, p. 12).

7

(18)

elevam à condição de ilícitos penais em face do decreto de quebra, que, de sua

vez, consistiria numa “condição” do crime, conforme sintetiza Führer:

A falência, em si, constituiria condição de punibilidade, de procedibilidade ou de existência do crime. Assim, o devedor é punido, não por ter causado a falência com dolo ou por culpa, mas por ter praticado, antes ou depois da falência, um ou mais atos capitulados como crimes na lei falimentar, atos esses que só serão punidos se existir a declaração de falência.8

A partir desse enfoque, os crimes falimentares passaram a ser objeto de

profundas discussões dentro da doutrina penal, bastante evoluída e calcada em

princípios cuja acomodação com esta categoria diferenciada de delitos apresenta

polêmicas palmares, consoante a observação de Punzo:

[...] esta figura é considerada como um instituto jurídico bastante singular, para o qual parece não ser possível aplicar os princípios gerais e as fórmulas que regem os outros crimes quase como se fosse um ilícito de natureza distinta e que não se poderia estudar segundo os critérios comuns, sobre os quais se discute o evento, o dolo, a culpa etc. 9

De fato, as dúvidas que assombram ainda hoje a sistemática peculiar dos

crimes falimentares, ficam evidenciadas a todo instante, força de sua própria

dinâmica extremamente heterogênea e que, via de efeito, dificulta sua inserção

dentro das estruturas ordinárias do delito, dando azo a complexos

questionamentos, notadamente no plano da imputação objetiva e subjetiva.

As dúvidas em derredor do tema nascem já no que tange à própria

objetividade jurídica dessa modalidade de infrações, entendendo uma primeira

8

FÜHRER, Maximilianus Cláudio Américo. Crimes falimentares, p. 11-12. Nesse sentido merece considerar o magistério de Valverde: “Os atos do devedor, enumerados na lei, anteriores todos à sentença declaratória da falência, positivavam o procedimento irregular do falido na direção e administração da sua empresa ou de seus negócios e constituíam, assim, as circunstâncias que qualificavam criminalmente a falência. A lei presumia que o evento danoso — a falência — era o resultado desse procedimento irregular do devedor.” (Trajano de Miranda Valverde, Comentários à Lei de Falências, v. 3, p. 35.

9

(19)

corrente, à qual pertencem Luigi Conti, Massimo Punzo e Galdino Siqueira, que

se trata de crimes contra o patrimônio dos credores da falida.

Um segundo grupo — nele se destacando o Marquês de Beccaria e

Francesco Carrara — vê os crimes falimentares entre aqueles que comprometem

a fé pública.

Uma terceira corrente, ainda, entende que são uma modalidade de crimes

contra a Administração da Justiça, pois, como observa Marques, “[...] as normas

em que vêm definidos e tipificados visam tutelar o processo falimentar, tendo

em vista o rateio entre os credores do ativo da massa falida.”10. Nessa linha

destacam-se Francesco Carnelutti e José Frederico Marques.

Finalmente, tem ganhado espaço os argumentos daqueles que admitem

que os crimes falimentares sejam pluriofensivos, visto que atingem a um só

tempo, mais de um bem jurídico penalmente tutelado, nesse sentido

posicionando-se Guillermo Rafael Navarro e Aníbal Horácio Rizzi,

Maximilianus Cláudio Américo Führer e Francesco Antolisei, este último

advertindo que “[...] são bastante freqüentes incriminações voltadas à proteção

de uma multiplicidade de interesses, às quais se pode bem atribuir a

denominação de crimes pluriofensivos.”11

Embora aparentemente os argumentos desse último grupo de autores se

acomodem melhor à estrutura heterogênea dos crimes falimentares, notadamente

quando se tem em vista de consideração as infrações dessa natureza de forma

individual12, esse breve panorama, já em torno da objetividade jurídica,

10

MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal, v. 3, p. 299.

11

ANTOLISEI, Francesco. Manuale di diritto penale – leggi complementari – II – I reati fallimentari, tributari, ambientali e dell’urbanistica, p. 26, “tradução livre do autor”.

12

(20)

evidencia o extremo grau de contrariedades que permeia a disciplina jurídica do

tema.

Mas, sem sombra de dúvida, o epicentro da polêmica que gravita em torno

dessa categoria especial de infrações penais, diz respeito à função que a sentença

de falência desenvolve na estrutura das mesmas.

Com efeito, a natureza jurídica a ser atribuída à referida decisão é, ainda

hoje, objeto de inafastáveis contestações doutrinárias, que decorrem

notadamente da estrutura pouco uniforme dessa espécie singular de delitos, não

se perdendo de vista, ademais disso, os desdobramentos pragmáticos que advêm

do entendimento que se adote13, notadamente no que se refere ao plano da

imputação subjetiva.

De fato, o contorno que se dê à sentença de falência pode representar o

ponto de transformação de toda a sistemática a ser empregada na disciplina dos

crimes falimentares, que devendo estar em sintonia com os princípios que

informam a ciência penal hodierna, reclamam uma estrutura diferenciada da que

se assistiu nos últimos tempos e que exija a integração dos elementos objetivos e

subjetivos da figura delituosa com a falência, e não a simples apenação de

determinados fatos porque houve a quebra da empresa. Essas mesmas

considerações já se apresentavam na doutrina contemporânea à revogada Lei de

Falências (Decreto-lei n.° 7.661/45), consoante registra Valverde:

demais: “[...] cremos cabível sustentar (o que não deixa de redundar em tipo de classificação a respeito) que fraude, favorecimento e desvio (artigos 168, 172 e 173) atingem mais diretamente o patrimônio (sentido amplo) dos credores; que a indução a erro descrita no artigo 171, bem como a habilitação ilegal de crédito, que atingem mais de perto a administração da justiça; que a omissão de escrituração (art. 178) pode representar perigo mais próximo relativamente aos ‘interesses envolvidos na massa falida’ [...]” (SILVA, Antonio Paulo C. O.. Comentários às disposições penais da Lei de recuperação de empresas e falências, p. 20-21).

13

(21)

Contra a presunção juris et de jure, de que o fato ou o conjunto de fatos mencionados na lei, de autoria do falido, fôra a causa da falência (o dano), insurgem-se os criminalistas, por considerar este nexo de causalidade, mera criação da lei, como sobrevivência da responsabilidade penal por dano objetivo do antigo direito falimentar, absolutamente inadmissível no direito penal moderno, que não conhece ‘no tocante à culpabilidade (ou elemento subjetivo do crime) outras formas além do dolo e da culpa ‘stricto sensu’ [...] 14

A fim de se evitar os mesmos erros cometidos no passado, e que de certa

forma têm estigmatizado a disciplina dos crimes falimentares, a próxima etapa

na evolução destes deve buscar a aproximação do evento da falência com a

conduta típica, a ela conectando-se em relação de causalidade material e moral,

conforme a regra que impera em todo o sistema penal, que cada vez mais deve

pugnar pela homogeneização de seus princípios informadores,

Na legislação brasileira, o advento da recém-publicada Lei n.° 11.101, de

9 de fevereiro de 2005 é, sem dúvida, o momento em que se assiste à retomada

dessas questões pela doutrina, sendo, também, a oportunidade para que haja a

acomodação das características dessa espécie sui generis de infrações penais às

exigências que, numa perspectiva garantista, instruem o moderno direito penal.

14

(22)

3 OS CRIMES FALIMENTARES NA LEGISLAÇÃO ESTRANGEIRA.

A falência da pessoa jurídica é, com efeito, instituto reconhecido

universalmente nas legislações estrangeiras, corolário, obviamente, da dinâmica

do comércio que inevitavelmente reclama a disciplina legal do estado de

insolvência empresarial.

Nesse contexto, a quebra da empresa vem sendo maciçamente tratada de

forma diferenciada dentro das legislações vigentes, conforme haja se operado de

forma corriqueira ou de maneira anômala, com interferência de alguma sorte de

manobra — especialmente fraudulenta — e que venha comprometer os direitos

dos credores.

Assim, os crimes falimentares representam um capítulo onipresente na

estrutura legal da falência, diagnóstico que fica evidente quando se passa em

revista a legislação estrangeira referente ao tema.

É bem de se ver que as figuras delituosas guardam evidentes semelhanças

na maioria dos diplomas consultados, divergindo, na maioria das vezes, em

relação ao alcance de seus tipos penais.

No que diz respeito à sentença de quebra percebe-se nitidamente,

diferente do que ocorreu na lei brasileira, não haver grande preocupação em

definir-lhe a natureza jurídica, muito embora essa possa, em alguns casos, ser

claramente extraída pelo contexto e redação empregada.

De qualquer forma, é imperiosa a constatação, ainda que perfunctória, da

(23)

estrangeira, especialmente como critério de consideração das disposições aqui

introduzidas nessa disciplina pela Lei n.° 11.101, de 9 de fevereiro de 2005.

3.1 Argentina

Na Argentina os crimes falimentares ganharam previsão

diretamente no corpo da Parte Especial do Código Penal, ficando a “Ley de

Concursos y Quiebras” (Ley 24.522) afeta exclusivamente às questões de

matéria estritamente comercial.

No Título VI do Código Penal, que trata dos crimes contra o

patrimônio, o Capítulo 5 — sob o nomem juris “Quebrados y otros deudores

punibles” — encontram-se agrupadas as infrações penais relativas às falências

(artigos. 176 a 180).

O legislador argentino adotou a tradicional distinção entre os atos

considerados de falência fraudulenta (artigo 176) e os de falência culposa (artigo

177), estabelecendo, ainda, disposições específicas relativas ao concurso de

agentes (artigo 178).

Vê-se que os tipos penais são bastante enxutos, e elevam à condição

de ilícitos penais, condutas igualmente consagradas a esse título na maioria dos

países que prevêem infrações penais de natureza falimentar em suas legislações

como, verbi gratia, a simulação de dívidas, a ocultação de bens, o favorecimento

a credores e os gastos pessoais excessivos etc.

No que se refere às penas, tanto para a falência fraudulenta quanto

para a falência culposa cominaram-se penas privativas de liberdade, cumuladas

(24)

Código Penal Argentino, que consiste na privação do emprego, cargo ou

profissão e a incapacitação para a obtenção de outro do mesmo gênero. Em

termos comparativos com a legislação pátria a “inhabilitación especial” se

assemelha aos chamados efeitos da condenação previstos em nosso Código

Penal.

No que tange ao decreto de quebra, não houve qualquer referência

expressa à sua natureza jurídica.

Todavia, tanto o artigo 176 (falência fraudulenta)15, quanto o artigo

177 (falência culposa)16 inseriram o decreto de quebra no enunciado de seus

respectivos caput, o que força concluir que tal decreto foi elevado à condição de

elementar dos referidos tipos penais, aí descansando sua natureza jurídica.

3.2 Chile

No Chile, a exemplo do Brasil, a previsão dos crimes falimentares

encontra-se destacada do Código Penal, sendo trazida na legislação especial, in

casu na chamada “Ley de Quiebras” (Lei n.° 18.175, publicada no D.O. de

28.10.82) que, tratando genericamente da questão falimentar, previu, em seu

título XIII (artigos 218 a 234), os chamados “Delitos relacionados con las

quiebras”.

15

In verbis: “Art. 176. Será reprimido, como quebrado fraudulento, con prisión de dos a seis años e inhabilitación especial de tres a diez años, el comerciante declarado en quiebra que, en fraude de sus acreedores, hubiere incurrido en alguno de los hechos siguientes:

(...)

16

(25)

Referida legislação distingue, do ângulo subjetivo, três modalidades

de falência: a fortuita, a culposa e a fraudulenta, elevando somente as duas

últimas à condição de ilícito penal, cominando, obviamente, apenações distintas

em cada caso.

As hipóteses de falência culposa, agrupadas nos doze incisos do

artigo 219, relacionam-se com atos de gestão temerária, punindo a atividade

imprudente do empresário que contribui para a quebra, como, verbi gratia,

gastos pessoais excessivos, investimentos de alto risco, assunção de fiança, entre

outros. Os casos de falência fraudulenta vêm previstos no artigo 220, que ao

longo de dezesseis incisos descreve manobras voltadas à redução dos ativos ou

aumento dos passivos da empresa, no intuito de dolosamente comprometer o

pagamento dos credores, neste rol incluindo-se figuras conhecidas na legislação

brasileira como a destruição de livros, o pagamento antecipado de credores, a

ocultação de bens, entre outros.

A estrutura dos delitos falimentares na lei chilena é bastante

minuciosa, descrevendo exaustivamente as figuras delituosas que podem

envolver o processo falimentar. Nesse particular, aliás, percebe-se nítida

semelhança dos tipos penais com a nossa revogada lei de falências (Decreto-Lei

n.° 7.661, de 21 de junho de 1945).

A lei chilena não deixou explícita a natureza jurídica da sentença

declaratória de falência em relação aos seus crimes falimentares, tampouco a

mencionou na descrição das infrações penais.

No entanto, ao tratar do procedimento criminal a ser adotado, deixa

(26)

criminal possa ser acionado. É o que dispõe o artigo 222 da referida lei, in

verbis:

Art. 222. El tribunal que no tuviere jurisdicción en lo criminal, cuando estime que pueda configurarse alguna de las presunciones establecidas en los artículos 219, 220 y 221, oficiará al juez del crimen poniendo en su conocimiento la declaratoria de quiebra. Igual comunicación deberá efectuar cuando lo solicite el Fiscal Nacional o la junta de acreedores.

Embora a “Ley de quiebras” haja silenciado, o artigo acima

timidamente sugere que a natureza jurídica da sentença de quebra, para fins

penais, liga-se ao direito adjetivo, tanto pelo teor do dispositivo quanto por sua

localização dentre as normas de caráter procedimental relativas aos crimes

falimentares.

3.3 Paraguai

No direito paraguaio as figuras delituosas relacionadas às falências

encontram previsão no corpo do próprio Código Penal (Ley n.° 1160/97),

estando concentradas nos artigos 178 a 183, no capítulo dedicado aos “Hechos

punibles contra otros derechos patrimoniales”.

Desde logo, percebe-se que as referidas infrações revelam graves

deficiências no que tange ao conteúdo de seus enunciados, o que decorre

notadamente da redação exaustiva dada aos tipos, que acabaram por se tornar

bastante confusos, notadamente no que tange à distinção entre os tipos dolosos e

culposos, aspecto em que a lei permaneceu omissa, e distribuídos de maneira

quase que aleatória entre artigos e parágrafos, numa acomodação pouco lógica e

(27)

No que pesem as falhas na técnica legislativa, a lei paraguaia

manteve-se medianamente congruente com as figuras criminais de natureza

falimentar de outros países, tipificando a ocultação e a omissão de livros

contábeis, a gestão imprudente, o favorecimento a credores etc.. Vale enfatizar,

no entanto, a previsão das duas qualificadoras (“Casos graves”) trazidas no

artigo 180, que possibilitam o aumento da pena privativa de liberdade para até

dez anos, no caso do falido haver agido com fim de enriquecimento ou colocado

em risco de indigência um número expressivo de pessoas.

No que tange ao decreto de falência, há a previsão expressa no §2.°

de que no crime de “Conducta conducente a la quiebra” o fato só será punível

quando haja ocorrido a cessação de pagamento ou decretada a quebra da

empresa. Embora o dispositivo não defina expressamente a natureza do decreto

de quebra em relação às infrações penais, condiciona a aplicação da pena à

ocorrência desse fato, sendo crível que o legislador implicitamente reconheceu-o

como condição de punibilidade.

3.4 Portugal

O Título II do Código Penal português, que define os crimes contra

o patrimônio, prevê, em seu Capítulo IV, os chamados “Crimes contra direitos

patrimoniais”, dentre os quais encontram-se três artigos relativos a infrações

penais de caráter falimentar, os quais receberam a atual redação a partir da Lei

n.° 65/98.

Sob os nomem juris de “Insolvência dolosa” (artigo 227),

“Insolvência negligente” (artigo 228) e “Favorecimento de credores” (artigo

229), o legislador tipificou modalidades de fraudes e de gestão temerária da

(28)

países, descrevendo a título de dolo, condutas, verbi gratia, como o desvio de

bens, a falsificação de livros contábeis, a simulação de dívidas, entre outros, e a

título de culpa os gastos extravagantes, a especulação financeira arriscada e até a

ausência de providências de recuperação diante da insolvência iminente.

Em todos os três artigos a legislação portuguesa condiciona

expressamente a aplicação da pena à declaração judicial da insolvência ou ao

decreto de falência, com a peculiaridade — por sinal bastante interessante — de

que os parâmetros de apenação serão diversos, sobrevindo um ou outro

resultado, reservando-se as penas mais expressivas para a última hipótese.

Vê-se que o legislador português não se preocupou em definir a

natureza dos decretos de insolvência ou falência em relação às infrações penais,

restando à doutrina e à jurisprudência penal o debate sobre a questão.

3.5 Espanha

Na legislação hispânica as infrações penais relativas às quebras

também se encontram incorporadas à Parte Especial do Código Penal, estando

inseridas no Título referente aos “Delitos contra el patrimônio”, mais

precisamente entre os delitos relacionados no Capítulo “De las insolvencias

punibles”.

Reduzidos ao número de três (artigos 259 a 261), os tipos penais

apresentam-se extremamente enxutos, tendo o legislador espanhol nitidamente

divorciado-se da opção por uma previsão exaustiva de diversas formas de

(29)

Embora o Código preveja outras modalidades de fraudes a credores

o fato é que somente relacionou algumas situações diretamente ao estado

falimentar, limitando-se, em síntese, a dar previsão típica às hipóteses de

pagamento antecipado de credores (artigo 259), o agravamento doloso do estado

de insolvência (artigo 260) e a apresentação de contabilidade falsa (artigo 261).

No que se refere ao status da declaração de quebra, verifica-se que

nos três artigos em questão esta vem, sem exceção, inserida nos enunciados

típicos, não havendo qualquer previsão explícita ou exclusiva quanto a sua

natureza jurídica na relação de direito penal.

3.6 Itália

No direito italiano, as infrações penais de natureza falimentar não

foram incorporadas diretamente ao texto do Código Penal, tendo sido alocadas

para o corpo da legislação falimentar (Lei n.° 267 de 16 de março de 1942).

As disposições penais da referida lei mostram-se como das mais

exaustivas, dentre as encontradas nas legislações falimentares estrangeiras,

tendo o legislador dedicado diversos artigos (216-241) à previsão minudente das

infrações penais, bem como ao procedimento penal a ser observado.

A parcela penal da lei de falências italiana, dado seu conteúdo

híbrido, que previu, a um só tempo, normas de caráter substantivo e adjetivo,

foi, com efeito, dividida em quatro capítulos distintos, a saber: i) crimes

cometidos pelo falido (artigos 216-222); ii) crimes cometidos por pessoa diversa

do falido (artigos 223-235); iii) Disposições aplicáveis no caso de concordata

preventiva, de administração controlada e de liquidação administrativa (artigos

(30)

Entre os crimes cometidos pelo falido verifica-se a dicotomia

tradicional que separa o delito de falência simples (artigo 217), caracterizada por

atos de imprudência do empresário, e o de falência fraudulenta (artigo 216),

traduzida pela atividade dolosa em prejuízo dos credores. Há, ainda, no mesmo

capítulo, a previsão de circunstâncias agravantes e atenuantes (artigo 219), bem

como de outras figuras delituosas como o recurso abusivo ao crédito (artigo 218)

e a denúncia de credores inexistentes (artigo 220).

No capítulo seguinte, ao tratar dos delitos cometidos por pessoa

diversa do falido, o legislador voltou-se precipuamente contra os atos que

pudessem vir a ser praticados pelos administradores, diretores, síndicos e

liquidantes, basicamente impondo-lhes as mesmas penas da falência fraudulenta

e da falência simples, obviamente conforme a natureza de seus atos.

Com relação à sentença declaratória de falência há, no artigo 7.° da

referida lei, sob o nomem juris “Stato d’insolvenza risultante in sede penale”, a

determinação de que o Procurador da República requeira a decretação da quebra

da empresa que se tornou insolvente em razão de manobras fraudulentas,

disposição que, embora alocada no início da lei, sinaliza de forma tímida a

natureza jurídica da referida sentença, questão que adiante encontra sinais mais

consistentes.

De fato, é no artigo 238 que se encontra a referência expressa aos

efeitos da declaração de falência em relação às infrações penais. Sob o título

“Esercizio dell’azione per reati in materia di fallimento”, merece destaque o

conteúdo do referido dispositivo, in verbis:

(31)

Inicia-se antes mesmo no caso previsto no artigo 7 e em todos os outros nos quais concorram graves motivos e que já exista ou seja apresentado contemporaneamente requerimento para obter a declaração citada. (tradução livre do autor)

A lei falimentar italiana mostra, quanto ao tema, posição

diferenciada em comparação com a maioria das legislações estrangeiras,

notadamente porque não adotou uma posição uniforme em relação a todas as

figuras delituosas, distinguindo a necessidade de prévia declaração de quebra

para o exercício da ação penal, unicamente em relação à falência simples e à

fraudulenta. É bem de ver-se que em relação aos demais delitos não prescindiu

do mesmo decreto, mas apenas admitiu o início do processo penal mediante a

simples existência de pedido de falência já ajuizado.

Essa postura, diferenciada e inédita, reforça a conclusão de que o

legislador italiano deu à sentença declaratória de falência contornos de condição

de procedibilidade da ação penal, tendo, portanto natureza de ordem

exclusivamente processual, o que se infere por mais de um argumento que

merece destaque, ainda que perfunctório.

Inicialmente porque a questão foi topograficamente inserida dentro

do capítulo IV, que foi dedicado exclusivamente às disposições processuais

relativas aos crimes falimentares. Tangenciando o mesmo argumento, a

abordagem veio no artigo 238, que, conforme salientado, estampa o nomem juris

do exercício da ação por crimes em matéria falimentar. Finalmente, e aí se

ingressa na interpretação do dispositivo legal, verifica-se que a norma é explícita

em relação à quebra como condição para o início da ação penal falimentar e não

à punibilidade de eventual condenado.

Vê-se que o legislador italiano também não foi explícito, como o

(32)

relação às infrações penais. No entanto, os aspectos sucintamente extraídos do

artigo 238, deixam assente que, ao relacionar a declaração de quebra com a

questão penal, houve apenas a vinculação a desdobramentos de ordem

estritamente processual (v.g., custódia do falido, comunicação ao Procurador da

República, entre outros), o que dá consistente margem de argumentos a ensejar o

entendimento de que tal decreto guarda contornos, na lei peninsular, de instituto

de natureza estritamente adjetiva.

3.7 França

Na França as infrações penais de natureza falimentar também se

encontram fora do corpo do Code Pénal, estando concentradas na legislação

extravagante, in casu no Code de Commerce (Ord. n.° 2000-912 du 18 sept.

2000, com as alterações decorrentes da L. n.° 2005-845 du 26 juillet 2005).

Assim, referido Código prevê, no Título V, capítulo IV, sob a

designação “De la banqueroute et des autre infractions”, os delitos ligados à

falência e institutos correlatos, disciplinando, entre os artigos 654-1 e 654-20, os

tipos penais e o correspondente procedimento penal.

A legislação francesa não apresenta distinções expressivas no que

tange ao elenco das figuras delituosas, prevendo infrações penais já consagradas

na maioria das legislações sobre o tema, como, verbi gratia, a dissimulação

patrimonial, o aumento fraudulento do passivo, além das condutas relativas aos

documentos contábeis como omissões e irregularidades (654-2).

No que tange à pena privativa de liberdade, enquanto regra, é

fixada em cinco anos e multa de 75.000 € (654-3), aumentando-se, em caso de

(33)

de 100.000 € (654-4), além das peines complémentàires, basicamente focadas

em restrições ao crédito, ao comércio e ao exercício de funções públicos

(654-5).

A grande distinção que a legislação francesa apresenta, em

comparação com as demais até aqui analisadas, diz respeito, ainda em relação às

penas, à possibilidade de responsabilização penal das pessoas jurídicas que

venham a contribuir com a prática de alguma das infrações penais previstas na

mesma lei (654-7), tema inegavelmente polêmico na doutrina penal mundial e

que na legislação gaulesa, no entanto, parece haver se consolidado.

Nesses casos a pena prevista, no próprio Code de Commerce, é a

multa, além das demais previstas genericamente às pessoas jurídicas na parte

geral do Code Pénal (131-39), como a interdição, temporária ou permanente, de

determinadas atividades, a dissolução, o fechamento, temporário ou definitivo e

o confisco de bens.

No que se refere à natureza jurídica da sentença declaratória de

falência, a lei francesa não faz qualquer consideração nesse sentido, muito

embora a abertura de procedimento de liquidação ou de recuperação

(redressement) esteja inserida no caput do art. 654-2, que justamente concentra

a parcela expressiva das infrações penais falimentares. Nessa perspectiva,

(34)

4 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS DELITOS FALIMENTARES NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

A análise das infrações penais de natureza falimentar demanda,

necessariamente, a digressão histórica do tema dentro da legislação brasileira,

método de interpretação unanimemente reconhecido na doutrina por ser,

indubitavelmente, fonte de valiosos elementos para a compreensão da norma em

vigor.

Sobre a importância da interpretação histórica é a advertência de Garcia,

no sentido de se “[...] conhecer as leis pela História e a História pelas leis.

Sabendo-se como adveio o texto, pode ter-se idéia nítida da ratio legis, da sua

razão determinante.”17

Com efeito, é interessante observar que a falência, elevada ao status de

infração penal, é fenômeno de notável registro histórico. De fato, as primeiras

legislações vigentes em solo brasileiro já reconheciam certos casos de quebra

como ilícitos na esfera do direito criminal, verificando-se diversos aspectos na

lei falimentar vigente, cujos primórdios se encontram nitidamente delimitados já

na legislação do período colonial.

Importa advertir que a questão será tratada apenas a partir do

descobrimento, deixando-se de lado o período que o antecedeu, visto que, dada a

característica absolutamente rudimentar das sociedades indígenas que aqui

habitavam, certamente restaria impossível a constatação de elementos mínimos

para que se pudesse chegar a cogitar da noção de crime falimentar.

17

(35)

4.1 Período Colonial — As Ordenações Filipinas

No período compreendido entre o descobrimento, em 1500, e a

proclamação da independência, em 1822, historicamente conhecido por Período

Colonial, é quando tem início a história do direito penal no Brasil, enquanto

sistema positivo.

É certo que o status de mera colônia não permitia que aqui se

estabelecesse um sistema de normas próprias, ficando em vigor, por isso, a

legislação peninsular. Nessa conformidade, a legislação aplicada no Brasil

naquele intervalo foi, invariavelmente, a mesma que vigia em Portugal.

À época do descobrimento vigoravam as primeiras Ordenações do

Reino — editadas entre 1446 e 1447 — que foram chamadas de Ordenações

Afonsinas, embora não haja a mínima notícia de sua aplicação no Brasil, então

recém-descoberto. De vida curta, as Ordenações Afonsinas vigoraram somente

até o Reinado de D. Manoel, o Venturoso, que logo ordenou fossem substituídas

pelas “Ordenações Manoelinas” que, colocadas em vigor por volta de 1521,

também não apontaram qualquer registro no Brasil18, certamente pelo fato do

processo de colonização encontrar-se ainda em estágio inicial.

Em meados de 1.603, as Ordenações Manoelinas acabaram sendo

revogadas19, por determinação de El-Rey, D. Felipe III de Espanha e II de

18

Edgard Magalhães Noronha, citando o Visconde de Taunay, narra a suposta passagem em que um magistrado teria solicitado aos vereadores de Piratininga as “Ordenações do Reino”, não logrando êxito em encontrar-se um exemplar sequer (Direito Penal, v. 1, p. 55).

19

(36)

Portugal, dando lugar às chamadas Ordenações Filipinas ou Código Filipino,

estas sim tendo sido largamente aplicadas no Brasil, e concentrando toda a

matéria penal ao longo de seu Livro V, notabilizado pela hipertrofia de figuras

delituosas atreladas a penas crudelíssimas que, consoante Dotti, “desvendaram

durante dois séculos a face negra do Direito Penal” 20.

A despeito dos inegáveis excessos, as Ordenações Filipinas, com a

redação exótica que a notabilizava, já faziam a previsão de modalidades de

delitos falimentares, tratando da matéria em seu Título LXVI, sob o nomem juris

de “Dos Mercadores que quebrão. E dos que se levantão com fazenda alhea”.

As disposições contidas no referido título, descrevem condutas que,

de certa forma, ainda hoje são reconhecidas como infrações penais, guardadas

obviamente as inevitáveis diferenças que quatro séculos trazem. Assim,

verifica-se a previsão de condutas praticadas pelos chamados “Mercadores” como o

desvio de bens, a simulação de dívidas e a ocultação de livros, as quais

encontram eco nas legislações penais falimentares modernas.

O “Mercador” que viesse a praticar qualquer das fraudes descritas,

estaria sujeito às mesmas penas atribuídas aos “públicos ladrões” e

“roubadores”, bem como perpetuamente inabilitado para o “Officio de

Mercador”. Percebe-se que naquela época o crime de quebra era havido como

contra o patrimônio, já se reconhecendo o instituto da inabilitação, existente até

hoje.

Ainda no que tange às penas, também já se via estabelecida a

distinção em razão do conteúdo subjetivo do delito, atribuindo-se sanções

o nome de ‘Código Sebastiânico’ e teve força de lei, pelo Alvará de 14-2-1959.” (Fernando da Costa Tourinho Filho, Processo Penal, v.1, p. 176)

20

(37)

expressivamente mais brandas aos casos de insolvência decorrente de culpa,

nesse aspecto verificando-se, com nitidez, os primórdios do que viria a tornar-se

a conhecida distinção entre falência fraudulenta e falência simples. Havia, ainda,

a expressa isenção de pena para aqueles que se tornassem insolventes por caso

fortuito ou motivos de força maior.

As Ordenações Filipinas traziam, ainda, disposições de natureza

eminentemente procedimental, abordando questões como a busca e apreensão de

bens, a prisão processual e a publicação de editais. Ademais disso,

consignaram-se extensas normas relativas aos eventuais cúmplices dos delitos.

É nítida a relação de semelhança e de proximidade que as

disposições das Ordenações Filipinas guardam com as legislações modernas21,

tornando seu conteúdo, por via de conseqüência, de grande interesse na

interpretação histórica da ilicitude penal na falência.

De fato, ao que se percebe, algumas das manobras fraudulentas que

hodiernamente têm previsão típica como infrações penais falimentares, já eram

outrora constatadas e igualmente fixadas na legislação criminal, denotando que a

dinâmica dessas modalidades de fraudes, sob certo aspecto, não chegou a ser

efetivamente reformulada, em que pese o desenvolvimento da estrutura

empresarial do país nos séculos subseqüentes, mas apenas atualizada.

21

Nesse sentido está igualmente a conclusão de Requião: “A nova redação começava por enunciar as várias modalidades de fraude na quebra, não muito diferentes das que ainda são conhecidas...” (Rubens Requião,

(38)

4.2 O Alvará de 13 de novembro de 1756

A questão falimentar, ao que se percebe, entrou no Brasil através da

porta do direito penal, na conformidade do quanto estabelecido no Livro V das

Ordenações Filipinas (subitem 4.1 retro).

Suas raízes, no entanto, só alcançaram o campo do direito

comercial na legislação lusitana, de maneira efetiva, por conta de uma tragédia

que assolou a capital.

Com efeito, a falência ganhou espectro e estrutura mais ampla, após

um terremoto havido em Lisboa, em 1.° de novembro de 1755, o que teria

ocasionado uma grande turbulência na economia. De fato, ao que se tem notícia,

o estado de calamidade fomentou, a um só tempo, enormes dificuldades no

comércio e, de outra banda, o aumento das fraudes.

Nesse contexto, tornou-se premente a necessidade de modificação

das disposições contidas no Título LXVI, do Livro V das Ordenações Filipinas

(subitem 4.1. retro), missão que coube a Sebastião de Carvalho e Melo — o

Marquês de Pombal — então Primeiro-Ministro de Portugal.

A fim de contornar a situação, o Marquês de Pombal fez promulgar

o Alvará de 13 de novembro de 1756, tido na doutrina como o diploma que

efetivamente instituiu a falência no direito comercial português, deixando de

tratá-la apenas como uma questão de natureza estritamente penal — embora haja

implementado transformações nesse sentido — evoluindo, também, para o

enfoque comercial, absolutamente necessário para a satisfação dos créditos do

(39)

Merece destaque a síntese de Paes de Almeida sobre as disposições

introduzidas pelo referido Alvará:

Impunha-se ao falido apresentar-se à Junta do Comércio, perante a qual ‘jurava a verdadeira causa da falência’. Após efetuar a entrega das chaves ‘dos armazéns das fazendas’, declarava todos os seus bens ‘móveis e de raiz’, fazendo entrega, na oportunidade, do Livro Diário, no qual deveriam estar lançados todos os assentos de todas as mercadorias, com a discriminação das despesas efetuadas..

Ultimado o inventário dos bens do falido, seguir-se-ia a publicação de edital, convocando os credores.

Do produto da arrecadação, dez por cento eram destinados ao próprio falido para o seu sustento e de sua família, repartindo-se o restante entre os credores.22

De fato, estabeleceu-se um procedimento falimentar fixando-se,

inclusive, um juízo especializado para a matéria, a quem incumbia a apreciação

da existência ou não de fraude na quebra23. Distinguiram-se as hipóteses de

falência fraudulenta, culposa e inocente, consoante Requião:

Mas o Alvará, que constitui a nosso ver o ponto de partida para o estudo da instituição falimentar no direito pátrio, regula não só a punição penal do crime falimentar, mas também a falência culposa e a inocente. Assim, determinava que os comerciantes que por culpa perdessem seus bens, jogando ou gastando demasiadamente, incorriam nas mesmas penas, exceto que não seriam equiparados aos ‘publicos ladroens”, nem seriam ‘condenados em pena de morte natural’, mas em penas de degredo.24

Assim, colônia que era, o Brasil também ficou submetido, em

matéria falimentar, às disposições do Alvará de 13 de novembro de 1756.

22

ALMEIDA, Amador Paes de. Curso de Falência e Concordata, p. 6

23

Consoante descreve Ferreira:“Tanto que se achassem instruídos os processos verbais, se convocariam conferências, que fossem necessárias, para se compreenderem cabalmente as causas da falência, julgada afinal, segundo seu merecimento, por pluralidade de votos. Julgada a quebra fraudulenta, remeter-se-ia o processo verbal ao juízo conservador do comércio, o qual pronunciaria e prenderia os culpados, seguindo-se o processo penal.” (Waldemar Ferreira, Tratado de Direito Comercial, v.14, p.28)

24

(40)

4.3 Período Imperial — Código Criminal do Império do Brasil

Com a proclamação da independência se fazia mister que esta se

desse igualmente no campo do direito, de sorte que a nova ordem política não

tardou em providenciar uma codificação penal que a acompanhasse, agora

assentada em bases e critérios bastante distantes daqueles em que estiveram

sedimentadas as Ordenações Filipinas.

Ao clima de reestruturação política trazida pela independência,

somava-se, ainda, um contexto mundial de renovação de valores —

conseqüência clara do movimento iluminista — o que certamente impulsionou

decisivamente a reestruturação jurídica do Brasil independente25, e o

surgimento, em 16 de dezembro de 1830, a partir do projeto original de

Bernardo Pereira de Vasconcelos, do Código Criminal do Império.

Diploma unanimemente reverenciado tanto por seu caráter liberal

quanto pela introdução de novos conceitos na dogmática criminal, que serviram,

inclusive, de inspiração a legislações estrangeiras26, o Código Criminal do

Império também não deixou de elevar à condição de ilícitos penais determinadas

condutas relativas à falência.

Assim no Título III, dedicado aos “crimes contra a propriedade”,

recebeu o Capítulo II o nomem juris “Banca-rota, estellionato e outros crimes

contra a propriedade”, sendo que o legislador do Império concentrou no artigo

263 toda a matéria relativa aos crimes de natureza falimentar, in verbis: Art.

25

Conforme enfatiza José Henrique Pierangelli, “Os movimentos liberais e as novas doutrinas penais, aliadas às modificações sociais do tempo, impunham que essas novas concepções viessem influir na nova legislação” (Códigos Penais do Brasil, p. 8)

26

(41)

263. A banca-rota que fôr qualificada de fraudulenta, na conformidade das leis

do commercio, será punida com a prisão com trabalho por um a oito annos.”

O Código Criminal do Império adotou uma fórmula bastante enxuta

na elaboração do tipo penal, elevando à condição de infração penal somente os

atos de fraude que viessem a ser praticados no curso da quebra. O conceito de

ato falimentar fraudulento, no entanto, foi expressamente remetido à legislação

comercial.

Tratava-se, com efeito, de norma penal em branco em que o

legislador, sem abrir mão de manter o delito falimentar agregado ao corpo da lei

comum, remeteu, praticamente in totum, o conteúdo do tipo penal para a

legislação comercial.

Na data da publicação do Código Criminal do Império (1830), não

havia ainda legislação comercial brasileira disciplinando a questão falimentar, o

que só veio a ocorrer em 1850 com o advento do Código Comercial.

Assim, o complemento da norma penal, até a vinda do Código

Comercial, ficou por conta do Alvará do Marquês de Pombal.

Com a publicação Código Comercial Brasileiro, em 1850, no título

dedicado às quebras, distinguiu-se a falência em três modalidades: casual, com

culpa e fraudulenta — distinção que implicitamente as Ordenações Filipinas já

faziam — ao depois descrevendo as condutas que caracterizariam cada uma das

situações.

A falência casual seria a decorrente de caso fortuito ou força maior

(42)

semelhantes àquelas que caracterizavam a falência simples no texto da Lei n.°

7.661/45, como, verbi gratia, o excesso de gastos pessoais, as perdas avultadas

em especulação ou em jogos etc.. Por derradeiro, a falência fraudulenta (artigo

802) vinculava-se a condutas até hoje reconhecidas como manobras dolosas em

prejuízo do patrimônio dos credores, como a ocultação de bens, a simulação de

despesas e a falsificação ou omissão de livros.

Interessa notar que o Código Comercial, além complementar o

conteúdo em branco do artigo 263 do Código Criminal do Império, acabou por ir

muito além, adentrando em temas de ordem estritamente criminal e que, por

conseguinte, deveriam ter sido colocados no corpo do Código Criminal. É o que

se percebe em relação às disposições referentes à cumplicidade (artigo 803) e

suas formas de exteriorização.

No que se refere às penas, como seria de se esperar, foram

expressivamente diminuídas em relação àquelas impostas nas Ordenações

Filipinas, tendo sido previstas exclusivamente na modalidade de prisão com

trabalhos e variando seus limites mínimo e máximo entre um e oito anos.

Por fim, releva notar que já no direito imperial o decreto falimentar

era reconhecido como condição para o exercício da ação penal. Filgueiras Júnior

cita acórdão do Supremo Tribunal, declarando nulo processo criminal em que tal

condição foi ignorada, in verbis:

O Supr. Trib., no Acc. De 3 de setembro de 1859, recorrente Manoel Pinto de Carvalho, recorridos José Pedro dos Santos e outros, declarou manifesta nullidade o ter-se começado a acção criminal sem que primeiro tivesse qualificado a bancarrota, como é expresso neste artigo; pois faltava, por conseguinte a base e corpo de delicto para o procedimento em juízo criminal, tornando-se por isso tumultuário, nullo e insubsistente todo o processo.27

27

(43)

Observadas as principais características dos crimes falimentares no

Período Imperial, conclui-se que as primeiras linhas da noção de fraude na

dinâmica das quebras, semeadas ainda nas Ordenações Filipinas, foram

efetivamente preservadas, muito embora tendo sido sensivelmente buriladas.

4.4 O Código Penal Republicano de 1890

De par com as intempéries de natureza política, a nova ordem

surgida a partir do advento da República, proclamada em 15 de novembro de

1889, com o golpe do Marechal Deodoro da Fonseca, reclamou a substituição da

codificação penal, tarefa que foi atribuída ao Conselheiro Batista Pereira, cujo

projeto, por força do Decreto n.° 847, de 11 de outubro de 1890, foi convolado

no Código Penal dos Estados Unidos do Brasil.

O código republicano, a despeito das merecidas críticas que sofreu

por conta de graves omissões e imprecisões técnicas, procurou atualizar os

aspectos em que seu antecessor havia caducado, notadamente em função das

substanciais alterações que a Lei Áurea havia trazido ao sistema jurídico.

No que tange aos delitos falimentares verifica-se que embora

tenham sido poucas as modificações trazidas em relação ao diploma imperial,

foram de nítida propriedade.

De fato, situados entre os “Crimes contra a propriedade pública e

particular” (Título XII), o legislador fixou nos artigos 336 e 337, no capítulo

intitulado “Da Fallencia”, as infrações penais de natureza falimentar. Bem de se

(44)

ao tema, visto que o conteúdo do artigo 337 dizia respeito à fraude a credores

praticada por quem não fosse comerciante.28

O conteúdo do artigo 336 não se distanciou expressivamente do

quanto rezava o artigo 263 do Código Criminal do Império, tratando-se,

igualmente, de norma penal em branco, cujo complemento era expressamente

remetido à legislação comercial em vigor.

Entretanto, o legislador republicano imprimiu algumas

modificações em relação à legislação pretérita, verdadeiramente merecedoras de

louvor.

Por primeiro, tratou de distinguir a falência fraudulenta da culposa,

estabelecendo patamares diferenciados de apenação num e noutro caso,

consoante exige o princípio da culpabilidade. Tal inovação foi de fundamental

relevo, visto que o Código Criminal do Império elevara apenas a falência

fraudulenta à condição de ilícito penal, muito embora o Código Comercial

distinguisse nítida e expressamente as condutas relacionadas à quebra culposa e

à quebra fraudulenta, o que chegou a importar no absurdo entendimento de que a

primeira deveria ser apenada na mesma conformidade da segunda, até que fosse

estabelecida a distinção em lei29, em notória desconsideração ao princípio da

excepcionalidade do crime culposo.

Assim, para a falência fraudulenta fixaram-se os limites da pena de

prisão entre dois e seis anos e para a culposa entre um e quatro anos.

28

A mesma crítica foi feita por Siqueira: “A rubrica do capitulo não condiz com a extensão de sua matéria, pois além da fallencia (art. 336), comprehende tambem a insolvencia, nos termos do art. 337.” (Galdino Siqueira,

Direito Penal Brazileiro, v. II, p. 741.

29

(45)

Ademais, foi trazida para o corpo do Código Penal (artigo 336, §

3.°), a mesma disposição já contida no Código Comercial que presumia, em

qualquer caso, como fraudulenta a falência dos corretores e agentes de leilão,

prescrição merecedora de indiscutíveis críticas já que reverencia abertamente a

malsinada responsabilidade penal objetiva.

Por fim o caput do artigo 336 coloca, de forma expressa, a

necessidade da declaração de falência para que possa ser iniciada a

correspondente ação penal falimentar, in verbis: “Art. 336. Todo commerciante,

matriculado ou não, que fôr declarado em estado de fallencia, fica sujeito à

acção criminal, se aquella fôr qualificada fraudulenta ou culposa, na

conformidade das leis do commercio.”

Vê-se que o legislador republicano vinculou o decreto falimentar ao

exercício da ação penal, o que leva concluir que o entendimento vigente na

oportunidade, dava à dita declaração natureza processual penal, já que

condicionava o início do processo criminal e não a punibilidade do falido.

Nesse aspecto, torna-se razoável, portanto, concluir que o Código

Penal republicano seguiu os passos do quanto já havia decidido a jurisprudência

do império (subitem 4.3 retro), apenas consignando esse entendimento no texto

legal, a fim de se evitar ações penais antes do decreto de quebra.

No mais, importa observar que o complemento do artigo, já que o

mesmo tratava-se de norma penal em branco, deveria ser buscado na legislação

comercial, consoante expressamente consignado na parcela final do artigo, que

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