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ASSÉDIO MORAL NO TRABALHO: O CONTEXTO EMPRESARIAL E AS VERBALIZAÇÕES DO PSICÓLOGO

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ISADORA BERARDO TUMULO

ASSÉDIO MORAL NO TRABALHO: O

CONTEXTO EMPRESARIAL E AS

VERBALIZAÇÕES DO PSICÓLOGO

Faculdade de Psicologia

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

São Paulo

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ISADORA BERARDO TUMULO

ASSÉDIO MORAL NO TRABALHO: O

CONTEXTO EMPRESARIAL E AS

VERBALIZAÇÕES DO PSICÓLOGO

Trabalho de conclusão de curso como exigência parcial para a graduação no curso de Psicologia, sob orientação da

Prof. Dra. Fátima Regina Pires de Assis

Faculdade de Psicologia

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

São Paulo

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Agradecimentos

“Acontece que o amor que nos acolhe no mundo, instituindo nossa confiança em"alguém que cuida", torna-nos devedores ou, no mínimo, reféns de um passado que é a história dos outros que já estavam lá e nos receberam”.

Contardo Calligaris

Agradeço a Deus por mais esta conquista em minha vida, por colocar ao meu lado pessoas maravilhosas, com as quais contei para realizar minha faculdade e uma vontade antiga, descoberta aos 14 anos, de ser psicóloga.

Dedico este trabalho com todo meu amor aos meus avós, Nícia e Benício, que me proporcionaram cursar com tranqüilidade e conforto a universidade por mim escolhida para a minha formação profissional. Dediquei-me durante os cinco anos de faculdade para me tornar uma psicóloga disposta a atender e passar aos demais meus conhecimentos e experiências, com o foco em orgulhar a cada dia aqueles que investiram e acreditaram em meu potencial.

Aos meus pais e familiares, pelo apoio incondicional despendido durante este período... Por todas as vezes em que deixaram seus afazeres para atender às minhas necessidades e caprichos relacionados ao dia-a-dia de minha formação.

Professores, a todos um forte abraço pelo carinho com que acolheram minhas dúvidas, inseguranças e pelas contribuições com conhecimentos e experiências significativas para minha formação pessoal e profissional, de modo especial à construção de um olhar crítico em relação à realidade.

À Professora Dra. Fátima Regina Pires de Assis, por sua participação memorável em minha formação em Análise do Comportamento, pela enorme atenção e disponibilidade para orientar este trabalho e pela compreensão total das dificuldades encontradas em seu percurso.

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Ao Professor Mestre André Bruttin, pela prontidão em realizar o parecer deste trabalho e pela sua importante participação em minha formação no âmbito da Psicologia Organizacional.

Aos psicólogos participantes da pesquisa, pela abertura à proposta de trabalho, pelo carinho e atenção com que fui recebida e principalmente por terem compartilhado suas experiências de vida e profissão para a produção do conhecimento científico em Psicologia.

Por fim, aos meus colegas de curso, pelo apoio e troca constantes de alegrias e angústias na construção de mais um ciclo de aprendizagem e crescimento em minha vida.

Isadora Berardo Tumulo

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Área de Conhecimento: 7.07.09.00-9 - Psicologia do Trabalho e Organizacional Assédio Moral no Trabalho: O contexto empresarial e as verbalizações do psicólogo, 2007

Orientanda: Isadora Berardo Tumulo

Orientadora: Prof. Dra. Fátima Regina Pires de Assis

Palavras-chave: assédio moral; psicologia organizacional; saúde.

RESUMO

A pesquisa visa investigar o relato de psicólogos organizacionais consultores, sobre o assédio moral, como o definem e que relação estabelecem entre o fenômeno e a organização do trabalho. Os participantes foram quatro psicólogos, dois do sexo masculino e dois do feminino, com idades entre 28 e 45 anos, com formação entre 1983 e 2005 e inseridos em consultorias de RH por um período de no mínimo seis meses. Para a coleta das informações foi utilizada a entrevista individual e o procedimento foi realizado em local designado pelo profissional, com duração média de trinta minutos, gravado e transcrito. Os resultados mostraram que os psicólogos identificaram os principais pontos apontados pelos autores como definidores do assédio moral, ressaltaram a importância do acesso à informação sobre o fenômeno, entretanto, atribuíram em sua maioria, a causa do assédio aos aspectos individuais. A análise dos resultados destacaram a necessidade de um diagnóstico organizacional, antes de realizar internvenções solicitadas pela empresa e apontaram para o fato que formas de contracontrole, apenas atingiriam casos indviduais e não dariam conta das causas do problema. Para atingí-lo, é necessário planejamento de contingências que facilitem a emergência de novos comportamentos, novas formas de organização do trabalho menos coercitivas, além de considerar sempre a relação entre o indivíduo e o ambiente, com o foco bastante evidente na promoção de saúde.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

A construção do conceito de assédio moral...7

Caracterização do fenômeno no ambiente de trabalho...11

Contextualizando o assédio moral nas relações de trabalho...15

Propostas de Intervenção...25

MÉTODO Participantes...31

Material...31

Procedimento...32

RESULTADOS E DISCUSSÃO...35

CONSIDERAÇÕES FINAIS...62

REFERÊNCIAS...64

ANEXOS Anexo 1: Entrevistas Completas ...67

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INTRODUÇÃO

A construção do conceito de Assédio Moral

O texto discute por meio dos autores selecionados um pouco da história da organização do trabalho, os modos de organização da gestão das pessoas no contexto empresarial e a produção de saúde ou sofrimento neste ambiente através de um tema norteador: o assédio moral.

O interesse inicial em estudar este tema da psicologia surgiu a partir da curiosidade em entender melhor a inserção do psicólogo nas empresas e suas possibilidades de atuação no sentido de promover saúde e pensar em ações que visassem a qualidade de vida dos funcionários. A partir desta visão e das primeiras pesquisas bibliográficas a respeito dos assuntos ligados ao sofrimento no ambiente de trabalho, a questão do assédio moral foi se configurando como uma preocupação atual de estudo em ciências humanas e merecedor de uma atenção especial por parte do psicólogo organizacional.

De acordo com Leymann (1996), o fenômeno do “assédio moral”, também conhecido como: "mobbing", "ganging up on someone", "bullying" ou

"psychological terror" foi por ele apresentado em 1984 através da publicação de um artigo sobre o assunto na revista “The National Board of Occupational Safety and Health” em Estocolmo, na Suécia, e ganhou destaque mundial em 2000 com a publicação do livro da psiquiatra francesa Marie-France Hirigoyen: “Assédio Moral: a violência perversa no cotidiano”; desde então, adquiriu um papel de destaque nos estudos atuais sobre essa área no ambiente de trabalho.

Leymann (1996), no entanto, faz uma distinção entre o termo “mobbing” e “bullying”, dizendo que o termo “mobbing”, utilizado pelo etólogo Konrad Lorenz em suas pesquisas para descrever o comportamento de ataque de pequenos animais em grupos a um animal maior, foi aproveitado pelo físico Heinemann para nomear comportamentos agressivos de grupos de crianças direcionados, em geral, a um único indivíduo.

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bullying” e “mobbing”, referindo-se ao fato de que o primeiro diz respeito a agressões físicas e poderia ser utilizado em relação às crianças, no caso do aparecimento deste comportamento na escola. O segundo foi utilizado para descrever comportamentos mais sofisticados que não envolvem agressões físicas; estão relacionados com a comunicação e são apresentados com freqüência no ambiente de trabalho. O autor ainda acrescenta que a primeira publicação de um livro mencionando o fenômeno apareceu em 1976 com Brodsky, que relacionou algumas situações de estresse e pressão vividas em indústrias.

As definições de alguns dos principais autores que estudam o assédio moral serão apresentadas e discutidas no sentido de proporcionar uma idéia geral de como o fenômeno vem sendo abordado, quais os pontos que unem essas visões e que aspectos ainda merecem atenção por parte dos pesquisadores.

Como definido por Leymann (1996), o terror psicológico ou assédio moral no trabalho envolve uma comunicação hostil e antiética dirigida a um ou mais indivíduos, em geral, a um único, de maneira sistemática em que a vítima se vê em uma situação de desamparo e impotência. Para que determinada conduta seja considerada assédio moral, é preciso que ocorra numa freqüência padrão, estatisticamente definida, de pelo menos uma vez por semana e por um período de tempo, também estatisticamente definido, de pelo menos seis meses de duração. Devido a esta alta freqüência e duração das agressões, os resultados em relação às vítimas levam em conta prejuízos mentais, psicossomáticos e sociais.

A definição do autor exclui conflitos temporários em que se procura o motivo do desentendimento, onde a situação teve início, porque foi desencadeada, etc. A distinção entre conflito e assédio moral não está no fato ocorrido ou em como aconteceu, mas sim na freqüência e duração do que quer que tenha sido feito.

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utilizado. Nestes casos, os conteúdos e significados das ações são alterados e conseqüentemente se tornam uma “arma de comunicação perigosa” (Leymann, 1996).

Ainda no que se refere à questão da definição do fenômeno, Hirigoyen (2001), propõe a seguinte formulação:

Por assédio moral em um local de trabalho temos que entender toda e qualquer conduta abusiva manifestando-se sobretudo por comportamentos, palavras, gestos, escritos que possam trazer dano à personalidade, à dignidade ou à integridade física ou psíquica de uma pessoa, pôr em risco seu emprego ou degradar o ambiente de trabalho (p. 65)

A autora justifica o uso dos termos agressor e agredido para referir-se ao assédio moral da seguinte maneira:

Escolhi deliberadamente usar os termos agressor e

agredido porque se trata de violência declarada, mesmo quando oculta, que tende a dirigir seu ataque à identidade do outro e dela extrair toda individualidade (p.16).

Complementando essa idéia, ainda acrescenta que o assédio moral tem início com agressões muito sutis que têm por objetivo deixar a vítima sem direção, sem entender o que se passa e, por isso, sem reação. Caracteriza o fenômeno como assustador, desumano, sem emoção, nem piedade.

Já na visão de Heloani (2004), uma definição possível do assédio moral seria:

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de brincadeiras de mau-gosto. (p.5)

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Caracterização do fenômeno no ambiente de trabalho

Na reportagem “Assédio Moral”, Abe (2006) destaca que o fenômeno aparece, de acordo com especialistas, como “epidemia do novo século” e “câncer do mercado de trabalho”. Os destaques são os resultados de pesquisas atuais mostrando que os países europeus consomem de 3% a 4% de seu PIB (Produto Interno Bruto) com doenças decorrentes do assédio moral.

As condutas do agressor destacadas pela reportagem citada envolvem ameaças sobre o risco de desemprego e demissão; chamar o outro de incompetente; repetir ordens a respeito de atividades simples ou colocá-las de maneira confusa ou contraditória; desmoralizar publicamente; faltar com informações que permitam a continuidade de um trabalho em desenvolvimento; exigir mudança de turno sem aviso prévio; espalhar pela empresa que o funcionário está com problemas nervosos ou com desvios de conduta.

De acordo com Hirigoyen (2001), o agressor age de maneira que a vítima perceba o que acontece, mas não possa se defender, ou seja, a agressão acontece, por exemplo, através de suspiros, erguer de ombros, ignorar a presença, olhares de desprezo, questionamento ou crítica excessiva e comentários indiretos.

Entre outras manobras utilizadas pelo agressor para atingir seu objetivo de afastar a vítima da empresa, estão: humilhação com sarcasmos e ironias que impeçam a vítima de saber se o que o agressor diz é verdade, mentira ou brincadeira; isolamento do funcionário da realização de tarefas, reuniões e comemorações para justificar a inutilidade da pessoa na empresa e demiti-la; estabelecimento de metas impossíveis de serem cumpridas e abuso sutil de poder (ibid.).

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funcionários para aumentar a produção em troca da manutenção do emprego ou de uma promoção. Esta postura da empresa demanda do funcionário: submissão, obediência e alta performance. Além disso, a pressão pelo alcance dos resultados favorece a criação de um ambiente de disputa, divergências e assédio moral.

Heloani (2004) concorda com essa idéia e destaca que, no ambiente empresarial da atualidade, a competitividade é estimulada de maneira sutil, ou seja, o discurso da empresa incentiva a cooperação entre os funcionários organizados em equipes, mas de maneira velada estimulam a competição entre eles mostrando um verdadeiro abismo entre o discurso e a prática.

Outro autor que discutirá a competitividade do ponto de vista da Análise do Comportamento como fator crucial para o entendimento das relações humanas, é Sidman (2003) que vai dizer que a competição está relacionada aos estados de privação vividos pela humanidade por meio da limitação de recursos e oportunidades para todos, afirmando que em nossa sociedade a competição é admirada e valorizada como qualidade humana e premiada quando um indivíduo atinge um objetivo que era disputado por várias pessoas.

Sidman (2003) aponta que com esta configuração, o lado coercitivo da competitividade é deixado em segundo plano, uma vez que há escassez de oportunidades de desenvolvimento pessoal. O autor quer dizer que o sucesso de uma pessoa necessariamente implicará no fracasso de outra, que será punida por não ter alcançado tal status. Como forma de lidar com este fator, os indivíduos criam condições de assumir o controle das situações para direcioná-las em seu favor e alcançar os objetivos pretendidos.

Para o autor, este não é o único jeito de conduzir as relações humanas, pois se aqueles que desfrutam de melhores oportunidades as compartilhassem com os demais, os estados de privação seriam menores e não produziriam contracontrole social violento.

Nas palavras de Sidman (2003):

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contracoerção. (...) Os efeitos destrutivos da competição e os resultados construtivos da cooperação são freqüentemente muito atrasados e a conduta é relativamente insensível a conseqüências atrasadas (pág. 237).

Segundo Hirigoyen (2001), o objetivo último do agressor é induzir a vítima a cometer erros, a ser culpada ou culpar-se por alguma situação problema no trabalho. A finalidade última do agressor é fazer com que a vítima peça demissão ou seja afastada de seu cargo pela empresa. Por não entender o que realmente está acontecendo, isto é, por ser colocada pelo agressor numa situação desagradável, a vítima pode ainda se perguntar se está realizando ou não um bom trabalho, se é aceita pelo grupo, se irritou alguém, etc.

A vítima pode ser aos poucos sobrecarregada de trabalho, cobrada o tempo todo e sentir-se confusa com o que está acontecendo; pode tornar-se passiva na situação ou conversar com as pessoas em volta, inclusive com aquela reconhecida como “exploradora” para entender o que se passa. Entretanto, a comunicação é vetada pelo agressor que se nega a conversar ou assumir que há algo de estranho com o relacionamento (ibid.).

Nesta linha, Leymann (1996) propõe uma divisão das condutas de comunicação negativa em cinco categorias, de acordo com os efeitos que provocam nas vítimas:

1) Quanto à possibilidade de comunicação adequada: ausência de espaço para a vítima falar; agressão verbal referente às tarefas de trabalho; ameaças verbais; etc.

2) Quanto à possibilidade de manter contato social: colegas não conversam com a vítima; a vítima é proibida pelo chefe de se comunicar com os colegas; isolamento em sala longe dos demais; etc.

3) Quanto à possibilidade de manter a reputação pessoal: cochichos sobre a vítima; ridicularização; piadas sobre o jeito de andar e falar da vítima, etc.

4) Quanto à situação ocupacional: a vítima não recebe tarefas no trabalho ou recebe tarefas pequenas, insignificantes.

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Contextualizando o Assédio Moral nas Relações de Trabalho

Diante do exposto a respeito do fenômeno, sua definição, dinâmica de acontecimento e conseqüências, é fundamental explorar o contexto histórico e social que dá sustentação às práticas atualmente desenvolvidas pelas empresas, no sentido de refletir sobre uma possível relação entre a organização do mundo empresarial - incluindo a organização da área de Recursos Humanos em que o psicólogo está inserido - e o fenômeno do assédio moral neste ambiente.

A explicação de Heloani (2004) para o desenvolvimento da área de pesquisa sobre o assédio moral envolve principalmente os avanços tecnológicos, tanto dos maquinários quanto da informatização, que produziu um afunilamento das oportunidades do mercado de trabalho, passou a exigir cada vez mais um profissional especializado, gerando uma competitividade desenfreada e uma mudança nas relações entre os homens no ambiente de trabalho.

Segundo Chanlat (1996), organização do trabalho ou modo de gestão poderia ser definido como um conjunto de práticas direcionadas à ação no sentido de atingir os objetivos propostos pela cúpula da empresa. A partir da definição das metas a serem atingidas, a gestão de Recursos Humanos, mais especificamente, é responsável por administrar as pessoas na ação, produzindo movimento e mudança nas relações de trabalho, em seu ambiente, seus valores essenciais para a realização de um bom trabalho e as maneiras de avaliação e controle dos resultados.

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trabalhador e sua saúde (Chanlat, 1996).

Para Dejours (1996) a organização do trabalho, ou seja, a divisão das atividades e das pessoas é um dos principais elementos envolvidos na produção de saúde ou de sofrimento humano no ambiente organizacional.

Em seu artigo “Por um novo conceito de saúde” (1986), Dejours faz uma crítica à noção de saúde definida pela ONU como um estado de bem-estar bio-psico-social, dizendo que essa não passa de uma idéia, um estado ideal, que concretamente não conseguimos atingir e nem manter, pois o organismo se encontra em atividade, movimento e transformação. A saúde definida desta forma poderia ser apenas um objetivo ao qual almejaríamos nos aproximar, e para tanto, seria necessário que o indivíduo se comprometesse com a realidade, ou seja, negociasse seu objetivo com as possibilidades do ambiente em produzir saúde.

Para pensar sobre a saúde no trabalho, Dejours (1986) ressalta a importância de se levar em conta:

1) O ambiente material: o ambiente físico (o local de trabalho, a condição se segurança, a qualidade dos instrumentos);

2) O ambiente relacional (a cooperação, a troca de afeto e reconhecimento); 3) O ambiente social (a organização do trabalho).

Para o autor, a saúde é a liberdade de dar ao corpo a possibilidade de repousar, de comer, de ter sono e cansaço. É a liberdade de adaptação, de cada um organizar sua vida e de agir individual ou coletivamente sobre a organização do trabalho, a divisão e conteúdo das tarefas, dos homens e de suas relações.

De acordo com Vasconcelos e Vasconcelos (2002), o indivíduo ingressa na empresa com uma bagagem de valores, convicções e princípios morais construídos ao longo de sua história de interações sociais e se depara com uma instituição que também possui uma estrutura de valores, missões, visões de mundo e de homem.

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possível, o indivíduo sofre e passa a viver um conflito entre o abandono do emprego e sua necessidade de se adaptar à realidade empresarial, com a qual não compactua, para manter-se no mercado de trabalho.

Serva e Ferreira (2006) apontam como fundamental para o entendimento dessa nova dinâmica de mercado a crise dos modelos econômicos adotados a partir de 1945 para fortalecer o capitalismo e a industrialização. O modo de gestão toyotista criado no Japão por J. Ohno, no período Pós 2ª Guerra Mundial foi uma tentativa de superação do modelo de produção taylorista-fordista criado durante a Era Industrial, com o objetivo de se adaptar às novas demandas do mercado moderno. Tanto o Taylorismo quanto o Fordismo estavam, em sua criação, inseridos num contexto em que havia excesso de mão-de-obra e um mercado ainda pouco explorado e em expansão. A lógica dominante era a da produção em abundância e da posterior preocupação com a venda do produto.

A gestão no modelo Taylorista tem como traços principais a racionalização da produção, a fragmentação do trabalho, a padronização e a simplificação. Trata-se de um sistema que visa apenas o aumento da lucratividade através da produção em massa e é caracterizado pelas tarefas repetitivas, horários desgastantes, salários fixados de acordo com a produtividade e distanciamento total entre planejamento e execução de tarefas.

De acordo com Marras (2005), o posicionamento da área de Recursos Humanos neste modelo de gestão é meramente operacional, ou seja, as tarefas se resumem ao registro e controle relativos tanto ao desempenho das pessoas nas tarefas, quanto à folha de pagamento.

Neste modelo é possível identificar diversos problemas de saúde, principalmente os de ordem física, como fadiga crônica, úlceras, doenças cardiovasculares, musculares, ósseas e insônia. Entre os problemas mentais comuns o autor identificou a neurose, a depressão e a fadiga nervosa (Chanlat, 1996).

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desenvolvendo um padrão de comportamento evitativo nas relações familiares, por medo de que as demandas decisórias e afetivas que geraram punição no ambiente empresarial também se manifestem no ambiente familiar.

Nas palavras de Saldanha (1974):

(...) em uma organização formal em que as práticas e relações de trabalho são rigidamente mantidas e não avaliadas, os indivíduos tenderão a exercer sua função de maneira repetitiva e “engessada” (...) de maneira apática e conformada. Entre as conseqüências da vivência deste tipo de relação com o trabalho estão a frustração, a falta de perspectiva temporal e o conflito. (p.86)

O processo de reestruturação produtiva almejado pelo Toyotismo em detrimento ao apresentado no modelo taylorista, se deu num contexto de produção em excesso e mercado saturado devido ao estancamento do mercado consumidor durante a 2ª Guerra e à produção em larga escala durante a Industrialização. A solução para estes problemas pensada por Toyota se fixou na produção reduzida, a partir da demanda direta do mercado e com produtos diversificados. Para a implantação desta nova tecnologia chamada “sistema de produção flexível” foi necessário o investimento numa força de trabalho em que a inteligência do operário fosse acionada.

Chanlat (1996) definiu esta organização do trabalho como tecnoburocrática, por se caracterizar em uma ordem hierárquica bem determinada em que se dá importância aos especialistas e aos técnicos. O controle é bastante complexo, o poder é centralizado e a comunicação dificultada. O homem, neste modo de gestão, pode ser encarado como destituído de emoção, seguidor de sua racionalidade e submisso às normas e limites impostos à sua atividade.

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Na nova organização toyotista, o objetivo do trabalho é romper com a distância entre o pensar e o executar e, o trabalhador, para tanto, é chamado a fazer sugestões e implementá-las efetivamente no processo de produção em constante mudança. Os trabalhadores também deixaram de se organizar em linhas de montagem e fazer uma função única, repetitiva e distante da visão total do produto; passaram a se organizar em equipes ou em ilhas de produção, com tarefas distribuídas entre os membros do grupo de forma alternada e de maneira que todos possam ter a dimensão do todo ou do produto final de seu trabalho.

Neste modelo, os principais problemas de saúde encontrados foram: cansaço profissional, insônia, úlceras, fadiga crônica, problemas cardiovasculares e conflitos de interesse (Chanlat, 1996).

As perguntas que podemos fazer a partir da caracterização do modelo de produção toyotista e das formas de relação entre os trabalhadores e suas relações com o próprio trabalho são: este novo modo de gestão foi capaz de superar a racionalização da produção e as condições precárias de trabalho ou apenas dar continuidade a elas com um discurso diferenciado? A participação dos trabalhadores realmente alcançou o nível da gestão?

Entre as críticas feitas ao modo de produção toyotista está a de que a variação das tarefas executadas pelos trabalhadores não supera o sistema repetitivo de produção, uma vez que as tarefas são apenas rodiziadas e não incentivam um trabalho de criação por parte dos operários. A atribuição das tarefas da produção não muda em sua raiz o tipo de trabalho realizado. Alguns autores, como Marras (2005), consideram o toyotismo como um modelo pós-fordista.

Os discursos do envolvimento e da participação no ambiente de trabalho manipulam de forma sutil as situações visando atingir o interesse particular da organização, o aumento da produtividade e do lucro. Isto pode ser percebido na transformação das relações de conflito pelos interesses da empresa.

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conflito de interesses passa a ser um conflito para ver quem melhor atinge o objetivo da qualidade do produto ou da produtividade. Os interesses, antes antagônicos, passam a ser ambos os interesses da empresa.

As opiniões dos trabalhadores não são tão abertamente colocadas e se relacionam apenas a assuntos restritos, como a forma de trabalhar melhor para o aumento da produtividade. Assuntos como: o que produzir, como planejar a produção e como gerir as pessoas, são exclusivamente discutidos pelos detentores dos meios de produção.

Os altos investimentos da empresa toyotista são feitos em treinamentos que priorizam valores como co-responsabilidade e parceria. Como mensagens encobertas, os treinamentos incentivam o espírito de grupo, uma vez que a equipe precisa dar conta do trabalho na falta de um funcionário, fazer o trabalho dobrado para não perder benefícios, competir com os trabalhadores por melhores salários e fiscalizar o trabalho da equipe. Nesse sentido, uma crítica à empresa toyotista é de que há um ocultamento das relações de poder e, além disso, um aumento velado da exploração da força de trabalho, isto é, o trabalhador recebe menos do que no final produziu.

De acordo com Serva e Ferreira (2006), a crise desses modelos de produção teve início na década de 70 com a globalização econômica, o aumento do desemprego e das despesas estatais, os desastres ambientais provocados pelas indústrias e o crescimento de outros países do mundo. Principalmente este último fator contribuiu para o desencadeamento da competitividade, uma vez que se iniciou a corrida pela conquista de novos mercados, incluindo os países emergentes, como o Brasil. Frente a este movimento, tanto as empresas privadas multinacionais quanto nacionais, foram afetadas no sentido de se adaptarem à nova ordem, produzindo mudanças nos valores e comportamentos esperados pelos funcionários e ingressantes no mercado de trabalho.

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grupais. Diferente dos modelos apresentados até aqui, o trabalho por excelência pressupõe certa autonomia com senso de responsabilidade. A idéia desta forma de organização é que o funcionário da empresa faça de seu trabalho sua maior motivação e desafio de vida e que, o encarando desta forma, se dedique ao máximo para superar-se. Neste sentido, as relações hierárquicas se tornam mais “igualitárias” e as formas de reconhecimento, tanto material quanto simbólica, tornam-se mais individualizadas.

Entre os novos comportamentos, apontados por Serva e Ferreira (2006), como esperados dos funcionários pelas organizações estão: a aceitação do risco; a complexidade; a flexibilidade; o curto prazo; o ritmo e carga de trabalho acelerado e a condenação a vencer. No que se refere à aceitação ao risco, os autores destacam a sua naturalização, ou seja, os funcionários deveriam desenvolver a capacidade de lidar com riscos em todas as suas atividades cotidianas envolvidas com tomadas de decisões. Quanto à complexidade, a expectativa organizacional é de que as pessoas possam tratar das situações instáveis e imprevisíveis de maneira a fazer um bom trabalho de equipe para se chegar às melhores decisões.

Em relação à flexibilidade, a exigência estaria no desenvolvimento das capacidades de adaptação à mudança e confiança nas escolhas realizadas. O ritmo de trabalho e a carga seriam cada vez mais acelerados e as tarefas de trabalho teriam prazos menores. Além disso, a condenação a vencer consistiria em dar conta da sobrecarga produzida pelas tarefas múltiplas e prioritárias e o alto desempenho profissional, capaz de render o crescimento da empresa (ibid.).

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O papel dos Recursos Humanos neste modelo seria: gerir as pessoas de acordo com os interesses e metas empresariais; selecioná-las dentro do mercado de trabalho para ocupar cargos bem definidos; avaliar o trabalho das equipes visando sempre a maximização dos resultados; motivá-las com remuneração compatível com o desempenho; fazer o treinamento adequado de pessoas para que realizem seu trabalho gerando os resultados esperados, produzindo relações de trabalho satisfatórias (Vasconcelos e Vasconcelos, 2002).

Para Chanlat (1996) a devoção total do indivíduo a seu trabalho na empresa, pode propiciar ao indivíduo reconhecimento por seu trabalho e satisfação de seus interesses profissionais, mas em muitos casos, atinge estes objetivos à custa de esgotamento profissional, dores de cabeça fortíssimas, problemas cardiovasculares, úlceras, insônia, chegando até ao ponto de cometerem suicídio.

Na mesma linha, o que foi apontado na pesquisa de Serva e Ferreira (2006) como conseqüência deste modo de se comportar nas organizações foi uma mudança no estilo de vida do trabalhador. A dedicação integral à empresa excluiu as demais áreas de relacionamento como a familiar e a social e foi percebida uma dificuldade em lidar com o aproveitamento do tempo livre, pois o funcionário continua com o pensamento voltado ao trabalho. Também ficou evidente a pressão pela realização de um trabalho de excelência, eficiente e de acordo com os prazos e objetivos esperados, pois a presença de trabalhadores com alta performance e especialização no mercado à espera de uma oportunidade de emprego não oferece nenhuma saída a não ser a submissão às exigências empresariais para se manter no emprego.

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Zajdsznajder (1996) afirma que embora as empresas sejam o agente capitalista mais evidente, elas se encontram atualmente em processo de transformação devido à intensificação da competição no mercado e ao avanço das tecnologias da informação. Como apresentado por Chanlat (1996), Zajdsznajder (1996) vai reforçar a idéia de que antigamente as empresas apresentavam uma estrutura multidivisional, planejada e burocrática e atualmente apresentam-se de maneira variável, sem uma identidade bem definida e uma estrutura permanente, com poucas camadas hierárquicas, trabalhos superespecializados e temporários.

Claramente com este modelo se configura uma visão de que o fracasso ou sucesso profissional está nas mãos dos indivíduos, independente do contexto em que estão inseridos ou das relações estabelecidas entre eles e o ambiente. Com isso, se naturaliza acentuadamente o fato de que o assédio moral é uma questão pontual de dificuldades de relacionamento entre dois indivíduos isolados do mundo. É facilmente justificável que o agressor apareça como aquele que tem problemas de personalidade e dificuldade de adaptação no meio empresarial, bem como a vítima do assédio seja denominada como aquela que não entende o que acontece com ela, pois ao invés de questionar o que se passa nas relações produzidas em seu ambiente de trabalho como um todo, se pergunta onde errou.

Na tentativa de relacionar o contexto acima exposto com a prática atual nas empresas e o fenômeno do assédio moral, Hirigoyen (2001) faz a seguinte crítica: “não se deve banalizar o assédio moral fazendo dele uma fatalidade de nossa sociedade. Ele não é conseqüência da crise econômica atual, é apenas um derivado de um laxismo organizacional” (p.103).

Este pensamento ressalta a idéia de que as pessoas não devem se conformar com algumas explicações que justificam ou tornam natural acontecimentos como o assédio moral, mas devem atentar para a postura adotada pelas empresas, sua forma de organização do trabalho e seus valores.

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mundo sofreram mudanças ao longo dos anos motivadas pelas necessidades humanas e estas transformações atingiram diretamente o modo de se trabalhar e as relações possíveis de se estabelecer neste ambiente; foi necessária a adaptação das empresas às novas lógicas de pensamento e demandas do mercado, o que de acordo com os autores mencionados, seguiu a direção da velocidade e da competição, produzindo instabilidade em relação ao plano de carreira, tornando as relações mais superficiais e marcadas pelo interesse em se obter sucesso profissional.

Este movimento de transformação das empresas e das relações de trabalho, em geral, parece favorável à produção do assédio moral, na medida em que os valores organizacionais estimulam, na maioria das vezes de forma velada, a disputa entre as pessoas pelas melhores posições independente da forma como isso é alcançado. Além disso, a lógica do mercado que torna as pessoas “descartáveis” ou rapidamente substituíveis é um fator importante na determinação das relações de trabalho, uma vez que as pessoas precisam lutar por seu espaço e o fazem, em determinadas situações, a qualquer preço, pois o reconhecimento é alcançado por meio de comportamentos individualizados, não havendo lugar, neste cenário, para o coletivo.

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Propostas de Intervenção

Diante do exposto, a discussão segue no sentido de apresentar possíveis formas de combater o assédio moral no ambiente empresarial, baseadas nas idéias de alguns dos autores apresentados até o momento, que apontam medidas de cuidado e prevenção. Além disso, apresentará uma nova forma de organização empresarial considerada ideal para a promoção de saúde no ambiente de trabalho.

Para Hirigoyen (2001), é importante identificar o assédio moral na empresa através da observação do relacionamento entre as pessoas, a fim de detectar qualquer sinal de desqualificação freqüente e de longa duração realizada por um ou mais indivíduos. Frente à sua ocorrência, o mais acertado seria tomar atitudes como registrar as agressões verbais e levantar provas que validem uma boa defesa, bem como conseguir aliados dentro da empresa que testemunhem o assédio. Dentre as dificuldades apontadas pela autora para se alcançar o ideal de reação frente às agressões, estão: o medo de se expor à humilhação; o fato de não poder contar com colegas que testemunhem formalmente a agressão por receio de demissão, pressão dos demais colegas e prejuízo no relacionamento interpessoal.

Dentro da empresa, Hirigoyen (2001) apontaria como possível aliado uma pessoa ligada à área de Recursos Humanos, entretanto, acredita que este profissional não está preparado para receber o assédio moral como demanda, uma vez que sua preocupação está em verificar a produtividade e o resultado do trabalho, não disponibilizando seu tempo para lidar com questões de relacionamento entre funcionários. Isto pode decorrer também do fato de que o papel dos atuantes nesta área ainda está em construção e, portanto, não há clareza de que posição assumir diante deste tipo de situação.

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afastamento com a finalidade de tratar da saúde, pode, de certa forma, atrapalhar o funcionário no sentido de ser visto como incompetente por não suportar a pressão que sua atividade exige. Além disso, há a busca de terapia para criar alternativas de comportamento frente às agressões (ibid.).

Hirigoyen (2001) sugere como estratégias de enfrentamento do assédio moral a serem adotadas pela vítima: a indiferença, a calma, o bom humor, os cuidados com o material de trabalho para que não sejam adulterados e a mudança na forma de comunicação, aceitando sempre respostas claras e pedindo explicações em caso de uso de metáforas ou ironias.

O interessante das colocações acima é que os problemas são tratados apenas no âmbito individual, sem levar em consideração em qual contexto o assédio moral acontece, aqui não somente levando em conta o contexto empresarial, mas o cultural.

De acordo com Sidman (2003) quando o indivíduo age para contracontrolar aquele que exerceu algum tipo de controle coercitivo, por meio de uma queixa, por exemplo, a uma situação de assédio moral, seu comportamento é apropriado, mas leva em consideração apenas as conseqüências que isso trará a curto ou médio prazo para si mesmo e não as conseqüências futuras que poderão ser produzidas na cultura, como o enraizamento de padrões de comportamento e estabelecimento de regras inflexíveis acerca da individualidade e competitividade como formas de se adquirir satisfação.

Enfim, o último modelo de gestão que será apresentado como oposição aos demais é o participativo, definido por Chanlat (1996). O indivíduo é colocado como responsável e autônomo na realização de suas tarefas com o objetivo de integrá-las à gestão mais global da empresa.

A gestão de Recursos Humanos se diferencia no que se refere ao valor conferido à área nas decisões mais importantes da empresa e ao incentivo aos demais trabalhadores nas pequenas decisões em seus grupos de trabalho (Vasconcelos e Vasconcelos, 2002).

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como parceiros da organização: se as pessoas forem tratadas como recursos precisarão ser administradas, o que envolveria planejamento, direção e controle das tarefas para a obtenção do máximo rendimento. Nesta perspectiva, os sujeitos seriam passivos da ação organizacional e parte do patrimônio físico da contabilidade da empresa.

No caso da gestão de Recursos Humanos encararem as pessoas como parceiras da organização, elas seriam vistas como fornecedoras de conhecimentos e habilidades. Neste sentido, constituiriam o capital intelectual capaz de tomar decisões e atribuir significados às atividades com foco nos objetivos globais da organização (Chiavenato, 1999).

Vasconcelos e Vasconcelos (2002) vão dizer que as principais características deste modelo são o equilíbrio entre eficiência do trabalhador e eficiência econômica, o respeito ao ritmo de trabalho, a não exigência do máximo da performance para obtenção dos resultados, a decisão das metas discutidas entre os grupos de trabalho e a avaliação dos resultados, além de os trabalhadores serem reconhecidos como pessoas que pensam, organizam e agem promovendo debates e mudanças.

Os conflitos de interesse entre as posições superiores e inferiores na escala hierárquica são debatidos e passam por um processo de negociação. A gestão de Recursos Humanos, neste caso, visaria à promoção da humanização do trabalho, a melhora de suas relações, o exercício democrático e a autonomia das equipes (Vasconcelos e Vasconcelos, 2002).

Segundo Vasconcelos e Vasconcelos (2002):

(...) uma gestão de recursos humanos que favoreça a emancipação política do indivíduo e o seu acesso a uma identidade autônoma, (...) mostra-se mais adequado às organizações atuais, uma vez que prepara indivíduos capazes de atribuir sentido à experiência e adaptar-se melhor a um mundo de mudanças rápidas e complexas (p.77).

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garantir um ambiente de trabalho saudável, produtivo e co-responsável, de acordo com o entendimento da cultura organizacional da empresa, associada aos diversos níveis hierárquicos, da gestão estratégica, ao nível das decisões gerenciais até o operacional. Além disso, o psicólogo deve dar conta da diversidade de pessoas e profissões, das metas ideais e reais, além do alinhamento das intervenções com a estratégia de negócio da companhia.

A autora ainda aponta uma questão ética importante, a da ausência da visão empresarial de “pessoa”, ou seja, o vocabulário organizacional focado em “cargo”, “perfil”, “posição”, “competência”, pois o psicólogo organizacional deveria incluir ações honestas, palpáveis e interativas, propondo mudanças na área de RH e na empresa como um todo.

Ribeiro (2006) complementa esta idéia afirmando:

(...) É importante compreender o que é a organização além do que está escrito (missão, regras, etc.) e esse conhecimento deve ser dialogado e produzido na interação. (...) É importante também conhecer a história da área de trabalho e entender como as coisas foram construídas. (...) A falta de conhecimento das possibilidades restringe muito a atuação do psicólogo e dos trabalhadores: esse é um desafio para todos (pág. 8)

Portanto, a gestão participativa, pode ser entendida hoje como a mais propícia ao desenvolvimento saudável do indivíduo, uma vez que promove uma reorganização da estrutura empresarial, das relações de trabalho - agora mais democráticas - em que o saber dos funcionários é valorizado na tomada das decisões acerca dos objetivos a serem atingidos pela empresa (Chanlat, 1996).

De acordo com Chanlat (1996), um modo de gestão será tanto mais saudável quanto mais o discurso da empresa se aproximar de sua prática. Quando o discurso da participação de todos na construção de uma empresa mais democrática e preocupada com a qualidade de vida das pessoas da organização e da sociedade em geral for coerente com sua prática, mais as pessoas se sentirão bem no ambiente de trabalho, se relacionarão melhor e trarão mais resultados para a empresa.

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Casos em que as decisões acerca de metas empresariais são discutidas e partilhadas entre as equipes, a atmosfera organizacional permite a inclusão de expectativas e sentimentos humanos como valores legítimos na vida organizacional (p.86).

Nesta direção, Dejours (1996) propõe a recuperação de um espaço público e transparente de circulação da palavra, em que os trabalhadores possam colocar suas idéias abertamente de modo que o grupo tenha visibilidade do trabalho efetuado por cada um e acesso à seqüência ou ao andamento do processo de trabalho. Para o autor é neste espaço de troca e negociação que se pode olhar para a real organização do trabalho e abrir espaço para o reconhecimento e a solidariedade entre os indivíduos.

Hirigoyen (2001) concorda com esta visão e estabelece como estratégias a serem adotadas para a prevenção do assédio moral nas empresas, além das já mencionadas: a educação sobre a importância de se levar em conta o ser humano, tanto quanto sua atividade na empresa, e informação sobre o fenômeno do assédio moral; a criação de cláusulas de proteção contra o assédio moral tanto na justiça do país quanto nos códigos de ética empresariais.

De acordo com Heloani (2004) é fundamental a construção de códigos de ética empresarial, denúncia escrita e anônima do assédio moral para a área de RH e instituição de uma política de humanização empresarial. Abe (2006) partilha da mesma opinião; entretanto, acrescenta que uma boa prevenção deve contar com um aperfeiçoamento do processo de seleção de funcionários, o que pode ser questionando se pensarmos que esta idéia reforça que o assédio moral é um problema de ordem individual e de personalidade, como se determinada pessoa apresentasse traços que nos permitam afirmar que ela não é adequada para ocupar uma vaga nesta ou naquela empresa.

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de se comportar vem produzindo nas relações entre as pessoas, em sua saúde e qual o impacto que esses aspectos têm gerado no negócio.

A partir das idéias apresentadas e partindo da premissa inicial de que o fenômeno do assédio moral, enquanto prática que produz sofrimento, tem relação com o contexto da organização social do trabalho e com o modo de gestão adotado pelas empresas, a presente pesquisa visa investigar o relato de psicólogos organizacionais atuantes no mercado de trabalho enquanto consultores, que prestam serviços às demais empresas, a respeito do assédio moral no contexto do trabalho, como o definem e que relação estabelecem entre o fenômeno em questão e a organização do trabalho proposta pelo meio empresarial.

Do ponto de vista social e científico, a investigação se faz relevante por contribuir para o desenvolvimento de um campo de investigação ainda pouco explorado pela psicologia, principalmente em relação ao olhar do psicólogo que trabalha no meio organizacional. Além disso, abre espaço para que se pense o fenômeno do assédio moral do ponto de vista da organização do trabalho nas empresas, da produção de saúde ou sofrimento e das relações possíveis de serem construídas neste ambiente.

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MÉTODO

Participantes:

Tendo em vista o problema de pesquisa definido, os participantes do estudo foram quatro psicólogos, inseridos profissionalmente em empresas de consultoria em Recursos Humanos por um período de no mínimo seis meses. O tempo mínimo de trabalho do psicólogo na empresa foi definido a fim de que o profissional tivesse ao menos uma visão geral sobre o negócio em que trabalha e entendesse a respeito do funcionamento do meio empresarial. O contato com os psicólogos foi feito por meio de indicações de outros profissionais ou colegas, o que configurou uma seleção aleatória e que independeu de sexo ou idade. Por questões de sigilo, os participantes foram identificados com as seguintes siglas: C.P.; F.F.; V.P. e S.G.

A amostra foi composta por dois psicólogos do sexo feminino e dois do masculino, de idades entre 28 e 45 anos. O ano de formação em Psicologia variou entre 1983 e 2005 e o início de atuação como psicólogo organizacional se deu, de forma geral, logo após a conclusão da graduação - no mesmo ano - ou ainda durante o curso de Psicologia, próximo ao término. Além disso, todos os participantes estão realizando ou finalizaram alguma modalidade de pós-graduação.

Material:

Para a coleta das informações foi utilizado o instrumento de entrevista

individual, pois o presente estudo parte da premissa básica apresentada por Gaskell (2005):

Toda pesquisa com entrevistas é um processo social, uma interação ou um empreendimento cooperativo, em que as palavras são o meio principal de troca (...) de idéias e de significados, em que várias realidades e percepções são exploradas e desenvolvidas. Com respeito a isso, tanto o(s) entrevistado(s) como o entrevistador estão, de maneiras diferentes, envolvidos na produção de conhecimento. (p. 73)

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baseada na possibilidade de se obter diversos relatos fundamentados acerca do tema em estudo. Além disso, pelo fato de abrir espaço para o pesquisador aprofundar alguma informação, tirar dúvidas quanto ao entendimento de colocações e possíveis contradições. O procedimento foi realizado em local designado pelo profissional, com duração de um encontro com média de trinta minutos, gravado e posteriormente transcrito.

Procedimento:

Foi utilizada a entrevista episódica, definida por Uwe Flick (2005), que se baseia em temas a serem abordados durante uma entrevista. As perguntas dentro de cada tema foram elaboradas com a finalidade de investigar o assédio moral de acordo com o problema de pesquisa definido.

1) “Introdução à lógica da entrevista”, em que se apresentou ao entrevistado uma breve colocação sobre a pesquisa e como funcionaria o procedimento. Foram explicitadas a duração do encontro e a necessidade de gravação, com confirmação do entrevistado sobre a concordância através do termo de compromisso (ver Anexo 2).

2) “A concepção do entrevistado sobre o tema e sua biografia com relação a ele”: O que é assédio moral para você? Com o que você associa a palavra assédio moral? Em seguida: Você se lembra a primeira vez que ouviu falar sobre esse assunto? Em que situação isso aconteceu? Dê um exemplo de uma situação concreta que ouviu ou presenciou sobre assédio moral.

3) “O sentido que o assunto tem para a vida cotidiana do entrevistado”: O assédio moral é um assunto freqüente nas suas relações de trabalho? É colocado em pauta em suas reuniões de trabalho?

4) “Enfocando as partes centrais do tema em estudo”: A que ou a quem você atribui o acontecimento do assédio moral nas relações de trabalho?

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6) “Avaliação e conversa informal”: Você gostaria de acrescentar mais alguma informação a respeito do tema que não tenha aparecido na entrevista? Você gostaria de fazer uma crítica ou sugestão em relação à entrevista?

7) “Documentação – Informação contextual sobre a entrevista e o entrevistado”:

Data da entrevista:

Local:

Duração:

Entrevistador:

Iniciais do Entrevistado:

Gênero:

Idade:

Ano de formação:

Pós-Graduação:

Início como psicólogo organizacional (ano):

A escolha do procedimento de entrevista foi orientada pela possibilidade do desenvolvimento da análise do relato verbal. Segundo Gaskell (2005), uma análise cuidadosa deve transpor a superficialidade dos relatos e buscar assuntos com conteúdo comum e as funções que ocupam nos dizeres de cada entrevistado.

De acordo com Skinner (1987) citado em Andery e Sério (2002): Comportamento verbal é o comportamento que é reforçado por meio da mediação de outra pessoa, mas apenas quando a outra pessoa está se comportando de maneiras que foram modeladas e mantidas por um ambiente verbal que evoluiu, ou linguagem (pág.125).

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procedimento de coleta de dados, Luna (2000), faz algumas considerações: O que confere legitimidade a ele [o relato verbal] como correlato daquilo que se quer estudar é o fato de se usarem as fontes mais diretas possíveis (em todos os casos, os informantes falam sobre eles mesmos) e a dificuldade de se conceberem maneiras alternativas melhores para se estudar o fenômeno (p.92-93)

A limitação do uso do relato verbal como instrumento de coleta se configura, de acordo com o autor:

(...) quando se pretende/precisa tomar estas respostas como indicativas de como as pessoas se comportarão efetivamente frente àquelas situações. Em primeiro lugar, porque sobram demonstrações de que estas duas situações ocorrem sob o controle de condições muito diferentes. Em segundo, porque seria necessária uma teoria muito forte capaz de predizer a ação a partir da verbalização do indivíduo sobre como se comportaria frente a ela (...). p (93)

Dessa forma, a proposta de análise da pesquisa não pretende tomar por base o relato verbal, a fim de fazer afirmações acerca dos comportamentos emitidos pelos psicólogos nas situações reais relacionadas ao trabalho, ou ainda à questão do assédio moral, apenas formular hipóteses sobre eles.

Não se trata de buscar a correspondência entre o dizer e o fazer, porque para tanto, seria preciso a criação de uma medida que pudesse verificar de forma precisa que o controle das respostas verbais, ou seja, os que as mantêm, são de fato as descrições de antecedentes e não outros controles, como por exemplo, a atenção do entrevistador.

De fato, o relato verbal foi escolhido pela facilidade de acesso às informações e será um meio para discutir sobre os diversos aspectos que envolvem o assédio moral.

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RESULTADOS E DISCUSSÃO

Levando em conta os apontamentos feitos acima por Luna (2000) sobre o uso do relato verbal enquanto instrumento de coleta de dados, os resultados referentes às verbalizações dos psicólogos sobre as questões relacionadas ao assédio moral no ambiente de trabalho foram analisados com a finalidade de debater sobre o tema, através de cinco categorias: Conceituação, Visão do fenômeno no dia-a-dia de trabalho, Causalidade, Prevenção e Atuação do Psicólogo. As categorias foram elaboradas de acordo com o roteiro de entrevistas proposto por Flick (2005) e os principais temas de assédio moral abordados através das perguntas realizadas.

A apresentação das verbalizações dos entrevistados sobre cada uma das categorias teve por objetivo a formulação de hipóteses a respeito das questões que envolvem o assédio moral, além do diálogo com as descrições apresentadas pelos autores referenciados na introdução.

A primeira categoria analisada, a de conceituação, destaca verbalizações acerca de elementos essenciais que circunscrevem o fenômeno do assédio moral de tal forma que os indivíduos reconheçam na descrição do conjunto de comportamentos, aquilo que é classificado como assédio moral.

C.P. introduziu a conceituação sobre o fenômeno do assédio moral afirmando:

“O entendimento geral que as pessoas têm é qualquer tipo de abuso que não seja físico e que seja de ordem psicológica que uma pessoa possa sofrer nas situações de convívio dela. O nosso foco é na empresa, mas a pessoa pode ter um assédio

moral em outras áreas da vida dela (...)”.

A definição de F.F. mencionou de certa forma a questão do abuso, como colocado por C.P. e a situou no universo das relações de poder:

“Assédio moral no ambiente de trabalho é quando você

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dela. (...) A base para isso eu acredito que é uma espécie de chantagem, entre aspas, que se faz a partir de uma posição de

poder”.

Assim como F.F., V.P. enfatizou que a questão do assédio moral implica em abrir mão dos próprios valores e relatou que o fenômeno “(...) por analogia a assédio sexual, seja uma tentativa da empresa em você deixar de lado os princípios, os valores, a moral e a ética para agir de acordo com uma necessidade da empresa (...).

Em outras palavras, S.G. seguiu na mesma direção dos demais quando apontou que “assédio moral, não (...) de forma conceitual, (...) é você humilhar as pessoas, é você falar com as pessoas de uma forma inadequada, (...) é você constranger uma pessoa”. Na afirmação, a entrevistada apresentou a idéia de que este fenômeno pode ser identificado na forma de comunicação interpessoal.

As verbalizações apresentadas parecem convergir e complementar-se de forma a acompanhar as conceituações propostas pelos autores citados anteriormente. De fato, fazendo do conjunto de verbalizações uma única definição, podemos perceber que os aspectos relevantes apontados na introdução, como a comunicação hostil, a falta de ética, a conduta abusiva, os danos psicológicos provocados na vítima, sua desqualificação e submissão ao poder aparecem fortemente nos relatos.

Um dos pontos considerados pelos autores como fundamental para a identificação do fenômeno e distinção do mesmo em relação aos demais, a alta freqüência das ações ou prática sistemática de agressão à vítima, como apontado por Leymann (1996), quando afirma que o assédio moral envolve uma comunicação hostil que deve ocorrer pelo menos uma vez por semana durante seis meses, não foi mencionado por nenhum entrevistado nas definições.

(37)

A segunda categoria de análise que discorre sobre a visão que cada entrevistado apresenta em relação ao assédio moral no dia-a-dia de trabalho, leva em consideração a história de vida individual com o fenômeno.

Quando F.F. disse ter pensado na palavra assédio moral relatou: “(...)vem

sempre assédio sexual, estão muito associados.” É interessante notar nesse momento que a mesma descrição foi feita anteriormente por V.P. em sua conceituação de assédio moral, quando partiu da idéia inicial de que a definição do fenômeno foi feita por analogia ao assédio sexual.

F.F. ainda completou seu raciocínio fazendo uma separação entre o que considerou assédio e o que considerou moral em sua concepção:

“O assédio em si eu diria, colocaria como algo que é imposto, que é um bom jeito de definir. E o moral é algo que é imposto em relação ao moral de uma pessoa, em relação ao juízo de valor, ao juízo de certo e errado, assim por diante, de um

determinado sujeito”.

C.P. disse ter associado a palavra assédio moral

Com pessoas que se sentem extremamente oprimidas na condição que elas estão. Pessoas que sofrem pressão de alguma forma ou por ter um cargo, ou por algum tipo de postura, que não é a postura dela, e sofrem pressão para que isso não

aconteça.”

Da mesma formaS.G. trouxe uma palavra fortemente associada ao assédio moral “(...) humilhação, essa é a palavra (...)”

Enquanto nos comentários acima observamos aspectos da condição de sofrimento vivida pela vítima de assédio moral, V.P. propôs uma associação do fenômeno com as características da empresa que assedia ou do assediador:

“Falta de caráter, falta de integridade, falta de princípios...

Eu acredito que por ser assédio, o outro lado tem que ter uma condição de poder, ter algo que te convença, quase que te force a

agir daquela maneira.”

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nos relatos: uma delas com um foco maior no agressor como aquele que impõe uma regra ou desempenho a ser seguido a partir de uma condição de poder, gerando dessa forma uma pressão na vítima que é levada a agir mesmo que contra seus valores. A outra leva em consideração os aspectos do assédio moral relacionados à pessoa que sofre a agressão, como aquela que é humilhada e oprimida.

Nos relatos, podemos perceber que alguns psicólogos abordaram a agressão do ponto de vista daquele que detém o poder e, por isso, impõe sua vontade a despeito do moral do indivíduo. Sidman (2003) provocou uma reflexão acerca desta visão ao afirmar que o problema não é de ordem moral, mas comportamental, ou seja, se antes de julgarmos as relações de poder entre os indivíduos envolvidos na situação de assédio moral, percebermos o contexto maior em que as relações de trabalho e poder estão inseridas, seremos capazes de entender que as diversas situações de assédio moral fazem parte de uma cultura competitiva, em que um indivíduo só alcança o sucesso profissional enquanto outro o perde. De fato, neste tipo de cultura, a punição será inevitável e a criação de mecanismos que a impeçam ou a adiem, serão continuamente utilizados.

Alguns entrevistados identificam que no ambiente de trabalho existe a imposição e a pressão de uma instância de poder na produção do assédio moral, mas não mencionam quais as punições envolvidas caso a vítima não se comporte da forma esperada. Torna-se fundamental afirmar nesta análise que a vítima se comporta para atender à demanda da empresa, mas apenas para se esquivar de uma situação aversiva, por exemplo, como as mencionadas por Hirigoyen (2002), a perda do emprego ou a degradação do ambiente de trabalho.

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humilhação ou opressão, e que produzem tais conseqüências aversivas.

Diante disso, é provável que a vítima passe a se auto-observar na tentativa de identificar em que situações as punições acontecem e que comportamentos emitidos são punidos. Entretanto, as manobras de punição se encontram de tal forma arraigadas em nossa cultura que a vítima se comporta de acordo com as contingências, mesmo que não seja capaz de descrevê-las.

No decorrer da entrevista, informações como o momento em que o entrevistado ouviu falar pela primeira vez sobre o tema de pesquisa, revelou semelhanças e diferenças interessantes: “Fazem quatro anos quando surgiu um

grupo de trabalho”, comentou C.P.

S.G. relatou exatamente o mesmo ano dito por C.P. como aquele em que o tema apareceu em seu cotidiano:

“(...) uns quatro anos (...) Nesses últimos, por exemplo, dois anos... eu sinto assim, que a mídia está dando muita força a essa palavra, aparece em várias revistas, nós temos cursos focados em assédio moral hoje... é uma palavra que eu diria que

está em moda atualmente.”

F.F. disse ter ouvido falar pela primeira vez em assédio moral “(...) no curso de mestrado... eu tive uma matéria que tratou um pouco do tema”. Enquanto isso, V.P. admitiu não se lembrar ter ouvido falar sobre o tema até então.

Se levarmos em consideração o ano de formação em Psicologia de cada um dos entrevistados, foi possível perceber que os psicólogos inseridos no meio corporativo há mais tempo, como C.P. e S.G., identificaram o assédio moral presente em suas relações desde 2003, seja através de situações próprias da rotina de trabalho ou no convívio com as informações sobre os assuntos mais atuais no meio empresarial.

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De fato, pode-se concluir que a primeira publicação sobre o assunto ganhou destaque mundial em 2000 com a psiquiatra francesa Hirigoyen, entretanto, o fenômeno faz parte das relações humanas há séculos. É interessante notar que a nomeação dos comportamentos configura o fenômeno, lhe confere um aspecto de novidade e a partir deste momento as pessoas passam a conhecê-lo, formar conceitos a respeito e interagir com os demais como se uma nova variável fizesse, agora, parte do ambiente.

Entendendo o assédio moral do ponto de vista dos entrevistados, partiremos agora para o relato de exemplos de situações para verificar os comportamentos e relações de trabalho apresentadas como ilustrações do fenômeno.

C.P. mencionou uma situação que classificaria como assédio moral vivida por uma organização cliente de sua consultoria:

“As pessoas são chamadas dia 25 de dezembro. De onde estavam tiveram que pegar avião, carro e sair do convívio familiar para atender um capricho deste publicitário que estava solicitando a presença de todas as pessoas na agência (...). Depois disso, várias pessoas pediram demissão porque isso era uma prática mais ou menos constante, e na verdade, foi a gota

d’água para que um bando de gente saísse. E o convite veio de

forma não muito educada: Tem que estar aqui porque senão

vocês vão ser demitidos.”

Explorando a situação acima, fica clara a presença de diversos aspectos mencionados nas definições dos entrevistados. Trata-se de uma situação que envolve uma relação de poder fortemente estabelecida, a de patrão-empregado, com a imposição da vontade de um indivíduo sob os demais, de forma a ferir valores pessoais, como convívio da familiar em comemorações como o Natal. Além disso, um ponto que mereceu destaque foi a presença da palavra “constante” no relato de C.P., que em sua definição não havia aparecido e agora foi mencionada como característica fundamental da situação de assédio moral.

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entre elas, a de saída do convívio familiar. De acordo com Sidman (2003):

Nem sempre administramos conseqüências desfavoráveis ou dolorosas quando queremos colocar fim às ações de alguém. Freqüentemente tentamos atingir este objetivo impedindo as pessoas de obter ou manter algo que queiram (pág. 100)

O autor quer dizer com esta afirmação que nem sempre é preciso aplicar uma punição para que os efeitos esperados aconteçam, ou seja, basta retirar do ambiente do indivíduo algo que lhe seja reforçador. Na situação relatada por C.P. algum tipo de punição se tornou inevitável, pois o funcionário poderia abandonar a família para se esquivar da possibilidade de perder o emprego ou abandonar o emprego pelo choque entre os valores pessoais e a demanda da empresa, fugindo, assim, da situação aversiva de ficar longe da família.

Assim como C.P., F.F. descreveu um exemplo de uma experiência de trabalho como consultor a uma empresa cliente:

“Uma vez, por exemplo, eu fiz uma assessoria de cliente e os funcionários relatavam que quando o diretor chegava na fábrica ele era tão grosso, estúpido, usava de pouca educação e assim por diante, que as máquinas começavam a quebrar de tanto que as pessoas ficavam nervosas. Então, é uma situação que realmente acontece no dia-a-dia dos profissionais. Eu lembro que em relação a isso eles contaram que tiveram que chamar a polícia um dia”.

A situação relatada por F.F. remete claramente a um dos efeitos colaterais da punição abordado por Sidman (2003): a punição condicionada.

Nas palavras do autor:

Eventos que são usualmente neutros podem tornar-se punidores (...) porque sua habilidade para nos fazer parar de fazer algo é condicional a outras circunstâncias (p.95).

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A presença do diretor na fábrica, como de uma pessoa qualquer passou de um estímulo neutro para adquirir propriedades de estímulo aversivo, ou seja, a história de vida destes funcionários em relação ao diretor passou por diversas situações de punição que a própria presença dele no local de trabalho tornou-se suficiente para provocar reações de nervosismo e comportamentos agressivos como o de quebrar instrumentos de trabalho. Mais uma vez a situação de assédio moral aparece na relação de poder patrão-empregado e direcionada a um grupo de pessoas de forma sistemática.

S.G. apresentou um exemplo de trabalho realizado como consultora de uma vítima de assédio moral:

“Uma vez uma moça em que eu estava também fazendo o

trabalho de redirecionamento de carreira... ela me contou que ela saiu do seu emprego (...) ela fez um relatório no computador, digitou e ele estava, assim, com alguns erros... e quando o gerente viu o trabalho, ele ficou irritado, pegou a folha, amassou e jogou na cara dela. Ela pediu demissão”.

Neste caso, é possível perceber características do assédio moral, como a desqualificação e o abuso de poder, mas de forma declarada. A agressão além de manifestada através da irritação, poderia ser considerada como agressão física e não propriamente moral, apesar de ferir questões éticas e de valores.

Na verdade, poderíamos discutir se esta situação se encaixa propriamente no que os autores citados consideram assédio moral. Para tanto, precisaríamos de mais informações a respeito da freqüência com que essas desqualificações ocorriam e em que ambiente este patrão estava inserido para chegar a ponto de tomar uma atitude tão descontrolada e explosiva.

Por fim, V.P. supôs uma situação, por não ter vivenciado na prática de trabalho algo que pudesse classificar como assédio moral:

“Num caso de, por exemplo, uma consultoria que é contratada por uma empresa para prestar um serviço e o contratante tem interesses em que haja manipulação do resultado, chegando até a pagar um pouco mais para que a

consultoria apresente as coisas do jeito que ele quer”.

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