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Mediação Penal Juvenil: um novo paradigma de resposta à delinquência

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Academic year: 2020

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Universidade do Minho

Escola de Direito

Ana Paula Vieira Lopes Pimentel

outubro de 2015

Mediação Penal Juvenil:

um novo paradigma de resposta à delinquência

Ana P aula Vieir a Lopes Piment elMediação P enal Juvenil: um no vo paradigma de respos ta à delinquência UMinho|20 15

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Ana Paula Vieira Lopes Pimentel

outubro de 2015

Mediação Penal Juvenil:

um novo paradigma de resposta à delinquência

Trabalho efetuado sob a orientação do

Professor Doutor Professor Doutor Mário Ferreira Monte

Dissertação de Mestrado

Mestrado em Direito Judiciário

(Direitos Processuais e Organização Judiciária)

Universidade do Minho

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DECLARAÇÃO

Nome:

Ana Paula Vieira Lopes Pimentel

Endereço eletrónico:

ana.paula.vl@hotmail.com

Número do passaporte:

FI371381, República Federativa do Brasil, válido até 17/07/2018

Título da dissertação:

Mediação Penal Juvenil: Um novo paradigma de resposta à delinquência

Orientador:

Professor Doutor Mário Ferreira Monte

Ano de conclusão:

2015

Designação do Mestrado:

Mestrado em Direito Judiciário (Direitos Processuais e Organização Judiciária)

É AUTORIZADA A REPRODUÇÃO PARCIAL DESTA DISSERTAÇÃO APENAS PARA EFEITOS DE INVESTIGAÇÃO, MEDIANTE DECLARAÇÃO ESCRITA DO INTERESSADO, QUE A TAL SE COMPROMETE.

Universidade do Minho, ___/___/2015

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AGRADECIMENTOS

À professora e querida amiga Doutora Séfora Junqueira, que há cerca de 15 anos inspirou-me a conhecer melhor os meios alternativos de resolução de conflitos, e que ainda hoje me orienta nesse estudo.

Aos Doutores Silvio Masin e Anna Tantim, do Istituto Don Calabria, Verona-IT, que me conduziram a perceber na prática o caráter transformador que a mediação penal juvenil tem nos envolvidos, e cujo trabalho foi-me extremamente motivador.

Ao Professor Doutor Lorenzo Picotti, que em meu percurso de estudos na Università degli Studi di Verona-IT foi muito solícito e guiou-me na iniciação da pesquisa, abrindo-me os horizontes para a experiência da mediação penal juvenil em outros países.

Em especial, ao Professor Doutor Mário Ferreira Monte, pelo entusiasmo na matéria e disponibilidade em orientar-me, assim como pelas suas críticas e sugestões, contributos que foram essenciais para a elaboração e conclusão do presente estudo.

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Mediação Penal Juvenil: um novo paradigma de resposta à delinquência

Resumo

A mediação é um dos meios alternativos de resolução de conflitos de crescente abordagem nos ordenamentos jurídicos atuais, sob múltiplas formas. No específico âmbito da justiça de menores em Portugal, apesar de sua valiosa previsão na Lei Tutelar Educativa, carece a mesma de regulamentação própria, o que se reflete na sua escassa utilização prática.

Os modelos de intervenção estatal têm sofrido sucessivas alterações como forma a se adequarem às novas realidades sociais. Ocorre que, sendo a pacificação social a finalidade última do Estado, e tendo em vista a insatisfação da sociedade pela crescente criminalidade, importa verificar se ele tem desempenhado bem sua função e quais medidas necessitam ser implementadas para uma melhor consecução do seu mister. Para além disso, importa atentar-se às formas extrajudiciais de solução dos conflitos, suas propostas e dificuldades, admitindo-as como mais um meio disponível para superar os obstáculos à pacificação social, e mesmo como sendo mais adequadas a determinados conflitos.

A sociedade ansia por justiça, e é na livre escolha entre métodos de solução de conflitos igualmente eficazes e eficientes que ela começa a gozar do seu direito, por isso é importante conhecer e valorizar todas as formas de acesso à justiça, considerada esta em sua aceção ampla.

Na perspetiva do direito tutelar de menores, importa reconhecer que a prioridade é a reeducação e a reinserção social do menor, sendo o interesse geral da sociedade secundário, pois lhes deve ser dirigida proteção especial face à vulnerabilidade que é peculiar à sua idade. Entretanto, além dos interesses do menor infrator urge atentar para os interesses da vítima, que têm sido tanto negligenciados pelo sistema de justiça ordinário, evitando assim sua re-vitimização.

Propõe-se, pois, refletir sobre os efeitos da mediação penal nas expectativas comunitárias, mas, sobretudo, no atendimento daqueles interesses. Procurar-se-á com o estudo comparado da mediação penal juvenil nos ordenamentos jurídicos e na prática de Portugal, da Itália e do Brasil, à luz das diretrizes internacionais que regulam os direitos da infância e juventude, perceber suas diferentes nuances e delas extrair um pequeno contributo para estimular, apoiar e difundir uma adequada aplicação do instituto, que merece destaque dentre os meios extrajudiciais de solução de conflitos pela sua potencial capacidade de beneficiar igualmente infrator e vítima, e ainda por ter reflexos na desejável obtenção da segurança pública.

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Juvenile Criminal Mediation: a new paradigm of response to delinquency

Abstract

Mediation is an alternative dispute resolution means of growing approach in modern legal systems, in multiple forms. In the specific context of juvenile justice in Portugal, despite its valuable provision in the Educational Guardianship Law, it lacks specific regulation, which is reflected in its scarce practical use.

The State intervention models have suffered successive amendments in order to suit the new social realities. It is that, as the social peace is the State ultimate goal, and in view of the dissatisfaction of society by rising crime, must ascertain whether it has played its role well and what measures need to be implemented to better achieve its task. In addition, attention must be given to the extra-judicial forms of conflict resolution, their proposals and difficulties, admitting them as another means available to overcome barriers to social peace, and even as being more appropriate to certain conflicts.

The society yearns for justice, and it is by the free choice among equally effective and efficient conflict resolution methods that it begins to enjoy its right, so it's important to know and appreciate all forms of access to justice, considered this in its wide meaning.

In the perspective of the guardianship of minors right, important to recognize that the priority is the minor re-education and social reintegration, and that the general interest of the society is secondary, because it should be addressed special protection to him in view of the vulnerability that is peculiar to his age. However, besides the juvenile offender interests urges pay attention to the interests of victims, which have been so neglected by the ordinary justice system, thus preventing their re-victimization.

It is proposed, therefore, reflect on the effects of mediation in community expectations, but above all in the answer of those interests. We seek with the comparative study of juvenile criminal mediation in legal systems and practice of Portugal, Italy and Brazil, in the light of international guidelines that regulate the rights of children and youth, realize their different nuances and draw a small contribution to stimulate, support and disseminate the proper application of the institute, noteworthy among the non-judicial means of dispute resolution for its potential ability to benefit equally offender and victim, and yet to reflect in the desirable achievement of public safety.

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Índice

Resumo ... v

Abstract ... vii

INTRODUÇÃO ... 13

CAPÍTULO I – Meios Alternativos de Resolução dos Conflitos ... 17

1 Conflito ... 17

2 Meios de solução dos conflitos ... 19

2.1 Breve histórico ... 19

2.2 Tutela jurisdicional e crise ... 22

2.3 Classificação... 24

2.3.1 Distinção entre mediação e conciliação ... 25

2.4 Meios alternativos: terminologia e fundamentos ... 28

2.5 Vantagens da mediação e sua relação com o processo judicial ... 32

CAPÍTULO II – Processo Tutelar Educativo ... 37

1 O novo Direito de Menores em Portugal e os reflexos dos diplomas jurídicos internacionais ... 37

1.1 O Modelo vigente até o ano de 2000... 37

1.2 Normas jurídicas internacionais de inspiração ... 40

1.3 A recente reforma do Direito de Menores ... 43

2 Finalidade jurídica ... 49

CAPÍTULO III - Mediação Vítima-Agressor e os Interesses envolvidos ... 55

1 Aspetos Gerais ... 55

2 Mediação Penal em Geral ... 66

2.1 Princípios ... 69

2.1.1Voluntariedade ... 69

2.1.2 Confidencialidade... 71

2.1.3 Imparcialidade ... 72

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3 Mediação Penal Juvenil ... 74

3.1 Aplicabilidade ... 75

3.1.1 No sistema jurídico português ... 76

3.1.2 No sistema jurídico italiano ... 86

3.1.3 No sistema jurídico brasileiro ... 93

3.2 O consenso das partes ... 100

3.3 Dificuldades e propostas ... 104

CONCLUSÃO ... 113

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xi

ABREVIATURAS

ADR – Alternative Dispute Resolution

art./arts. – artigo/artigos

CDC – Convenção sobre os Direitos da Criança cfr. - confrontar

CNJ – Conselho Nacional de Justiça coord. – coordenador

CP – Código Penal

CPC – Código de Processo Civil

CRP – Constituição da República Portuguesa DL – Decreto-Lei

DPR – Decreto del Presidente della Reppublica ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente ed./eds. – editor/editores

GRAL – Gabinete de Resolução Alternativa de Litígios IRS – Instituto de Reinserção Social

LM – Lei da Mediação

LMP – Lei da Mediação Penal

LPCJP – Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo LTE - Lei Tutelar Educativa

nº/nºs – número/números ob. cit. – obra citada

ONU – Organização das Nações Unidas org. – organizador

OTM – Organização Tutelar de Menores p./pp. – página/páginas

p. ex. – por exemplo ss. – seguintes Vol. – volume

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INTRODUÇÃO

A mediação é tema de crescente interesse em diversos países, sendo muitas as peculiaridades do assunto e as dificuldades práticas encontradas, que em alguns pontos coincidem e em outros são diametralmente opostos, conforme se verificará no estudo. Por outro lado, também a administração da justiça tem merecido aguçada atenção, afinal a crise do Judiciário tem sido frequentemente noticiada e, apesar de todas as iniciativas, o Estado intervencionista não tem atendido às expectativas comunitárias.

O tema merece cuidada atenção a fim de que se lhe possa extrair ao máximo seu potencial em prol de uma nova política de resolução de conflitos, que evidentemente não exclui o Poder Judiciário, mas que a ele se soma como mais uma porta aberta à pacificação social.

Em especial, neste estudo, serão aprofundadas as iniciativas desenvolvidas na área do direito tutelar de menores, fruto de uma mentalidade jurídica que amadureceu ao longo dos anos, assim como um adolescente amadurece em seu percurso de vida.

Trata-se de matéria cujo estudo é multidisciplinar1 e que, por isso, tem maior dificuldade de se estabelecer. Os entraves começam já no meio jurídico, afinal vislumbra-se uma nova política criminal que se supõe colocar em risco a segurança jurídica e a proteção de bens indisponíveis, pela maior valorização da vontade das partes sobre os ditames legais. Ou seria esta uma ideologia antiquada e que já não atende aos anseios dos novos tempos?2

O pensamento moderno dominante aproxima o penal e o civil. O foco está no consenso e na satisfação dos interesses dos envolvidos e não na demonstração de um poder “surdo” e repressor do Estado, que impõe um comando judicial sem ao menos perceber nem atender aos reais interesses das partes. Assim, destacam-se, neste estudo, o princípio da intervenção mínima, a preferência pelas soluções consensuais, a tomada em consideração dos interesses quer do infrator, quer da vítima, quer da própria sociedade, o mais possível e de forma equilibrada.

1O estudo dos meios consensuais de resolução de conflitos, em geral, desenvolve-se em vários ramos do direito, como o laboral, o comercial,

o consumerista, o familiar, o penal e o de menores. Para além disso, é passível de estudo por diversas ciências não jurídicas, como a psicologia, a pedagogia, a administração de empresas, a economia, a sociologia etc., cada uma podendo e devendo contribuir para a sedimentação da matéria e sua aplicação prática adequada.

2 A doutrina tradicional nos países de civil law estabelece que a autocomposição é limitada a direitos patrimoniais disponíveis, pelo que o

Direito Penal sempre foi área proibida. Esta ideia tem progressivamente mudado, conforme desenvolveremos melhor adiante, face à constatação de outros interesses juridicamente relevantes. Além disso, outro entrave seria a consideração do problema da segurança pública, que se tem agravado substancialmente nos últimos tempos, pelo que se discute se as medidas que evitam a intervenção judiciária e, em última análise, a detenção de infratores, são suficientes e adequadas a responder às expectativas comunitárias.

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Iniciando-se pela abordagem do conflito e das formas possíveis de lidar socialmente com o mesmo, apresenta-se um breve histórico sobre o desenvolvimento dos meios de solução dos conflitos ao longo dos tempos, aludindo-se à crise da tutela jurisdicional e à revisitação dos antigos meios. Passa-se à classificação dos meios de solução dos conflitos, com especial destaque à distinção entre conciliação e mediação, por serem dentre todos os que mais se assemelham. Por fim, discorre-se acerca da terminologia e fundamentos dos denominados meios alternativos, a fim de introduzir o tema da mediação, em seus aspetos gerais, destacando então suas vantagens em relação ao processo judicial.

Em um segundo capítulo, desenvolve-se uma análise da recente reforma do direito de menores em Portugal, com uma síntese do modelo de tutela existente até então. Após discorrer sobre os reflexos das normas jurídicas internacionais pertinentes aos direitos da criança e do adolescente e suas diretrizes para uma adequada reação social e judiciária à delinquência juvenil, aduz-se ao novo panorama do direito de menores em vigor no país, destacando-se sua finalidade jurídica.

A parte conclusiva do trabalho é iniciada com a apresentação dos aspetos gerais da mediação vítima-agressor e os interesses envolvidos, seguindo-se ao breve estudo da mediação penal, no âmbito geral, e dos seus princípios consagrados nas normas internacionais. Só então adentra-se no tema principal do trabalho, nomeadamente a mediação penal juvenil, com o delineamento dos contornos que a mesma assume em Portugal, Itália e Brasil, nomeadamente no tocante ao enquadramento jurídico e à sua aplicabilidade nesses países, para então tratar do problema do consenso entre as partes, detendo-se, por fim, sobre as dificuldades encontradas e propostas para o futuro.

Não se pretende, no estudo, abordar os diferentes modelos e estruturas do processo de mediação, tampouco as particularidades da atividade do mediador. Dar-se-á ênfase ao estudo dos princípios e noções básicas da mediação, aplicáveis também no âmbito da mediação penal juvenil, e seus reflexos nos próprios envolvidos.

Para cumprir o escopo proposto neste artigo, elegeu-se a pesquisa teórica, feita através da compilação e revisão do material bibliográfico proposto. Foi feita também uma pesquisa documental, enfocando as normativas nacionais e internacionais concernentes ao tema. Tratando-se de matéria relativamente nova, contudo, ainda não há decisões jurisprudenciais que sirvam de apoio a esta pesquisa.

Partindo dos resultados obtidos, espera-se identificar as más e as boas práticas de cada país, de modo a contribuir para o desenvolvimento de um sistema de mediação penal juvenil

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que melhor atenda aos interesses dos envolvidos e que seja conforme às diretivas normativas gerais estabelecidas no âmbito.

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CAPÍTULO I – Meios Alternativos de Resolução dos Conflitos

1 Conflito

A sociedade tem-se desenvolvido ao longo dos anos essencialmente sob uma perspetiva de convivência harmónica, que decorre do desejo ínsito que cada um tem de popularmente “viver em paz”. Entretanto, os interesses são ilimitados enquanto os bens são limitados, surgindo inevitavelmente os conflitos de interesse que, no clássico conceito de CARNELUTTI, são o "posicionamento antagônico de duas ou mais pessoas em face de um mesmo bem da vida"3.

As normas de conduta social são então instituídas para ordenar a sociedade, a fim de que os conflitos que lhe são inerentes não sejam capazes de conduzi-la ao caos. Baseiam-se em certo grau de consenso e são reforçadas por sanções sociais, dentre elas a jurídica, que contribuem para a prevenção ou repressão de comportamentos desviantes, assim definidos de acordo com os padrões culturais de cada sociedade.

Mas do controle necessário das condutas humanas não decorre logicamente que os conflitos sejam de todo negativos na realidade social. A perceção do conflito de forma positiva é a ideia central da moderna teoria do conflito4, segundo a qual ele é um fenómeno natural nas relações interpessoais e que acompanha o evoluir dos tempos. Para que se transforme toda a carga negativa que lhe é peculiar em algo positivo, é necessário aplicar-lhe técnicas, intuitivas ou teoricamente elaboradas, e conceitos direcionados. Ou seja, é resolvendo pacificamente o conflito que se retiram dele seus aspetos positivos, dentre eles, ser o propulsor de mudanças pessoais ou interpessoais, entendimentos, aprendizados, crescimentos etc. Nesse sentido, importante atenção deve ser dada pelo Estado, que necessita obter a melhor política pública de resolução de conflitos, a fim de permitir um adequado convívio social e, em última análise, sua própria evolução e fortalecimento.

A relação do direito com o conflito foi bem explicada pelo jurista CALMON, para quem este “é um fator pessoal, psicológico e social, que desagua no direito apenas por opção política

3 FRANCESCO CARNELUTTI, Sistema di Diritto Processuale Civile, t. I, p. 44, apud PETRONIO CALMON, Fundamentos da Mediação e da Conciliação, p. 17.

4 Nesse sentido, vide ANDRÉ GOMMA DE AZEVEDO (org.), Manual de Mediação Judicial, p. 29; CHRISTOPHER W. MOORE, O Processo de Mediação: Estratégias práticas para a resolução de conflitos, p. 5 e ss.; MARIA DE NAZARETH SERPA, Teoria e Prática da Mediação de Conflitos, p. 13 e ss; e, ROBERT A. BARUCH BUSH and JOSEPH P. FOLGER, Changing People, not just Situations: A

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da organização social, variando essa intervenção do Estado conforme variam todos os demais fatores históricos, políticos e geográficos”5. Assim, a extensão e a forma de regulamentação jurídica dos diversos tipos de conflitos e dos meios dispostos à sua solução podem variar bastante de um ordenamento jurídico a outro.

Naturalmente nem todo conflito de interesses necessita da intervenção do Estado, ou mesmo de uma terceira pessoa, para que se resolva. Há conflitos em que um dos interessados se conforma com a sua insatisfação, outras em que ele age de modo a obter o bem que lhe interessa, exercendo, então, a pretensão. Neste caso, ele pode satisfazer seu interesse pacificamente, sem encontrar resistência; ambos os interessados podem fazer concessões recíprocas; ou, de outro modo, o conflito de interesses pode ser qualificado por uma pretensão resistida ou contestada, a lide6, quando finalmente será relevante para o direito7. Especificamente no âmbito penal, fala-se do conflito do agente com os valores essenciais da comunidade revelado pelo cometimento do crime, sendo apenas nestes moldes que o conflito interessará ao direito.8

A doutrina tem utilizado ainda as definições lide processual e lide sociológica para distinguir aquilo que é levado ao conhecimento do Poder Judiciário daquilo que é essencialmente o interesse das partes. Resolver a lide sociológica é o propósito ideal, pois se constitui em resolver integralmente o conflito, evitando que ele se perpetue ou que a insatisfação se reflita em novos e futuros conflitos.

5 PETRONIO CALMON, ob. cit., p. 16.

6 Conceito de lide na clássica conceção de FRANCESCO CARNELUTTI, Instituciones del Proceso Civil, p. 28. Importante destacar que a

doutrina diverge quanto à existência da lide em processo penal. O próprio autor entendeu que há pretensão penal ou punitiva, pois há o interesse à liberdade por parte do acusado e o interesse público contrário, que é o interesse à atuação da sanção. Entretanto, ao desenvolver seu pensamento, concluiu que o conteúdo do processo penal é mais um negócio que uma lide (ob. cit., pp. 55 e ss.), não tendo este pensamento sido aceito facilmente no meio jurídico. Não se pretende, contudo, conduzir a uma consideração conclusiva do assunto, posto que não interessa propriamente ao estudo, como se demonstrará a seguir.

7 FRANCESCO CARNELUTTI, ob. cit., p. 25, alerta para o erro da supervalorização do processo contencioso, na medida em que o processo

voluntário ficou à sua sombra. Por outro lado, para além da “formalização” do conflito, gerada pela sua apresentação ao Judiciário com a expectativa de obter a solução do problema, evidencia-se que o direito representa a “gestão formalizada dos conflitos”, nas palavras de GRAZIA MANNOZZI, La Giustizia senza Spada: Uno studio comparato su giustizia riparativa e mediazione penale, p. 10; não é entretanto o único meio.

8 Neste sentido vide CLÁUDIA CRUZ SANTOS, A Justiça Restaurativa: Um modelo de reacção ao crime diferente da Justiça Penal: Porquê, para quê e como?, pp. 467/469, que dá a esse conflito a denominação de macro-conflito, aduzindo ainda para a existência de outro conflito,

originado pela “violação de interesses legítimos da vítima por força de uma conduta ilícita de um agente que persegue os seus próprios interesses”, denominando-o micro-conflito. Este conflito não foi totalmente desconsiderado pelo direito penal, que atribui ao ofendido a qualidade de assistente no processo ou legitima o seu direito ao pedido de indemnização cível. Entretanto, a tutela dos interesses do ofendido não costuma surgir como finalidade autónoma, sendo este conflito objeto de atenção pela justiça restaurativa, cujos fundamentos serão melhor delineados no terceiro capítulo. É com estes fundamentos que a autora considera que o Estado não se apropriou dos conflitos entre particulares, porque o que lhe interessa é o macro-conflito.

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Especialmente destinados ao diálogo para a busca do consenso, os processos nos quais as próprias partes buscam o entendimento da solução que lhes parece mais satisfatória, são o meio de solução de conflitos que oferece o ambiente e as ferramentas adequadas para que mesmo os conflitos latentes possam vir à tona e encontrem espaço para acolhida e transformação, contribuindo exemplarmente para a resolução integral dos conflitos e, em última análise, para a harmonização e bem-estar da sociedade.

A ideia será aprofundada a seguir, quando se discorrerá sobre os meios de solução de conflitos de forma sistematizada, a fim de melhor compreender suas ferramentas específicas para solução dos diversos conflitos.

2 Meios de solução dos conflitos

2.1 Breve histórico

As sociedades primitivas, diante dos conflitos de interesses desde sempre existentes, utilizavam-se notoriamente da força, em razão da natureza humana de fazer prevalecer seu interesse em prejuízo do mais fraco. Com sua evolução, o diálogo foi ganhando mais espaço, e os conflitos passam a ser resolvidos também através do consenso. Força e consenso são meios opostos que coexistiram por milhares de anos.

Dentre os meios consensuais, cujo estudo será melhor aprofundado em momento posterior, sabe-se que a mediação existia sob múltiplas formas: “A palavra já era inscrita em placas de argila suméria, cerca de 4000 anos atrás. A função do mediador permitia, naquela época, reconectar o humano ao divino”(tradução nossa)9. Ainda na Antiguidade encontram-se registros da arbitrium boni viri e do arbitrium ex compromisso, procedimentos que eram conduzidos pelos árbitros10 e que se aproximam ligeiramente à arbitragem em sua configuração actual, ou seja, meio de imposição da solução compositiva por um terceiro imparcial.

Note-se que os meios de solução dos conflitos evoluíram conforme os direitos atribuídos ao indivíduo e as diferentes formas de conflitos surgidas em cada contexto histórico, político e cultural. Assim, ainda que se tenham de alguns deles registros antigos, sua formatação não permaneceu sempre a mesma.

9 JACQUELINE MORINEAU, Il Mediatore dell’Anima, p. 79. Para aprofundar a história da prática da mediação, vide CHRISTOPHER W.

MOORE, ob. cit., p. 32 e ss.

10 Vide CLARA CALHEIROS, Breves Reflexões sobre os Atuais Discursos em torno da Mediação, in MÁRIO FERREIRA MONTE et al.

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Com o advento da organização social, corporificada no Estado, a utilização da força foi banida como forma de resolução dos conflitos entre os homens, permitindo-se raras exceções, e ele assumiu o poder de dizer o direito em cada caso concreto, de maneira autoritária. Da justiça privada passou-se então à jurisdição estatal, que surgiu como o meio institucional de solução das controvérsias, sendo fruto da crescente intervenção do Estado nas atividades sociais11.

Não se podia falar ainda em uma nova ordem democrática e igualitária, pois àquele tempo o Estado não assegurava um procedimento em contraditório e fundado em garantias, o que apenas perpetuava as injustiças, ainda que sob o manto da legalidade e da legitimidade. Foi apenas com a instituição do Estado de Direito democrático que surgiu a jurisdição estatal nos moldes atuais, trazendo consigo a segurança jurídica a que a sociedade tanto ansiava e a esperança de melhores tempos.

Tendo recebido confiança da sociedade, assumiu o Judiciário a responsabilidade por dirimir a quase totalidade dos conflitos. Entretanto, conforme se demonstrará, ao longo dos anos os problemas de ordem prática vieram à tona e iniciou-se a revisitação dos antigos meios alternativos de solução dos conflitos, desta vez com carácter formal e com métodos novos (conjunto de técnicas) que, além de aplicados intuitivamente conforme as específicas necessidades do caso concreto, têm sido desenvolvidos por estudiosos especializados para atender aos diferentes tipos de conflitos da forma adequada e, assim, obter resultados mais satisfatórios.

É que historicamente os meios consensuais eram aplicados intuitivamente e, quanto à mediação, em razão dos resultados positivos de algumas iniciativas nos Estados Unidos, a partir de meados do século XX, pouco a pouco foi sendo substituída por uma “mediação técnica”, com a utilização de estudos multidisciplinares que a embasaram12. Destaca-se contudo que, ainda que tenha ressurgido sob essa nova configuração, a mediação continua a ser um processo menos formal que o processo judicial.

Esse novo panorama surgiu nos Estados Unidos, nas décadas de 60 a 70, com um movimento abreviadamente classificado por ADR (Alternative Dispute Resolution, ou mais

11 GRAZIA MANNOZZI, ob.cit., p. 14, aduz que o modificar-se das estruturas sociais e económicas conduziu as pessoas a um contato

interpessoal cada vez maior, aumentando em consequência a conflituosidade. A ordem negociada foi então substituída pela ordem imposta, a fim de manter a paz social.

12 Vide ANDRÉ GOMMA DE AZEVEDO, La Mediación en Brasil, in JUAN ENRIQUE VARGAS VIANCA e FRANCISCO JAVIER

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recentemente, Amicable Dispute Resolution), expressão que se refere a todos os processos de resolução de disputas sem intervenção de autoridade judicial. Sua origem relaciona-se a outro movimento baseado no livre e amplo acesso à justiça, entendido este como a possibilidade de aceder a um meio qualquer que seja capaz e adequado à solução de um conflito13.

É que o denominado movimento de amplo acesso à justiça trouxe dois grandes enfoques, um foi a necessidade de simplificação do processo tradicional, no qual o Estado exercita a jurisdição, e o outro ligava-se ao reavivamento dos meios alternativos de resolução dos conflitos, de forma a democratizar a tomada de decisões e incentivar processos mais participativos.

A ideia dos ADR foi acolhida posteriormente na Europa, tendo a União Europeia registado em vários textos jurídicos e propostas comunitárias, conforme se demonstrará no próximo capítulo, a intenção de fomentar esses meios, incentivando os Estados-Membros a adoptarem-nos em seus ordenamentos jurídicos14. Atualmente são inúmeros os países que

estabelecem regras procedimentais e desenvolvem uma política de apoio e incentivo aos meios alternativos, cada um com sua configuração particular e maior ou menor desenvolvimento do tema.

Em Portugal, os meios de resolução alternativa dos conflitos têm sido desenvolvidos e impulsionados pelo poder público. Já no século XIX os Julgados de Paz desempenhavam função conciliatória15, mais tarde criaram-se os centros de arbitragem e hoje há um grande interesse sobre os sistemas de mediação16. Entretanto, muitos ainda são os obstáculos a superar para sua consolidação e maior aplicação prática, especialmente no específico âmbito do direito de menores.

13 Para aprofundar o assunto, vide MARIA DE NAZARETH SERPA, ob. cit., p. 76 e ss.; ANGELA MENDONÇA, A Mediação e a Arbitragem no Mundo Contemporâneo, pp. 7/11; LÚCIA DIAS VARGAS, Julgados de Paz e Mediação: Uma Nova Face da Justiça, p. 42; e, ANDRÉ

GOMMA DE AZEVEDO, ob. cit., p. 77. Destaca este autor a proposta inovadora à época do Multidoor Courthouse, de autoria do professor Frank Sander, que estabelecia a necessidade de uma variedade de processos de resolução de disputas conforme as características específicas de cada conflito, e assim trazendo ao foco os meios consensuais de resolução de conflitos.

14 LÚCIA DIAS VARGAS, ob. cit., pp. 43-44; e, CLARA CALHEIROS, ob. cit., pp. 147-148, aduzem à crise económica na Europa como um

fator de relevante importância para o desenvolvimento dos meios alternativos de resolução de conflitos.

15 Vide J. O. CARDONA FERREIRA, Justiça de Paz – Julgados de Paz: Abordagem numa perspectiva de justiça/ ética/ paz/ sistemas/ historicidade, p. 47.

16 “O desenvolvimento dos meios de resolução alternativa de litígios em Portugal é um facto incontestável. Os diversos Governos, desde os

anos 90, em particular desde o início do milénio, têm investido na criação de centros de arbitragem institucionalizada (essencialmente na área do direito do consumo, mas também no direito administrativo, na propriedade industrial e na acção executiva), na instalação de Julgados de Paz (em 2011 existiam já cerca de 20) e na implementação de serviços de mediação (laboral, familiar e penal)”. In MARIANA FRANÇA GOUVEIA, Curso de Resolução Alternativa de Litígios, p. 13.

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2.2 Tutela jurisdicional e crise

A sociedade moderna, caracterizada por sua complexidade crescente, tende a atribuir ao Estado a resolução de toda uma nova gama de conflitos advindos das suas relações. Em geral, isso se deve ao fato de se creditar a ele a responsabilidade, imparcialidade e especialidade necessárias para encontrar a solução adequada. Para além disso, o próprio Estado estabelece que, não havendo solução pacífica, deve-se buscar a satisfação do direito nos moldes estabelecidos em lei, prevendo como meio ordinário a tutela jurisdicional.

Em que pese esta tendência, é importante frisar que a tutela jurisdicional não é o único meio previsto de pôr fim ao conflito e deve ser visto mesmo como ultima ratio17, ou seja, quando as outras possibilidades legítimas não tenham sido desenvolvidas com êxito.

Sendo o meio adversarial de composição de conflitos que atribui às partes diversas garantias processuais e um rito bastante predefinido legalmente, o processo judicial acaba por dar-lhes maior segurança jurídica. Entretanto, para poder atribuir às partes essas garantias, requer um tempo considerável para desenvolver-se, o que, ao final, pode ser bastante desvantajoso para uma delas ou para ambas. Essas delongas processuais são alvo de bastantes estudos que buscam solucionar o problema, afinal "a justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta", já dizia o ilustre jurista RUI BARBOSA, no início do século XX.

A demora no encerramento do processo traz duas outras consequências desvantajosas, que são o custo crescente e o acúmulo de processos nos gabinetes dos juízes. É um ciclo que parece não ter fim e os juristas buscam meios de tornar a justiça mais célere e eficiente para que possa propiciar uma tutela satisfatória aos interesses juridicamente protegidos.

Não só do ponto de vista dos cidadãos percebem-se os inconvenientes, também do ponto de vista do Estado é notório que o custo despendido para a administração da justiça é excessivo, considerando-se que não está a desempenhar satisfatoriamente seu papel. Diversas são as propostas dos estudiosos a fim de mudar esse cenário, desde a modernização do aparelhamento

17 Salvo as hipóteses em que pela natureza da relação material ou por exigência legal o provimento jurisdicional se torne necessário, conforme

alerta ELPÍDIO DONIZETTI, Curso Didático de Direito Processual Civil, p. 27. Oportuno lembrar ainda que, assim como os meios alternativos, a tutela jurisdicional não é adequada a solucionar todos os tipos de conflito, pois há aqueles que melhor são solucionados através de um sistema menos formal, com menor publicidade, mais célere e aberto ao diálogo. O tema será aprofundado no tópico 4, Meios Alternativos: Terminologia e Fundamentos.

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tecnológico, capacitação dos juízes e servidores, criação de novos cargos e de mecanismos processuais mais céleres etc.

A intencionalidade última do direito é a realização da justiça, mas o Judiciário está evidentemente em crise. As diversas iniciativas para combater os obstáculos de acesso à justiça18, a demanda excessiva, a morosidade, e muitas vezes a decorrente inutilidade das decisões judiciais, não se mostram suficientes para a prestação de um serviço de qualidade, ou seja, de um serviço eficaz e eficiente.

O desafio está lançado. A sociedade clama por justiça e o Estado, com razão, já não permite que se busque através da força o que cada um entende ser seu por direito. Por outro lado, já não é capaz de responder satisfatoriamente à demanda e às necessidades específicas de todos os conflitos.

A ideia de acesso à justiça, como visto, já não se confunde com acesso ao Judiciário, mas compreende a efetiva e justa composição dos conflitos de interesses, seja pelo Judiciário, seja por forma alternativa, devendo ser incentivada e facilitada a utilização de todos os meios legítimos de pacificação social, especialmente aqueles que conduzam ao atendimento dos reais interesses das partes e que estimulem sua participação construtiva no processo. Assim, ainda que para determinados conflitos o processo judicial seja um caminho adequado, existem outros que podem ser igualmente ou até mais adequados à solução de determinados conflitos, pelo que devem ser colocados à disposição da sociedade, para sua livre escolha.

Em meio à descrença no sistema de justiça, surge a necessidade de olhar além do Judiciário e defender um Estado menos intervencionista (intervenção mínima), mas a ideia também é carregada de uma desconfiança geral acerca do “novo”, do “desconhecido”, daquilo que se opõe a um modelo já arraigado, mesmo evidenciando-se seu descompasso com as realidades atuais. Mas para além dessa proposta, o que se impõe incentivar é que a sociedade contemporânea, cuja vida está cada vez mais agitada e por isso é menos voltada ao diálogo, resolva de modo mais consensual e amigável seus próprios conflitos, e assim alcance ela mesma o que considera ser a solução mais justa para seus conflitos, independentemente das estritas atribuições legais de direito.

Reportando-se à Antiguidade, viu-se que os meios utilizados para a consecução dos interesses baseavam-se na força do mais forte ou no consenso, o que com o passar dos tempos

18 Vide ROBERTO PORTUGAL BACELLAR, Juizados Especiais: A nova mediação paraprocessual, pp. 36/39; e, PETRONIO CALMON, Fundamentos da Mediação e da Conciliação, p. 3, que tratam dos diversos obstáculos de acesso à Justiça dentro do Judiciário, cuja natureza

pode ser económica, cultural, social, política ou jurídica, pelo que é necessário envidar esforços e contributos de diversas áreas para consecução dos fins almejados.

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mostrou-se inadequado e insuficiente, afinal, evoluindo a sociedade e a gama de conflitos que lhe é peculiar, deve evoluir a resposta ao problema. Hodiernamente, a sociedade tem à sua disposição a jurisdição estatal e os mecanismos denominados alternativos, elaborados com técnicas aperfeiçoadas e uma regulamentação jurídica de crescente amplitude, para que o acesso à justiça se torne cada vez mais um direito palpável, não uma mera utopia. Mas para fazer uma livre escolha é imprescindível que todos sejam aplicados adequadamente e que seja dado à sociedade amplo conhecimento de suas peculiaridades, a fim de que possa perceber o método mais adequado aos seus interesses em conflito.

Iniciar-se-á uma breve exposição da classificação dos meios de solução dos conflitos, a fim de introduzir de forma mais esclarecida o tema da mediação, como meio de acesso à justiça, ou a uma justa solução, alternativo à justiça tradicional.

2.3 Classificação

Os meios de solução dos conflitos podem ser classificados em: autotutela, autocomposição e heterocomposição.

Autotutela significa o uso da força ou de subterfúgios por uma das partes para submeter o interesse do outro ao seu próprio. É também chamada “autodefesa” ou “vingança privada”. Naturalmente utilizada desde os primórdios da humanidade, e sendo baseada em disparidade de armas, a mesma foi banida com a organização do Estado, que tomou para si o poder de decidir a quem cabia o direito. Entretanto, há raras hipóteses legais, previstas nos diversos ordenamentos jurídicos, em que a mesma pode ser utilizada, a mais conhecida delas é no âmbito penal, a legítima defesa.

A autocomposição é, entre todos, o único modelo pacífico e consensual, no qual predomina a vontade consentida quer sobre a força de um dos envolvidos quer sobre a norma jurídica positiva. Baseia-se na capacidade que as partes têm de por si sós, ou com o auxílio de um terceiro imparcial, encontrarem soluções consensuais para os conflitos entre elas. Ou seja, a autocomposição pode ser direta, como na negociação, ou indirecta, também chamada de assistida, como na conciliação e na mediação19. Outras formas há de autocomposição, entretanto podem ser consideradas como formas híbridas das acima denominadas.

19 PETRONIO CALMON, ob. cit., p. 26, explica que a classificação exposta é a comumente utilizada pelos autores latino-americanos, sob a

influência do mexicano Niceto Alcalá-Zamora y Castillo. Entretanto, há quem entenda que mediação e conciliação são formas de heterocomposição por causa da participação do terceiro, ainda que reconheçam que o mesmo não tem o poder de decidir, apenas auxiliando as

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A negociação é o mais natural e habitual meio de solução dos conflitos, cujas técnicas servem de base para todos os meios consensuais de resolução de conflitos. Entretanto, algumas vezes as pessoas não são capazes de por si sós chegarem a um acordo, seja por problemas de comunicação, por questões emocionais, perceção parcial do problema, dentre tantos outros motivos. É nesses casos que o auxílio do terceiro tem um contributo essencial, pela utilização de técnicas apropriadas para facilitar a aproximação das partes para a realização do consenso. A heterocomposição, por fim, ocorre quando uma terceira pessoa imparcial é a responsável por determinar a solução para um determinado conflito, impondo imperativamente sua decisão, razão pela qual as partes perdem o controlo sobre o resultado. O interventor pode ser escolhido pelas próprias partes (como ocorre com o árbitro, na arbitragem), ou determinado conforme critérios legais (exemplo do juiz, na tutela jurisdicional).

A intervenção judicial tem uma característica peculiar, que lhe difere dos demais meios, pois sendo o juiz uma autoridade institucionalizada e reconhecida socialmente, sua intervenção no conflito representa o deslocamento do processo de resolução do domínio privado para o público.

Os meios alternativos de resolução dos conflitos, aqui se incluindo os autocompositivos e o heterocompositivo na modalidade arbitragem, conforme já exposto anteriormente, são encontrados informalmente na sociedade, desde datas longínquas, ainda que sob outras configurações. Todos estes meios privados sempre tiveram o escopo de restauração da paz social, assim como a intervenção judicial, e sua “retomada” nos tempos atuais vem a colaborar com esse mister assumido pelo Estado.

Em todo caso, ambas as formas autocompositiva e heterocompositiva de solução de conflitos são compatíveis entre si, sendo apenas distintas e, nesse sentido, podem colaborar melhor para a realização dos diferentes interesses em conflito. Nesse sentido, merecem ser objeto de estudo específico para que deles se extraiam amplas vantagens práticas e sejam minimizadas as dificuldades que lhes são peculiares.

2.3.1 Distinção entre mediação e conciliação

Dentre os mecanismos de resolução alternativa de conflitos, os que mais se assemelham e por isso tendem a causar confusão entre si são a mediação e a conciliação, por isso a

partes à chegada do consenso. Há ainda quem entenda que elas ocupem uma posição intermédia entre a autocomposição e a heterocomposição, como o professor WLADMIR BRITO, que lhes atribui uma natureza mista, in WLADMIR BRITO, Teoria Geral do Processo, pp. 14/38.

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necessidade de se estabelecerem aqui seus conceitos e uma distinção básica entre os mesmos. É que, em ambos, as partes chegam a um consenso mediante o auxílio de um terceiro, mas há aspetos metodológicos que lhes diferenciam e é importante para o estudo ressaltá-los.

Destaca-se, inicialmente, que os conceitos de mediação e conciliação não são uniformes em todos os países, mesmo os autores conacionais divergem entre si, o que dificulta uma maior coerência metodológica a nível de estudos comparados e o estabelecimento de critérios claros de distinção e de diretrizes gerais para sua utilização prática20. De fato, os conceitos que aqui serão propostos ligam-se a uma ideia mais atual desses mecanismos, ligeiramente distinta daquela apresentada pelo modelo anglo-saxónico, na origem do movimento dos ADR, marcadamente negocial.

A começar pelo conceito de conciliação, tem-se, em geral, que é o mecanismo consensual em que um terceiro imparcial, o conciliador, ajuda, orienta e facilita a composição de um acordo de vontades entre as partes, podendo inclusive sugerir e formular propostas, estando as mesmas livres de aceitá-las ou não.

A mediação, por sua vez, é o mecanismo consensual em que um terceiro neutro e imparcial, chamado mediador, ou mesmo um grupo deles, auxilia as partes a chegarem a um consenso, desempenhando uma escuta ativa de forma a guiá-las a que descubram por si sós as raízes do conflito e a que alcancem, através do diálogo, o entendimento da solução que lhes satisfaça reciprocamente seus interesses ou necessidades.

Quanto à pluralidade de mediadores em um mesmo processo de mediação, a doutrina elenca algumas vantagens21, como: a) permitir que as habilidades e experiência de dois ou mais mediadores contribuam mais fortemente para a resolução do conflito; b) oferecer mediadores com perfis culturais ou géneros distintos, de modo que as partes sintam menor probabilidade de parcialidade e interpretações tendenciosas por parte dos facilitadores; c) viabilizar o treinamento supervisionado de mediadores aprendizes. Entretanto, ao menos nas mediações penais, considera-se que deve haver certa limitação do número de pessoas no processo, a fim de preservar um ambiente intimista e reservado que permita às partes expor seus interesses mais profundos e assim libertar-se da carga emotiva negativa para alcançar um novo estado de espírito.

20 Segundo ROBERTO PORTUGAL BACELLAR, ob. cit., p. 232, na França, na Espanha, na Colômbia, entre outros países, não há qualquer

distinção entre conciliação e mediação. E a recente proposta de mediação dentro do processo judicial, no Brasil, tem aproximado ambos os conceitos também neste país.

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Dentre os pontos de distinção, extraídos já dos seus conceitos, tem-se que os métodos são diferentes, pois na conciliação a participação do terceiro, chamado conciliador, é mais interventiva, permitindo-se que emita sua opinião e proponha às partes os termos do acordo, ainda que naturalmente elas não estejam obrigadas a aceitá-lo, afinal trata-se sempre de um processo consensual. Na mediação, por outro lado, o mediador dirige a mediação identificando os pontos controvertidos e facilitando a comunicação entre as partes, mas não aconselha ou propõe termos do acordo.

Conforme destaca a maior parte dos juristas, distinguem-se ainda os vínculos, pois a conciliação trata-se de atividade que é praticada diretamente pelo juiz ou por pessoa que faça parte da estrutura judiciária organizada para este fim. Já na mediação, em que pese divergência de opiniões quanto à sua relação com o Judiciário, tem-se em geral que este não detém qualquer controle sobre o procedimento, realizando-se este fora do âmbito da organização judiciária, ainda que se possam desenvolver estruturas parajudiciais destinadas à mediação. Mesmo nestas, é pacífica a ideia de que a mediação é atividade privada e livre de qualquer vínculo com qualquer dos Poderes.

A estruturação da atividade da mediação, por sua vez, pode ser efetuada por diversas formas, devido à sua peculiar flexibilidade, ou seja, pode ser desenvolvida em uma estrutura privada ou dentro de um sistema público, pode ser ainda um exercício individual, por profissionais ou voluntários, ou um exercício institucional, sendo este o modelo que tem tido grande crescimento atualmente. Seja nas instituições públicas ou privadas, as vantagens são acrescidas, pois elas oferecem o serviço de mediação dentro de um sistema organizado e estruturado, sob um padrão de qualidade mínimo e com um quadro de mediadores devidamente especializados, o que acaba por trazer maior segurança às partes.

Em seu ponto distintivo mais importante, nota-se que o foco da conciliação é o acordo, enquanto na mediação é o conflito, sendo o acordo uma mera consequência. Na conciliação não se resolvem problemas de fundo, apenas se procura um acordo satisfatório baseado numa apresentação breve e superficial do conflito de interesses. É, assim, adequada aos conflitos de carácter eminentemente material ou decorrentes de situações circunstanciais, em que não há qualquer vínculo entre as partes, e é considerada um processo mais célere, pois geralmente só é necessário um encontro entre as partes e o conciliador. Na mediação, por outro lado, sobressaem-se o incentivo ao diálogo, o reconhecimento mútuo de interesses, a capacitação das partes de por si sós chegarem a uma solução e, consequentemente, sua maior adesão e responsabilidade na realização daquilo a que livremente se propuseram, daí seu carácter

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pedagógico. Enfim, na mediação fortalecem-se a comunicação, ou a viabiliza nos casos em que era inexistente, e os próprios envolvidos, “restituindo aos protagonistas não só o direito mas também a capacidade de participar em um processo de transformação”22.

Nesse espírito é mais fácil perceber que a autocomposição, e mais especialmente a mediação, pode levar a um resultado ganha-ganha, em que ambas as partes sentem atendidos seus anseios, e podem seguir em frente minimamente transformados, conscientes da sua participação construtiva na sociedade. Este é o modelo proposto por MORINEAU, que participou ativamente da introdução da mediação penal juvenil na França e é conhecida por solucionar cerca de 80% dos conflitos judiciais encaminhados pela Procuradoria da República de Paris23. Assim, esse modelo consensual por excelência também contribui para a prevenção de futuros conflitos, já que o carácter pedagógico do encontro ajuda as partes a refletirem sobre novas e adequadas formas de conformarem seus interesses. É o modelo ideal para resolução dos conflitos que envolvem relações jurídicas de carácter continuado, como as familiares e as de vizinhança, ou naquelas em que seu carácter pedagógico é primordial, como nos casos de delinquência juvenil, a exemplo das experiências exitosas acima citadas24.

2.4 Meios alternativos: terminologia e fundamentos

Sendo os conflitos de interesse inerentes à sociedade, importante se torna encontrar os meios adequados à solução de cada um deles. A denominação “meios alternativos de resolução de conflitos” vem à tona como uma nova modalidade de instrumentos colocados à disposição da sociedade para a resolução de seus conflitos em alternativa ao meio ordinário, a jurisdição estatal, consagrado desde a formação do Estado e da proibição da autotutela. Diversas críticas

22 JACQUELINE MORINEAU, ob. cit., p. 78. A especialista em mediação explica que a transformação ocorre quando as partes saem da sua

confusão para ter um novo olhar sobre a própria vida, e assim vivem melhor consigo mesmas e com os outros. Outros autores também destacam essa característica da mediação, cuja finalidade vai além da solução do conflito. ROBERT A. BARUCH BUSH e JOSEPH P. FOLGER, ob. cit., p. 76, p. ex., aduzem que na mediação transformadora o sucesso é alcançado quando as partes, como pessoas, são mudadas para melhor, até certo ponto, em razão do que ocorreu no processo de mediação.

23 “Especialmente no âmbito penal percebe-se que os métodos mais conhecidos de resolução alternativa de conflitos, de origem normalmente

anglo-americana e caracterizados por uma abordagem negocial e conciliativa do conflito não conseguem atender adequadamente ao grito do sofrimento. Serve um novo estilo que deixe pleno espaço à manifestação das emoções […].” (tradução nossa), in JACQUELINE MORINEAU, ob. cit., p. 13.

24 Há outros modelos de mediação que podem ser adequados a outros conflitos, como o Modelo Tradicional de Harvard, que se centra no

acordo, não se preocupando com as relações existentes entre as partes nem com a transformação das mesmas. Assim, poderia ser mais adequado a conflitos na área empresarial. Sobre o assunto vide JUAN CARLOS VEZZULLA, Qué mediador soy yo? Disponível on line em: http://imap.pt/artigo/mediacaodeconflitos/que-mediador-soy-yo/3/. Acesso em 07/08/2015.

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são entretanto feitas à terminologia, já que historicamente, como visto, os meios de autocomposição precedem à organização da justiça25.

Outra crítica que se faz é sobre a alternatividade, pois alguns doutrinadores entendem que isso implicaria a exclusão do acesso à justiça através do Judiciário, pois o termo “alternativo” pode ser interpretado como pretendendo uma substituição da via judicial26.

Entretanto, a relação que se estabelece é de adequação e complementariedade, ou seja, os meios alternativos são mais um meio disponível para aceder a uma solução justa. E a tutela jurisdicional será sempre acessível quando necessária, por exemplo, em caso de opção por meios alternativos que resultem em êxito negativo.

O acesso amplo à justiça, direito consagrado nos diversos ordenamentos jurídicos dos Estados de Direito democráticos, é o enfoque atual, não mais a tutela judiciária. Nas palavras de CALMON, é necessário “oferecer o serviço justiça da forma mais ampla possível, com a utilização dos diversos mecanismos desenvolvidos para esta finalidade”27. Afinal têm entendido

os doutrinadores que a satisfação das pretensões jurídicas já não cabe dentro dos limites das paredes do Judiciário, sendo possível atendê-la por outros meios legítimos e sob a tutela do Estado, que se deve incumbir de lhes criar uma política nacional de incentivo e propiciar os alicerces para que estes possam atuar a contento, afinal é interesse e dever do Estado a pacificação social.

Para se obter aquilo que é justo, passa-se pela ideia de que é necessário percorrer o caminho adequado. Nesse sentido, os meios alternativos surgem como uma forma de ampliar os meios à disposição da sociedade para que seus conflitos tenham um desfecho apropriado, ampliando inclusive a possibilidade de resolução integral do conflito.

É que a decisão no processo judicial tem alcance limitado, visto que recai sobre a lide, ou seja, o conflito de interesses juridicamente tutelado, nos moldes em que o conflito é descrito e apresentado em juízo28. Sendo assim, os conflitos de interesses que não sejam juridicamente tutelados sequer podem ser conhecidos no processo judicial e, portanto, não têm espaço para

25 A terminologia justiça é colocada aqui como a instituição administrada pelo Estado para exercer a jurisdição, ou seja, dizer o direito aplicável

em cada caso concreto.

26 Para evitar possíveis distorções sobre os fins dos meios alternativos de resolução de conflitos, alguns autores sugerem a substituição do termo

por outros, como “Meios Extrajudiciais de Resolução de Conflitos (MERC)” ou Adequate Dispute Resolution (ADR).

27 PETRONIO CALMON, ob. cit., p. 3.

28 “A ideia de que o conflito possa ter uma dimensão mais ampla que a controvérsia e a percepção de que no processo possa emergir somente

uma parte de toda a situação conflitual que tem como protagonistas as partes parece poder-se extrair já do conceito de ‘lide’ proposto e utilizado por Carnelutti, o qual definiu a lide como ‘o conflito de interesses regulado pelo direito’ (CARNELUTTI, Lezioni di diritto processuale civile, Padova, 1926, rist. 1986, vol. I, p. 130 ss.) […]”. (tradução nossa) in CINZIA GAMBA, Domande senza risposta: Studi sulla modificazione

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serem recebidos e solucionados, entretanto estes têm a mesma ou maior importância para as partes, merecendo por isso também serem acolhidos. Para além destes interesses, há aqueles juridicamente tutelados que porventura não tenham sido apresentados em juízo e que por isso permanecem sem solução, afinal o juiz não pode decidir senão nos estreitos limites da lide processual, ou seja, nem mais, nem menos, nem sobre outra matéria que não seja a estritamente descrita nos autos.

Ora, não sendo possível ao julgador identificar e resolver os verdadeiros conflitos de interesses que motivaram as partes a litigar, o procedimento judicial se torna insuficiente e muitas vezes inútil a uma resolução integral do conflito. O mesmo não ocorreria no âmbito dos procedimentos consensuais, onde, pela sua informalidade e maior abertura ao diálogo, esses conflitos podem ser sempre identificados, acolhidos e solucionados. É assim que se obtém a verdadeira pacificação social, quando o conflito é resolvido integralmente.

Uma das principais idealizadoras da mediação humanista29, e criadora da mediação

criminal na França, em meados da década de 80, MORINEAU explica que frequentemente a Justiça não pode responder ao principal pedido da parte, aquele que está implícito na lide, porque julga e sanciona sem ter podido dar espaço à necessidade de escuta e de compaixão30.

Por outro lado, através do diálogo intermediado por um facilitador, as partes podem expor suas angústias, medos, anseios e expectativas, bem como iniciarem uma melhor compreensão e cooperação recíprocas, ao perceberem o ponto de vista e interesses da outra parte, e assim estabelecerem consensualmente as bases do entendimento necessário para a solução do conflito. Nas palavras de CERETTI, o mediador dá o espaço que permitirá aos mediados (re)construir uma visão diferente da situação atual31. Portanto, a mediação aparece mais apropriada aos conflitos em que o fator emocional-pessoal detém maior vulto e importância do que as consequências jurídicas do conflito, e visa a dar uma resposta aos interesses mais íntimos das partes, viabilizando a comunicação entre elas e conduzindo-as a que resolvam seus conflitos de uma forma mais pacífica e favorável a ambas.

29 Esse modelo pode ser utilizado em vários tipos de conflito, especialmente naqueles onde está envolvida forte carga emocional e relacional.

Propõe extrair o máximo potencial da mediação, de forma que não seja apenas um meio de resolução do conflito, mas que propicie aos envolvidos um processo de pacificação transformador e curativo, baseado em sentimentos altruístas, compreensão recíproca e alcance da satisfação plena de interesses. MARK S. UMBREIT, ob. cit., p. 4, explica que esses efeitos são intrínsecos à mediação, entretanto precisam ser conscientemente delineados e utilizados.

30 JACQUELINE MORINEAU, ob. cit., p. 70.

31ADOLFO CERETTI, Mediazione: Una ricognizione filosofica, in PICOTTI, Lorenzo (a cura di), La Mediazione nel Sistema Penale Minorile, p. 37.

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Do ponto de vista humano, a crescente valorização dos meios consensuais tem ocorrido por creditar-se às próprias partes a capacidade de encontrarem, por si sós ou com o auxílio de terceiros, a solução que lhes parece mais adequada, justa e eficaz, em lugar de se submeterem a uma solução imposta, limitada e baseada em perspetivas alheias. Em outras palavras, estimula-se a segurança, autodeterminação e autonomia das partes, técnica do chamado empoderamento, do termo em inglês empowerment, desenvolvida especialmente na mediação, que significa a valorização nas partes de sua capacidade de tomar decisões e de reduzir as emoções dolorosas, habilitando-as a melhor dirimir futuros conflitos32. Enquanto isso, no processo judicial cresce o descontentamento pela despersonalização e desumanização dos cidadãos durante o procedimento, que se sentem incompreendidos, perdidos, não atendidos.

A ausência de imposições reflete-se positivamente também no resultado da mediação, afinal as partes terão melhor adesão ao acordo a que elas mesmas se propuseram, e consequentemente cumprirão mais espontaneamente os seus termos. Percebe-se, pois, que as partes sentem-se mais responsáveis e assim o processo conclui-se de forma mais eficiente. Não é por acaso o alto índice de cumprimento voluntário dos acordos obtidos em mediação, o que contrasta com os índices referentes aos cumprimentos voluntários das decisões judiciais.

É costume na sociedade tratar dos conflitos como uma disputa entre partes, em busca de uma decisão no modelo ganha-perde, gerando ainda mais tensão numa relação já antes comprometida, especialmente naquelas relações repletas de ressentimentos e mágoas. No próprio processo judicial, os juízes se colocam como terceiros, mas são sempre partes, ainda que imparciais, e se incentiva a batalha quando se classifica o mundo dividindo-o em partes opostas. Por outro lado, nos meios consensuais, especialmente na mediação, o terceiro facilitador é quase um participante invisível, que atua com foco nos envolvidos, e desempenha uma escuta ativa a fim de incentivar sua comunicação saudável, ressaltando os pontos positivos de cada um deles, de modo a que se sintam acolhidos e que exponham seus verdadeiros interesses, conduzindo-os ao final à compreensão dos interesses recíprocos e a que descubram por si sós a solução que parece mais satisfatória a ambos.

32 Vide ANDRÉ GOMMA DE AZEVEDO (org.), Manual de Mediação Judicial, p. 56; CHRISTA PELIKAN, General Principles of

Restorative Justice, in PELIKAN, Christa et al, A Introdução da Mediação Vítima-Agressor no Ordenamento Jurídico Português, pp. 23/25; MARIA DE NAZARETH SERPA, ob. cit., p. 261 e ss.; e, ROBERT A. BARUCH BUSH e JOSEPH P. FOLGER, ob. cit, p. 77 e ss. Estes autores acrescentam outro importante objetivo a ser alcançado na mediação transformadora, qual seja o reconhecimento, que é obtido quando, dado algum grau de empoderamento e reconhecimento dos envolvidos pelo próprio mediador (que os dará igualmente a ambos), eles sentem um maior desejo de reconhecerem-se mutuamente. O empoderamento é tido como um objetivo que pode ser alcançado em todos os processos de mediação, já o reconhecimento depende da vontade das partes, seja decorrente do esforço do mediador, seja espontaneamente.

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Na mediação, pois, o encontro é não adversarial e voltado ao diálogo, e espera-se que ambas as partes saiam satisfeitas com o resultado. Esta é sua proposta desafiadora: proporcionar um resultado ganha-ganha, afinal a solução é conquistada de comum acordo e o enfoque é posto na composição de interesses e não na definição de direitos.

Destaca-se, contudo, que a mediação não é proposta como uma terapia, em que pese seus efeitos benéficos a nível emocional. Ainda que seja desejável e útil que o mediador tenha conhecimentos de psicologia ou tenha habilidade no trato de questões emocionais, o mesmo deve ter consciência dos limites de sua intervenção, para que o processo não se torne extremamente longo e perca o seu foco. É que a mediação vem a ser um instituto jurídico, de previsão e regulamentação legal, destinada a ser um meio de resolução de conflitos com consequências jurídicas derivadas de sua utilização. É, portanto, um fenómeno jurídico, não um procedimento terapêutico com reflexos apenas emocionais33.

Os “novos” meios têm naturalmente suas fragilidades inerentes, que serão expostas em momento oportuno neste estudo, o que não lhes retira entretanto o mérito de um olhar acurado e de um estudo especializado tendente à obtenção de técnicas novas e diferenciadas para cada tipo de conflito, bem como de estrutura procedimental adequada ao local de aplicação.

2.5 Vantagens da mediação e sua relação com o processo judicial

É evidente a utilidade do processo judicial em determinados conflitos, como nos casos das partes não estarem dispostas a colaborarem para a obtenção do consenso, quando têm interesse em estabelecer um precedente ou quando pretendem assegurar grande publicidade a uma decisão, por exemplo, quando envolvidos direitos individuais homogéneos referentes a consumidores. Há ainda os casos em que a mediação não é mesmo permitida, a exemplo dos conflitos sobre bens indisponíveis e de infrações penais de natureza gravíssima ou mesmo grave, pois as condutas atingem direta ou indiretamente toda a sociedade, não se podendo nesses casos permitir a privatização das respostas sociais aos conflitos34. Se esses conflitos forem levados à mediação, cabe ao mediador identificá-los, de logo, para evitar o desenrolar de um

33 Quanto à sua natureza, CARRIE MENKEL-MEADOW, Introduction, in MENKEL-MEADOW, Carrie (ed.), Mediation: Theory, policy and practice, p. xiv, aduz que a mediação está mais próxima da negociação como um processo e do contrato como matéria legal substantiva do que

das mais formais e legalistas instituições. Ou seja, ainda que tenha previsão legal, relativamente à solução encontrada pelas partes, a lei pode ser tida como fator relevante, mas não determinante em suas escolhas. É que impera na mediação a autonomia da vontade das partes.

34 ANDRÉ LAMAS LEITE, A Mediação Penal de Adultos: Um novo “paradigma” de justiça?, pp. 15-16, adverte para os excessos na

utilização do consenso, que leva alguns a defenderem uma quase “privatização do Direito Penal”, o que colocaria em risco as próprias fundações do Estado de Direito. Não é evidentemente este o modelo que defendemos para os meios alternativos de resolução de conflitos.

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procedimento infrutífero ou proibido. Por outro lado, a tutela jurisdicional não se tem mostrado adequada à pacificação do conflito em diversas situações, conforme se passa a descrever.

Quando envolvida relação jurídica de carácter continuativo, a exemplo da relação conjugal, parental, de vizinhança, societária, laborativa etc, a decisão judicial até põe fim ao processo, mas não necessariamente ao conflito, pois não é capaz de restabelecer a relação entre as pessoas, ao invés, muitas vezes a enfraquece ou mesmo a aniquila. E se o conflito persiste, ainda que latente, propicia-se o surgimento de novos confrontos ou de novas lides.

Para além desses casos, a tutela jurisdicional não tem sido apropriada à resolução de certos conflitos de carácter urgente, apesar de mecanismos procedimentais de aceleração processual. É o exemplo dos processos que envolvem crianças e adolescentes, cujos dias na vida têm uma medida diferenciada relativamente às outras idades, e cuja demora processual se potencializa em efeitos ainda mais problemáticos, com evidente “defeito de sincronia temporal”, expressão utilizada por RESTA que, tendo-se dedicado à filosofia e à sociologia do direito, debruçou-se especialmente sobre a infância. Explica ele a importância do tempo nessa fase da vida, advertindo que para a criança o tempo se mede diferentemente que para um adulto ou para um ancião, e ainda mais relevante é relacionar a sua medida ao tempo que o processo precisa para ser concluído.35

Além das delongas e altos custos dos processos judiciais, que se constituem em grandes barreiras de acesso à justiça, também a sua publicidade é muitas vezes prejudicial, pelo que não seriam adequados a uma série de relações conflituosas. Naquelas mais intimistas, provoca maior desgaste emocional, e em outras é capaz de destruir relações valiosas, a exemplo das relações comerciais, cuja ampla repercussão negativa de um problema causa à empresa danos muitas vezes irreversíveis, sem contar com as pressões externas que tendem a causar maior conflituosidade.

Ainda que relevante na história da humanidade a intervenção estatal para resolução dos conflitos nela arraigados, deve-se evitar a judicialização excessiva e desnecessária e incentivar a busca de soluções amplas para os conflitos, especialmente daquelas que incentivem o diálogo e que, dessa forma, previnem ou resolvem futuros conflitos.

É dentre estas soluções que se destaca a mediação, cujas vantagens são inúmeras, tal como a de propiciar uma menor exposição pública do conflito, reduzindo assim o desgaste

35 “Um ano para uma criança de 5 anos significa talvez 10 anos de um adulto; às vezes são uma inteira vida quando aquele ano de vida é o

espaço no qual se tomam as decisões fundamentais para o futuro”. E quanto à sua relação com o processo conclui que “o desperdício entre os tempos, aquele da vida e aquele das instituições parece intransponível”. (tradução nossa) in ELIGIO RESTA, L’Infanzia Ferita, p. 74.

Referências

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