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Proposições sobre o objetivo e o método do planejamento urbano

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Academic year: 2020

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Suely Franco Netto Gonzales, arquiteta, mestre Suely Franco N etto Gonzales

em planejamento urbano e regional, professora do Departamento de Urbanismo da Universidade de Brasília, com trabalhos de pesquisa notadamente na área de habitação, questões pertinentes ao solo urbano e aos assentamentos urbanos-rurais, no Brasil.

Proposições sobre o objeto e o

método do planejamento urbano

A produção escrita e a experiência a c u m u la ­ da nas atividades do planejam ento urbano já p e rm i­ te m , ou estão a exigir, um a revisão, n o tadam ente partindo-se de preocupações co m seu grau de e fi­ cácia diante dos problem as co n cre to s do d esenvol­ v im e n to urbano brasileiro.

Nos ú ltim o s 20 anos, fo ra m gastos m u ito s re­ cursos em estudos e planos e a pro d u çã o de c o n ­ sultores e pesquisadores é sig n ifica tiva . E ntretanto - e este talvez seja o in d ica d o r mais nítido de que há problem as — m u ito p o u co das proposições te ó ­ ricas e práticas que essa p rodução oferece chega às vias da im plem entação e fe tiva , no quadro c o n cre to do processo de d e se n vo lvim e n to do espaço h a b ita ­ do do país.

A realidade fru stra d a , difícil e, na m aior parte do te rritó rio , inexistente do planejam ento urbano tem sido justificada usualm ente pelas fricções da na­ tureza político -in stitu cio n a l, técnica e financeira que tais proposições têm que enfrentar em seu cam inho, desde sua form ulação nos gabinetes dos planejado­ res até a prática dodia-a-dia de sua im plem entação no quadro de nossas cidades. Tais dificuldades, apa­ re ntem ente, são bastantes para explicar o pa n o ra ­ ma defasado entre a q u a n tid a d e e a qualidade da pro d u çã o de gabinete e um a prática eficaz.

Há c o n tu d o ou tra s questões de caráter c o n ­ ceituai e m e to d o ló g ico que são tam bém pertinentes ás dificuldades da im plantação eficaz do planejamen­ to urbano. Elas são im p o rta n te s e explicariam a ine­ ficácia m esm o sem a presença das fricções.

O pla n eja m e n to urbano vem se m anife sta n d o co m o um a prática eivada de em pirism o e

subjetivis-m o, co subjetivis-m usubjetivis-m a produção de propostas estanques no espaço e no te m p o , su b m e tid o ao vício racionalista da supeiA/alorização do cham ado 'uso do s o lo ', além do ranço acadêm ico de ser resguardado aos g a b i­ netes d o s 'cientistas u rb a n o s'. Na realidade, seus diagnósticos e suas proposições, co m o um to d o , de ­ n o ta m um a prática carente da d e fin ição de seu p ró ­ prio o b je to teórico. Por isso os d iagnósticos são p u ­ ras descrições das m anifestações aparentes da o r­ ganização do espaço habitado e os ob je tivos do pla­ neja m e n to desse espaço são estabelecidos a priori

de qualquer referência teórica, de form a idealista: as atividades poluidoras devem estar separadas das ha­ bitações, toda a cidade deve ter rede de distribuição de água potável, os e q uipam entos escolares devem ser accessíveis po r c a m in h a m e n to a pé, etc.

O planejam ento urbano, entendido c o m o uma intervenção sobre as tendências da desqualificação geral e específica do qu a d ro físico-espacial h a b ita ­ d o , te m um a validade in tim a m e n te associada à sua c a p a c id a d e de m u d a n ç a das re a lid a d e s s ó c io - espaciais. Sua eficácia depende, p o rta n to , de duas co n d içõe s: prim eiro, o nível de c o n h e c im e n to d a ­ quelas realidades; em segundo lugar, o p oder des­ se c o n h e c im e n to c o m o m atéria de pressão.

Q uando se aceita que o p lanejam ento exisje para oferecer propostas ao processo decisório local, subentende-se a presença de um a ação política ine­ rente q u e será ta n to mais eficaz q u a n to m ais c o m ­ p ro m e tid a c o m o c o n h e c im e n to da realidade. M as, que tip o de c o n h e c im e n to é esse?

O prim eiro e quívoco presente nos processos usuais de c o n h e c im e n to dos p ro b le m a s u rbanos c o n siste em pretender analisá-los apenas m e d ia n te

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sua d e c o m p o s iç ã o em variáveis, quase sem pre quantificadas estatisticam ente e até elaboradas por algum as relações matemáticas ou som ente interpre­ tadas de maneira empírica e subjetiva, nas busca de 'causas', pretendendo que uma ação sobre estas possa objetivar a solução dos problemas detectados.

C om parece aqui uma questão de m étodo. O conhecim ento exigido para uma intervenção eficien­ te e correta sobre um determ inado o bjeto, visando alterar seu processo de desenvolvim ento, é o conhe­ cim e n to científico, isto é, aquele que dá a conhecer a essência do o bjeto, as leis de seu m ovim ento e, p rin c ip a lm e n te , as c o n d iç õ e s sob as quais elas atuam . Som ente esse tipo de conhecim ento permite fazer previsões e som ente planejam-se intervenções corretas quando se pode prever o co m p o rta m e n to , sob condições distintas e alternativas, de d e te rm i­ nado fenôm eno.

No caso de ação do planejamento urbano, seu objeto é ainda bastante desconhecido ao nível do co ­ nhecim ento te ó rico , ou seja, do co n h e cim e n to que perm ite fazer previsões.

O fenôm eno urbano é um objeto com plexo em perm anente m o vim e n to (crescim ento, expansão, transform ação, segregação, etc.) de m últiplas m a­ nifestações e de m últiplas im plicações. Partindo-se dessas manifestações o planejador precisa descobrir, ou melhor, definir, elucidar o problema da cidade em seu m o vim e n to de transform ação perm anente. Es­ sa fo rm ulação vai além da simples descrição ou ela­ boração estatística. Ela busca a explicação do m o ­ v im e n to da evolução urbana, para localizar por in­ term é d io desse m o vim e n to o objeto real do plane­ ja m e n to urbano. Tal form ulação realiza-se m edian­ te a análise do m o vim e n to c o n cre to de cada cidade e da busca de um a síntese e xplicativa para seu desenvolvim ento.

S om ente a partir dessa form ulação é que se torna possível a definição dos objetivos da ação pla­ nejadora. Os ob je tivos constituem -se em ações viá ­ veis referentes e destinadas a m udar o m o vim e n to concreto da evolução urbana em suas tendências in- desejadas. Essa intervenção prática estará, assim, garantida por um m étodo científico que dirige a ação do planejador desde a definição do problem a c o n ­ cre to até a fo rm u la çã o de propostas para o seu tra ta m e n to .

Provavelmente a ausência do exercício do m é­ to d o do c o n h e cim e n to cie n tífico explique o segun­ do equívoco da prática do planejamento urbano que adotou o cham ado 'uso do solo' co m o objeto de in­ tervenção. Os 'planos de uso do solo', através de zo- neamentos funcionais e de intensidade de ocdpação e até das tipologias arquitetônicas, viabilizam por sua vez as propostas da infra-estrutura de saneam ento,

energia e com unicação e a distribuição dos equipa­ m entos e dos locais de co n su m o coletivo. A o mes­ mo te m p o a legislação sobre o 'uso do solo' vem sendo revisada e são ensaiados esquemas variados para o cham ado 'c o n tro le do uso do solo'.

A im portância do solo urbano na produção da cidade é evidente. A investigação, porém , tem que objetivar o conhecim ento dessa produção. Por meio dela o solo, sem perder im portância, explica-se em seu papel essencial, não mais co m o o objeto do pla­ nejam ento, mas e nquanto co m p o n e n te im p o rta n te do processo de produção e reprodução do quadro físico-espacial habitado. Na realidade, quando se tra­ ta de levantar problem as desse quadro, as m anifes­ tações evidentes são aquelas pertinentes ao seu uso - p o luição, c o n g e s tio n a m e n to , d ificu ld a d e s de acesso, carência de equipam entos etc. Esse uso é o do espaço produzido, do espaço edificado, do 'es­ paço p ro d u to '; e um p ro d u to só se explica m edian­ te seu processo de produção. Por isso, da análise do processo de produção do quadro habitado, podem em ergir alguns níveis de explicação que darão a ver­ dadeira dim ensão e o verdadeiro papel ao c o m p o ­ nente solo, no quadro das relações presentes no pro­ cesso geral de produção do quadro habitado.

Adm ite-se, pois, que as tendências de desqua­ lificação desse quadro, percebidas no seu uso, são realmente determ inadas e, co n seqüentem ente, ex­ plicadas no processo de produção de seus elem en­ tos construídos, todos eles produzidos e distribuídos segundo as leis do m ercado capitalista e, po r meio delas, concretizando o processo de cre scim e n to e da transform ação perm anente dos espaços h a b ita ­ dos.

Esse processo tem apresentado algumas regu- laridades que variam som ente no grau de intensidade ou nas form as específicas que to m a m em cada c i­ dade: a) a expansão urbana concretiza-se m edian­ te parcelamentos periféricos de baixa densidade, dei­ xando vazios entre eles e a m ancha urbana anterior; b) a dem anda por habitação representa uma pres­ são cada vez mais fo rte e expressa-se por d ific u ld a ­ des de solvência fre n te a o fe rta ; c) o espaço h a b ita ­ do apresenta um processo p e rm a n en te m e n te de substituição de uso ou funções, de edificações e de infra-estrutura urbana, sem pre tendentes a um a d i­ visão cada vez mais nítida do espaço social; d) há uma^constante d ificuldade para a p rodução e d is tri­ buição dos com ponentes da infra-estrutura urbana, dos equipam entos e dos serviços de uso coletivo.

T o d o esse co n ju n to expressa um processo de produção do quadro habitado, que se apresenta c o ­ m o um p ro d u to distribuído de fo rm a não equânim e e cujas diferenças teriam fo rte im plicação locacional. A rigor, é essa im plicação locacional, q uando anali­ sada, que vai explicitar e explicar o papel do solo

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na-quele processo e perm itirá in fe rir o tip o de inte rve n ­ ção realm ente necessária e viável sobre esse c o m ­ ponente, den tro do c o n te x to do o b je to real do pla­ nejam ento urbano — que é o processo de produção (reprodução e distribuição) do quadro habitado.

A lg u m a s im p o rta n te s investigações já chega­ ram a conclusões sobre as determ inações dos m e­ canism os da 'renda da situação' dada pela im p lica ­ ção locacional sobre a form a co n cre ta c o m que se desenvolve e evolui o quadro habitado das cidades. As potencialidades dadas à realização de lucros ex­ traordinários diferentes, em determ inadas localiza­ ções urbanas, são a fo n te de 'renda da situ a çã o ' e determ inam os preços dos terrenos (e co n se q ü e n ­ te m ente dos im óveis nele edificados). Com o cres­ cim e n to da cidade, essas rendas alteram -se mais ou menos, suscitando a partir de um determ inado lim ite a su b stitu içã o do im óvel ed ifica do . A ssim , o zonea- m ento urbano é sobreditado pelo m ecanism o da 'renda de situ a çã o ', que passa a ser e n te n d id o c o ­ m o o operador eco n ô m ico da estratificação e da se­ gregação do espaço h abitado, por m eio da relação que se estabelece entre as rendas e os salários da população e o m o v im e n to da valorização dos im ó ­ veis edificados. À m edida que a cidade apresenta maiores taxas de crescim ento, as curvas do aum ento de a m bos se afastam cada vez mais, favorecendo a segregação das populações pobres nas áreas des­ qualificadas da cidade e in ce n tivan d o , por in te rm é ­ dio de pressão do d é fic it habitacional, os preços de m o n o p ó lio no m ercado im obiliário.

Por essa via explica-se c o m o o 'uso do solo' planejado — em sua relação c o m a pro d u çã o e re­ p ro d u çã o do quadro hab ita d o — poderá restabele­ cer algum as co n d içõe s para a m inim ização do m e ­ canism o da 'renda de situ a çã o ': seja po r alterações de intensidades do uso do solo; seja pela d is trib u i­ ção de áreas de lazer; seja po r restrições legais e tri­ butárias aos terrenos etc.

Entretanto, fica evidente que a 'renda de situa­ ção' som ente se realiza por interm édio da produção de co m p o n e n te s do quadro co nstruído e, p o rta n to , todas as recom endações para seu c o n tro le tê m c o ­ notações e com ponentes co m u n s aos demais meios da produção e distribuição das edificações e da infra- e strutura urbana: a fo rm a de d istrib u içã o das redes de água, esg o to , eletricidade e c o m u n ica çõ e s (vias e transportes, incluídos); e, além disso, as condições dadas ao d e se n vo lvim e n to da alta de aluguéis e às taxações sobre o lucro im obiliário em geral.

A d m itid a a validade dessa d e finição do o b je ­ to , ela m ostra c o m o se inferem , c o m clareza, os ele­ m entos que devem sofrer a intervenção do planeja­ m e n to , ou seja, induz a um processo de inferência dos objetivos da ação. Por exem plo, um ob je tivo ge­ ral inferido seria a m inim ização das rendas de situ a ­

ção em sua dim ensão absoluta e diferencial c o m a intenção de d im in u ir as pressões da dem anda habi­ tacional, p or um lado, e desacelerar os processos de segregação residencial, po r o u tro .

U m terceiro equívoco sobre o o b je to do pla­ nejam ento urbano refere-se ao seu â m b ito , m arca- dam e n te no se ntido de d uvidar se ele pode ser ape­ nas d e lim ita d o ou a d strito aos perím etros urbanos.

O problem a dos assentam entos h u m anos, se se encara este co m o objeto da preocupação dos pla­ nejadores do espaço h abitado, é bastante mais a m ­ plo do que o do espaço urbano. Q uando se tem a o p o rtu n id a d e de investigar a respeito de áreas mais distantes das m etrópoles, torna-se m ais nítida a in­ teração efetiva entre os assentam entos d ito s rurais e os assentam entos urbanos, ao p o n to de, c o n tra ­ d ito ria m e n te , tornar-se co n fu sa a delim ita çã o entre a natureza urbana e /o u rural de cada assentam en­ to . Se os crité rio s a dotados para diferenciar assen­ ta m e n to s urbano e rural fo re m ta m a n h o , nível de densificação da população ou fu n çã o do assenta­ m e n to , o tip o de atividade rural de expressiva parte da população urbana dificu lta ria o problem a para um a delim itação precisa entre o que é urbano ou o que é rural. Em especial, q u a n d o se trata do espaço brasileiro, cuja evolução vem -se d e fin in d o , nos ú lti­ m os 25 anos, pela perm anente expansão de novas áreas para a pro d u çã o agrícola e um a co n se q ü e n te tra n sfo rm a çã o da e stru tu ra territorial (em to d o o C entro-O este e a A m azônia n o tadam ente).

Cerca de 50% da população dessas regiões se distribui nos assentam entos ditos rurais, quase sem ­ pre sobreditados, em sua organização físico-espa- cial, pelos tip o s e níveis de relação de tra b a lh o pre ­ sentes em cada m icrorregião: a ca m p a m en to s de 'b ó ia s-fria s', o n d e se alojam du ra n te a sem ana g ru ­ pos de trabalhadores te m p o rá rio s; alo ja m e n to nas sedes de fazendas, onde se instalam po r determ ina do te m p o o trabalhador rural sem terra e sua fa m í­ lia; retiros isolados, ou em pequenos grupos, dos e n ­ carregados de certos setores de fazendas; pequenos nucleam entos (vilas e povoados), assentam entos de trabalhadores, co m trabalho sazonal em d e te rm in a ­ da m icrorregião; c o n ju n to s residenciais de a g ro in ­ dústrias, onde se acom odam os trabalhadores e suas famílias; assentam entos de g rupos de posseiros (pa­ trim ô n io s ); sedes de colonização oficial ou de e m ­ presas de colonização (m uitas delas, em R ondônia, já se transform aram em sede de m unicípios); nuclea­ m entos tem porários de garim peiros; assentam entos isolados de arrendatários, posseiros e m eeiros; e mais re centem ente os assentam entos dos N úcleos U rbanos de A p o io rural (N U A R ) na área dos PDRI em R ondônia.

A estes assentam entos associa-se u m c o n ju n ­ to de pequenas cidades e n tre se te ce n to s a 100 m il

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habitantes, geralm ente em processo m uito acelera­ do de crescimento e que, independente do tamanho, podem ser classificadas com o: sedes regionais de prestação de serviços, com a periferia rural já quase toda estruturada em latifúndios e com periferia ur­ bana que serve de assentamento a trabalhadores ru­ rais; pequenas cidades satélites em geral em torno das capitais de estado, abrigando uma população que trabalha na capital, ou na cidade pólo m icrorre- gional; pequenas cidades com função m icrorregio- nal im p o rta n te co m o apoio à produção rural local, inclusive abrigando grandes contingentes de traba­ lhadores rurais sem terra, em péssimas condicões de habitação; núcleos urbanos periféricos estagnados, em geral em áreas de m in ifú n d io , apresentando in­ dicadores de assumirem o papel de sede te m p o rá ­ ria dos fluxos m igratórios regionais.

T odo esse c o n ju n to de assentam entos está evidentemente relacionado, em sua forma e nível ha­ bitacional, ao estágio em que se encontra a organi­ zação da produção, principalm ente nas áreas rurais. A característica de extrem a m obilidade que reae a transformação desse conjunto urbano-rural apresen­ ta, em cada m icrorregião, características diferentes segundo sua localização emáreas de fronteira agrí­ cola ou em m icrorregiões de ocupação tradicional cujos processos de rem em bram ento das pequenas e médias propriedades rurais tendem a uma estru­ tura latifundiária, para a im plantação da pecuária de corte.

Cada m anifestação das deficiências desse es­ paço habitado é específica e local. Todavia, ao m e­ nor exame, evidencia-se uma transcendência do es­ paço local, em sua interdependência com o quadro geral. Os espaços habitados são sem pre uma fu n ­ ção das form as de estruturação da produção nas áreas rurais.

Na realidade, pode-se afirm ar que o problema urbano brasileiro m ultiplica-se dentro e m ediante o cre scim e n to das cidades e da transform ação do cam po, 'co n com itantem ente', não co m o uma ques­ tão de causa e efeito, mas com o com ponente de um sistema único de relações.

Uma pesquisa realizada recentem ente na área da região geo-econôm ica de Brasília, onde c o m p a ­ recem to d o s os tipos de assentam entos anterior­ m ente descritos e to d o s os estágios da evolução de fronteira agrícola, perm itiu descrever co m clareza a relação c o n s ta n te e determ inada do urbano e do rural. Nessa região o processo de esvaziamento d o ca m p o e a urbanização vio le n ta, no período 1970-1980, está intim am ente relacionado aos num e­ rosos e constantes rem em bram entos da estrutura fundiária local, associados a form as de investim en­ tos e exploração do setor prim ário que evoluem dos desm atam entos para as lavouras de arroz às pasta­

gens artificiais para criação de gado de co rte , p rin ­ cipalmente. Nessa evolução desaparecem os peque­ nos estabelecim entos com a exclusão dos sistemas de meia e parceria e com parece a figura do traba­ lhador assalariado no cam po, cujas condições de tra­ balho quase sempre determ inam a busca de um as­ sentam ento residencial alternativo entre os povoa­ dos próxim os, as faixas de dom ínio das estradas ou a periferia das cidades.

A estabilidade nesses assentam entos, por sua vez, depende da oferta de trabalho e das condições de em prego das áreas rurais em processo de e vo lu ­ ção e nas áreas urbanas mais acessíveis. Entretan­ to , esse fenôm eno não está o correndo da mesma form a em toda a região. Há m icrorregiões co m o as do sudeste goiano e a do M ato Grosso de Goiás, o n ­ de, aparentem ente, a urbanização dos trabalhado­ res do cam po já ocorreu. Há outras onde este p ro ­ cesso é mais recente, co m o nas m icrorregiões da Chapada dos Veadeiros, vão do Paraná e Serra Ge­ ral, que ainda apresentam , ao lado de taxas m u ito altas de crescim ento urbano, indicadores de cresci­ m ento da população rural. C o ntudo, uma análise mais criteriosa perm ite verificar algum as caracterís­ ticas mais específicas desse processo geral que p o ­ derão esclarecer m elhor o e ntendim ento dos assen­ tam entos da população em toda a região e suas te n ­ dências, m antidas as atuais condições de seu p ro ­ cesso de desenvolvim ento económ ico.

Em todas as m icrorregiões, m esm o em está­ gios m u ito diferentes da evolução da ocupação ru ­ ral e urbana, constata-se qua tro regularidades pre­ sentes: 1a) os rem em bram entos iniciam -se no m u ­ nicípio da sede urbana mais im portante, ou sedes ur­ banas mais im portantes, quando a m icrorregião já adquiriu um com plexo m unicipal mais num eroso; 2? nos m unicípios do e n to rn o dessas áreas, a área ru ­ ral tende a desm em brar seus estabelecim entos, ab­ sorvendo, aparentem ente, os pequenos produtores « P u t o s dos rem em bram entos do m unicípio c e n ­ tral; 3. à m edida que esse processo se desenvolve, a população rural que não tem terra — ocupantes, m eeiros e possejros — ou que viva de pequenas areas de subsistência, vai-se co n ce n tra n d o , quase sempre provisoriamente, nas vilas e povoados e prin­ cipalm ente nas sedes dos m unicípios da m icro rre ­ gião; 4 a quando os círculos co n cê n trico s dos re­ m em bram entos de dois grupos de m unicípios estão m u ito próxim os e tendem a tangenciar-se, as sedes d o s m u n ic íp io s in te rm e d iá rio s a a m b o s transform am -se em sedes transitórias das fam ílias m igrantes, em geral, co m os indicadores de cresci­ m ento urbano mais baixo da m icrorregião e altos ín­ dices de subnorm alidade no padrão habitacional e no regim e de coabitação e aluguéis.

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perm anentem ente e apresenta-se em vários está­ gios, segundo as m icrorregiões. Explica e d e te rm i­ na os tipos, a estabilidade e os padrões dos assen­ tam entos das populações de toda a região, tanto ur- oanas q u a n to rurais, bem c o m o os níveis de pres­ são da dem anda habitacional em determ inadas c i­ dades ou m unicípios.

Esses níveis de pressão expressam -se po r vá- nos indicadores que, inclusive, revelam certas pers­ pectivas a c u rto e m édio prazo de intensificação

aior ou m enor da dem anda habitacional nas sedes m unicipais po r interm édio da tendência de esvazia­ m ento presente na m aioria das áreas rurais. Hqo /~i - os 'ndicadores da pressão sobre as cida- t região, na década de 1970, é exatam ente sua xa de cre scim e n to no período. Essas taxas tende- nam a increm entar-se ou arrefecer-se, segundo a presença de um excedente de famílias sem a proprie- aae dos estabelecim entos rurais locais e as te n d ê n ­ cias do rem em bram ento e das condições da p ro d u ­ ção no setor prim ário no m unicípio e sua m icrorre- giao.

t , Levando em co n ta esses diferentes estágios e rabalhando com estimativas otim istas do número de estabelecim entos rurais ter a u m e n ta d o de 10% em cada m icrorregião, ainda terem os uma pressão emi- nentejsobre as cidades, da ord e m de 51,8% da p o ­ pulação que a tu a lm e n te ainda reside na área rural

ispersa da região, ou seja, haveria provavelm ente um afluxo para as áreas urbanas da ordem de 51,8% aos atuais 439.770 habitantes da área rural disper- a, ouseja 44.056 famílias de nível de renda fam iliar provável abaixo de um salário m ínim o, dem

andan-d as seandan-des andan-de m u n ic íp io s ou aos a g lo m e ra andan-d o s rurais.

Fica assim definida um a perspectiva que so- ah^nte se concretizará se h o u ve r condições de sorçao da população citada po r regim es a lte rn a ­ tivos de trabalho no ca m p o .

_ Essa realidade concreta ilustra claram ente a di- amica da distribuição e da redistribuição dessas po- Pu ações nos diferentes assentam entos urbanos e rais, su bm etidas às fo rm a s que to m a a organiza­ ção da p ro d u çã o no espaço regional.

Tal evidência ta m b é m altera a co n ce p çã o , ou o rrnulação, do o b je to do planejam ento urbano, m pliando seu â m b ito g e o g rá fico , a c u m u la n d o n o ­ as variáveis e enfraquecendo a especificidade do ur- ano c o m o o b je to de análise e intervenção isolado.

U m ú ltim o equívoco que interfere na validade na eficácia do planejam ento urbano, refere-se:

1 °) a um a postura neutra em face dos proces- os políticos (decisórios), que advêm dos próprios

je tivo s do p lanejam ento q u a n d o se p ropõe, e n ­

q u a n to uma prática sistem atizada, a o ferecer 'a lte r­ nativas' de solução (técnica) ao processo decisório c o m a intenção de deixá-lo livre para a decisão final.

2°) a um c o m p o rta m e n to te c n o c rá tic o que p roduz análises e proposições, c o m o um a a tiv id a ­ de alienada dos c o m p o n e n te s da realidade e stu d a ­ da e dirigida som ente ao poder g o vernam ental, re­ sultando uma preocupação bem m aior c o m a ela­ boração de d o c u m e n to s de análise e p ropostas do que co m as condições de sua im plem entação.

O c o n h e c im e n to do processo da evo lu ção concreta de cada espaço habitado, ou m elhor, sua form ulação, deve ser um 'conhecim ento co m p ro m e ­ tido com a intervenção sobre aquele processo com o ob je tivo de alterá-lo. Esse co m p ro m isso inclui al­ gum as novas relações, im p o rta n te s no quadro do co n h e cim e n to do o b je to do planejam ento p or seu co m p ro m isso c o m uma ação prática determ inada e dependente de fatores aparentem ente e xte rn o s ao processo de p rodução do espaço habitado.

A definição do o b je to do planejam ento do es­ paço habitado co m o sendo o processo de produção e reprodução do quadro físico-espacial dos assen­ ta m e n to s h um anos (urbanos e rurais) vai gerar p ro ­ posições de intervenção mais realistas e eficientes, mas tam bém de im plem entação mais co m p lica d a ! Se, por um lado, mesmo enquanto planejam ento de gabinete, é mais difícil d escobrir de que m o d o c o n ­ trolar um processo de pro d u çã o do espaço h a b ita ­ do, p o r o u tro , é inerente à ação prática do planeja­ m e n to - que esse c o n tro le subentende - uma ação política que vai envolver o c o n h e c im e n to do p ró p r io o b je to e m u m a d im e n s ã o s o c ia l m a is com p le ta .

Essa ação política indispensável inclui a p o p u ­ lação e n q u a n to usuária do espaço h a b ita d o , c o m o pa rticip a n te do processo que decide sobre seu es­ paço. Essa participação só é válida q uando a p o p u ­ lação tam bém 'c o n h e c e ', exercita, c o m os planeja­ dores, o e n te ndim ento do processo de p rodução de seu espaço, tra n sfo rm a n d o esse c o n h e c im e n to em força real de pressão para sua m udança.

A rigor, o co n h e cim e n to do processo de p ro ­ dução do espaço habitado (ou seja, a fo rm u la çã o correta dos problemas dos assentam entos humanos) já c o n té m ou deixa inferir as forças de natureza p o ­ lítica. O que falta é a dem ocratização desse c o n h e ­ cim e n to , não apenas pelas divulgações de fó rm u la s acabadas mas co m o um processo partilhado na fo r­ m ulação dos d ia g nó stico s e das p ropostas de s o lu ­ ção. P artilhado quer dizer p ro d u zid o em c o n ju n to , não c o m o um a estratégia de engajam ento da p o p u ­ lação mas c o m o assunção de um a form a correta de tra ta r um fe n ó m e n o particular; c o m o u m m é to d o que a d m ite que co n h e c im e n to é p o d e r e que p ovo

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consciente é o gérm en do m eihor poder. A cons­ ciência da população se faz pela força da produção

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