Suely Franco Netto Gonzales, arquiteta, mestre Suely Franco N etto Gonzales
em planejamento urbano e regional, professora do Departamento de Urbanismo da Universidade de Brasília, com trabalhos de pesquisa notadamente na área de habitação, questões pertinentes ao solo urbano e aos assentamentos urbanos-rurais, no Brasil.
Proposições sobre o objeto e o
método do planejamento urbano
A produção escrita e a experiência a c u m u la da nas atividades do planejam ento urbano já p e rm i te m , ou estão a exigir, um a revisão, n o tadam ente partindo-se de preocupações co m seu grau de e fi cácia diante dos problem as co n cre to s do d esenvol v im e n to urbano brasileiro.
Nos ú ltim o s 20 anos, fo ra m gastos m u ito s re cursos em estudos e planos e a pro d u çã o de c o n sultores e pesquisadores é sig n ifica tiva . E ntretanto - e este talvez seja o in d ica d o r mais nítido de que há problem as — m u ito p o u co das proposições te ó ricas e práticas que essa p rodução oferece chega às vias da im plem entação e fe tiva , no quadro c o n cre to do processo de d e se n vo lvim e n to do espaço h a b ita do do país.
A realidade fru stra d a , difícil e, na m aior parte do te rritó rio , inexistente do planejam ento urbano tem sido justificada usualm ente pelas fricções da na tureza político -in stitu cio n a l, técnica e financeira que tais proposições têm que enfrentar em seu cam inho, desde sua form ulação nos gabinetes dos planejado res até a prática dodia-a-dia de sua im plem entação no quadro de nossas cidades. Tais dificuldades, apa re ntem ente, são bastantes para explicar o pa n o ra ma defasado entre a q u a n tid a d e e a qualidade da pro d u çã o de gabinete e um a prática eficaz.
Há c o n tu d o ou tra s questões de caráter c o n ceituai e m e to d o ló g ico que são tam bém pertinentes ás dificuldades da im plantação eficaz do planejamen to urbano. Elas são im p o rta n te s e explicariam a ine ficácia m esm o sem a presença das fricções.
O pla n eja m e n to urbano vem se m anife sta n d o co m o um a prática eivada de em pirism o e
subjetivis-m o, co subjetivis-m usubjetivis-m a produção de propostas estanques no espaço e no te m p o , su b m e tid o ao vício racionalista da supeiA/alorização do cham ado 'uso do s o lo ', além do ranço acadêm ico de ser resguardado aos g a b i netes d o s 'cientistas u rb a n o s'. Na realidade, seus diagnósticos e suas proposições, co m o um to d o , de n o ta m um a prática carente da d e fin ição de seu p ró prio o b je to teórico. Por isso os d iagnósticos são p u ras descrições das m anifestações aparentes da o r ganização do espaço habitado e os ob je tivos do pla neja m e n to desse espaço são estabelecidos a priori
de qualquer referência teórica, de form a idealista: as atividades poluidoras devem estar separadas das ha bitações, toda a cidade deve ter rede de distribuição de água potável, os e q uipam entos escolares devem ser accessíveis po r c a m in h a m e n to a pé, etc.
O planejam ento urbano, entendido c o m o uma intervenção sobre as tendências da desqualificação geral e específica do qu a d ro físico-espacial h a b ita d o , te m um a validade in tim a m e n te associada à sua c a p a c id a d e de m u d a n ç a das re a lid a d e s s ó c io - espaciais. Sua eficácia depende, p o rta n to , de duas co n d içõe s: prim eiro, o nível de c o n h e c im e n to d a quelas realidades; em segundo lugar, o p oder des se c o n h e c im e n to c o m o m atéria de pressão.
Q uando se aceita que o p lanejam ento exisje para oferecer propostas ao processo decisório local, subentende-se a presença de um a ação política ine rente q u e será ta n to mais eficaz q u a n to m ais c o m p ro m e tid a c o m o c o n h e c im e n to da realidade. M as, que tip o de c o n h e c im e n to é esse?
O prim eiro e quívoco presente nos processos usuais de c o n h e c im e n to dos p ro b le m a s u rbanos c o n siste em pretender analisá-los apenas m e d ia n te
sua d e c o m p o s iç ã o em variáveis, quase sem pre quantificadas estatisticam ente e até elaboradas por algum as relações matemáticas ou som ente interpre tadas de maneira empírica e subjetiva, nas busca de 'causas', pretendendo que uma ação sobre estas possa objetivar a solução dos problemas detectados.
C om parece aqui uma questão de m étodo. O conhecim ento exigido para uma intervenção eficien te e correta sobre um determ inado o bjeto, visando alterar seu processo de desenvolvim ento, é o conhe cim e n to científico, isto é, aquele que dá a conhecer a essência do o bjeto, as leis de seu m ovim ento e, p rin c ip a lm e n te , as c o n d iç õ e s sob as quais elas atuam . Som ente esse tipo de conhecim ento permite fazer previsões e som ente planejam-se intervenções corretas quando se pode prever o co m p o rta m e n to , sob condições distintas e alternativas, de d e te rm i nado fenôm eno.
No caso de ação do planejamento urbano, seu objeto é ainda bastante desconhecido ao nível do co nhecim ento te ó rico , ou seja, do co n h e cim e n to que perm ite fazer previsões.
O fenôm eno urbano é um objeto com plexo em perm anente m o vim e n to (crescim ento, expansão, transform ação, segregação, etc.) de m últiplas m a nifestações e de m últiplas im plicações. Partindo-se dessas manifestações o planejador precisa descobrir, ou melhor, definir, elucidar o problema da cidade em seu m o vim e n to de transform ação perm anente. Es sa fo rm ulação vai além da simples descrição ou ela boração estatística. Ela busca a explicação do m o v im e n to da evolução urbana, para localizar por in term é d io desse m o vim e n to o objeto real do plane ja m e n to urbano. Tal form ulação realiza-se m edian te a análise do m o vim e n to c o n cre to de cada cidade e da busca de um a síntese e xplicativa para seu desenvolvim ento.
S om ente a partir dessa form ulação é que se torna possível a definição dos objetivos da ação pla nejadora. Os ob je tivos constituem -se em ações viá veis referentes e destinadas a m udar o m o vim e n to concreto da evolução urbana em suas tendências in- desejadas. Essa intervenção prática estará, assim, garantida por um m étodo científico que dirige a ação do planejador desde a definição do problem a c o n cre to até a fo rm u la çã o de propostas para o seu tra ta m e n to .
Provavelmente a ausência do exercício do m é to d o do c o n h e cim e n to cie n tífico explique o segun do equívoco da prática do planejamento urbano que adotou o cham ado 'uso do solo' co m o objeto de in tervenção. Os 'planos de uso do solo', através de zo- neamentos funcionais e de intensidade de ocdpação e até das tipologias arquitetônicas, viabilizam por sua vez as propostas da infra-estrutura de saneam ento,
energia e com unicação e a distribuição dos equipa m entos e dos locais de co n su m o coletivo. A o mes mo te m p o a legislação sobre o 'uso do solo' vem sendo revisada e são ensaiados esquemas variados para o cham ado 'c o n tro le do uso do solo'.
A im portância do solo urbano na produção da cidade é evidente. A investigação, porém , tem que objetivar o conhecim ento dessa produção. Por meio dela o solo, sem perder im portância, explica-se em seu papel essencial, não mais co m o o objeto do pla nejam ento, mas e nquanto co m p o n e n te im p o rta n te do processo de produção e reprodução do quadro físico-espacial habitado. Na realidade, quando se tra ta de levantar problem as desse quadro, as m anifes tações evidentes são aquelas pertinentes ao seu uso - p o luição, c o n g e s tio n a m e n to , d ificu ld a d e s de acesso, carência de equipam entos etc. Esse uso é o do espaço produzido, do espaço edificado, do 'es paço p ro d u to '; e um p ro d u to só se explica m edian te seu processo de produção. Por isso, da análise do processo de produção do quadro habitado, podem em ergir alguns níveis de explicação que darão a ver dadeira dim ensão e o verdadeiro papel ao c o m p o nente solo, no quadro das relações presentes no pro cesso geral de produção do quadro habitado.
Adm ite-se, pois, que as tendências de desqua lificação desse quadro, percebidas no seu uso, são realmente determ inadas e, co n seqüentem ente, ex plicadas no processo de produção de seus elem en tos construídos, todos eles produzidos e distribuídos segundo as leis do m ercado capitalista e, po r meio delas, concretizando o processo de cre scim e n to e da transform ação perm anente dos espaços h a b ita dos.
Esse processo tem apresentado algumas regu- laridades que variam som ente no grau de intensidade ou nas form as específicas que to m a m em cada c i dade: a) a expansão urbana concretiza-se m edian te parcelamentos periféricos de baixa densidade, dei xando vazios entre eles e a m ancha urbana anterior; b) a dem anda por habitação representa uma pres são cada vez mais fo rte e expressa-se por d ific u ld a des de solvência fre n te a o fe rta ; c) o espaço h a b ita do apresenta um processo p e rm a n en te m e n te de substituição de uso ou funções, de edificações e de infra-estrutura urbana, sem pre tendentes a um a d i visão cada vez mais nítida do espaço social; d) há uma^constante d ificuldade para a p rodução e d is tri buição dos com ponentes da infra-estrutura urbana, dos equipam entos e dos serviços de uso coletivo.
T o d o esse co n ju n to expressa um processo de produção do quadro habitado, que se apresenta c o m o um p ro d u to distribuído de fo rm a não equânim e e cujas diferenças teriam fo rte im plicação locacional. A rigor, é essa im plicação locacional, q uando anali sada, que vai explicitar e explicar o papel do solo
na-quele processo e perm itirá in fe rir o tip o de inte rve n ção realm ente necessária e viável sobre esse c o m ponente, den tro do c o n te x to do o b je to real do pla nejam ento urbano — que é o processo de produção (reprodução e distribuição) do quadro habitado.
A lg u m a s im p o rta n te s investigações já chega ram a conclusões sobre as determ inações dos m e canism os da 'renda da situação' dada pela im p lica ção locacional sobre a form a co n cre ta c o m que se desenvolve e evolui o quadro habitado das cidades. As potencialidades dadas à realização de lucros ex traordinários diferentes, em determ inadas localiza ções urbanas, são a fo n te de 'renda da situ a çã o ' e determ inam os preços dos terrenos (e co n se q ü e n te m ente dos im óveis nele edificados). Com o cres cim e n to da cidade, essas rendas alteram -se mais ou menos, suscitando a partir de um determ inado lim ite a su b stitu içã o do im óvel ed ifica do . A ssim , o zonea- m ento urbano é sobreditado pelo m ecanism o da 'renda de situ a çã o ', que passa a ser e n te n d id o c o m o o operador eco n ô m ico da estratificação e da se gregação do espaço h abitado, por m eio da relação que se estabelece entre as rendas e os salários da população e o m o v im e n to da valorização dos im ó veis edificados. À m edida que a cidade apresenta maiores taxas de crescim ento, as curvas do aum ento de a m bos se afastam cada vez mais, favorecendo a segregação das populações pobres nas áreas des qualificadas da cidade e in ce n tivan d o , por in te rm é dio de pressão do d é fic it habitacional, os preços de m o n o p ó lio no m ercado im obiliário.
Por essa via explica-se c o m o o 'uso do solo' planejado — em sua relação c o m a pro d u çã o e re p ro d u çã o do quadro hab ita d o — poderá restabele cer algum as co n d içõe s para a m inim ização do m e canism o da 'renda de situ a çã o ': seja po r alterações de intensidades do uso do solo; seja pela d is trib u i ção de áreas de lazer; seja po r restrições legais e tri butárias aos terrenos etc.
Entretanto, fica evidente que a 'renda de situa ção' som ente se realiza por interm édio da produção de co m p o n e n te s do quadro co nstruído e, p o rta n to , todas as recom endações para seu c o n tro le tê m c o notações e com ponentes co m u n s aos demais meios da produção e distribuição das edificações e da infra- e strutura urbana: a fo rm a de d istrib u içã o das redes de água, esg o to , eletricidade e c o m u n ica çõ e s (vias e transportes, incluídos); e, além disso, as condições dadas ao d e se n vo lvim e n to da alta de aluguéis e às taxações sobre o lucro im obiliário em geral.
A d m itid a a validade dessa d e finição do o b je to , ela m ostra c o m o se inferem , c o m clareza, os ele m entos que devem sofrer a intervenção do planeja m e n to , ou seja, induz a um processo de inferência dos objetivos da ação. Por exem plo, um ob je tivo ge ral inferido seria a m inim ização das rendas de situ a
ção em sua dim ensão absoluta e diferencial c o m a intenção de d im in u ir as pressões da dem anda habi tacional, p or um lado, e desacelerar os processos de segregação residencial, po r o u tro .
U m terceiro equívoco sobre o o b je to do pla nejam ento urbano refere-se ao seu â m b ito , m arca- dam e n te no se ntido de d uvidar se ele pode ser ape nas d e lim ita d o ou a d strito aos perím etros urbanos.
O problem a dos assentam entos h u m anos, se se encara este co m o objeto da preocupação dos pla nejadores do espaço h abitado, é bastante mais a m plo do que o do espaço urbano. Q uando se tem a o p o rtu n id a d e de investigar a respeito de áreas mais distantes das m etrópoles, torna-se m ais nítida a in teração efetiva entre os assentam entos d ito s rurais e os assentam entos urbanos, ao p o n to de, c o n tra d ito ria m e n te , tornar-se co n fu sa a delim ita çã o entre a natureza urbana e /o u rural de cada assentam en to . Se os crité rio s a dotados para diferenciar assen ta m e n to s urbano e rural fo re m ta m a n h o , nível de densificação da população ou fu n çã o do assenta m e n to , o tip o de atividade rural de expressiva parte da população urbana dificu lta ria o problem a para um a delim itação precisa entre o que é urbano ou o que é rural. Em especial, q u a n d o se trata do espaço brasileiro, cuja evolução vem -se d e fin in d o , nos ú lti m os 25 anos, pela perm anente expansão de novas áreas para a pro d u çã o agrícola e um a co n se q ü e n te tra n sfo rm a çã o da e stru tu ra territorial (em to d o o C entro-O este e a A m azônia n o tadam ente).
Cerca de 50% da população dessas regiões se distribui nos assentam entos ditos rurais, quase sem pre sobreditados, em sua organização físico-espa- cial, pelos tip o s e níveis de relação de tra b a lh o pre sentes em cada m icrorregião: a ca m p a m en to s de 'b ó ia s-fria s', o n d e se alojam du ra n te a sem ana g ru pos de trabalhadores te m p o rá rio s; alo ja m e n to nas sedes de fazendas, onde se instalam po r determ ina do te m p o o trabalhador rural sem terra e sua fa m í lia; retiros isolados, ou em pequenos grupos, dos e n carregados de certos setores de fazendas; pequenos nucleam entos (vilas e povoados), assentam entos de trabalhadores, co m trabalho sazonal em d e te rm in a da m icrorregião; c o n ju n to s residenciais de a g ro in dústrias, onde se acom odam os trabalhadores e suas famílias; assentam entos de g rupos de posseiros (pa trim ô n io s ); sedes de colonização oficial ou de e m presas de colonização (m uitas delas, em R ondônia, já se transform aram em sede de m unicípios); nuclea m entos tem porários de garim peiros; assentam entos isolados de arrendatários, posseiros e m eeiros; e mais re centem ente os assentam entos dos N úcleos U rbanos de A p o io rural (N U A R ) na área dos PDRI em R ondônia.
A estes assentam entos associa-se u m c o n ju n to de pequenas cidades e n tre se te ce n to s a 100 m il
habitantes, geralm ente em processo m uito acelera do de crescimento e que, independente do tamanho, podem ser classificadas com o: sedes regionais de prestação de serviços, com a periferia rural já quase toda estruturada em latifúndios e com periferia ur bana que serve de assentamento a trabalhadores ru rais; pequenas cidades satélites em geral em torno das capitais de estado, abrigando uma população que trabalha na capital, ou na cidade pólo m icrorre- gional; pequenas cidades com função m icrorregio- nal im p o rta n te co m o apoio à produção rural local, inclusive abrigando grandes contingentes de traba lhadores rurais sem terra, em péssimas condicões de habitação; núcleos urbanos periféricos estagnados, em geral em áreas de m in ifú n d io , apresentando in dicadores de assumirem o papel de sede te m p o rá ria dos fluxos m igratórios regionais.
T odo esse c o n ju n to de assentam entos está evidentemente relacionado, em sua forma e nível ha bitacional, ao estágio em que se encontra a organi zação da produção, principalm ente nas áreas rurais. A característica de extrem a m obilidade que reae a transformação desse conjunto urbano-rural apresen ta, em cada m icrorregião, características diferentes segundo sua localização emáreas de fronteira agrí cola ou em m icrorregiões de ocupação tradicional cujos processos de rem em bram ento das pequenas e médias propriedades rurais tendem a uma estru tura latifundiária, para a im plantação da pecuária de corte.
Cada m anifestação das deficiências desse es paço habitado é específica e local. Todavia, ao m e nor exame, evidencia-se uma transcendência do es paço local, em sua interdependência com o quadro geral. Os espaços habitados são sem pre uma fu n ção das form as de estruturação da produção nas áreas rurais.
Na realidade, pode-se afirm ar que o problema urbano brasileiro m ultiplica-se dentro e m ediante o cre scim e n to das cidades e da transform ação do cam po, 'co n com itantem ente', não co m o uma ques tão de causa e efeito, mas com o com ponente de um sistema único de relações.
Uma pesquisa realizada recentem ente na área da região geo-econôm ica de Brasília, onde c o m p a recem to d o s os tipos de assentam entos anterior m ente descritos e to d o s os estágios da evolução de fronteira agrícola, perm itiu descrever co m clareza a relação c o n s ta n te e determ inada do urbano e do rural. Nessa região o processo de esvaziamento d o ca m p o e a urbanização vio le n ta, no período 1970-1980, está intim am ente relacionado aos num e rosos e constantes rem em bram entos da estrutura fundiária local, associados a form as de investim en tos e exploração do setor prim ário que evoluem dos desm atam entos para as lavouras de arroz às pasta
gens artificiais para criação de gado de co rte , p rin cipalmente. Nessa evolução desaparecem os peque nos estabelecim entos com a exclusão dos sistemas de meia e parceria e com parece a figura do traba lhador assalariado no cam po, cujas condições de tra balho quase sempre determ inam a busca de um as sentam ento residencial alternativo entre os povoa dos próxim os, as faixas de dom ínio das estradas ou a periferia das cidades.
A estabilidade nesses assentam entos, por sua vez, depende da oferta de trabalho e das condições de em prego das áreas rurais em processo de e vo lu ção e nas áreas urbanas mais acessíveis. Entretan to , esse fenôm eno não está o correndo da mesma form a em toda a região. Há m icrorregiões co m o as do sudeste goiano e a do M ato Grosso de Goiás, o n de, aparentem ente, a urbanização dos trabalhado res do cam po já ocorreu. Há outras onde este p ro cesso é mais recente, co m o nas m icrorregiões da Chapada dos Veadeiros, vão do Paraná e Serra Ge ral, que ainda apresentam , ao lado de taxas m u ito altas de crescim ento urbano, indicadores de cresci m ento da população rural. C o ntudo, uma análise mais criteriosa perm ite verificar algum as caracterís ticas mais específicas desse processo geral que p o derão esclarecer m elhor o e ntendim ento dos assen tam entos da população em toda a região e suas te n dências, m antidas as atuais condições de seu p ro cesso de desenvolvim ento económ ico.
Em todas as m icrorregiões, m esm o em está gios m u ito diferentes da evolução da ocupação ru ral e urbana, constata-se qua tro regularidades pre sentes: 1a) os rem em bram entos iniciam -se no m u nicípio da sede urbana mais im portante, ou sedes ur banas mais im portantes, quando a m icrorregião já adquiriu um com plexo m unicipal mais num eroso; 2? nos m unicípios do e n to rn o dessas áreas, a área ru ral tende a desm em brar seus estabelecim entos, ab sorvendo, aparentem ente, os pequenos produtores « P u t o s dos rem em bram entos do m unicípio c e n tral; 3. à m edida que esse processo se desenvolve, a população rural que não tem terra — ocupantes, m eeiros e possejros — ou que viva de pequenas areas de subsistência, vai-se co n ce n tra n d o , quase sempre provisoriamente, nas vilas e povoados e prin cipalm ente nas sedes dos m unicípios da m icro rre gião; 4 a quando os círculos co n cê n trico s dos re m em bram entos de dois grupos de m unicípios estão m u ito próxim os e tendem a tangenciar-se, as sedes d o s m u n ic íp io s in te rm e d iá rio s a a m b o s transform am -se em sedes transitórias das fam ílias m igrantes, em geral, co m os indicadores de cresci m ento urbano mais baixo da m icrorregião e altos ín dices de subnorm alidade no padrão habitacional e no regim e de coabitação e aluguéis.
perm anentem ente e apresenta-se em vários está gios, segundo as m icrorregiões. Explica e d e te rm i na os tipos, a estabilidade e os padrões dos assen tam entos das populações de toda a região, tanto ur- oanas q u a n to rurais, bem c o m o os níveis de pres são da dem anda habitacional em determ inadas c i dades ou m unicípios.
Esses níveis de pressão expressam -se po r vá- nos indicadores que, inclusive, revelam certas pers pectivas a c u rto e m édio prazo de intensificação
aior ou m enor da dem anda habitacional nas sedes m unicipais po r interm édio da tendência de esvazia m ento presente na m aioria das áreas rurais. Hqo /~i - os 'ndicadores da pressão sobre as cida- t região, na década de 1970, é exatam ente sua xa de cre scim e n to no período. Essas taxas tende- nam a increm entar-se ou arrefecer-se, segundo a presença de um excedente de famílias sem a proprie- aae dos estabelecim entos rurais locais e as te n d ê n cias do rem em bram ento e das condições da p ro d u ção no setor prim ário no m unicípio e sua m icrorre- giao.
t , Levando em co n ta esses diferentes estágios e rabalhando com estimativas otim istas do número de estabelecim entos rurais ter a u m e n ta d o de 10% em cada m icrorregião, ainda terem os uma pressão emi- nentejsobre as cidades, da ord e m de 51,8% da p o pulação que a tu a lm e n te ainda reside na área rural
ispersa da região, ou seja, haveria provavelm ente um afluxo para as áreas urbanas da ordem de 51,8% aos atuais 439.770 habitantes da área rural disper- a, ouseja 44.056 famílias de nível de renda fam iliar provável abaixo de um salário m ínim o, dem
andan-d as seandan-des andan-de m u n ic íp io s ou aos a g lo m e ra andan-d o s rurais.
Fica assim definida um a perspectiva que so- ah^nte se concretizará se h o u ve r condições de sorçao da população citada po r regim es a lte rn a tivos de trabalho no ca m p o .
_ Essa realidade concreta ilustra claram ente a di- amica da distribuição e da redistribuição dessas po- Pu ações nos diferentes assentam entos urbanos e rais, su bm etidas às fo rm a s que to m a a organiza ção da p ro d u çã o no espaço regional.
Tal evidência ta m b é m altera a co n ce p çã o , ou o rrnulação, do o b je to do planejam ento urbano, m pliando seu â m b ito g e o g rá fico , a c u m u la n d o n o as variáveis e enfraquecendo a especificidade do ur- ano c o m o o b je to de análise e intervenção isolado.
U m ú ltim o equívoco que interfere na validade na eficácia do planejam ento urbano, refere-se:
1 °) a um a postura neutra em face dos proces- os políticos (decisórios), que advêm dos próprios
je tivo s do p lanejam ento q u a n d o se p ropõe, e n
q u a n to uma prática sistem atizada, a o ferecer 'a lte r nativas' de solução (técnica) ao processo decisório c o m a intenção de deixá-lo livre para a decisão final.
2°) a um c o m p o rta m e n to te c n o c rá tic o que p roduz análises e proposições, c o m o um a a tiv id a de alienada dos c o m p o n e n te s da realidade e stu d a da e dirigida som ente ao poder g o vernam ental, re sultando uma preocupação bem m aior c o m a ela boração de d o c u m e n to s de análise e p ropostas do que co m as condições de sua im plem entação.
O c o n h e c im e n to do processo da evo lu ção concreta de cada espaço habitado, ou m elhor, sua form ulação, deve ser um 'conhecim ento co m p ro m e tido com a intervenção sobre aquele processo com o ob je tivo de alterá-lo. Esse co m p ro m isso inclui al gum as novas relações, im p o rta n te s no quadro do co n h e cim e n to do o b je to do planejam ento p or seu co m p ro m isso c o m uma ação prática determ inada e dependente de fatores aparentem ente e xte rn o s ao processo de p rodução do espaço habitado.
A definição do o b je to do planejam ento do es paço habitado co m o sendo o processo de produção e reprodução do quadro físico-espacial dos assen ta m e n to s h um anos (urbanos e rurais) vai gerar p ro posições de intervenção mais realistas e eficientes, mas tam bém de im plem entação mais co m p lica d a ! Se, por um lado, mesmo enquanto planejam ento de gabinete, é mais difícil d escobrir de que m o d o c o n trolar um processo de pro d u çã o do espaço h a b ita do, p o r o u tro , é inerente à ação prática do planeja m e n to - que esse c o n tro le subentende - uma ação política que vai envolver o c o n h e c im e n to do p ró p r io o b je to e m u m a d im e n s ã o s o c ia l m a is com p le ta .
Essa ação política indispensável inclui a p o p u lação e n q u a n to usuária do espaço h a b ita d o , c o m o pa rticip a n te do processo que decide sobre seu es paço. Essa participação só é válida q uando a p o p u lação tam bém 'c o n h e c e ', exercita, c o m os planeja dores, o e n te ndim ento do processo de p rodução de seu espaço, tra n sfo rm a n d o esse c o n h e c im e n to em força real de pressão para sua m udança.
A rigor, o co n h e cim e n to do processo de p ro dução do espaço habitado (ou seja, a fo rm u la çã o correta dos problemas dos assentam entos humanos) já c o n té m ou deixa inferir as forças de natureza p o lítica. O que falta é a dem ocratização desse c o n h e cim e n to , não apenas pelas divulgações de fó rm u la s acabadas mas co m o um processo partilhado na fo r m ulação dos d ia g nó stico s e das p ropostas de s o lu ção. P artilhado quer dizer p ro d u zid o em c o n ju n to , não c o m o um a estratégia de engajam ento da p o p u lação mas c o m o assunção de um a form a correta de tra ta r um fe n ó m e n o particular; c o m o u m m é to d o que a d m ite que co n h e c im e n to é p o d e r e que p ovo
consciente é o gérm en do m eihor poder. A cons ciência da população se faz pela força da produção
' ‘ . ü. c o n ju n ta do c o n h e c im e n to de s e u s p ró p r io s problemas.