A educação interprofissional
e a temática sobre o envelhecimento:
uma análise de projetos pedagógicos na área da Saúde*
Rafael Rodolfo Tomaz de Lima(a)
Rosana Lúcia Alves de Vilar(b)
Janete Lima de Castro(c)
Kenio Costa de Lima(d)
O artigo analisa a inserção da temática do envelhecimento e da educação interprofissional na formação dos
profissionais da Estratégia Saúde da Família (ESF) e do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (Nasf) a partir da leitura dos projetos pedagógicos dos cursos desses profissionais. A pesquisa que deu origem a este artigo é do tipo documental, com abordagem qualitativa, realizada no estado do Rio Grande do Norte, Brasil. Os projetos pedagógicos foram analisados com base no método da análise de conteúdo, utilizando o procedimento da análise temática em duas unidades de registro preestabelecidas: (i) competências profissionais e (ii) estrutura curricular. Como parte dos resultados, nenhum dos cursos investigados neste estudo oferta uma educação interprofissional em saúde que contemple discussões mais profundas acerca do envelhecimento.
Palavras-chave: Envelhecimento. Saúde do idoso. Educação interprofissional. Formação profissional em saúde. Saúde da família.
*Artigo resultante da dissertação de
mestrado do autor principal, defendida no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
(a) Observatório de Recursos Humanos,
Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva, Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Avenida Senador Salgado Filho, 3000, Lagoa Nova. Natal, RN, Brasil. 59078-970. limarrt@gmail.com
(b) Departamento de Enfermagem, Centro de
Ciências da Saúde (CCS), UFRN. Natal, RN, Brasil. rosanaalvesrn@gmail.com
(c) Departamento de Saúde Coletiva,
CCS, UFRN. Natal, RN, Brasil. janetecastro.ufrn@gmail.com
(d) Departamento de Odontologia, CCS,
UFRN. Natal, RN, Brasil. limke@uol.com.br
artigos
Lima RRT, Vilar RLA, Castro JL, Lima KC. Interprofessional education and aging: analysis of pedagogical health projects. Interface (Botucatu). 2018; 22(Supl. 2):1661-73.
This article analyzes the inclusion of the aging and interprofessional education topics in the education of Family Health Strategy (ESF) and Family Health Support Center (NASF) professionals by analyzing their courses’ pedagogical projects. The article is based on a qualitative documentary research held in the state of Rio Grande do Norte, Brazil. The pedagogical projects were analyzed based on the content analysis method using the thematic analysis procedure in two predetermined recording units: (i) professional competencies and (ii) curricular structure. As part of the results, none of the courses investigated in this study offer an interprofessional health education addressing deeper aging discussions.
Introdução
Em detrimento das conquistas políticas e sociais, bem como do avanço da ciência e da tecnologia, a expectativa de vida e o aumento da proporção de pessoas idosas (pessoas com idade superior ou igual a sessenta anos) têm se tornado um fenômeno global1. No Brasil, constata-se uma diminuição da
taxa de natalidade e um crescimento acentuado de pessoas idosas, que se intensificará nas próximas décadas2.
Ao acelerado processo de envelhecimento populacional incorpora-se o aumento de morbidades, incapacidades funcionais, diminuição da independência e da autonomia, bem como o aumento no número de internações em unidades de terapia intensiva3. Diante desse momento de transição
demográfica, é preciso investir no Sistema Único de Saúde (SUS) para dar respostas às necessidades das pessoas idosas4,5.
O SUS agrega ações de atenção à saúde, de gestão, de participação social e de educação, sendo definido como um espaço intersetorial e interprofissional6. Nesse sentido, ressalta-se a importância
em fortalecer a educação e o trabalho interprofissional para qualificar o cuidado integral à saúde da pessoa idosa, configurando-se como alternativa para responder os problemas de saúde dessa parcela da população7,8.
A educação interprofissional possui os seus princípios alinhados aos da saúde pública brasileira9,
pautando-se na formação interativa, significativa e no intercâmbio de saberes entre diferentes
profissionais10,11. Além do melhor preparo para atuarem em equipe e em consonância aos princípios do
SUS, baseando-se na integralidade do cuidado, por meio da educação interprofissional, os estudantes e futuros profissionais de saúde tornam-se mais ágeis para lidarem com as dificuldades presentes no cotidiano do trabalho12.
Nas últimas décadas, a educação interprofissional tem se destacado como um componente importante para a transformação da formação e da atenção à saúde, na perspectiva do
desenvolvimento do trabalho colaborativo e eficaz11,13. Porém, no Brasil, o modelo de formação em
saúde predominante ainda é caracterizado como uniprofissional, focado em disciplinas isoladas e na fragmentação do cuidado e da prática biomédica, sendo totalmente destoante do ideal preconizado pelo SUS e pelas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para os cursos da saúde14.
Ademais, para a atenção à saúde da pessoa idosa, é preciso organizar redes de atenção que sejam coordenadas pelas equipes da atenção primária à saúde, mais precisamente pelos profissionais da Estratégia Saúde da Família (ESF) e do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (Nasf)15. As tentativas de
organizar a atenção primária à saúde no Brasil remontam desde 1920, com a formulação de diversas propostas em diferentes regiões do país16. Contudo, o fortalecimento da atenção primária à saúde só
teve início na década de 1990 por meio do processo de descentralização do SUS, com a garantia da transferência de recursos federais para estados e municípios.
Ainda na década de 1990, mais precisamente em 1994, o Ministério da Saúde criou o Programa Saúde da Família (PSF), derivado do Programa de Agentes Comunitários de Saúde (Pacs), fundado em 1991, com o objetivo de reorientar o modelo assistencial a partir da atenção primária à saúde e em conformidade com os princípios do SUS17. Tendo como base a promoção e proteção à saúde, bem
como a prevenção de agravos, seja no âmbito individual ou coletivo, o PSF tornou-se eixo estruturante dos Sistemas Municipais de Saúde, passando a se chamar ESF no ano de 200618.
Segundo a Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), instaurada em 21 de outubro de 2011, por meio da Portaria no 2.488 do Ministério da Saúde, a ESF é a principal porta de entrada do
SUS e o principal meio de comunicação dos usuários com as redes de atenção à saúde. O cuidado proporcionado pela equipe de profissionais da ESF, no âmbito domiciliar ou nas unidades básicas de saúde, é capaz de valorizar a singularidade e a história de vida dos sujeitos, criando vínculos entre os usuários e os serviços de saúde19.
Com o objetivo de fortalecer ainda mais a atenção primária à saúde no Brasil e ampliar o escopo de atuação dos profissionais da ESF, o Ministério da Saúde criou em 2008 o Nasf, por meio da Portaria no 154. Os profissionais do Nasf, juntamente com os profissionais da ESF, assumem a
artigos
integralidade do cuidado para os demais níveis de atenção. Além disso, com a realização do apoio matricial, buscam romper com as práticas de trabalho verticalizadas e hierarquizadas20.
No que tange à saúde da pessoa idosa, o cuidado integral no âmbito da ESF requer a atuação de um elenco de profissionais para além do médico, tais como agente comunitário de saúde, cirurgião-dentista, enfermeiro, técnico de enfermagem, técnico em saúde bucal, bem como os profissionais do Nasf6.Esses profissionais devem atuar à luz da prática colaborativa e promover ações em prol do
envelhecimento ativo21.
Portanto, para identificar se a formação profissional em saúde está de acordo com o que é
almejado para atender à população idosa, este artigo tem o objetivo de analisar a inserção da temática do envelhecimento e da educação interprofissional na formação dos profissionais da ESF e do Nasf.
Metodologia
Caracterização da pesquisa
Este artigo é resultante de uma pesquisa com abordagem qualitativa, do tipo documental, realizada no estado do Rio Grande do Norte (RN), localizado na região Nordeste do Brasil. O Nordeste é a segunda região do país com o maior número de pessoas idosas, concentrando aproximadamente 29% de toda a população idosa brasileira22. Além disso, de acordo com o censo demográfico realizado em
2010 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 10,8% da população do RN possuía idade superior ou igual a sessenta anos23.
Para atingir o objetivo da pesquisa, foi realizada a busca e análise dos projetos pedagógicos dos cursos para as profissões que compõem as equipes da ESF e do Nasf (Quadro 1).
Quadro 1. Caracterização das equipes profissionais da ESF e do Nasf – Brasil, 2012
Profissionais da ESF
Profissionais de nível médio Agente comunitário de saúde, técnico em saúde bucal, técnico de enfermagem Profissionais de nível superior Cirurgião-dentista, enfermeiro, médico
Profissionais do Nasf
Profissionais de nível superior Assistente social, educador físico, farmacêutico, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, nutricionista, psicólogo, terapeuta ocupacional, arte-educador e sanitarista
Fonte: Ministério da Saúde, 2012.
Coleta dos dados
Os dados da pesquisa foram coletados a partir da leitura dos projetos pedagógicos dos cursos para as profissões relatadas no Quadro 1. Inicialmente, foram identificados setenta cursos registrados nos sistemas de informação do Ministério da Educação, ofertados em instituições de ensino públicas e privadas do RN (Quadro 2). Para identificar os cursos de nível médio, foi consultado o Sistema Nacional de Informações da Educação Profissional e Tecnológica (Sistec); e para identificar os cursos de nível superior, foi consultado o Sistema de Regulação do Ensino Superior (e-MEC).
Quadro 2. Distribuição do quantitativo de projetos pedagógicos analisados por curso – Rio Grande do Norte. 2016
Curso
No total
de cursos
No de cursos ofertados por instituições de natureza privada
No de projetos pedagógicos disponibilizados
e analisados
No de cursos ofertados por instituições de natureza pública
No de projetos pedagógicos disponibilizados
e analisados
Bacharelado em Arte e Educação 01 00 00 01 00
Bacharelado em Educação Física 07 05 05 02 02
Bacharelado em Enfermagem 11 09 06 02 02
Bacharelado em Farmácia 05 04 02 01 01
Bacharelado em Fisioterapia 06 05 04 01 01
Bacharelado em Fonoaudiologia 02 01 01 01 01
Bacharelado em Gestão em Sistemas
e Serviços de Saúde (Saúde Coletiva) 01 00 00 01 01
Bacharelado em Medicina 03 01 01 02 02
Bacharelado em Nutrição 06 05 04 01 01
Bacharelado em Odontologia 03 01 01 02 02
Bacharelado em Psicologia 07 06 04 01 01
Bacharelado em Serviço Social 11 09 06 02 02
Bacharelado em Terapia Ocupacional 01 01 01 00 00
Técnico em Agente Comunitário de
Saúde 02 00 00 02 02
Técnico em Enfermagem 02 00 00 02 02
Técnico em Saúde Bucal 02 00 00 02 02
Total 70 47 35 23 22
Fonte: Ministério da Educação, 2016.
Análise dos dados
Os projetos pedagógicos foram analisados com base no método da análise de conteúdo, na modalidade temática, contemplando as fases de pré-análise, exploração do material e interpretação dos dados. Segundo Minayo24, em pesquisas qualitativas, a análise de conteúdo é utilizada para
auxiliar a interpretação subjetiva de textos. Já o tema é um elemento significativo identificado a partir da leitura de um determinado conteúdo textual, denotando os valores de referência e os modelos de comportamento presentes no discurso que contribuirão para a formulação das unidades temáticas24.
Nesse sentido, as temáticas envelhecimento e educação interprofissional, definidas como objeto deste estudo, foram analisadas em duas unidades de registros preestabelecidas: Competências profissionais e estrutura curricular. Optou-se por analisar as citadas temáticas nessas duas unidades de registro, pois as competências, de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional25,
consistem na capacidade de mobilizar, articular, colocar em prática valores, habilidades e conhecimentos necessários para o desempenho eficiente de atividades requeridas no trabalho.
artigos
Aspectos éticos
Por se tratar de uma pesquisa documental, na qual os documentos analisados são de domínio público, não foi preciso submeter o projeto da pesquisa para apreciação e parecer do Comitê de Ética em Pesquisa, conforme orientações das Resoluções no 466/2013 e no 510/2016 do Conselho Nacional
de Saúde.
Resultados
Para facilitar a compreensão dos resultados, julgamos ser necessário descrever primeiramente algumas informações sobre os cursos e as instituições de ensino participantes deste estudo. Foram identificados setenta cursos para as 17 profissões que atuam na ESF e no Nasf. Tais cursos são ofertados por 16 instituições de ensino, sendo a maioria (82%) de natureza privada. Ademais, 62% do quantitativo total de instituições de ensino concentra-se na região metropolitana do município de Natal, capital do estado.
Destaca-se que 81% dos cursos de Enfermagem, 80% dos cursos de Farmácia, 83% dos cursos de Fisioterapia, 86% dos cursos de Psicologia e 81% dos cursos de Serviço Social, que formam profissionais que estão contemplados nas equipes da ESF e do Nasf, são ofertados por instituições de ensino da rede privada. Dos setenta cursos existentes, 57 (81%) disponibilizaram os seus projetos pedagógicos para a pesquisa.
Entretanto, 13 cursos (19%) não tiveram os seus projetos pedagógicos analisados por dois principais motivos: ou o projeto pedagógico não estava publicado na página eletrônica da instituição de ensino, ou a instituição de ensino recusou-se a disponibilizar o projeto pedagógico. Por isso, não houve análise do projeto pedagógico do curso em Arte e Educação (referente ao profissional arte-educador), pois a única instituição de ensino que oferta essa graduação no estado não disponibilizou o mencionado documento institucional.
A partir da operacionalização das análises das competências profissionais e estruturas curriculares descritas nos projetos pedagógicos, à luz das temáticas do envelhecimento e da educação
interprofissional, emergiram duas categorias analíticas: formação uniprofissional e secundarização do envelhecimento.
Categoria 1: formação uniprofissional
A formação profissional em saúde descrita nos projetos pedagógicos analisados está em consonância com o modelo de formação descrito nas DCN, almejando uma formação generalista, humanística, crítica e reflexiva aos futuros profissionais de saúde, conforme os trechos a seguir:
O curso forma um profissional com perfil generalista, humanístico, crítico e reflexivo, para atuar nos diversos níveis de atenção à saúde com base no rigor técnico e científico [...] em articulação com as novas tecnologias para diagnóstico e tratamento clínico-cirúrgico. (Trecho extraído do projeto pedagógico do curso de Odontologia, ofertado em uma instituição de ensino privada da região metropolitana de Natal)
O profissional deverá ter uma formação generalista, com competências teórica, metodológica e política e capacidade de análise crítica e propositiva nos diversos espaços de atuação político-profissional. (Trecho extraído do projeto pedagógico do curso de Serviço Social, ofertado em uma instituição de ensino pública do interior do RN)
extraído do projeto pedagógico do curso de Enfermagem, ofertado em uma instituição de ensino privada do interior do RN)
Todavia, em nenhum dos projetos pedagógicos está previsto o desenvolvimento de competências para que os profissionais possam atuar frente às necessidades de saúde da população idosa,
em especial no que se refere à atuação interprofissional que propicie o cuidado integral e o desenvolvimento da autonomia, do protagonismo e da independência do sujeito que envelhece.
O profissional deverá desenvolver todos os aspectos relacionados ao estudo do medicamento: pesquisa, produção, comercialização, dispensação, atenção farmacêutica e vigilância. Tal formação também abrange a formação social do farmacêutico como profissional da saúde, bem como a formação para as análises clínicas e toxicológicas e para a indústria de medicamentos. (Trecho extraído do projeto pedagógico do curso de Farmácia, ofertado em uma instituição de ensino privada da região metropolitana de Natal)
Realizar consultas, avaliações e reavaliações do paciente colhendo dados, solicitando, executando e interpretando exames propedêuticos e complementares que permitam elaborar um diagnóstico cinético-funcional, para eleger e quantificar as intervenções e condutas
fisioterapêuticas apropriadas, objetivando tratar as disfunções no campo da Fisioterapia. (Trecho extraído do projeto pedagógico do curso de Fisioterapia, ofertado em uma instituição de ensino privada da região metropolitana de Natal)
Percebeu-se também a inexistência de cursos que ofertam componentes curriculares abordando o envelhecimento de modo interdisciplinar e interprofissional, exemplificado pelos seguintes trechos:
O componente curricular tem o objetivo de identificar as principais contribuições teóricas da Psicologia do Desenvolvimento em suas dimensões física, cognitiva e psicossocial para a compreensão do processo saúde/doença no contexto da idade adulta e envelhecimento. (Trecho extraído da ementa do componente curricular Idade Adulta e Envelhecimento no Contexto da Saúde do curso de Psicologia, ofertado em uma instituição de ensino pública da região metropolitana de Natal)
Oportunizar a aquisição de conhecimento teórico e prático sobre o processo de avaliação física e prescrição de exercícios físicos voltados a indivíduos idosos visando a qualidade de vida e saúde. (Trecho extraído da ementa do componente curricular Avaliação e Prescrição de Exercício para Idosos do curso de Educação Física, ofertado em uma instituição de ensino pública da região metropolitana de Natal)
Como nos projetos pedagógicos dos citados cursos o desenvolvimento de competências para atuar no cuidado interprofissional à saúde da pessoa idosa não está previsto, acredita-se que essa ausência seja a justificativa para não haver conteúdos que possibilitem tal desenvolvimento.
A formação profissional para o cuidado da saúde da pessoa idosa, nessas situações, está pautada exclusivamente na assistência às doenças crônico-degenerativas, bem como na identificação e prevenção de danos à saúde. Além disso, tal formação ocorre de forma uniprofissional, ou seja, de forma isolada entre alunos de um mesmo curso.
Os profissionais de saúde, dentro de seu âmbito profissional, devem estar aptos a desenvolver ações de prevenção, promoção, proteção e reabilitação da saúde. (Trecho extraído do projeto pedagógico do curso de Nutrição, ofertado em uma instituição de ensino privada da região metropolitana de Natal)
artigos
abandonando seu senso investigativo e crítico reflexivo, na busca de seu aperfeiçoamento. (Trecho extraído do projeto pedagógico do curso de Fisioterapia, ofertado em uma instituição de ensino privada da região metropolitana de Natal)
Categoria 2: secundarização do envelhecimento
Em algumas situações, tais como no curso Técnico em Agente Comunitário de Saúde e Técnico em Enfermagem, ambos de uma instituição de ensino pública da região metropolitana de Natal; no curso de Serviço Social de uma instituição de ensino privada do interior do RN; e nos cursos de Enfermagem de duas instituições de ensino (uma pública e uma privada) da região metropolitana de Natal e de uma instituição de ensino pública localizada no interior do estado, o envelhecimento e a saúde da pessoa idosa são abordados juntamente com os demais ciclos de vida (saúde da criança, saúde do adolescente e saúde do adulto).
Práticas de atenção básica: educação em saúde, vigilância à saúde e epidemiológica e sanitária; imunização; planejamento familiar, pré-natal; prevenção do câncer, prevenção e controle de DST/aids e de doenças imunopreveníveis; prevenção e controle de riscos e agravos à saúde mental, à saúde do trabalhador e à saúde do idoso. (Trecho extraído da ementa do componente curricular Atenção Básica e Saúde da Família do curso de Enfermagem, ofertado em uma instituição de ensino pública da região metropolitana de Natal)
Desenvolver ações de Promoção e Prevenção à Saúde e prevenir riscos e agravos nos ciclos de vida; apoiar e acompanhar o desenvolvimento do ciclo gravídico; acompanhar o crescimento e desenvolvimento infantil e a situação vacinal das crianças conforme planejamento da equipe de saúde; realizar ações de promoção e prevenção à saúde priorizando as situações de vulnerabilidade dos adolescentes; desenvolver e acompanhar ações da Política Nacional da Saúde do Homem; acompanhar o processo de envelhecimento e as situações de vulnerabilidade da pessoa idosa. (Trecho extraído da ementa do componente curricular A Família e o Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do curso Técnico em Agente Comunitário de Saúde, ofertado em uma instituição de ensino pública da região metropolitana de Natal)
Em outras situações, como nos cursos de Medicina de uma instituição de ensino pública do interior do RN; de Fisioterapia de uma instituição de ensino privada da região metropolitana de Natal; e de Fisioterapia, Nutrição, Medicina, Psicologia e Terapia Ocupacional de outra instituição de ensino privada também localizada na região metropolitana de Natal, a contextualização do envelhecimento e da saúde da pessoa idosa está reduzida aos aspectos biológicos e fisiológicos.
Estudos e práticas profissionais voltados ao idoso, com ações de promoção e prevenção de doenças, estimulação cognitiva e tratamento terapêutico ocupacional de doenças decorrentes das alterações fisiológicas dos idosos. (Ementa do componente curricular Estágio em Geriatria e Gerontologia do curso de Terapia Ocupacional, ofertado em uma instituição de ensino privada da região metropolitana de Natal)
Apesar dessa predominância em secundarizar ou simplificar a discussão da temática do
Reflexão sobre os principais tópicos da Gerontologia e Geriatria, através de um estudo
multidimensional do processo de envelhecimento, com enfoque na prevenção e na reabilitação dos problemas que afetam a saúde e a qualidade de vida do idoso. Análise dos elementos teóricos e metodológicos necessários para a avaliação das dimensões de saúde, dos programas de intervenção e suas repercussões no estado de bem-estar das pessoas idosas. (Ementa do componente curricular Gerontologia do curso de Fisioterapia, ofertado em uma instituição de ensino pública da região metropolitana de Natal)
Vale salientar que na instituição de ensino referida no parágrafo anterior, também há o componente curricular Saúde e Cidadania. Nesse componente curricular, os graduandos da área da saúde se inserem em serviços de saúde da atenção primária, com ou sem ESF, para que possam compreender, por meio da educação interprofissional e do método pedagógico da problematização, as demandas sociais que acometem a população usuária do SUS. Entretanto, nesse componente curricular não há discussão de questões relativas ao envelhecimento.
A disciplina Saúde e Cidadania – Saci – busca a integração do ensino a partir da interação básico/profissionalizante, teoria/prática, disciplina e cursos com os serviços de saúde e a comunidade. Visa oferecer ao aluno, iniciante dos cursos da área da saúde, o ambiente propício à reflexão dos problemas da saúde da população e das atividades de atenção à saúde na comunidade, buscando o estabelecimento da relação educação, saúde e cidadania, através do trabalho interprofissional e interdisciplinar. (Trecho extraído da ementa do componente curricular Saúde e Cidadania, ofertado em uma instituição de ensino pública da região metropolitana de Natal)
Outro exemplo refere-se ao curso de Medicina localizado no interior do estado, no município de Caicó. No referido curso, a estrutura curricular está organizada por núcleos de conhecimentos, formados por diferentes componentes curriculares. Entre esses núcleos de conhecimento, há um específico para a atenção à saúde da pessoa idosa, denominado Geriatria.
Tal núcleo aborda questões de ordem fisiológica, epidemiológica e social do processo de
envelhecimento e do processo de transição demográfica vivenciada no Brasil. Ademais, nesse mesmo núcleo é abordada também a questão da promoção à saúde da população idosa, todavia, de modo uniprofissional.
Conceitos e aspectos epidemiológicos do envelhecimento. O processo do envelhecimento e alterações fisiológicas. Princípios da prática geriátrica – processo saúde-doença. Grandes síndromes geriátricas: distúrbios mentais, incontinências e traumatismos (quedas). Doenças degenerativas do sistema nervoso central: Alzheimer, demências, doença de Parkinson. Aspectos farmacológicos e psicológicos [...]. Reabilitação geriátrica e promoção da saúde. O impacto do envelhecimento e a perspectiva de morte. Relação médico-paciente-cuidador. Aspectos éticos em geriatria. (Trecho extraído da ementa do componente curricular Geriatria do curso de Medicina, ofertado em uma instituição de ensino pública do interior do RN)
Discussão
No campo do trabalho em saúde, a formação profissional é uma discussão permanente. Entre 1990 e 2010, por exemplo, a maioria (71,2%) das produções científicas sobre trabalho e educação em saúde discorria sobre a qualificação dos recursos humanos para atuação no SUS26. Além da produção
científica, observa-se nosistema educacional brasileiro uma acentuada expansão na oferta de cursos para a formação profissional em saúde27.
artigos
ocasionado a formação de profissionais com perfil inadequado para dar suporte às necessidades de saúde da população28. O ensino na saúde tende a hipervalorizar áreas específicas, limitando
a formação dos profissionais em conhecimentos específicos, sem reconhecer a abrangência e a complexidade das necessidades de saúde6. Nesse sentido, emerge um grande desafio para a Política
Nacional de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde: fortalecer o diálogo entre as instituições de ensino e os serviços de saúde, a fim de proporcionar uma formação pautada na educação
interprofissional e que esteja em consonância com as transformações sociais e as demandas do SUS9,29.
A lacuna na interface entre saúde e educação torna-se maior quando se destaca a relação entre a saúde da pessoa idosa e a educação profissional. Por um lado, evidencia-se a forte dependência das pessoas idosas aos serviços de saúde, especialmente das pessoas idosas longevas (que tem idade superior ou igual a oitenta anos), que, no cenário atual, representam o segmento etário mais crescente entre a população idosa30.
Nos próximos anos, essa dependência tenderá a ser maior31, sendo resultante do processo de
transição demográfica que acontece não só no Brasil, mas também em outros países emergentes, como Rússia, Índia e China, sobretudo em um contexto de significativa desigualdade social32,33. Por
outro lado, nos projetos pedagógicos dos cursos da área da saúde, a contextualização do processo de envelhecimento humano ainda é pouco expressiva, ocorrendo de forma uniprofissional e muitas vezes sendo incoerente com a prática profissional.
A formação profissional na área da saúde exerce um importante papel para a sociedade, tendo em vista que os alunos dos cursos existentes serão futuros trabalhadores que prestarão assistência à saúde da população34. Por conseguinte, a atenção à saúde da pessoa idosa demanda competências
específicas para a contextualização do processo de envelhecimento e exige o desenvolvimento do trabalho interprofissional35.
Nesse sentido, faz-se necessário integrar o processo de ensino às práticas cotidianas dos serviços de saúde, sobretudo dos serviços da atenção primária, para que o exercício profissional esteja cada vez mais alinhado com as necessidades da população – no caso em questão, com as necessidades de saúde da população idosa. Além da integração entre o ensino e o serviço na formação em saúde com ênfase no envelhecimento, é necessário garantir o desenvolvimento de práticas de ensino e de trabalho interprofissional. Para aperfeiçoar o cuidado às pessoas idosas, é preciso confiar no poder das equipes interprofissionais8.
Entretanto, nenhum dos cursos investigados neste estudo contempla uma discussão mais profunda acerca da temática do envelhecimento de modo interprofissional. Esse fato pode estar ligado à
desarticulação das instituições de ensino com a dinâmica social e, por conseguinte, com a dinâmica dos serviços de saúde, além do desinteresse do corpo docente em transformar as suas práticas de ensino.
A sensibilização dos docentes para o desenvolvimento de competências incorporadas à saúde da população idosa na formação da futura força de trabalho em saúde nos Estados Unidos, por exemplo, ainda é um nó crítico36. Todavia, para afirmar se essa situação é semelhante à realidade brasileira e à
realidade do local de realização deste estudo, é necessário realizar outras pesquisas que extrapolem a análise documental, avaliando a percepção de estudantes e docentes sobre os métodos pedagógicos utilizados durante a formação profissional, com ênfase no envelhecimento, bem como investigar a percepção das pessoas idosas acerca do cuidado proporcionado pelos profissionais de saúde atuantes no SUS.
Para que a atenção à saúde da pessoa idosa deixe de ser excludente e dotada de estigmas e preconceitos acerca do envelhecimento, é preciso incentivar mudanças no modelo educacional37. Tal
mudança deve estar pautada na formação interprofissional para o cuidado integral e na educação sobre o envelhecimento ativo, para que os profissionais de saúde sejam agentes multiplicadores e incentivem as pessoas idosas a viverem de forma autônoma, independente e participativa38.
O não atendimento desses requisitos ocasionará a continuidade da fragmentação do trabalho em saúde, sendo cada vez mais destoante do que é preconizado pelas políticas de saúde no Brasil; entre elas, a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa, na qual a atenção à saúde da pessoa idosa deve estar em consonância com os princípios do SUS, bem como ser ordenada pela ESF e pelo Nasf para atender às necessidades dessa parcela da população39.
Considerações finais
Esta pesquisa, mesmo limitada ao conteúdo curricular, evidenciou que a formação uniprofissional é uma realidade dominante nos cursos investigados, com os alunos inseridos em um modelo de formação que não contribui com as mudanças necessárias para a atenção à saúde da pessoa idosa. Outrossim, aponta elementos importantes para uma reflexão crítica e para a construção de uma agenda permanente que propicie modificações na abordagem do envelhecimento durante a formação dos profissionais inseridos nas equipes da ESF e do Nasf. Tal abordagem deve ser interprofissional e deve considerar também os aspectos sociais e subjetivos do processo de envelhecimento, na perspectiva da integralidade do cuidado e do trabalho colaborativo.
As transformações curriculares são apenas uma etapa para alcançar o perfil profissional desejado no cuidado à saúde da pessoa idosa, já que influenciam, mas não determinam como ocorrerão as práticas. O estudo que se conclui afirma que é preciso mobilizar atores das instituições de ensino e atores dos serviços de saúde para discutir e construir coletivamente projetos pedagógicos que promovam a formação de profissionais de saúde à luz do envelhecimento ativo, da formação interprofissional e dos princípios do SUS.
Por fim, em razão do aumento crescente da população idosa brasileira que consequentemente pode levar ao aumento da presença desse segmento etário nos serviços do SUS, se as peculiaridades da população idosa não forem devidamente compreendidas e discutidas amplamente durante a formação e atuação dos profissionais de saúde, não será possível garantir a integralidade do cuidado às pessoas idosas.
Contribuições dos autores
Rafael Rodolfo Tomaz de Lima teve participação ativa em todas as etapas de elaboração do manuscrito. Rosana Lúcia Alves de Vilar, Janete Lima de Castro e Kenio Costa de Lima tiveram participação ativa na revisão, discussão dos resultados e aprovação da versão final do manuscrito.
Agradecimentos
artigos
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El artículo analiza la inserción de la temática del envejecimiento y de la educación interprofesional en la formación de los profesionales de la Estrategia Salud de la Familia (ESF) y del Núcleo de Apoyo a la Salud de la Familia (NASF), a partir de la lectura de los proyectos pedagógicos de los cursos de esos profesionales. La investigación que dio origen a este artículo es del tipo documental, con abordaje cualitativo, realizada en el estado de Rio Grande do Norte, Brasil. Los proyectos pedagógicos se analizaron con base en el método del análisis de contenido utilizando el procedimiento del análisis temático en dos unidades de registro preestablecidas: (i) competencias profesionales y (ii) estructura curricular. Como parte de los resultados, ninguno de los cursos investigados en este estudio ofrece una educación interprofesional en salud que incluya discusiones más profundas sobre el envejecimiento.
Palabras clave: Envejecimiento. Salud del anciano. Educación interprofesional. Formación profesional en salud. Salud de la familia.
Submetido em 17/08/17. Aprovado em 26/06/18.
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