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A RESSIGNIFICAÇÃO DA MÚSICA NO BRASIL: MÍDIA E EDUCAÇÃO MUSICAL

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Revista do Programa de Pós-Graduação em Humanidades, Culturas e Artes – UNIGRANRIO

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A RESSIGNIFICAÇÃO DA MÚSICA NO BRASIL:

MÍDIA E EDUCAÇÃO MUSICAL

THE RESIGNIFICANCE OF MUSIC IN BRAZIL:

MEDIA AND MUSIC EDUCATION

Alessandro Vasconcelos (Universidade de Taubaté) Letícia Maria Pinto da Costa (Universidade de Taubaté) Rachel Abdala (Universidade de Taubaté) RESUMO: No presente estudo de natureza bibliográfica buscou-se refletir a respeito da dicotomia entre música popular e música popularesca que, atualmente, estão em contextos praticamente indissociáveis, balizados pela indústria cultural das sociedades capitalistas. O estudo também buscou promover uma distinção conceitual entre os contextos popular e erudito sem desconsiderar a importância dessas duas visões para o estudo da música. Visou ainda tratar da Educação Musical de modo que essa área do conhecimento proporcione uma visão histórico-social e identitária em relação ao país por meio da música. Concluímos que as mídias de massa como a televisão e o rádio impõem aos adolescentes e crianças, uma música ligada muito mais à imagem dos artistas do que com a arte em si. Somando estes estereótipos atuais com os poucos incentivos culturais do Estado, vemos na passagem do século XX para o século XXI uma ressignificação cada vez maior da música popular no Brasil.

Palavras chave: Música Popular; Música Erudita; Educação Musical; Indústria Cultural; Desenvolvimento Humano

ABSTRACT: In this study of a bibliographical nature was sought to reflect on the dichotomy between popular music and popularesca music that are currently in virtually inseparable contexts, marked by the cultural industry of capitalist societies. The study also sought to promote a conceptual distinction between the popular and erudite contexts without disregarding the importance of these two visions for the study of music. He also aimed to deal with Musical education so that this area of knowledge provides a historical-social and identity-vision in relation to the country by means of music. We conclude that mass media such as television and radio impose on teenagers and children, a song linked much more to the image of artists than to the art itself. Adding to these current stereotypes with the few cultural incentives of the state, we see in the passage of the twentieth century to the 21st century an ever-increasing resignificance of popular music in Brazil.

Key words: Popular music; Classical music; Music education; Cultural industry; Human development

Introdução

A música popular brasileira do século XX e XXI constitui-se como um dos grandes legados da nossa cultura popular, refletindo a união da cultura escravagista negra e mostrando o domínio da diversidade rítmica, melódica e harmônica de um povo que foi dominado pela elite

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194 até o final do período imperial. Na análise formulada por Alfredo Bosi (1992) na obra “Dialética

da colonização”, a originalidade da cultura brasileira e as fronteiras estariam no que ele chamou de “limiar da escrita”, ou seja, não só a escrita como decifração mas como marca cultural da chamada cultura erudita. A música desvalorizada e repudiada por esta elite é, no século XX, consagrada como a música autenticamente brasileira e reconhecida como uma grande fonte de produção composicional. Isso é reflexo do interesse de grandes nomes da música erudita brasileira pela música popular, fazendo a fusão destes dois contextos, rompendo fronteiras e inaugurando assim, entre os anos de 1889 e 1916, o início do período Moderno da música erudita no Brasil: o Nacionalismo.

Estilos como o choro e o maxixe, com origem no século XIX e o samba, frevo e baião, no século XX, conquistaram o gosto da comunidade musical erudita, transformando a estética da música em uma amálgama entre cultura popular e cultura erudita, mas ainda com o predomínio das estruturas musicais da composição erudita europeia. Compositores com a formação erudita como Brasílio Itiberê, Henrique Oswald, Alberto Nepumoceno, Heitor Villa Lobos, Frutuoso Viana, Francisco Mignone, João de Souza Lima, Heckel Tavares, Radamés Gnatalli, Mozart Camargo Guarnieri, José de Lima Siqueira foram grandes disseminadores dessa amálgama, formando um contexto extremamente rico para a composição e para o reconhecimento da música erudita brasileira.

O Período Republicano compreende os anos de 1889 a 1916. Neste período passou-se a prestar mais atenção ao que poderia constituir uma música autenticamente brasileira. Neste sentido o rico folclore nacional foi a peça chave, ou seja, o sentimento nacionalista estava cada vez mais presente, embora alguns compositores permanecessem fiéis a música europeia. (BUENO, 2011, p.129)

Os estudos acadêmicos e institucionais de música popular considerada em sua especificidade e complexidade são recentes no mundo inteiro. No Brasil, a canção popular, em seus aspectos culturais, passou a chamar a atenção de acadêmicos de diversos setores que não restringiam ao da música, a partir dos anos 1960, com o advento da chamada MPB e sua inserção nas canções de protestos contra o golpe de estado e a ditadura militar. A Bossa Nova, dos anos 1950, que trouxe características Jazzísticas (americana), descaracterizando o samba e cantando as belezas do amor e do Brasil, foi amplamente utilizada pelo regime militar para mostrar as maravilhas que o Brasil vivia, alinhando-se politicamente ao pensamento americano e marginalizando culturas das classes mais baixas através de uma música mais complexa e sem ideais políticos. Assim,

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195 aproximava-se a classe média da elite burguesa hierarquizando a arte, características de

golpes militares. Florestan Fernandes afirma sobre esta característica:

Como o envolvimento é de natureza institucional, o status quo e os interesses privados dominantes, internos e externos, foram privilegiados, o que deu ao golpe de estado militar, de fato, o caráter de uma contra-revolução. Esta descrição sugere a necessidade de se levar em consideração três aspectos primordiais dos golpes de estado militar. Primeiramente, eles levam para um tipo de ditadura que é na realidade uma ditadura de classe. (FERNANDES, 1970, p.106)

A disseminação de músicas com contextos massificados e comerciais, que tem como marco a década de 1940 com as rádios, e que visam apenas o lucro, são objetos de discussão no meio acadêmico musical no sentido de saber até que ponto estas produções são obstáculos no aprendizado, na educação musical e na musicologia. Assim, no estágio em que se encontram os estudos de música popular no Brasil, torna-se crucial discutir a definição de “música popular” e as abordagens teóricas usadas para fundamentar sua análise.

Creio que é somente na década de 40 que se pode considerar seriamente a presença de uma série de atividades vinculadas a uma cultura popular de massa no Brasil [...]Mas não é a realidade concreta dos modos comunicativos que institui uma cultura de mercado, é necessário que toda a sociedade se reestruture para que eles adquiram um novo significado e uma amplitude social. Se apontamos os anos 40 como o início de uma "sociedade de massa" no Brasil é porque se consolida neste momento o que os sociólogos denominaram de sociedade urbano-industrial. (ORTIZ, 1994, p. 38)

Para iniciar este estudo do que é ou não música popular temos que partir do seguinte conceito: “música popular” como aquela que vem “do povo”, critérios como “autenticidade” e “identidade nacional” ou “regional” são adotados. Assim, desconsidera-se as composições contemporâneas e estuda-desconsidera-se apenas o tradicional. Além disso, essas músicas são especialmente importantes por expressar suas condições objetivas de existência, o mundo em que vivem ou que desejariam viver.

Se, no entanto, entende-se que “música popular” é uma elaboração erudita de materiais “populares”, deixa-se de lado o que pareceria ser “primitivo” ou “mal feito” segundo estes critérios eruditos. Na medida em que os musicólogos voltados ao repertório erudito entendem por “música popular” de interesse, apenas aquelas músicas que apresentam “sofisticada” organização, segundo os critérios eruditos derivados de matrizes

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196 europeias, esses musicólogos tendem a acreditar que os métodos desenvolvidos para a

música erudita são pertinentes para a análise de toda a música popular.

A música popular se constrói e se define pela sua pluralidade, justamente no contato com outras músicas, no processo mediado por categorias históricas, sociais e culturais. Em consequência, a compreensão de seu significado deverá, necessariamente, passar pela discussão de tais confrontos e categorias. Como todos estes elementos estão sempre em movimento, dificilmente o termo “música popular” indicará um conjunto fechado de músicas e suas características, que seja válido em todo tempo e lugar.

Para Mário de Andrade (1972), o termo “música popular” se referia às músicas das comunidades rurais tradicionais, e ele o opunha à “música popularesca”, urbana e mediatizada, exatamente aquela que, hoje, é mais geralmente compreendida como “música popular”. Mário de Andrade entendia que a “música popular” (tradicional) estava ligada em seu projeto político nacional e internacional.

Uma arte nacional já está feita na inconsciência do povo. O artista tem só que dar pros elementos já existentes uma transposição erudita que faça da música popular, música artística, isto é: imediatamente desinteressada. (ANDRADE, 1972, p.16)

Assim, a música folclórica é elevada à condição de detentora da essência nacional. Já a música “popularesca” seria de escasso interesse. Vemos aí uma definição altamente influente e perpetuada de música “popularesca”, que é um real obstáculo para o desenvolvimento da musicologia da música popular no Brasil.

Mesmo na concepção de Mario de Andrade a música popular precisava da “roupagem” erudita para concretizar seu ideal utópico do avanço tecnológico brasileiro que a indústria cultural proporcionava, mas sem perder a identidade nacional que era proporcionada na sua visão pelas músicas populares tradicionais desinteressada desta distribuição comercial, pois não eram feitas apenas para deleite estético e sim, ligada, a tradições históricas e identitárias que, muitas vezes, eram consideradas primitivas e sem fundo estético, isto é, não serviriam nem para o deleite erudito, nem à indústria cultural.

É extremamente importante repensar o processo de formação de toda essa cultura que viveu e ainda vive sob o limiar da escrita. Certa vertente culta, ocidentalizante, de fundo colonizador, estigmatiza a cultura popular como fóssil correspondente a estados de primitivismo, atraso, demora, subdesenvolvimento. Para essa perspectiva, o fatal (que coincide, no fim, com o seu ideal mais caro) é o puro desaparecimento

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197 desses resíduos, e a integração de todos os seus sujeitos nas duas formas

institucionais mais poderosas: a cultura para as massas e a cultura escolar. (BOSI, 1992, p. 323)

Mas para fazer esta união utópica teríamos que estreitar a análise do que seria música popular, onde estaria este limite de música popular ligada apenas à tradição e à música popular desinteressada e feita para deleites estéticos e como seria uma análise da música popular sem os padrões estruturais eruditos.

Música Popular - definições

As mais conhecidas definições de música popular são: Música regional, folclórica, rural ou urbana que retrata a vida social, religiosa e a identidade de um grupo. Não são construídas nas esferas composicionais eruditas, mas sim no senso comum, intuitivamente e em tradições passadas de pais para filhos. Segundo Frans Birrer (1983), a música popular possui 4 definições:

1. Definições normativas: Presume-se que a música popular seja uma expressão cultural inferior;

2. Definições negativas: Música popular é a música que não é de outro tipo (geralmente música “erudita” ou “folclórica”);

3. Definições sociológicas: Música popular é aquela associada com (produzida por ou para) um grupo ou classe social particular;

4. Definições tecnológico-econômicas: Música popular é aquela disseminada por meios de comunicação de massa e/ou em um mercado massificado.

No primeiro item coloca-se a música popular como uma manifestação inferior em um sentido arbitrário e totalmente deslocado da atual realidade, conceito de cultura erudita x cultura popular discutido por Bosi em sua “Dialética da Colonização”:

A cultura erudita ou ignora pura e simplesmente as manifestações simbólicas do povo, de que está, em geral, distante, ou debruça-se, simpática, interrogativa, e até mesmo encantada pelo que lhe parece forte, espontâneo, inteiriço, enérgico, vital, em suma, diverso e oposto à frieza, secura e inibição peculiares ao intelectualismo ou à rotina universitária. A cultura erudita quer sentir um arrepio diante do selvagem. (BOSI, 1992, p.330)

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198 No segundo, apesar da música popular não ser a mesma coisa que a música

erudita, as duas compartilham os mesmos elementos musicais: harmonia, melodia e ritmo. A terceira definição é uma crença derivada do conceito marxista de classes, onde a música estaria ligada a um produto de venda e suas diferentes concepções seriam vendidas ou distribuídas de acordo com classes sociais. Esta definição é duvidosa por que o campo musical não poderia ser reduzido à estrutura de classes, ou seja, os tipos de músicas e as práticas musicais nunca são propriedade privada de um contexto social particular (hierarquização).

A quarta definição, para ser válida teria que ter algumas comprovações: 1) que os modos de difusão em massa teriam afetado apenas a música popular, tornando-a mercadoria, o que não se verifica (hoje as gravações de música erudita e tradicional são vendidas em bancas de jornal e disseminadas pelo rádio e outras mídias, tornando a definição ineficaz); e 2) que a música popular estaria excluída da disseminação por métodos “ao vivo” (por exemplo, concertos, música de “barzinho”) e estaria indissoluvelmente ligada à sua condição de mercadoria, impossibilitada de propagar-se gratuitamente e de ser fruto de produção coletiva. Ao contrário, a música popular circula maciçamente em ambientes que celebram exclusivamente seu valor: grupos de amadores, festas particulares e cultos religiosos podem ser citados, entre muitos outros.

Os estudos de casos específicos evidenciam que não existe um “popular” em estado puro (identidade essencialista). Evidenciam também que a presença de elementos da “alta cultura” ou de culturas estrangeiras nas culturas populares dificilmente se coloca em termos de “manipulação” ou “massificação”, sendo mais adequadamente investigada como produto de apropriação, transformação e incorporação por parte das classes populares de algo que passa a lhe pertencer de fato e direito, a exemplo da harmonia no samba, na moda de viola e em muitas outras músicas tradicionais. A indústria cultural mesmo servindo à música popular com as intenções capitalistas de lucro e venda, também serviu de alguma forma a distribuição da música erudita e da música popular tradicional e de “qualidade” , mas esta qualidade artística, foi perdendo espaço mais tarde para a música popular corriqueira, de fácil entendimento e que não representavam mais os contextos históricos, sociais e identitários, e sim, apenas ao lucro, e a produções musicais

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199 passageiras e sem significado cultural real, ligados apenas ao comércio da indústria

fonográfica atual.

Podemos captar esta particularidade da sociedade brasileira dos anos 40 e 50, a incipiência de uma indústria cultural e de um mercado de bens simbólicos, através de uma outra dimensão, o desenvolvimento da racionalidade capitalista e da mentalidade gerencial. O tema já foi bastante trabalhado pela Sociologia, desde autores como Weber, quando se procurou entender o espírito burguês e a racionalização das atividades no interior de uma economia organizada unicamente com vistas à produção de bens de troca. (ORTIZ, 1994, p. 54)

Atualmente, a música popular se transformou em um bem de troca, e sua produção, nesse processo, descarta o valor estético e artístico, servindo, na maioria das vezes, à uma indústria que visa apenas o lucro, sem se importar com seu valor histórico e social. O popular atual é uma mistura de qualidade e não qualidade, deixando extremamente difícil a separação total do Popular e do Popularesco.

A indústria da música popular no Brasil

A música popular brasileira tradicional reflete de alguma forma, por meio de suas canções, as situações sociais e a distância entre as classes. Atualmente, a música popular acabou se hierarquizando mesmo fora do contexto acadêmico por meio da massificação das mídias e da indústria cultural. A sociedade capitalista detentora dos meios produtivos através desta indústria, baliza a cultura popular por todo o mundo e por todo o país, o que ocasiona a perda da identidade cultural. Com relação à música, Adorno (1986), usando categorias marxistas, destaca que a mudança se dá quanto ao valor de troca e não quanto ao de uso, ou seja, trata-se de um significado de exploração através da Indústria Cultural. Exploração esta que perpassa as “ondas” de violência física, mental e social que repercutem nas atitudes dos que se deixam iludir pelo apelo de felicidade veiculado pelos meios de comunicação de massa. Adorno (1999) chega a afirmar que o cinema e o rádio não precisam mais se apresentar como arte. A verdade é que não passam de um negócio, sendo utilizados como veículos ideológicos destinados a legitimar o lixo que propositadamente produzem.

Esta “necessidade social” destacada por Adorno seria a busca de uma “identidade coletiva”, pela qual o indivíduo precisa consumir os produtos da Indústria Cultural para

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200 se sentir parte de um todo. Porém, um todo ilusório, porque esta busca do coletivo, do

“sentir-se igual” acaba por reforçar a marginalidade cultural a que está destinada a maioria da população já marginalizada economicamente.

Quando a Indústria Cultural privilegia um produto pseudo-artístico padronizado, calculado tecnicamente para surtir efeitos determinados de modo a serem por todos desejados e repetidos, na forma e na medida adequados a garantir o poder e o lucro do sistema dominante, gera uma necessidade compulsiva generalizada que afasta o “não-idêntico” como exótico, indesejado, incômodo ou doente. Tal repetição vem camuflada com outros produtos que, não obstante a variação aparente, repetem os mesmos modelos, esquemas ou características impostas, tendendo a manter o público sob controle, cada vez mais massificado, inconsciente e compulsivamente preso à corrente de produção. (REIS, 1996, p. 44-45)

No Brasil, somente músicos de sucesso midiático ainda têm a liberdade ou a iniciativa de lançarem suas músicas, “nadando contra a corrente” do fazer música somente por interesse de vender um produto. Porque o comércio vigente em matéria de música, como nos outros campos da arte e da cultura, tem revelado as características da lógica de consumo que visa subordinar a difusão cultural à lei de mercado. Estes músicos, porém, com sua resistência, podem desenvolver um trabalho de qualidade, estimulando a inteligência, a imaginação e a criatividade das pessoas. As implicações da chamada “música de mercado” influenciam, tanto no aspecto cultural como no social, a formação das crianças. De maneira especial, seduzem-nas pela sensualidade das danças e das letras musicais, acarretando um desenvolvimento precoce de aspectos da sexualidade que atropelam, de alguma forma, seu desenvolvimento psicológico. Isso sem falar em outros aspectos, pois o vocabulário pobre e equivocado de muitas músicas acaba por interferir, também, em seu processo de desenvolvimento cognitivo.

Hoje, a arte está sendo medida pelo lucro, pelo status financeiro que ela proporciona e não mais pela criatividade, pela crítica e pela revolução estética, isto prejudica o desenvolvimento humano e identitário de indivíduos e grupos. Artistas que estão ligados muito mais a imagem do que à uma obra musical significativa, dominam a música que está na mídia, proporcionando e vendendo uma arte sem nenhum contexto social, histórico e estético. A inversão de valores da arte no capitalismo coloca o famoso ser “bem-sucedido” aquele que lucra, ganha e enriquece financeiramente, esquecendo assim o verdadeiro objetivo da produção artística e musical: refletir a vida, as emoções, a

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201 história e a identidade de um povo, nivelando por baixo a produção estética e estrutural e

banalizando uma das maiores riquezas da humanidade.

Educação musical e a valorização do popular

No Brasil a educação musical obrigatória foi implantada na Educação Básica desde 2008 e o veto do 2º Artigo que limitaria apenas professores licenciados a ocupar o cargo de educadores da música pode ser um fator agravante para este ensino. Precisamos de professores capazes, que ensinem que a arte e a música não são hierarquizadas, que o valor do popular e do erudito são importantes para a formação do indivíduo e da sociedade, e que a música não é feita apenas de práticas sem contextos e sem significados para os alunos. De acordo com os objetivos dos Parâmetros Curriculares Nacionais de Música (1998):

• Desenvolver a percepção auditiva e a memória musical, criando, interpretando e apreciando músicas em um ou mais sistemas musicais, como: modal, tonal e outros.

• Alcançar progressivo desenvolvimento musical, rítmico, melódico, harmônico, tímbrico, nos processos de improvisar, compor, interpretar e apreciar

• Pesquisar, explorar, improvisar, compor e interpretar sons de diversas naturezas e procedências, desenvolvendo autoconfiança, senso estético crítico, concentração, capacidade de análise e síntese, trabalho em equipe com diálogo, respeito e cooperação.

• Fazer uso de formas de registro sonoro, convencionais ou não, na grafia e leitura de produções musicais próprias ou de outros, utilizando algum instrumento musical, vozes e/ou sons os mais diversos, desenvolvendo variadas maneiras de comunicação.

• Utilizar e cuidar da voz como meio de expressão e comunicação musicais, empregando conhecimentos de técnica vocal adequados à faixa etária (tessitura, questões de muda vocal etc.).

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202 • Interpretar e apreciar músicas do próprio meio sociocultural e as nacionais e

internacionais, que fazem parte do conhecimento musical construído pela humanidade no decorrer de sua história e nos diferentes espaços geográficos, estabelecendo inter-relações com as outras modalidades artísticas e as demais áreas do conhecimento.

• Conhecer, apreciar e adotar atitudes de respeito diante da variedade de manifestações musicais e analisar as interpenetrações que se dão contemporaneamente entre elas, refletindo sobre suas respectivas estéticas e valores.

• Valorizar as diversas culturas musicais, especialmente as brasileiras, estabelecendo relações entre a música produzida na escola, as veiculadas pelas mídias e as que são produzidas individualmente e/ou por grupos musicais da localidade e região; bem como procurar a participação em eventos musicais de cultura popular, shows, concertos, festivais, apresentações musicais diversas, buscando enriquecer suas criações, interpretações musicais e momentos de apreciação musical.

• Discutir e refletir sobre as preferências musicais e influências do contexto sociocultural, conhecendo usos e funções da música em épocas e sociedades distintas, percebendo as participações diferenciadas de gênero, minorias e etnias.

• Desenvolver maior sensibilidade e consciência estético-crítica diante do meio ambiente sonoro, trabalhando com “paisagens sonoras” de diferentes tempos e espaços, utilizando conhecimentos de ecologia acústica.

• Refletir e discutir os múltiplos aspectos das relações comunicacionais dos alunos com a música produzida pelos meios tecnológicos contemporâneos (que trazem novos paradigmas perceptivos e novas relações de tempo/espaço), bem como com o mercado cultural (indústria de produção, distribuição e formas de consumo).

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203 • Adquirir conhecimento sobre profissões e profissionais da área musical, considerando

diferentes áreas de atuação e características do trabalho.

Diante destes objetivos, vemos que a educação musical é um caminho para o desenvolvimento individual e social, e valorizar a arte de todos os contextos sociais e históricos é fundamental para isto. Não podemos transformar este ensino em um ensino característico de governos militares e tecnocratas que apenas tinham como objetivo o aspecto técnico, sem o incentivo ao desenvolvimento humano, o que frequentemente resulta em práticas sem contextos e na limitação do pensamento crítico.

O estudo de Guimar Namo de Mello (1982) sobre a educação do período mostra a direção tecnicista dada pelos interesses atendidos pelos acordos MEC-USAID e a penetração de categorias, como capital humano, carência material dos alunos e rentabilidade no discurso educacional. Sobretudo, existem várias pesquisas mostrando que a contraface desses objetivos atribuídos às reformas era a contenção das iniciativas dos movimentos sociais mediante a repressão (ver, principalmente, SPÒSITO, 1984). (PAULILO & ABDALA, 2010, p. 128)

A formação especializada do professor de música é essencial para atingir os objetivos sociais e de desenvolvimento humano que a educação musical pode proporcionar, formando assim jovens mais críticos e conhecedores de seu contexto histórico social.

Considerações finais:

Analisando a massificação da música popular no Brasil e a sua desconstrução perante uma indústria cultural que visa apenas o lucro, podemos concluir que a arte de alto nível vem perdendo espaço desde a década de 1940 para a indústria de produção em massa. Atualmente, em pleno século XXI, vemos uma hierarquização e uma rotulação de artistas que mostram que o ser bem-sucedido na arte e na música é o enriquecimento financeiro e não o desenvolvimento estético, estrutural, histórico, cognitivo, criativo e identitário do indivíduo e da sociedade. As mídias de massa como a televisão e o rádio impõe aos adolescentes e crianças, que a música está ligada a corpos sensuais, letras de duplo sentido e a artistas que se tornam famosos por estes quesitos.

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204 Somando estes estereótipos atuais, com os poucos incentivos culturais do Estado,

vemos na passagem do século XX para o século XXI uma deterioração cada vez maior da música popular, para o que Mário de Andrade chama de popularesco, aliás, hoje um popularesco cada vez mais decadente e sem nenhuma referência para o desenvolvimento humano. A educação musical pode ser o caminho para o conhecimento histórico, e o desenvolvimento cognitivo, mas precisamos de professores capazes de direcionar este estudo para uma verdadeira educação através da música.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABDALA, R. D.; PAULINO, A. L. “Fragmentos de uma história das políticas públicas de educação no Brasil” In: Políticas Públicas e Desenvolvimento Regional., Campina Grande, p. 125-123, Eduepb. 2010.

ADORNO, T. W. Teses sobre a sociologia da arte. São Paulo: Ática, 1986. ANDRADE, M. Ensaio sobre a música brasileira. São Paulo: Martins, s.d.

BIRRER, F. Musical Kitsch: Close Encounters Between Pops And Classics, in Popular Music Perspectives 2, IASPM, 1985. Disponível em:

<https://www.academia.edu/8948865/Musical_Kitsch_Close_Encounters_Between_Po ps_And_Classics_in_Popular_Music_Perspectives_2_IASPM_1985?auto=download>. Acesso em: 12 set. 2017.

BOSI, A. Dialética da Colonização. São Paulo: Companhia das letras, 1992.

BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional. Lei no. 90394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília, Ministério da Educação: 2014.

BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: Arte, Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC / SEF, 1998.

BUENO, R. Pequena História da Música Brasileira. Jundiaí: Keyboard Editora Musical, 2011.

FERNANDES, F. Circuito Fechado: quatro ensaios sobre “poder institucional”. São Paulo: Hucitec, 1976.

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205 REIS, S. Elementos de uma filosofia da educação musical em Theodor W. Adorno.

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