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A REFORMA, LUTERO E OS ANABATISTAS: INTOLERÂNCIA RELIGIOSA?

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Academic year: 2021

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Wilhelm Wachholz**

Resumo: Em 1521, Lutero foi pressionado a se retratar de seus escritos sob a acusação

de heresia. Ele argumentou a partir de sua consciência cativa à Palavra de Deus, razão pela qual não poderia renunciar aos seus escritos. Em 1536, os reformadores protestantes de Wittenberg, Martim Lutero, Felipe Melanchthon, João Bugenhagen e Caspar Cruciger assinaram o parecer “Se príncipes cris-tãos têm o dever de coibir as seitas anabatistas com punição corporal e com a espada” (1536), favorável à pena de morte de “anabatistas”. A Reforma Pro-testante foi a “mãe da tolerância” ou foi ela tão intolerante quanto a Igreja cristã medieval?

Palavras-chave: Reforma. Lutero. Anabatistas. Tolerância religiosa.

T

erá sido a Reforma Protestante a “mãe da tolerância” ou foi ela tão intolerante quanto a Igreja cristã medieval? Respostas ao tema da tolerância e intolerância da Reforma Protestante não são unânimes. Lindberg (2001, p. 239), por exem-plo, afirma que “a tolerância não foi a especialidade ou o forte das Reformas”1.

Para Schultze (2013, p. 1-2), por um lado, o século XVI, tanto em contextos ca-tólico-romanos quanto também já protestantes, ainda refletia a história das per-seguições e intolerâncias medievais. Por outro lado, o tema da tolerância religio-sa foi surgindo, propriamente, junto com a Reforma. O contexto da Reforma foi o do humanismo e surgimento de diversos movimentos político-religiosos que pleiteavam a pluralidade religiosa e os direitos à vida. Ainda assim, o

pensamen-A REFORMpensamen-A, LUTERO

E OS ANABATISTAS:

INTOLERÂNCIA

RELIGIOSA?*

–––––––––––––––––

* Recebido em: 07.10.2019. Aprovado em: 10.03.2020.

** Doutor em Teologia (Faculdades EST). Professor no Programa de Pós-Graduação em Teologia (Faculdades EST). E-mail: wachholz@est.edu.br

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to moderno de tolerância religiosa precisa ser estruturalmente distinguido das concepções do século XVI. Na Modernidade concebemos que o Estado deve ser religiosa e ideologicamente neutro, isto é, deve ser agente da tolerância. Como também já desde antes os católico-romanos, também reformadores protestantes, entre eles Martim Lutero (1483-1546), não conceberam a possibilidade de um modelo religioso alternativo, mas defenderam a verdade do Evangelho, para o que pleitearam a liberdade de consciência. No caso de Lutero em particular, ain-da que defendesse o uso ain-da força contra “seitas anabatistas”, não se pode descon-siderar que sua defesa em favor da liberdade de consciência constituiu as bases da tolerância religiosa. Evidentemente, não podemos ignorar que encontramos concepções e manifestações vacilantes e até contraditórias sobre essa tolerância nos reformadores. Isso pode ser verificado no escrito “Se príncipes cristãos têm o dever de coibir as seitas anabatistas com punição corporal e com a espada” (1536), assinado pelos reformadores protestantes de Wittenberg, Martim Lutero, Felipe Melanchthon (1497-1560), João Bugenhagen (1485-1558) e Caspar Cru-ciger (1504-1548), no qual que se manifestaram concordes com a pena de morte para “anabatistas”. A pergunta a ser feita é: Como puderam os reformadores defender a pena de morte de pessoas que se recusam a batizar crianças?

A REFORMA RADICAL DOS “ANABATISTAS”

Os “anabatistas” receberam este rótulo por defenderem o batismo de adultos, o que ti-nha por consequência a invalidação do batismo de infantes. Eles constituíam, em verdade, o ramo da Reforma Radical. A Reforma Radical era um movimento de difícil caracterização e não encontra consenso na pesquisa2. Entre este ramo da

Reforma se encontravam grupos heterogêneos, como, por exemplo, os profetas de Zwickau3, que rejeitavam o batismo de crianças e que iniciaram o

movimen-to iconoclasta em Wittenberg nos anos de 1521/1522 sob Andreas Bodelstein (aprox. 1480-1541), conhecido como Karlstadt4. Incluídos ainda neste ramo da

Reforma podem ser os próprios dissidentes de Zurique combatidos por Zwínglio5

e que deram original ao anabatismo propriamente dito, os líderes que pretende-ram assumir a cidade de Münster (1533/1535), provocando desfecho sangrento6,

e o nome de Menno Simons (1496-1561), cujos legados estão presentes na igreja (menonita) marcadamente pacifista7. O próprio Lutero (apud LINDBERG, 2001,

p. 239) evidencia a grande pluralidade do movimento da Reforma Radical, ex-pressando não ter clareza sobre o pensamento anabatista:

Os anabatistas concordam com os inimigos do sacramento que somente o pão e o vinho estão presentes na ceia do Senhor. Não obstante, os sacramentários[8]

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sacramen-tários não concordam entre si, e tampouco os anabatistas concordam entre si. Eles somente estão de acordo em sua relação conosco e em sua oposição a nós. No século XVI, o movimento foi indiscriminadamente rotulado de forma pejorativa,

como sendo constituído de entusiastas (do termo en theos, isto é, “dentro de Deus”), fanáticos, espiritualistas e (ana)baptistas (rebatistas ou batistas). Pela sua defensa do batismo de adultos, após a profissão de fé, acabaram, geral-mente, rotulados como “anabatistas”. O rótulo de “anabatistas” se deveu espe-cialmente ao fato de a primeira geração batizada como crianças, agora, ser (re) batizada como adulta, após testemunho da fé. Lutero também os definiu como Schwärmer, no “[...] sentido onomatopoético que lembra enxames de visio-nários e fanáticos enfurecidos – ‘abelhas demais caçando flores de menos’” (LINDBERG, 2001, p. 239). Em comum, católicos, luteranos, zwinglianos e calvinistas concebiam os anabatistas como ameaça à sociedade de seu tempo. Os reformadores, no geral, concebiam que havia uma única Igreja católica, fundada

num credo universal. A Igreja visível, na concepção dos reformadores, se es-tende à comunidade local em espírito de harmonia. Os anabatistas, em prin-cípio, concordam com esta concepção. Contudo, desejavam, mas não conse-guiram concretizar, um corpus Christianum com base em suas concepções teológicas. Afirmando-o com palavras de Lindberg (2001, p. 241): “o convexo nada é senão o lado oposto do côncavo”. Não alcançando êxito de um cor-pus Christianum próprio, fundaram comunidades separadas (conventículos), constituídas de pessoas voluntárias. Na concepção dos anabatistas, a verda-deira Igreja é constituída somente de fiéis autênticos9. Desta forma, a Reforma

Radical viria a se constituir em alternativa ao establishment cristão, isto é, às “igrejas estatais” de católicos, luteranos, zwinglianos, calvinistas. Não obstan-te, segundo Lindberg (2001, p. 243), os anabatistas eram considerados políti-ca e religiosamente exclusivistas e, por esta razão, representavam um risco à ordem pública. Segundo Bayer (2007, p. 217, 232) e Lindberg (2001, p. 241), recusavam-se, por exemplo, ao cumprimento de deveres de cidadania – jura-mentos públicos, pagamento de impostos, serviço militar – e, por esta razão, constituíam um Estado dentro do Estado. A recusa ao juramento, pagamentos e impostos e serviço militar equivalia a separatismo político, e, consequente-mente, representava uma ameaça à coesão social.

Schultze (2013, p. 3) observa que o próprio Lutero havia pleiteado a liberdade para a pregação pura da Palavra de Deus. Ele não pretendeu criar uma nova Igreja, mas combateu o que considerou erros em sua própria Igreja. Por esta razão, manifestou contrariedade à decisão do Concílio de Constança (1414-1418) que havia condenado João Hus à morte, o que considerou sinal de equívoco da Igreja. Em decorrência do movimento reformatório, o próprio Lutero se

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en-contrava na condição de herege. Diante da Assembleia do Império em Worms (1521), ao invés do pretendido debate teológico, lhe foi apresentada uma pilha de escritos e exigido que se retratasse de seus erros. Interrogado, respondeu: A menos que eu seja convencido pelo testemunho das Escrituras ou pela razão manifesta [...], eu estou preso pelas passagens da Escritura que citei e minha consciência é cativa da Palavra de Deus. Eu não posso e não irei retratar-me de nada, pois não é seguro nem certo ir contra a própria consciência. [Não posso de outro modo, cá estou.] que Deus me ajude. Amém” (LUTERO apud LIND-BERG, 2001, p. 111).

O assunto na Assembleia de Worms, segundo Schultze (2013, p. 3), não foi propria-mente sobre tolerância ou intolerância. A questão girava em torno do reco-nhecimento dos argumentos de uma consciência cativa à Palavra de Deus e, como tal, implicava em fomento à tolerância. Na Assembleia de Worms, as maiores autoridades eclesiásticas e políticas foram confrontadas publicamen-te. Portanto, não se tratou somente sobre o conteúdo teológico em debate, mas da tolerância da exposição e confronto público das autoridades. O resultado foi que as autoridades não aceitaram ser confrontadas, razão pela qual Lutero foi considerado “passarinho livre”, ou seja, poderia ser caçado por qualquer ci-dadão do Império, pois perdera as garantias cidadãs. Em consequência disso, o próprio Lutero (1996, p. 103-104) escreveria sobre “Da autoridade secular, até que ponto se lhe deve obediência” (1523), assim:

Aliás, nada melhor para fortalecer a fé e a heresia do que combatê-los com pura violência, sem a palavra de Deus. Pois é certo que tal poder não se apóia em causa justa e que age contra o direito, porque procede sem a palavra de Deus e sabe apenas recorrer à força bruta, como o fazem os animais irracionais. Tam-bém nos assuntos terrenos não se pode agir com a violência, sem que antes a injustiça tenha sido comprovada em processo judicial. Quanto menos é possível agir com violência nessas coisas espirituais, sem direito nem palavra de Deus. [...] Com violência não mudarás nada, pelo contrário, somente a fortalecerás. Que proveito terás se fortaleceres a heresia nos corações e a enfraqueceres apenas exteriormente na língua, forçando [as pessoas] a mentir? A palavra de Deus, porém, ilumina os corações, e com isso toda a heresia e erro saem do coração por si mesmos.

O combate de Lutero, segundo Schultze (2013, p. 3-5), dizia respeito à corrupção na Igreja, à comercialização da salvação através das indulgências, à falsificação do Evange-lho através da liturgia da Santa Ceia. Mas, nestes casos, se tratavam de questões

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de pregação e doutrina, nunca dizia respeito à censura pelo Estado ou jurisdição. Diante disso, Lutero afirmou a autonomia da consciência, pois somente ela poderia julgar sobre questões de fé. Para o reformador, a fé é livre, por isso, não se deve coagi-la. Nisso reside o cerne da liberdade religiosa da qual também decorre que a tolerância religiosa precisa ser garantida pelo Estado. De outro lado, para Lutero, não cabe ao Estado definir o que é heresia. Para Lutero (1996, p. 103),

[...] a heresia jamais pode ser combatida com a violência. Para isso se precisa de outro jeito. Isso não é briga ou questão que se resolve com a espada. Aqui a arma é a palavra de Deus. Se essa não tiver êxito, certamente o poder secular também não o terá, mesmo que inunde o mundo de sangue. Assunto é assunto espiritual que não se pode destruir com ferro, nem queimar pelo fogo, nem afo-gar em água. Para isso existe apenas a palavra de Deus; esta o faz, como diz Paulo em 2 Co 10.4s.10

No ano seguinte, em 1524, na polêmica com Tomás Müntzer (aprox. 1491-1525)11,

Lu-tero escreveria “Carta aos Príncipes da Saxônia sobre o Espírito Revoltoso”. Também neste escrito, ainda que em tom bastante polêmico, não pleiteou por consequências legais contra os “revoltosos”. Segundo Lutero (1996, p. 296)12:

Deve-se deixá-los pregar confiantemente e à vontade, tudo quanto podem e con-tra quem quiserem. Pois, como já disse, é preciso haver seitas e a palavra de Deus tem que estar em guerra e luta. [...] Deixemos que os espíritos se enfren-tem e luenfren-tem. Se em tudo isso alguns forem seduzidos, paciência; é o preço da guerra. Onde há luta e batalha, alguns têm que tombar e cair feridos. Quem, no entanto, lutar honestamente, será coroado.

A REFORMA: ENTRE LIBERDADE DE CONSCIÊNCIA, DIREITO IMPERIAL E ORDEM SOCIAL

A história da Reforma, contudo, registra um capítulo de perseguição aos anabatistas (e antitrinitários). Segundo Schultze (2013, p. 5), Lutero, bem como Ulrico Zwínglio (1484-1531) e João Calvino (1509-1564) e outros reformadores, não foram consequentes sobre o tema da liberdade de consciência. Na concepção dos reformadores, a oposição dos anabatistas se constitui em questão política. Desde a Antiguidade a negação do batismo de infantes pelo rebatismo de adul-tos era considerada blasfêmia contra Deus e aplicada a pena de morte. Ainda à época de Lutero esta era a praxe no Sacro Império Romano Germânico.

O movimento anabatista havia surgido em Zurique no ano de 1525 e rapidamente se espalhou. Inicialmente, segundo Lienhard (1998, p. 189-190) e Brecht (1987,

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p. 43), Lutero não deu muita atenção ao assunto do anabatismo – nesta época, seu foco principal era o tema da Santa Ceia. Pouco depois, segundo Schultze (2013, p. 5-6), por volta de 1526/1527, o movimento anabatista avançou para os territórios habsburgos. Neste contexto, o rei Ferdinando I, irmão de Carlos V, emitiu um mandato (1528), renovado pela Assembleia Imperial em Espira (1529), definindo bases jurídicas para a pena de morte de anabatistas ativos (batizadores) e passivos (batizandos). Chama a atenção que o “crime” era de-finido não a partir de bases teológicas, mas jurídicas, com condenação à pena de morte. Portanto, o castigo do anabatismo era tema do direito imperial, seja sob governantes católico-romanos, seja sob luteranos.

Desde a “Guerra dos Camponeses na Alemanha”13 e o debate em torno do sacramento

da Santa Ceia (Colóquio de Marburgo)14, Lutero manifestou que não somente

seria direito, mas também dever da autoridade combater a propaganda dos sa-cramentários e dos anabatistas. Ainda assim, em fins de 1527 ou no início de 1528, através de um escrito intitulado “Sobre o Rebatismo, a dois pastores”15,

o reformador manifestou que não seria justo e que lamentava muito que tais pessoas fossem mortas e condenadas à fogueira de forma tão lastimável. Cle-men e Brenner (1914, p. 6) constatam que, segundo Lutero, se uma pessoa crê equivocamente, deveria lhe bastar a ameaça do fogo inferno. Ainda segundo Clemen e Brenner, o reformador manifestou que não se deveriam impor cas-tigos físicos aos anabatistas, caso fossem socialmente pacíficos e não pregas-sem contra a ordem secular estabelecida.

Inicialmente, Lutero combateu teologicamente os anabatistas a partir da recusa destes em batizar crianças; os anabatistas argumentavam que se tratava de prática do regime papal, com o qual seria necessário romper. Segundo Lutero, romper absolutamente com a Igreja papal implicava em romper com Escritura Sagra-da, com os sacramentos do Batismo e da Santa Ceia, ministério da pregação, Pai-Nosso, mandamentos, artigos de fé. Segundo Lienhard (1998, p. 190) para Lutero não se tem automaticamente a verdade quando se rompe com a Igreja de Roma: “Atacar o batismo e a ceia significaria destruir tudo aquilo que, mes-mo sob o papado, permite aos cristãos serem cristãos”.

Lutero levantou ainda outros argumentos contra os anabatistas. Segundo ele, o batismo é um ato público atestado pelas testemunhas. Crer neste testemunho se asse-melha à crença na afirmação de que “meus pais são meus pais”. Argumentou também que não se pode fazer depender o batismo da fé. Se o batismo depen-desse de determinado grau de fé, não se poderia batizar nunca, afinal, como definir um grau elevado suficiente de fé? Confissão de fé precisa, para Lutero, ser distinguida da própria fé. Por isso, ele rejeitou a afirmação dos anabatistas de que as crianças não poderiam crer. Evocando o exemplo de João Batista no seio de sua mãe, Lutero afirma que ninguém pode provar que crianças não

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creem. A fé não pode ser derivada de ato psicológico, mas como presença ativa de Deus e dos efeitos desta presença na pessoa batizada. Segundo Lienhard (1998, p. 190-191), valendo-se de palavras de Lutero,

‘Se Cristo está presente, se ele próprio fala e se ele batiza, por que a fé e o Espí-rito não viriam a uma criança pelas palavras e pelo batismo que ele oferece, do mesmo modo como aconteceu com João Batista?’ A palavra de Deus não retorna a ele sem efeito. O próprio fato da fé das crianças pode ser estabelecido, segundo Lutero, ‘ainda que nós não saibamos como elas crêem ou de que natureza é a sua fé. A isso se adiciona a atitude de Jesus em relação às crianças. Acolheu-as e apre-sentou-as como exemplo. As crianças foram conduzidas a Cristo’, para que a sua palavra e a sua obra delas se apossassem. Nessa perspectiva, Lutero não deixou de evocar o paralelismo com a circuncisão que também concernia às crianças. No entanto, poder-se-ia objetar que Cristo não ordenou batizar crianças! Em realidade, respondeu Lutero, ele não se limitou a uma categoria de pessoas, mas ordenou batizar todos os gentios.

Segundo Lutero16, supondo que os anabatistas estivessem corretos, isto é, de que a as

crianças não pudessem crer, ainda assim não haveria razão de rebatismo, pois, se tudo o que faz parte do batismo foi corretamente realizado, o batismo seria verdadeiro; somente teria sido mal recebido, por suposta falta de fé, mas a fé poderia vir mais tarde, validando o batismo. Por isso, no “Catecismo Maior” (1529), Lutero defendeu a concepção de que crianças são levadas ao batismo na esperança de que venham a crer (GASSMANN; HENDRIX, 2002, p. 95-96; LIENHARD, 1998, p. 191).

No início de 1530 Lutero evidencia mudança de pensamento a respeito da punição aos anaba-tistas, em conexão com a interpretação do Salmo 82. Segundo Lutero não se deveria somente castigar hereges rebeldes, mas também pessoas que ensinam contra um ar-tigo fundamental da fé cristã, que esteja fundamentado biblicamente e é reconhecido por toda a cristandade. Percebe-se, portanto, que Lutero já manifesta concordância com a aplicação da pena de morte a pregadores que cooperassem para a propagação de “blasfêmias contra Deus” (CLEMEN; BRENNER, 1914, p. 6).

Um novo passo pode ser verificado no pensamento de Lutero em 1531. Neste ano, Melanchthon e Lutero emitiram parecer favorável a um mandato do príncipe eleitor sobre a pena de morte de anabatistas. No mandato de 1531, a pena de morte de anabatistas é considerada justa, pelo fato de eles se reunirem em conventículos e defenderem que a autoridade secular não é cristã, além de se negarem a prestar juramento público e pagar impostos. Também concebia como blasfêmia dos anabatistas o fato de condenarem o ministério da Palavra e não aceitarem a Igreja (católico-romana ou luterana).

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O parecer ao mandato era de autoria de Melanchthon, mas contou com subscrição posi-tiva de Lutero (Placet miho Martino Luthero, - “isso me agrada Martinho Lu-tero” - escreveu a próprio punho). Lutero ainda fez constar no parecer que, por mais que possa parecer cruel castigar os anabatistas com a espada, seria mais cruel permitir que eles maldigam a correta doutrina ao invés de a defenderem e, desta forma, destruírem os reinos deste mundo. Percebe-se que Lutero está a buscar argumentos favoráveis, distintos da posição anterior de benevolência17.

Melanchthon, por sua vez, era de parecer que o príncipe poderia, de boa cons-ciência, aplicar a pena de morte, a não ser que os acusados renunciassem ao erro. Se, contudo, fossem flagrados pela segunda vez no mesmo erro, a pena deveria ser aplicada integralmente. Concebia-se que toda e qualquer seita seria obra do diabo, o qual deseja destruir a pura doutrina. Evidente fica que, segundo Schultze (2013, p. 7-8), enquanto Melanchthon argumentava com base no direito imperial, Lutero, aparentemente, assinou o parecer com base no perigo de revolta social.

PUNIÇÃO AOS ANABATISTAS PELA AUTORIDADE SECULAR

Durante a década de 1530, foram realizados interrogatórios e perseguições a anabatis-tas em territórios governados por príncipes católicos, inclusive forma realiza-das decapitações. O medo do anabatismo, contudo, também estava presente nos territórios luteranos. Inicialmente, Lutero se engajava na implementação da Reforma em territórios alemães somente quando solicitado. Por outro lado, ante o avanço e a ameaça dos anabatistas, utilizava cada oportunidade para se manifestar contra o avanço do anabatismo. Em janeiro e fevereiro de 1534, por exemplo, realizou uma série de seis prédicas para expor sua compreensão de batismo, combatendo tanto a concepção anabatista quanto católico-romana. Para Lutero, o batismo é ordem de Deus e não invenção humana. É nova alian-ça de Deus com todos os povos, visando à salvação eterna. O abuso por parte do ser humano não invalida o batismo como obra de Deus. O batismo somente tem proveito se é recebido e renovado diariamente pela fé e vivenciado através de frutos da fé, o que é diferente de obras meritórias (BRECHT, 1987, p. 43, 45; CLEMEN; BRENNER, 1914, p. 7).

No início de 1536, durante uma assembleia de batistas, realizada numa igreja de Wahra, pertencente à cidade de Rosenthal, distrito de Frankenberg/Kassel, da qual participavam cerca de 30 pessoas, dez delas foram presas e levadas para Mar-burgo. Dentre elas, quatro foram consideradas lideranças do grupo, das quais três já haviam sido presas anteriormente de uma a três vezes. O príncipe lu-terano alemão Felipe de Hesse (1504-1567), então, realizou várias consultas, datadas de 24 de maio de 1536, entre elas, aos reformadores de Wittenberg,

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sobre como proceder com os presos. Em particular, o príncipe desejava saber como proceder no caso daqueles anabatistas que, já presos anteriormente, ha-viam prometido nunca mais colocarem os pés em seu território, mas acabaram voltando para lá, para pregar, batizar, induzir e mobilizar o povo em torno de si (BRECHT, 1987, p. 46; CLEMEN; BRENNER, 1914, p. 7).

Neste contexto, em junho de 1536, surgiu o parecer dos reformadores de Wittenberg “Se príncipes cristãos têm o dever de coibir as seitas anabatistas com punição corporal e com a espada”18. O parecer foi assinado por Martim Lutero, João

Bugenhagen, Caspar Cruciger e Felipe Melanchthon e enviado ao landgrave Felipe de Hesse no dia 5 de junho de 1536. O parecer inicia com a observação de que

não se está falando do ministério da pregação, pois os pregadores e servos do Evangelho não fazem uso da espada. Por essa razão, [os pregadores e ser-vos do Evangelho] devem combater o erro sem força física, mas apenas com a doutrina correta e com a pregação. Onde eles, porém, querem se apropriar de um outro ofício e fazer uso da espada, tal qual fez Müntzer e como ocorreu em Münster, cometem injustiça e promovem rebelião. Aqui, porém, está em debate a pergunta pela autoridade secular e se ela possui a obrigação de coibir e pu-nir com força física o ensino equivocado e coisas semelhantes dos anabatistas [tradução do autor]19.

Em sua consulta, Felipe de Hesse manifesta dúvida sobre competência na punição em assuntos de fé. Os teólogos de Wittenberg observam que, neste caso, não se tra-tava de punição relativa à fé pessoal ou liberdade de consciência, mas punição pela propagação de heresias. Por isso, segundo os teólogos de Wittenberg, cabia à autoridade secular a responsabilidade de punir os rebeldes. Segundo Brecht (1987, p. 46), o parecer ainda ressalta que a punição somente pode ocorrer após instrução e exortação diante de erros e envolta de misericórdia. Somente em ca-sos de obstinada defesa do erro, a punição é aplicável. Neste caso, “a autoridade secular tem o dever de coibir e de punir ofensa contra Deus, blasfêmia e falso juramento, assim também tem a obrigação de coibir e de punir falso ensino pú-blico, culto errôneo e heresias [...]” [tradução do autor]20.

Os reformadores têm ciência de que não havia unanimidade sobre aplicação de puni-ção em casos de heresia – talvez até houvesse consciência entre os próprios reformadores de concepção distinta havida na Reforma anteriormente. Assim, segundo o parecer:

Alguns, porém, retrucam, dizendo: “A autoridade secular não possui a capaci-dade de conceder a fé a alguém; por essa razão, não deve ter o poder de punir

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ninguém por causa da fé”. Contra isso há muitas respostas irretocáveis, mas queremos responder apenas isto: a autoridade secular não pune por causa de convicção ou opinião no coração, mas por causa de manifestação e ensino exte-riores incorretos, por meio dos quais também outras pessoas são seduzidas. Por isso, assim como a autoridade secular tem o dever de punir outros discursos e ameaças de rebelião, por meio dos quais realmente pode ser fomentada insurrei-ção, assim também tem a obrigação de punir esses discursos e ensinos rebeldes, pois através deles as pessoas são verdadeiramente incentivadas a praticar des-truição, naquilo que está ao seu alcance [tradução do autor]21.

E mais adiante, na mesma direção, afirma o parecer:

Alguns contendem, afirmando que a autoridade secular não deve se ocupar de forma alguma com coisas espirituais. Isso é dito de maneira excessivamente ge-nérica. É verdade: os dois ofícios, o ministério da pregação e o regimento secu-lar, são distintos. Apesar disso, ambos devem servir ao louvor a Deus. Príncipes não devem apenas proteger os bens e a vida corporal de seus súditos; seu ofício precípuo consiste em promover a honra de Deus bem como coibir a blasfêmia contra Deus e a idolatria [tradução do autor]22.

Segundo os reformadores, não caberia ao ministério da Palavra antecipar juízo, se-parando joio de trigo. Por outro lado, segundo Schultze (2013, p. 8-9), eles fazem a ressalva de que, embora os príncipes não devam julgar a respeito de questões espirituais, em casos de idolatria e blasfêmia, é dever deles zelar pela honra de Deus.

O parecer, manuscrito, inconfundivelmente revela ter sido redigido por Melanchthon. Segundo Brecht (1987, p. 46), fica evidenciado que Melanchthon era de pare-cer mais radical a respeito da punição pela autoridade secular aos anabatistas. Isso pode ser deduzido do acréscimo que Lutero fez ao parecer, com a seguinte frase: “Esta é a regra geral, mas queira nosso misericordioso Senhor, ao lado da punição fazer prevalecer sua misericórdia, nos momentos oportunos” [tra-dução do autor]. Lutero havia se manifestado positivamente à aplicação de pena de morte para casos de anabatismo em 1531 e, o fato de subscrever o parecer de 1536, evidencia que manteve esta posição apesar da frase acrescida ao parecer23.

Segundo Schutze (2013, p. 9) e Brecht (1987, p. 44), o parecer evidencia que os re-formadores de Wittenberg se mantiveram presos à lógica do consenso geral do Sacro Império Romano Germânico de que o Estado não deveria tolerar blasfêmia contra Deus. Em primeiro plano, estava a rejeição a potenciais le-vantes sociais. Neste sentido, pode-se considerar que, em sentido amplo, os

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reformadores evidenciam intolerância política (política entendida no sentido da incumbência dada por Deus ao Estado para preservar a ordem no mundo). Os reformadores consideravam que seria necessário impedir doutrinas heréti-cas não por causa do Evangelho em si, mas por causa da vida.

Nos anos seguintes, os reformadores, em particular Lutero, foram confrontados com situações de anabatistas. Para anabatistas reconvertidos, os reformadores de Wittenberg intercediam por punição leve (um ou dois meses de prisão, por exemplo). Em casos contrários, contudo, Lutero se manteve preso ao princí-pio da aplicação da pena de morte (BRECHT, 1987, p. 48). Nisso, se percebe que os reformadores concebiam o Estado como servo de Deus, portanto, não se poderia tolerar que Deus fosse caluniado. Neste ponto, a doutrina dos dois regimentos de Lutero fica evidente. O regimento secular e regimento espiritu-al receberam mandados distintos de Deus. Também o regimento secular deve cumprimento ao mandato recebido (SCHULTZE, 2013, p. 9). Segundo Bayer (2007, p. 101),

[...] em grau crescente dos escritos de Lutero a partir de 1520 [...] impõe-se, na retrospectiva, a seguinte suposição: Depois que Lutero, em sua nova compreen-são de palavra e sacramento, tomou consciência da mediação constitutivamente secular – não apenas negativa, mas positiva – do espiritual, evidencia-se para ele, em sentido positivo, o peso espiritual de tudo o que é secular [...]

A partir da fé por força do Batismo único de todos os cristãos, Lutero conside-rava os estados [ofícios] seculares dotados de uma dignidade que eles, em todo caso “ideologicamente”, não tinham antes disso e, por essa razão, também de fato os tinhas apenas de modo restrito.

Schultze (2013, p. 10) observa que o Sacro Império Romano Germânico é concebido como corpus Christianum, no qual judeus têm um status distintos e são tolera-dos, mas não “pagãos” e “ateus”. Aparentemente, Lutero, mais do que Melan-chthon, tinha consciência da inconsequência desta lógica. Os reformadores, contudo, se mantiveram presos à lógica tradicional do corpus Christianum como fundamento para a vida sócio-política. E, no contexto desta lógica, o que era considerado doutrina falsa não era tratado como simples diferença doutri-nária, mas ameaça ao consenso fundamental da sociedade cristã.

Um novo capítulo sobre o tema da tolerância e diversidade religiosa no contexto do Império Alemão ocorreria somente em 1555 com o tratado de Paz Religiosa de Augsburgo. Após várias décadas de tentativas de afirmação da Reforma, nem a velha Igreja nem a nova doutrina prevaleceram. A Paz Religiosa de Augsburgo definiu que deveria haver unidade confessional num mesmo território. Não cabia, contudo, ao Império, mas a cada território estabelecer a unidade

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confes-sional. A “tolerância” somente era garantida com base no ius emigrandi: quem não quisesse se submeter à confessionalidade definida a partir do governante (Cuius regio, eius religio) tinha o direito de emigrar para outro território ou cidade. Esta tolerância, contudo, ainda não se aplicava a calvinistas ou anaba-tistas (SCHULTZE, 2013, p. 11).

CONCLUSÃO

Lutero havia afirmado que não cabia ao Estado reger em questões de consciência. Com isso, ele abriu as portas para a neutralidade por parte do Estado em questões de religião. Os reformadores – ele próprio! – contudo, não se mantiveram coeren-tes a este princípio. Nas palavras de Hermelink (1981, p. 42), podemos afirmar que “também as igrejas da Reforma estavam convictas de que fundamental-mente poderia haver só uma única forma de igreja – a qual se considerava concretizada na respectiva igreja própria”. A exigência de liberdade religiosa por parte dos anabatistas resultou em perseguições, e muitos se tornaram már-tires. A muitos somente restou emigrarem para a Holanda, Polônia e Romênia (SCHULTZE, 2013, p. 11).

Fischer (2006, p. 46) define como “injustiça que a Reforma – toda ela! cometeu contra os batistas”. Conforme ele, “[...] segundo os critérios atuais, pode-se questio-nar sua atitude em relação à minoria dos batistas, também a partir do Evange-lho”. Hermelink (1981, p. 43), de forma semelhante, afirma que a “unidade em Cristo” contrasta com a “discórdia como igrejas”, manifestado pelo “fardo da separação” como “resultado de uma história cheia de tensões” que, como tal é “pecado” e “contra o pecado apenas resolve o perdão”.

Esta “história cheia de tensões” move a perguntar: havia consciência possível de to-lerância? Tentemos responder com dois exemplos, ainda que nosso objetivo não seja o que avaliar o conhecimento e a força de seus argumentos à época da Reforma. Em todo caso, à época da Reforma havia franceses que defendiam a liberdade religiosa bem como movimentos espiritualistas que concebiam um ecumenismo com base na experiência religiosa. Entre estes, pode ser desta-cado Sebastião Franck (apud LINDBERG, 2001, p. 433), que afirmou: “Tenho meus irmãos entre os turcos, judeus, papistas e sectários ou continuem sendo-o; ao findar do dia eles serão chamados para dentro da vinha e receberão o mes-mo salário comes-mo nós”. O outro exemplo pode ser buscado na Reforma de Ge-nebra no caso de Miguel Serveto. Após a execução de Serveto sob acusação de heresia, Calvino escreveu sua “Defesa da fé ortodoxa”, defendendo que, em casos de heresia, sentimentos humanitários não podem sobrepor-se à defesa da glória de Deus. Contra Calvino, o diretor da escola de Genebra Sebastião Castellio (apud LINDBERG, 2001, p. 322) respondeu, através de “Acerca dos

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hereges, se devem ser perseguidos” (1554) que “queimar um herege não é defender uma doutrina, mas sim matar um homem”.

A história da América Latina foi marcada pela intolerância e violência. A Modernidade, com sua afirmação das liberdades, igualmente evidencia intolerância. E exem-plar é o comentário do líder militar (sic!) na Guerra do Vietnã, Baiton (apud LINDBERG, 2001, p. 322): “Ficamos horrorizados, hoje em dia, com o fato de que Genebra queimasse um homem na fogueira por causa da glória de Deus, e no entanto incineramos cidades inteiras para salvar a democracia”. A conjugação de memória história e perdão são fundamentais para a tolerância e paz religiosa. O pedido de perdão aos menonitas, realizado durante a 11ª Assembleia Geral da Federação Luterana Mundial (FLM), em Stuttgart, Alemanha, em 22 de julho de 201024, foi testemunho da busca pela paz e tolerância.

THE REFORMATION, LUTHER AND THE ANABAPTISTS: RELIGIOUS INTOLERANCE?

Abstract: In 1521 Luther was pressured to retract his writings on charges of heresy. He

argued from his conscience captive to the Word of God, which is why he could not renounce his writings. In 1536 Protestant Reformers of Wittenberg, Martin Luther, Felipe Melanchthon, John Bugenhagen, and Caspar Cruciger signed the position paper on “If Christian princes have a duty to restrain Anabaptist sects with corporal punishment and the sword” (1536), favorable toward the death penalty of “Anabaptists”. Was the Protestant Reformation the „mother of tolerance“ or was it as intolerant as the medieval Christian church?

Keywords: Reformation. Luther. Anabaptists. Religious tolerance. Notas

1 Veja também Bayer (2007, p. 433).

2 Hermelink (1981, p. 39-41) subdivide o grupo em três correntes principais: 1) Entusiastas, isto é, místicos especulativos, indivíduos “cheios do Espírito”, que atua no ser humano pela “luz interior; 2) Antitrinitários, isto é, que combatem a doutrina da Trindade, defendendo em seu lugar a “unitária” (entre os líderes, se encontrava Miguel Serveto) e, 3) Anabatistas, propriamente ditos, isto é, aqueles que realizavam rebatismo como sele da fé individual. 3 Zwickau era uma cidade ao sul do Saxônia Eleitoral, centro industrial do vestuário. A cidade

tinha história anterior de tensões sociais entre as classes ricas e pobres e da influência de valdenses e hussitas, o que contribuiu para simpatia pelas ideias reformatórias de Lutero. A partir de maio de 1520, Tomás Müntzer atraiu descontentes da cidade pela sua pregação. Müntzer foi expulso da cidade em abril do ano seguinte. Durante o período que atuou em Zwickau, Müntzer apoiou na difusão das ideias religiosas do fabricante de roupas Nicolau

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Storch, do tecelão Tomás Drechsel e do ex-estudante de Wittenberg Stübner. Estes três “profetas de Zwickau”, também forçados a deixarem a cidade, rejeitavam o batismo de crianças e concebiam revelações imediatas pelo Espírito Santo, sem conexão com Cristo e a Bíblia. Em Wittenberg, onde ficaram por pouco tempo, propagaram supostas revelações de que todos os sacerdotes seriam eliminados, que haveria uma invasão turca e que o mundo acabaria (LINDBERG, 2001, p. 129-130).

4 Sobre Karlstadt, veja Lindberg (2001, p. 114-136).

5 Zwínglio, diferentemente de Lutero, concebia os sacramentos não como promessa e dom da graça de Deus, mas como testemunho de fé da comunidade. A consequência desta con-cepção, em particular para o batismo, era a de que o batismo se aplica a adultos. E foi isso que os seguidores radicais de Zwínglio concluíram, tornando-se a gênese dos anabatistas (LINDBERG, 2001, p. 247).

6 Em consequência da pregação de Bernardo Rothmann, Münster havia aderido à Reforma. Rothmann, contudo, se aproximou do pensamento de Zwínglio. No início de 1534, anabatistas holandeses se estabeleceram na cidade e, logo, conseguiram difundir suas ideias, inclusive tornando-se maioria no conselho da cidade e tornando-se o tecelão Bernt Knipperdolling prefeito. Sob seu governo, “comunismo” e rebatismo foram instituídos. O bispo de Münster sitiou a cidade, mas os anabatistas saíram vencedores e instituíram o “Reino de Sião”. Em 25 de junho de 1535, contudo, a cidade caiu por traição, sendo as lideranças anabatistas brutalmente mortas e seus corpos pendurados, semimortos, na torre da Igreja de São Lam-berto, ficando lá seus restos morais até o ano de 1881. Derrotados os anabatistas, a cidade retornou ao catolicismo. Lutero considerou que o episódio de Münster havia fortalecido a recatolização de territórios protestantes (HERMELINK, 1981, p. 41; BRECHT, 1987, p. 43-45).

7 Menno Simons surgiu como líder reconhecido pelos anabatistas, em consequência da perseguição, expulsão e dispersão de grupos isolados, sobretudo, em consequência vivida em Münster, quando pareciam fadados ao desaparecimento. Pela sua piedade silenciosa, tornou-se personagem de convergência dos anabatistas remanescentes. Para os menonitas, “não o batismo de adultos, e sim a concretização de uma autêntica vida cristã em distanciamento do mundo formava o centro dos círculos e comunidades que aos poucos foram tolerados após sua morte, nos Países Baixos e em algumas cidades hanseáticas” (HERMELINK, 1981, p. 41-42).

8 Lutero se refere ao reformador de Zurique, Ulrico Zwínglio e seus seguidores. Concretamen-te, o termo “sacramentário” identificava o grupo da Reforma que cria nos sinais externos (sacramentum), mas não na realidade (res) externa dos sacramentos. Zwínglio rechaçava a presença corpórea real de Cristo na ceia do Senhor. Os sacramentários ainda defendiam que os sacramentos não concedem a fé, mas pressupõem da fé (GASSMANN; HENDRIX, 2002, p. 201; LINDBERG, 2001, p. 227).

9 De modo geral, os anabatistas, por exemplo, assumiram a concepção tradicional negativa de sexualidade humana da Igreja Católica, ao contrário da concepção positiva luterana da sexualidade como dádiva da criação. Em nome da pureza, os anabatistas chegavam, inclusive, a defender que esposas e esposas se afastassem de seus cônjuges apóstatas (LINDBERG, 2001, p. 431).

10 Veja também Schultze (2013, p. 5).

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12 Veja também Schultze (2013, p. 5).

13 Informações sobre a guerra e escritos de Lutero a respeito do levante se encontram em Rieth (1996, p. 271-401).

14 No ano de 1529, se reuniram em Marburgo teólogos protestantes da Alemanha e Suíça, convocado pelo príncipe Filipe de Hesse. O objetivo do encontro, cujo resultado fracassou, visou superar as diferenças a respeito da presença de Cristo na Santa Ceia (GASSMANN; HENDRIX, 2002, p. 199; LINDBERG, 2001, p. 229-236).

15 “Von der Wiedertaufe, an zwei Pfarrherrn”. Veja também Lienhard (1998, p. 190).

16 Data do mesmo ano, isto é, 1530, a Confissão de Augsburgo, redigida pelo colaborador de Lutero, Felipe Melanchthon. No artigo 9 da Confissão de Augsburgo, se faz constar que o batismo é necessário para a salvação, que se devem batizar crianças para que sejam recebidas por Deus em Sua graça e se condenam os anabatistas por rejeitarem o batismo de infantes (CONFISSÃO DE AUGSBURGO, 1997, p. 66). Na Apologia da Confissão de Augsburgo, o batismo de crianças é argumentado contra “as opiniões ímpias e fanáticas dos anabatistas” (APOLOGIA DA CONFISSÃO DE AUGSBURGO, 1997, p. 188). 17 Esta linha de argumentação será mantida por ele e outros reformadores nos anos seguintes

e prevalecerá no escrito “Se príncipes cristãos têm o dever de coibir as seitas anabatistas

com punição corporal e com a espada, de junho de 1536 (CLEMEN; BRENNER, 1914,

p. 6-7).

18 „Ob Christliche Fürsten schuldig sind, der Widerteuffer unchristlichen Leer mit leiblicher straffe, und mit dem schwert zu wehren zu wehren schuldig sei, Etlicher Bedenken zu Wittenberg“ (LUTHER, Martim, 1536/1914, p. 9-15).

19 “Erstlich ist zu mercken, das hnn dieser frage nicht geredt wird von der Predicanten ampt. Denn die Prediger und Diener des Evangelii füren das schwert nicht. Darumb sollen sie keine leibliche gewalt üben, sondern allein mit rechten leer und predigt wider die irthum fechten. Wo sie aber inn ein ander ampt greiffen und das schwert füren wollen, wie Müntzer that, und wie zu Münster geschehen ist, ist solches unrecht und auffrhur, Sondern hie ist die frage von weltlicher Oberheit, ob die selbige schuldig sey der Widerteuffer unrechte leer und der gleichen mit leiblicher gewalt zu wehren und zu straffen” (LUTHER, 1914, p. 9). 20 “[Ist] die weltlich Oberheit schuldig [...], offentliche Gottes lesterung, blasphmias und

periuria, zu wehren und zu straffen. Also ist sie auch schuldig, offentliche falsche leer unrechten Gottesdienst und ketzereien inn eigen gebieten und an personen darüber sie zu gebieten hat, zu wehren und zu straffen” (LUTHER, 1914, p. 11).

21 “Das man nu dagegen spricht: Oberheit kan niemand den glauben geben, darumb sol sie niemand umb des glaubens willen zu straffen haben. Darauf sind viel bestendiger antwort, doch wollen wir allein dieses antworten: Oberheit straffet nicht von wegen der meinung und opinion im herzen, sondern von wegen der eusserlichen unrechten rede und leer, da durch andere auch verfüret werden. Darumb, wie die Oberheit ander auffrhürische rede und deutung, da durch auffrhur erreget werden, zu straffen schuldig ist. Also ist sie auch schuldig, diese auffrhürische reden und leer zu straffen, als da durch die leut wirklich be-weget werden, zerstörung anzurichten, so viel an inen ist” (LUTHER, 1914, p. 10-11). 22 “Etliche disputieren, Weltlich Oberheit sol gantz nicht mit geistlichen sachen zuthun haben. Das

ist viel zu weitleuffig geredt. Das ist war: beide empter, das Predig ampt und weltlich Regiment sind unterschieden. Gleich wol sollen sie beide zu Gottes loben dienen. Fürsten sollen nicht allein den untherthan jre güter und leiblich leben schützen, sondern das fürnemst ampt ist, Gottes ehr

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foddern, Gotteslesterung und Abgötterey wehren” (LUTHER, 1914, p. 13).

23 Na prática, contudo, Lutero buscava distinguir de caso a caso. Em fevereiro de 1536, por exemplo, o pintor Matthes Lotther, de Freiberg/Saxônia, havia afirmado que leigos também poderiam oficiar sacramentos. Tal afirmação poderia ter resultado em punição severa. Lutero exigiu uma apuração rigorosa do fato e, finalmente, se convenceu da inocência de Lotther (BRECHT, 1987, p. 46).

24 Veja LUTERANOS dirigem pedido de perdão histórico aos Menonitas. 2010. Disponível em: https://www.luteranos.com.br/conteudo/luteranos-dirigem-pedido-de-perdao-historico-aos-menonitas. Acesso em: 4 out. 2019.

Referências

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CLEMEN, O.; BRENNER, O. Daß weltliche Oberkeit den Wiedertäufern mit leibli-cher Strafe zu wehren schuldig sei: Etlileibli-cher Bedenken zu Wittenberg. 1536. D. Martin

Luthers Werke: kritische Gesamtausgabe. Band 51. Weimar: Hermann Böhlaus

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GASSMANN, Günther; HENDRIX, Scott. As confissões luteranas: uma introdução. São Leopoldo: Sinodal, 2002.

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RIETH, Ricardo W. Guerra dos Camponeses; Introdução ao assunto. Obras

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