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Embraer - Trajetória e Estratégia

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Academic year: 2021

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no projeto de desenvolvimento do país

Resumo

O estudo da trajetória da Embraer nos servirá de base para analisar qual foi a importância e em parte, como se deu, a presença do Estado na concepção, projeto, criação e trajetória da Embraer. Verificar em sua história, alguns importantes eventos nos quais, o Estado brasileiro foi determinante, influenciando e modificando ao longo da trajetória, o objetivo inicial da empresa, aproximando-a das características de uma corporação financeirizada de mercado, na complexa e competitiva indústria de aviação.

A hipótese é o de confirmar na trajetória da Embraer, a capacidade do Estado em induzir e conduzir um projeto nacional de industrialização, em conjunto com o capital privado, em um setor de alta tecnologia como o da aviação, que vivencia uma constante transformação tecnológica, uma internacionalização dos mercados financeiros e ainda conseguir manter, através do conjunto de suas políticas, os interesses industriais, fiscais e monetários do Estado, bem como os benefícios relacionados a um projeto de desenvolvimento econômico e tecnológico nacional.

Palavras-chave

Estado; Mercado; Embraer; Desenvolvimento; Indústria.

Leonardo Gomes Ribeiro

Graduando em Sociologia e Política pela FESPSP

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1 Introdução

Frequentemente observa-se no senso comum, a percepção de que a Embraer é uma empresa estatal, que ainda pertenceria ou teria o seu controle pelo Estado brasileiro. Esta percepção decorre de múltiplos fatores, desde o da sua origem, a presença de militares no comando durante alguns períodos, a participação do BNDES nas operações de financiamento da produção e a comercialização das aeronaves, o nome da empresa, entre outros.

A Embraer não mais pertence ao Estado brasileiro, porém, ainda mantém grande importância estratégica no país em diversos aspectos que tentaremos abordar neste trabalho. Pretende-se compreender o papel do Estado ao longo da trajetória da empresa e apontar onde sua importância foi sendo substituída pela ação e força do capital financeiro internacional.

A EMBRAER S. A.1 surge no final do ciclo de industrialização pesada, a partir dos projetos de iniciativa militar que começaram a tomar forma logo após o final da Segunda Guerra. Foi parte de um projeto estratégico para implantação de uma indústria aeronáutica no Brasil, que compunha também o ideal de industrialização presente na ocasião para a busca de oportunidade de crescimento econômico. Soma-se a este cenário a favorável entrada de divisas internacionais e consequente facilidade para o financiamento dos projetos nacionais, provenientes de recursos da “expansão mundial pela qual passavam os capitais norte americanos,europeus e japoneses” (CAPUTO; MELO, 2009).

1 EMBRAER S.A. a grafia do nome em maiúsculas, esta sigla indica a marca comercial e o nome da Empresa Brasileira de Aeronáutica S.A.

Na sua origem, a Embraer assemelha-se às indústrias petrolífera e siderúrgica, que também contaram com ativa participação dos militares na sua instalação. Como a Embraer, a Petrobrás e a Companhia Siderúrgica Nacional foram gestadas durante o Estado Novo e significaram um pacto entre militares e lideranças civis vinculadas ao nacionalismo desenvolvimentista da era Vargas, quando o Estado brasileiro assumiu a iniciativa de criar uma infra-estrutura de energia, transportes, siderurgia e comunicações para sustentar o projeto de industrialização nacional. De fato, desde a Revolução de 1932, lideranças militares associadas a Vargas, encabeçadas pelos generais Pedro Aurélio de Góes Monteiro e Eurico Gaspar Dutra, começaram a intuir os vínculos entre potência industrial e potência militar. Perceberam que a Segurança Nacional, à época chamada “Defesa Nacional”, dependia, em grande medida, de um projeto mais amplo de industrialização nacional conduzida pelo Estado. Assim, a doutrina político-militar do Estado Novo e as exigências de ampliação da defesa nacional, decorrentes da Segunda Guerra Mundial, nutriram o ambiente no qual a arma mais nova das Forças Armadas, a Aeronáutica, começou a planejar o seu futuro. Desse modo, nos anos de 1940 e de 1950 foram criados a Força Aérea Brasileira (FAB), o Ministério da Aeronáutica, o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e o Centro Tecnológico de Aeronáutica (CTA), instituições que formaram o embrião da Embraer. Ao recuperar essa origem remota, será retomado adiante os elos, pouco explorados na literatura, entre indústria aeronáutica e o projeto político dos militares (FORJAZ, 2004).

A leitura equivocada acerca da relação Estado e mercado no capitalismo, promove uma crítica à participação do capital privado no setor estatal e a defesa de uma estatização a qualquer custo como

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solução para os problemas da empresa em diversos momentos de sua trajetória.

A Embraer é criada já sob um novo padrão de industrialização, uma empresa de capital misto com controle do Estado. A participação do capital privado se dá desde o início, num contexto político de um regime autoritário e militar, o Milagre Brasileiro2, onde se busca o fortalecimento do capital nacional e a articulação com o capital internacional também, para promover o desenvolvimento brasileiro. Desde sua criação, a empresa já possui essa dimensão estratégica estatal, porém na lógica da financeira de mercado. Neste novo padrão, o Estado busca equilibrar a atuação das partes e controlar os desígnios da empresa, para continuidade do crescimento, substituição das importações e defesa da soberania.

Dois ciclos históricos marcantes na Embraer, analisados neste trabalho indicam a ação pendular do Estado na condução do projeto de uma indústria aeronáutica nacional, o primeiro que vai da criação da empresa em 1969 até a privatização em 1994 (25 anos) e o segundo que vai de 1994 até 2006 (12 anos), quando ocorre a pulverização do capital nas bolsas de valores de Nova York e São Paulo. Nestes dois ciclos, a relação do Estado e do mercado, presentes desde a criação da empresa, tem no primeiro ciclo o protagonismo do Estado, que se faz extremamente marcante na decisões da empresa, orientado pelo interesse nacional de um desenvolvimento técnico, estratégico, militar e econômico do país. No segundo ciclo, pós privatização, nota-se o predomínio do mercado nas decisões 2 De 1967 a 1973 o Brasil alcançou taxas médias de crescimento muito elevadas e sem precedentes, que decorreram em parte da política econômica então implementada, principalmente sob a direção do Ministro da Fazenda Antônio Delfim Neto mas, também de uma conjuntura econômica internacional muito favorável. (FGV).

que orientam a empresa no sentido dos interesses financeiros dos controladores e mais alinhada com um estratégia internacional, descolando-se aos poucos dos propósitos de soberania nacional. Nestes dois ciclos a empresa persegue seus objetivos técnicos e econômicos, alcançando níveis de excelência em sua atuação no mercado aeronáutico mundial.

A Embraer nasceu em 1969 a partir de duas estruturas criadas pela FAB no pós-guerra, o CTA criado em 1946 e do ITA criado em 1950.

São José dos Campos já vinha experimentando a presença do CTA desde meados de abril de 1944, quando então, oficiais do Ministério da Aeronáutica estiveram na cidade inspecionando o Campo de Aviação local, para verificar a possibilidade de nele se instalar. O ofício nº 44/0285 da prefeitura de São José dos Campos, relata a importância do empreendimento, considerado no gênero, o maior da América do Sul e o 3º do Mundo

e a extraordinária influência que terá mesmo como fator de desenvolvimento e progresso para a região em que for localizado.

Em maio de 1945, o Tenente-Coronel Miguel Lampert, na condição de Chefe da Comissão de Compras do Ministério da Aeronáutica, em Washington, encaminha ofício apresentando o professor norte-americano Richard Herbert Smith, licenciado do Massachusetts Institute of Technolog y (MIT), vindo para o Brasil iniciar o estudo de organização de uma Escola de Engenharia Aeronáutica, sob os auspícios do Ministério da Aeronáutica, ao Coronel-Aviador Casimiro Montenegro Filho, o precursor que concebeu e materializou a primeira idéia do Centro Técnico de Aeronáutica. Posteriormente, Casimiro

Montenegro Filho fez-se Marechal-do-Ar, alcançando a mais alta patente na hierarquia da Força Aérea Brasileira3.

3 Texto preparado com excertos e informações de “ Instituto Tecnológico de Aeronáutica - 50 Anos, 1950-2000 “, livro comemorativo do Cinqüentenário do ITA. Ver em: < http://www.pro-grad.ita. br/criacao.php>. Acesso em 10 de junho 2019.

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Com a criação em 1946 da Comissão de Organização do Centro Técnico da Aeronáutica (COCTA), inicia-se a criação de um plano para construção do CTA e escolhe-se a cidade de S. José dos Campos para sua implantação, reunindo neste o ITA e o Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento (IPD) , que absorviam os engenheiros e militares provenientes destes institutos. Estas estruturas do Estado são a base da formação inicial do complexo aeronáutico do Brasil, onde de desenvolveram os projetos dos primeiros protótipos e reuniu a excelência formação e pesquisa do setor no país.

A Embraer possui, em 2018, três plantas industriais no Brasil: São José dos Campos, Gavião Peixoto e Botucatu. Também possui duas outras plantas industriais no exterior: Melbourne (EUA) e Évora (Portugal) e tem presença noutras catorze cidades ao redor do mundo, onde possui operações comerciais e/ou controles de empresas de partes componentes dos aviões que fabrica.

A estatal Embraer concentrou esforço em ser uma montadora final de aviões através de um projeto que buscou autonomia dentro de um setor estratégico de alta capacitação e competitividade extrema. Buscou também dominar as tecnologias-chaves que determinaram o avião como produto final, abandonando o antigo anseio de construção de um avião com todos os componentes nacionalizados. Concentrou-se no domínio tecnológico da aerodinâmica, fuselagem e integração de projetos, servindo-se das alianças com parceiros internacionais bem como apoio no desenvolvimento de fornecedores nacionais, o que permitiu acumular competência tecnológica para desenvolver projetos estratégicos na área militar e civil.

Nos períodos dos governos Lula (2003-2010) e Dilma (2011-2016), a Embraer foi utilizada também pelo Estado para estabelecer a presença em setores estratégicos e de defesa, para os quais, a empresa detinha grande capacidade técnica para o desenvolvimento.

No setor aeroespacial, a Embraer teve 51% de participação na Visiona Tecnologia Espacial - uma joint-venture4 com a Telebrás, criada em 2011,

que foi a responsável pela integração do Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações. Participaram também a EAST - Embraer Aero Seating Technologies, Atech e Savis-Bradar.

A Visiona, através de entendimentos e condições previstas no inciso IV do artigo 2º da lei nº 12,598/12, assinada pelo ministro da Defesa Celso Amorim, passa a ser uma EED - Empresa Estratégica de Defesa em abril de 2014, demonstrando que a empresa conservava em sua essência, a dupla dimensão de uma estratégia estatal e comercial.

O programa estratégico do Governo Federal, idealizado no governo Lula, Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas (SGDC), foi iniciado na gestão de Dilma Rousseff, para proporcionar cobertura de serviços de Internet a 100% do território nacional de forma a promover a inclusão digital para todos os cidadãos brasileiros e fornecer alternativa segura e soberana para as comunicações estratégicas do governo brasileiro independente das operadoras de telecomunicações atualmente sob controle de empresas internacionais.

O Estado, em diversos momentos, através da FAB, será demonstrado adiante, foi decisiva para 4 Joint Venture, união de duas ou mais empresas já existentes com o objetivo de iniciar ou realizar uma atividade econômica comum, por um determinado período de tempo e visando, dentre outras motivações, o lucro.

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os planos da criação e crescimento da Embraer, e determinante no processo de desenvolvimento da indústria aeronáutica do país.

As iniciativas anteriores, que datam das décadas de 1930, 1940 e 1950,5 tanto da iniciativa privada como do Estado na época, não lograram êxito duradouro e não serão abordados neste estudo. Alguns destes projetos apontavam para soluções de demandas pontuais não atreladas a qualquer projeto maior. Foram importantes para criar a conscientização nas Forças Armadas de que haviam grandes limitações para o desenvolvimento de uma indústria aeronáutica no Brasil. Iniciativas no sentido de criar uma infra-estrutura industrial e tecnológica para este setor, esbarravam na falta de uma política industrial para o setor e de um projeto político que contemplasse as as vocações do Estado como indutor do desenvolvimento industrial e os anseios do capital privado. Todas estas condições estavam reunidas quando da criação da Embraer.

2 Capitalismo e industrialização Pesada

no Brasil

Inicialmente assentada nos setores de petróleo, energia elétrica e siderurgia, a industrialização brasileira repousa sobre a hegemonia do Estado empresário, marcada por uma centralidade política e econômica que estabelece as condições para a criação de empresas estatais, não intervencionistas, mas como um Estado capitalista, que passa a gerar atividade industrial e comercial para competição com empresas 5 Companhia Nacional de Navegação Costeira, (CNNA) em 1935 e Fábrica do Galeão, ambos ligados a iniciativas do Exército e Marinha e Companhia Aeronáutica Paulista (CAP) criada em 1942.

privadas (CONTRERAS,1994). Essa intervenção prevista na constituição, estabelecia o domínio e o monopólio de indústria ou atividade comercial, para organizar o setor, desenvolver com eficácia, qualquer setor que não pudesse ser desenvolvido com eficácia no regime de competição e liberdade de iniciativa. Não foi diferente para a criação da EMBRAER, que nasce das estruturas de pesquisas e desenvolvimentos criadas pelo militares e de ampla atuação do Estado em várias esferas para a destinação de recursos, efetivos técnicos, áreas para implantação e políticas de incentivos fiscais entre outros, para que esta indústria aeronáutica começasse a se desenvolver.

No intervalo das décadas de 1920 e 1950, esperava-se que o capital privado nacional fosse o indutor do desenvolvimento da indústria de base (Siderurgia, petróleo e eletricidade) do Brasil, o que não ocorreu. Esta industrialização tardia ocorre apenas com a entrada do Estado na esfera produtiva na década de 1950, acelerando a marcha do tempo histórico do crescimento industrial, que encontrará uma nova dinâmica a partir de 1964 nos governos militares, sobretudo após a reforma administrativa de 1967, que vem a estabelecer um novo marco na cultura empresarial do Estado, aumentando espaço para combinações dos setores públicos e privados.

A industrialização tardia e autonomia estatal, desenvolvida com o protagonismo dos segmentos burocráticos estatais, associada com o caráter autoritário do regime político, criaram condições para que os antigos planos desenvolvidos, sobretudo pelos militares desde 1945 e previstos nos Primeiro Plano Nacional de Desenvolvimento (I PND), propiciaram a criação de uma indústria aeronáutica nacional.

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3 Governança corporativa e

tecnoburocracia Estatal.

Dentro deste cenário de tardia industrialização percorrido desde 1950, as implantações das indústrias de base tem o protagonismo dos segmentos burocráticos estatais como promotores do desenvolvimento, ocupando a lacuna deixada pela atuação incipiente e sem estratégia do empresariado industrial nacional.

A expansão estatal e burocrática no Brasil intensifica-se no pós 1964 e estabelece uma independência burocrática associada ao fator técnico-científico. Esta tecnoburocracia expande-se e dá nova forma ao Estado empresário em setores econômicos básicos propiciando o crescimento de complexos industriais modernos.

O Estado empresário bifacial - Estado e Mercado - tem em suas lideranças, a força para transformar e desenvolver as estruturas produtivas geradoras de recursos financeiros rentáveis para o tesouro público. Integra em suas ações a articulação de negociações que contemplam os interesses do governo e do setor privado nacional e multinacional, seja através da cadeia de fornecedores, compra de bens, compra de tecnologias e as contribuições econômicas ao fisco (CONTRERAS, 1994)

O Estado ocupa os setores estratégicos para o crescimento industrial do país, setores estes que o capital privado não quiz ou não tinha condições de atuar, seja pelo grande porte dos investimentos necessários, prazo longo para maturação, retorno lento ou mesmo por falta de visão estratégica e compromisso com o desenvolvimento nacional.

Desde o início do século XX, se observa que o empresariado nacional sempre esteve mais aderente a idéia de uma economia primária, com característica exportadora. A disputa por uma vocação agrícola versus a industrialização, carrega também a disputa entre mercado versus planejamento, o que, entre outros fatores impediram o empresariado ousar para ocupar destaque nos investimentos e no desenvolvimento de uma industrialização que levasse o país a um ciclo de modernização e avanço tecnológico. O projeto brasileiro de uma sociedade industrial, urbana e moderna, conviveu por muito tempo com a falta de uma burguesia ou empresariado fortes que tivessem sido forjados nas práticas liberais do mercado.

Foi no período do Estado Novo, a partir de 1937 e principalmente após o final da 2° Guerra, que a opção industrializante torna-se idéia força, de modernidade e desenvolvimento. Através da intervenção do Estado, se consolidam ações e condições para o surgimento de indústrias estratégicas para o crescimento do país e alavancar a acumulação capitalista, inicialmente nucleadas pelos setores de petróleo, energia elétrica e siderurgia, espraiam-se por outros setores ao longo das décadas de 1950 e 1960.

4 Setor aéreo e Embraer pró-Estado

Desde sua criação, o Estado desenvolve ações governamentais de estímulo a Embraer através de diversos mecanismos de apoio que vão da concessão de áreas, acordos técnicos com empresas e governos através da diplomacia e forças armadas, encomendas governamentais, incentivos fiscais e os mais diversos apoios para soluções de problemas no curso da história da empresa.

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Do início até a privatização em 1994, a Embraer destinou cerca de 3% do faturamento para treinamentos e aperfeiçoamento, utilizando seus recursos e apoios governamentais como bolsas do CNPq6, que financiaram a especialização do nível técnico ao especializado, bem como o envio de profissionais para especializações e doutorados no exterior. Está política foi alterada após a privatização em 1994 e o percentual foi reduzido para cerca de 1%.

Nas décadas de 1970 e 1980, a Embraer desenvolve projetos de novas aeronaves que promovem conquistas de mercado no país e no exterior, aeronaves como o já mencionado Bandeirantes, o Xingu, Brasília e o AMX (avião de ataque em parceria com a Itália).

No IPD foram criados os três dos primeiros aviões que seriam fabricados pela EMBRAER: Bandeirante, Ipanema e Urupema. Aviões de pequeno porte, agrícola e planador, respectivamente. Forma-se a partir daí o que no ano de 1969 viria a ser a EMBRAER, composta de quadros técnicos, administrativos e militares oriundos do CTA e ITA. Surge como uma sociedade de economia mista7 ligada ao Ministério da Aeronaútica.

A proposta de desenvolvimento e complementação da matriz industrial do Brasil para o setor aeronáutico, toma impulso quando da execução do planejado no Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND) 1975-1979 para os setores

6 Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico, através do programa RHAE Recursos Humanos em Áreas Estratégicas. 7 Sociedade de Economia Mista é Pessoa Jurídica de Direito Privado, constituída por capital público e privado, por isso ser denominada como mista. A parte do capital público deve ser maior, pois a maioria das ações devem estar sob o controle do Poder Público. Somente poderá ser constituída na forma de S/A.

de tecnologia e para o incremento de investimentos em empresas de engenharia e tecnologia nacionais.

O estado autoritário, a conduta política nacional-populista, algumas reformas limitadas e a defesa da soberania nacional permitiram impulsionar a industrialização, incorporando grande parcela de massas urbanas ao mercado e fortalecer o Estado como grande agente promotor da industrialização. (BERNARDES, 2000)

Semelhante ao que ocorre com as empresas fabricantes de aviões em outros países, a Embraer mantém-se no mercado mundial altamente competitivo, graças ao apoio ativo do Estado. A logística técnica proporcionada pelo CTA e o ITA, as encomendas do Governo, os financiamentos do BNDES e os investimentos diretos na produção e desenvolvimentos de projetos.

Desde a sua criação, a empresa sempre contou com medidas adotadas pelo governo federal para sua viabilização, como exemplo, a lei 7.714 em 1970, que funcionou até 1988, no qual isentava até 1% do IRPJ, as empresas que adquirirem ações da Embraer8. Esta iniciativa permitiu a captação de aproximadamente 500 milhões de dólares, o que permitiu a empresa resolver o problema de capitalização se servindo de um arranjo fiscal inédito, que propiciou que o capital da Embraer fosse, na época, controlado por cerca de 200.000 empresas, algo que nenhum outro setor da indústria jamais experimentou.

Diversos outras ações, políticas e arranjos fiscais foram criados para estimular o desenvolvimento e financiamentos dos projetos e produtos da Embraer.

8 Com o slogan: “um país que voa vai mais longe: aplique 1% de seu imposto de renda na compra de ações da Embraer”, o governo buscava estimular empresários comprar ações (Lopes, 1994:165)

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Em 31 de dezembro de 1974, pelo Decreto-Lei 1386, a Embraer foi isentada da tributação do Imposto sobre Produtos Industrializados(IPI), contemplando produtos aeronáuticos saídos de estabelecimentos industrial homologado pelo Ministério da Aeronáutica, bem como aparelhos e instrumentos destinados a emprego em aeronaves, equipamentos de segurança de vôo e treinamento e, ainda máquinas, equipamentos, ferramentas e gabaritos utilizados pela industria aeronáutica. Assegurou-se , de outra parte, manutenção e utilização do crédito de IPI sobre insumos. Fixou-se em 10% a alíquota do IPI sobre aeronaves em geral. Posteriormente, em 1976, a empresa foi beneficiada com isenção do Imposto de Circulação de Mercadorias (ICM). (BERNARDES, 2000:171)

Nos primeiros anos da companhia, o governo através da Ministério da Aeronáutica, encomendou 112 aviões Xavantes, encomendas estas que correspondiam a 8 anos de produção na ocasião. O projeto de um caça a jato militar para treinamento, avançado, apoio tático e ataque ao solo, foi desenvolvido com a parceria da Aeromacchi, italiana, num acordo de cooperação e transferência de tecnologia.

Outro exemplo de medida do governo foi em 1975, quando este, desenvolve o Sistema Integrado de Transporte Aéreos Regionais (SITAR), dividindo o país em 5 regiões e 4 empresas de transporte aéreo, para atendimento da aviação regional. São criadas a Taba, Nordeste, TAM e Rio-Sul ( que seriam absorvidas pelas companhias privadas no final da década de 1980). Estas empresas geraram a aquisição de 52 aeronaves da Embraer. (BERNARDES 2000)

O apoio da diplomacia brasileira à exportação de aeronaves de emprego militar, colaborou para o acordo de cooperação com a Piper Aircraft Company em 1974, propiciou a Embraer desenvolver o mercado interno de aviões de pequeno porte, monomotores e bimotores,

assegurando a transferência de tecnologia, representação internacional e sem pagamento de royalties. Seguido de

outra ação do governo coordenado com a Embraer, que foi a elevação de tarifa alfandegária para importação deste tipo de aeronave, passando de 7% para 50%.

Esta parceria com Piper, propiciou um movimento importante para a Embraer, que passou a ter acesso ao mercado e feiras internacionais como a de Le Bourget em Paris, a maior e mais importante do setor, local onde a empresa veio localizar sua subsidiária Embraer Aviation International (EAI) destinada a apoiar, fornecer peças e assistência técnica para a Europa, Oriente Médio e Ásia.9

Em 1987, na gestão do presidente Sarney, o primeiro governo civil eleito após o golpe militar de 1964, houve a concessão de 100 milhões de dólares provenientes do Fundo Nacional de Desenvolvimento Social, para o programa de desenvolvimento do caça a jato AMX (Dagnino, 1989:353)

As encomendas do Ministério da Aeronáutica colaboraram na consolidação da EMBRAER, no curso do processo continuado de aprendizado e de atualização tecnológica através do desenvolvimento de grandes projetos bancados pelo Estado, aliás, de forma semelhante ao praticado por países desenvolvidos em seus parques aeronáuticos, que buscavam integrar a cadeia de fornecedores, capitalização das empresas e uniões estratégicas.

A despeito do fracasso no II PND, da política, do presidente Geisel, de incentivo ao capital nacional para fomentar o desenvolvimento da industrialização e substituição das importações em diversos setores (TAVARES, 1999), a Embraer consegue relativa 9 Outra subsidiária foi estabelecida em Fort Lauderdale na Flórida, para atender os mercados da América do Norte e Central, Austrália, Ásia, Reino Unido e Escandinávia. (BERNARDES, 2000:184)

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consolidação, graças a uma visão de longo prazo constituída da formação das instituições de pesquisas e das iniciativas por parte do Estado Brasileiro, que foram determinantes para o desenvolvimento do setor aeronáutico, seja na estratégia, aportes financeiros, formação dos quadros técnicos e administrativos, incentivos fiscais de toda ordem e do financiamentos de projetos e dos processos de venda.

5 Capitalismo e financeirização no Brasil

Com a mudança do modelo de desenvolvimento industrial, que tinha como orientação a estratégia estatal e militar, a EMBRAER passa por um ciclo de grave crise fiscal no final da década de 1980, que a coloca em condição vulnerável pavimentando o caminho para na década seguinte ser incluída no processo de privatização e mudanças para um modelo de organização e gestão empresarial voltados ao mercado e as parcerias tecnológicas e de risco em grande escala.

A Embraer manteve-se sob controle do Estado (51%) até 1994 no governo Fernando Henrique Cardoso, quando se realizou o processo de privatização da companhia. Resultante deste processo, o maior acionista passou a ser o banco de investimentos norte-americano Wasserstein Perella seguido do Banco Bozano Simonsen (Banco Santander)10, que funcionou mais como intermediário dos interesses de grupos, bancos e fundos de investimentos na consolidação do controle acionário da companhia. 10 O Banco Bozano Simonsen após várias aquisições de estatais, adquire o Banco Meridional que passa a ser a holding e em 2000, todo o grupo é vendido para o Banco Santander. Ver em: <https://www.bcb.gov.br/htms/deorf/e88-2000/anex1. asp?idpai=relsfn19882000>. Acesso em: 02 de junho de 2019.

Este momento coincide com os planos já em curso de entrada no mercado de aeronaves executivas e de luxo, mercado este crescente.

A Embraer é líder mundial na fabricação de jatos comerciais com até 150 assentos. A companhia conta com 100 clientes em todo o mundo operando os jatos das famílias ERJ e E-Jets. Apenas para o programa de E-Jets, a Embraer registrou mais de 1.800 pedidos firmes e 1.400 entregas, redefinindo o conceito tradicional de aeronaves regionais.11

No momento do processo de privatização, o banco Bozano Simonsen, que alegava ter participado visando sanear e recuperar a Embraer, vende em 1999 suas ações (ADACHI, 1999) para empresas aeroespaciais europeias: Dassault Aviation, EADS, Snecma e Thales (GIGLIOTTI, 1999). A intenção era tornar a Embraer, através deste consórcio de empresas européias, uma subsidiária da Airbus12, plano este sigiloso que foi descoberto e impedido pelo governo que era o detentor das “Golden Share” que davam o poder de veto, o que entre outro fatores inviabilizou a transação e o consórcio destas empresas perde definitivamente o interesse.

Com o objetivo de financiar a família de jatos E170/190, a Embraer fez emissões de ações preferenciais na Bolsa de Valores de Nova Iorque (NYSE), em 2000 e 2001, que totalizaram uma captação de US$ 544 milhões. Antes das emissões, o free-float[3] das ações de classe preferencial[4] era de 18,6%; após as emissões, passou para 59%, sendo 45,4% em Nova Iorque. Pela primeira vez, as ações preferenciais estavam majoritariamente no mercado de valores mobiliários, enquanto o restante dividia-se entre os sócios controladores Sistel (5%), 11 Texto extraído de ri.embraer.com.br acesso em 07 de maio de 2019

12 A Airbus é o gigante consórcio europeu (França, Alemanha, espanha e Reino Unido) integrador do setor de aviação e de defesa.

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Bozano Simonsen (9,9%), Previ (12,2%) e BNDESPar (13,9%). As ações ordinárias, com direito a voto, tinham a seguinte distribuição: Previ (24%), Bozano Simonsen (20%), Sistel (20%), Grupo Europeu (20%), União (1%). A composição total do capital era de 34% de ações ordinárias e 66% de ações preferenciais (MORAES, 2013)13

6 Governança corporativa e stakeholders

A Embraer sofre sua maior transformação de capital em 2006, efetua uma reestruturação societária, lança ações na Bolsa de Nova York, o que faz com que se pulverize o capital da empresa pelos diversos fundos de investimentos presentes bolsa, nenhum grande acionista teria mais que 30% das ações, teoricamente para impedir o controle por um grupo estrangeiro. O estatuto determinava ainda que os estrangeiros teriam um máximo de 40% dos votos no Conselho de Administração. A empresa passa a fazer parte do “Novo Mercado” e a ter somente ações ordinárias (ON) com direito de voto, medida propagada como segurança para os acionistas e controladores é na verdade a internacionalização do capital e controle por uma série de regras do mercado financeiro internacional o que na verdade se traduziu em menos controle ou interferência do governo Brasileiro.

Esta mudança no controle acionário da empresa faz com que o valor de mercado da EMBRAER aumente consideravelmente e suas ações passem a figurar como atrativa para o mercado financeiro que opera na Bolsa de Nova York e Bolsa de São Paulo.

13 Ver em: < http://embraernossa.com.br/2018/04/03/3-quem-sao-os-donos-da-embraer/>. Acesso em: Acesso em 25 de abril de 2019

Atualmente, 51% das ações são negociadas na Bolsa de Valores de Nova Iorque e 49% na Bolsa de Valores de São Paulo. Os quatro principais acionistas da Embraer, que detêm individualmente ao menos 5% das ações, são os fundos de investimentos Brandes Investment Partners (EUA; 14,4%), Mondrian Investment Partners (Reino Unido; 10,1%), BNDESPar (5,4%) e o Blackrock (EUA; 5,0%). As ações da Embraer, em um número de aproximadamente 740,5 milhões, estão distribuídas entre 36.773 proprietários, com predominância de 22.079 pessoas físicas (60%), 14.412 pessoas jurídicas (39,2%) e 282 investidores institucionais (0,8%). (EMBRAER, 2018)14

O capital da EMBRAER passa a ser pulverizado em milhões de ações e este movimento promove mudanças no âmbito administrativo organizacional para adequá-la a Governança Corporativa15. Com isso os acionistas elegem um Conselho de Administração que passa a decidir os desígnios e passos que a empresa tomará, observando sempre a melhor remuneração do acionistas e cumprimentos de regras de governança corporativa e “compliance” firmado com o mercado.

A menor parte das ações é negociada na Bolsa de Valores de São Paulo (49%) e podem ser (e são) livremente adquiridas por estrangeiros. Os demais 51% já estão alocados diretamente no exterior, negociados na Bolsa de Nova York. Considerando que 14 Ver em: < http://embraernossa.com.br/2018/04/03/3-quem-sao-os-donos-da-embraer/>. Acesso em: 25 de maio de 2019

15 “Governança corporativa é o sistema pelo qual as empresas e demais organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas, envolvendo os relacionamentos entre sócios, conselho de administração, diretoria, órgãos de fiscalização e controle e demais partes interessadas. As boas práticas de governança corporativa convertem princípios básicos em recomendações objetivas, alinhando interesses com a finalidade de preservar e otimizar o valor econômico de longo prazo da organização, facilitando seu acesso a recursos e contribuindo para a qualidade da gestão da organização, sua longevidade e o bem comum.” (IBGC, 2018)

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o foco da companhia, baseado no que existe de mais moderno em termos de composição acionária e gestão, é a geração de valor, não podemos dizer que a Embraer “olha para dentro”. Tanto o seu mercado consumidor quanto a maioria dos seus acionistas estão fora do país. Neste sentido, a Embraer não é do governo desde 1994 e tampouco tem algo de nacional desde 2006. Os dividendos pagos entre 2003 e 2016, a maioria aos estrangeiros, seriam capazes de financiar o desenvolvimento do maior projeto militar da história da companhia, o KC-390. (Marco Antonio Gonsales de Oliveira e Renata Belzunces)

O financiamento pelo Estado de projetos e da comercialização de aeronaves, reforça a percepção na sociedade de que, a Embraer, uma empresa privada é recorrentemente seja vista como uma estatal, devido sua grande dependência destes financiamentos e apoio do Governo Federal. Para ilustrar essa dependência, de 2010 a 2016, o BNDES16 financiou R$ 8,2 Bilhões para clientes americanos da Embraer. Ver a tabela 1:

16 Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) .

Tabela 1

Financiamento BNDES para Exportações da Embraer

Anos Total financiado modalidade pós-embarque Total financiado modalidade pré-embarque

2016 R$ 1.403.307,00 não fez 2015 R$ 985.458,00 não fez 2014 R$ 1.004.591,00 R$ 100.000,00 2013 R$ 1.049.016,00 R$ 200.000,00 2012 R$ 627.918,00 não fez 2011 R$ 1.059.027,00 R$ 200.000,00 2010 R$ 1.312.955,00 R$ 250.000,00

total financ. Embraer R$ 7.442.272,00 R$ 750.000,00

total financ. pelo BNDES R$ 29.778.718,72 R$ 52.244.017,00

Participação no total 25,19% 1,44%

Pré-embarque cabe ao próprio exportar liquidar a dívida. No pós-embarque o valor desembolsado pelo BNDES ao exportador brasileiro.

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Ao longo de sua trajetória, a Embraer beneficiou-se de uma série de soluções fiscais e ibeneficiou-senções concedidas pelo Estado como: IPTU e ISS pela prefeitura de São José do Campos, ICMS pelo governo do estado de S. Paulo, o IPI e mais recentemente pela desoneração da folha de pagamento concedida pelo Governo Federal, que eliminou a atual contribuição previdenciária sobre a folha adotando uma nova contribuição sobre a receita bruta.

O Governo Federal é atualmente um grande demandante da Embraer, encomendou 28 cargueiros KC-390, um projeto de 2009 que a FAB contratou para realizar o desenvolvimento da aeronave. O valor total do contrato entre Aeronáutica e a Embraer para o desenvolvimento foi da ordem de R$ 3,0 bilhões de reais. A privatização da EMBRAER no período de 1994 foi determinante para que em 2006 ocorresse a pulverização do capital nas bolsas de valores e eliminar por completo qualquer proteção da empresa das forças do mercado global e as investidas das nações mais industrializadas e desenvolvidas, que defendem seus interesses geopolíticos e estratégicos, bem como os de suas empresas privadas.

A nova realidade imposta pela mundialização da concorrência e financeirização da riqueza, modificam a dinâmica da economia, afetando drasticamente os setores de tecnologia sempre baseados em pesquisa, conhecimento e informação.

A Embraer é a maior empresa brasileira de alta tecnologia, sendo a terceira maior exportadora do país, atrás da Petrobrás e da VALE. É uma fonte importante na geração de divisas internacionais e no equilíbrio da balança comercial. Gera receita em dólares americanos e em outras moedas fortes, o que é essencial para um país periférico como o Brasil para garantir autonomia e independência financeira frente

a volatilidade dos capitais circulantes. Patrimônio Científico do Brasil, é fruto do esforço de profissionais, a maior parte oriunda das empresas do governo, engenheiros, militares, governantes, pensadores, de instituições de pesquisa e investimentos brasileiros destinados a desenvolver produtos e tecnologia em um dos setores mais competitivos e estratégicos existentes, concorrendo com grandes conglomerados aeronáuticos e aeroespaciais dos países desenvolvidos.

7 Discussão

A partir da presente análise sobre a Embraer, é notável a importância de uma política nacional industrial e tecnológica para o desenvolvimento econômico do país. Porém não é suficiente para este projeto, apenas modelos de excelência tecnológica, de produção e atuação empresarial, é preciso uma complexo entendimento e união das instâncias políticas e institucionais. a importância de uma política nacional industrial e tecnológica para o desenvolvimento econômico do país.

Desde a criação, passando pela crise nos anos 1980, privatização em 1994 e a recuperação da indústria aeronáutica brasileira, temos como cenário a intensificação do processo de globalização e financeirização internacional, que alteram diretamente a trajetória e a estratégia da Embraer. Este quadro é também afetado por se tratar de um setor, extremamente competitivo, complexo e que sofre com medidas protecionistas dos países centrais, com destaque a hegemonia militar dos EUA e suas medidas protecionista que de forma feroz, defendendo seus interesses e mercados.

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Observa-se na trajetória da Embraer que a relação entre Estado e Mercado, aliás, dimensões estas do sistema capitalista, é inerente a sua criação na empresa desde a criação, não atrapalharam o seu crescimento e a conquista de níveis de excelência num mercado competitivo, estratégico e tecnológico como o da aeronáutica. Nos dois ciclos, da criação em 1969 até 1994 e depois até 2006, o que se nota é que, do ponto de vista da soberania nacional, a Embraer cumpre papéis diferentes, no primeiro, sob a égide do Estado, a presença deste no comando e controle orientaram a estratégia industrial, buscando defender os interesses nacionais, sejam de defesa, tecnológicos e econômicos. No segundo ciclo após a privatização em 1994, observa-se uma maior atuação do mercado nas orientações da empresa. Neste ciclo a presença do Estado continua importante e determinante, porém, o controle por parte do mercado, insere a empresa numa nova lógica financeira que modifica e adapta a Embraer para o novo cenário de competição mundial e da ordem econômica. Também neste ciclo, a importância do Estado é determinante para o sucesso da empresa, seja como financiador da produção e da comercialização, seja no desenvolvimento de produtos, encomendas governamentais e todo o arranjo tributários existente que a empresa continuou a se beneficiar.

A mudança mais sensível ocorre após 2006, quando as ações da Embraer são pulverizadas nas bolsas de Nova York e São Paulo. O controle da empresa se modifica por completo, passando a integrar o “Novo Mercado”17, onde as regras de 17 Novo Mercado foi criado em 2000 e exige das empresas

os mais altos níveis de governança corporativa – além daqueles exigidos por lei. O segmento tornou-se referência no que se refere à transparência e respeito aos acionistas de cada companhia, através de regras rígidas

controle acionários são modificadas e regidas pelo mercado financeiro, orientando a empresa para uma lógica mais internacional, descolada em parte dos interesses de soberania nacional do Brasil. Cabe ressaltar a existência das “Golden Share”18, ações de classe especial, em poder do governo, que podem impedir mudanças na empresa que afetem os interesses nacionais, mas estes dispositivos e poderes de veto nunca foram exercidas pelo Estado.

A trajetória da Embraer evidência que a relação Estado e Mercado (poder político e poder econômico), sempre presente na empresa, foram determinantes para o crescimento e sucesso da empresa e na participação do processo de desenvolvimento econômico, tecnológico e industrial do Brasil.

Depois da privatização, a Embraer consegue ser a terceira maior empresa de aeronáutica do mundo e durante os governos Lula / Dilma19, além do sucesso com aeronaves comerciais, é utilizada como instrumento para a estratégia de defesa, seja no desenvolvimento de aeronaves para uso militar, sistemas de satélites, tecnologia espacial em parcerias com outros países, desenvolvimentos tecnológicos em diversas áreas, além de ser um forte instrumento econômico na balança comercial.

A presença do Mercado, foi sempre importante para os objetivos da Embraer desde sua criação, porém, a autonomia que o Mercado ganhou sobre o Estado, foi determinante para modificar a relação de forças. O capital privado internacional controlando 18 Golden Share, ação de ouro é uma terminologia utilizada no mercado acionário consistente na criação de ações que serão retidas pelo poder público no momento em que se desfaz do controle acionário de sociedades onde detinha participação (a chamada privatização).

19 Governo Lula 2003-2010 e governo Dilma 2011-2016 (até o impeachment)

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estrategicamente a empresa impõe uma perda da capacidade de transformar a Embraer em instrumento para o projeto de desenvolvimento do país, deixando de dialogar com o interesse nacional e afetando a soberania do Brasil.

8 Conclusão

O presente trabalho teve como intenção demonstrar que o conflito Estado e Mercado inexiste como fator determinante para o interesse nacional da soberania brasileira, até por que a Embraer nasce sob este novo modelo, com a presença do mercado em seu capital e atua ao longo de sua trajetória, de forma integrada e presente com diversos atores do Mercado em diversos momentos. O que começa afetar os interesses e a soberania do país é a lógica da financeirização internacional que vai dominando o controle da empresa, sobretudo após a privatização em 1994 e tem seu auge na pulverização das ações em 2006 e regras de “Novo Mercado”, que afastam o Estado das instâncias de decisão.

A questão da soberania nacional, no caso da Embraer, não está na presença Mercado através do capital privado e o fato da empresa ter deixado de ser estatal como no seu início, trata-se de como este capital privado passa a atuar na lógica da financeirização e captura o controle, que era do Estado, no desígnios da empresa e esta vai deixando de ser um instrumento que defenda os interesses de soberania nacional do Estado.

Este estudo não permite conclusões ou generalizações pois as análises se dão sobre uma grande empresa, inserida num setor de alta tecnologia e uma complexidade de atores e interesses, que mudam com rapidez. No ano de 2018 se discute a possibilidade de

venda do controle ou processo de joint venture com a

Boeing20 (EUA). Temas estes que poderão ser melhor entendidos na continuidade de estudos futuros sobre a Embraer e a indústria aeronáutica brasileira.

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