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Produção e qualidade de sementes de espécies florestais nativas

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Produção e qualidade de sementes de espécies florestais nativas

Jarbas Y. Shimizu Consultor Florestal (IV Congresso Florestal Paranaense 10-14 de setembro de 2012, Curitiba, PR.)

A discussão sobre produção e qualidade de sementes de espécies florestais nativas pode seguir diferentes abordagens, dependendo dos aspectos considerados. No presente cenário florestal brasileiro, muitos proprietários rurais enfrentam o desafio de estabelecer e manter áreas de preservação permanente (APP) e reservas legais (RL) requeridas por lei, por motivos dentre os quais se destacam a escassez de sementes e de diretrizes técnicas, que proporcionem maior eficiência no uso dos recursos genéticos e logísticos para a implantação dessas áreas. Portanto, na presente discussão, propõe-se uma abordagem restrita aos aspectos genéticos e ao suprimento de sementes de espécies florestais, em vez da apresentação de detalhes tecnológicos da manipulação e armazenamento de sementes em laboratório ou de dados estatísticos de sua produção, comercialização e suprimento.

O reflorestamento, entendido como a recomposição da cobertura florestal original, após a sua descaracterização por motivos diversos, tem sido tema de discussões em vários círculos científicos e políticos. Independentemente do rumo que possam tomar as decisões político- administrativas sobre o código florestal brasileiro atualmente em discussão, a recuperação e a manutenção de áreas de preservação permanente (APP) e das reservas legais (RL) permanecem como questões imperativas dentro de seus propósitos originais.

As APP precisam ser implantadas ou enriquecidas e mantidas para que sejam preservadas as funções ecológicas básicas dos ecossistemas que são essenciais para o bem-estar e a sobrevivência de toda a comunidade, inclusive da espécie humana. Quando bem implementadas e protegidas, essas áreas contribuem para a manutenção da biodiversidade local, pois constituem-se em refúgios e ambientes para alimentação e reprodução da fauna e núcleos de disseminação dos remanescentes da flora, onde os processos evolutivos poderão ter continuidade, dentro de limitações impostas em forma de restrição de áreas e distúrbios antrópicos. O outro papel fundamental das APP está relacionado à preservação das funções ecológicas vitais como a regulação dos regimes hídricos e a proteção contra a erosão do solo.

A importância da cobertura florestal em torno das nascentes para garantir o fornecimento de água de boa qualidade e em quantidade suficiente para o abastecimento da população, bem como para prevenir desastres ambientais nas encostas dos morros já era reconhecida desde o período imperial no Brasil. Nos anos 1800, a atividade extrativista de madeiras usada em construções e como fonte de energia para usos domésticos, industriais e no acionamento de locomotivas, bem como a devastação da floresta para a implantação da lavoura cafeeira nos arredores da cidade do Rio de Janeiro foram vistas como sérias ameaças ao fornecimento de água para a população da cidade. Apesar da existência de um decreto assinado por D. João VI em 1817, proibindo o corte de matas em torno das nascentes, foi somente nos anos seguintes à grande seca ocorrida em 1843 que se deu início ao reflorestamento das áreas montanhosas em torno da cidade do Rio de Janeiro com espécies nativas, dando origem à Floresta da Tijuca (Pádua, 2004). Apesar de modesto, em comparação com a extensão do ecossistema a ser restaurado, o plantio de 95.000 mudas de espécies nativas, sob a responsabilidade do Major Archer, devolveu à cidade o precioso manancial de água e uma cobertura florestal exuberante, além de fonte de madeira para

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construções civis e navais. Com base no êxito do reflorestamento da Tijuca, foi proposta a implementação de políticas de reflorestamento semelhantes em diferentes regiões do país.

No entanto, não se tem conhecimento de que qualquer iniciativa nesse sentido tenha sido concretizada. As motivações para a descontinuidade desses programas podem ter sido as mais variadas, inclusive o desvio de recursos e da mão-de-obra para atividades econômicas consideradas mais prementes, em detrimento dos programas de reflorestamento, resultando na demissão do Major Archer. Aparentemente, uma vez resolvida a situação crítica de abastecimento de água para a população do Rio de Janeiro, não se investiu mais em medidas para proteger ecossistemas frágeis, mesmo que sob intensa pressão antrópica, apesar do conhecimento que se tinha sobre as consequências desastrosas do desmatamento em volta das nascentes e das encostas das montanhas.

Profundas modificações ocorreram nos cenários social e econômico brasileiros desde a época do império até o século XX, sendo acompanhadas de grande aumento na população e, consequentemente, na demanda por alimentos, energia e bens de consumo em geral, além de produtos para o comércio exterior. Assim, os impactos ambientais também foram intensificados, trazendo ameaças em grande escala aos ecossistemas naturais em todo o país. O Código Florestal Brasileiro, criado pela Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965, incluiu requisitos de restauração, recuperação e manutenção de cobertura vegetal nativa em áreas designadas como Reservas Legais (RL) e áreas de preservação permanente (APP) de várias categorias, retratando a preocupação com o meio ambiente a par com o desenvolvimento agrícola e florestal. Porém, ainda falta preencher esse requisito em muitas propriedades rurais por motivos diversos, entre os quais a falta de sementes.

A obtenção de sementes de espécies arbóreas nativas em quantidade requerida para o repovoamento de áreas degradadas tem sido um desafio, não só no Brasil mas, também, em outros países onde houve intensa alteração dos ecossistemas naturais para o desenvolvimento da agropecuária e de outras atividades econômicas. As práticas mais frequentes consistem de colheita de sementes de árvores em uma ou mais das seguintes situações: 1) remanescentes encontradas em fragmentos florestais; 2) remanescentes isoladas em áreas totalmente descaracterizadas como pastos, áreas de agricultura intensiva, sistemas agroflorestais e outras; 3) arborização de logradouros públicos; e 4) de coleções de espécies em arboretos e jardins botânicos.

A restauração da cobertura vegetal por meio do plantio de mudas é uma operação que requer um controle criterioso da origem e da qualidade das sementes utilizadas, bem como das espécies incluídas nos plantios iniciais. A expectativa com relação a esses povoamentos é que, idealmente, atinjam uma dinâmica populacional que favoreça a sustentabilidade do ecossistema, abrigando a biodiversidade típica da região, e maximizem os serviços ambientais proporcionados. Não basta que haja simplesmente uma cobertura arbórea sobre a área, por mais exuberante que seja. É essencial que as árvores produzam sementes viáveis com ampla variabilidade genética para que seus descendentes sejam vigorosos e aptos a ocupar seus nichos ecológicos e, por sua vez, deixem, também, descendentes vigorosos para as gerações subsequentes.

Diferentes estratégias para restauração da cobertura florestal e de ecossistemas naturais têm sido propostas, considerando as circunstâncias locais. Aparentemente, por não ter restado fragmento florestal suficiente nas proximidades para coleta de sementes, pesquisadores australianos têm sugerido o plantio com sementes de “boa qualidade”

coletadas, preferencialmente, de grandes distâncias, para dar início ao processo de seleção dos mais aptos e à recolonização da área, a despeito dos possíveis efeitos negativos da exogamia (Broadhurst et al., 2008). No entanto, essa qualidade pode ser questionada, visto

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que as características manifestadas podem ser diferentes das expectativas, sob pressão seletiva em novo ambiente. Além disso, variantes ecotípicas estabelecidas em novo ambiente podem requerer várias gerações para se tornarem adaptadas às limitações ambientais locais. Considerando, ainda, a grande riqueza de espécies que existia nos ecossistemas degradados, políticas e propostas técnicas têm sido apresentadas (Resolução No 47 de 2003 da Secretaria do Meio Ambiente do estado de São Paulo; Carpanezzi &

Carpanezzi, 2006), requerendo o plantio de grande número de espécies. Em princípio, essa abordagem seria a ideal, desde que cada espécie incluída nos plantios esteja bem representada em termos de variabilidade ecotípica e o número de matrizes amostradas seja suficiente para minimizar os efeitos negativos da endogamia. Se esses critérios forem atendidos para todas as espécies, o reflorestamento para a recuperação e conservação da cobertura florestal não seria aplicável em áreas pequenas. Além disso, essas propostas partem do princípio de que todas as áreas a serem recuperadas devem ser plantadas.

No estabelecimento de áreas de conservação (APP, RL e outras), conforme exposto por Shimizu (2007), o uso de sementes coletadas de locais distantes ou de ambientes ecologicamente distintos dos locais de plantio pode tornar esses povoamentos inviáveis ao longo das gerações, devido ao efeito negativo da endogamia decorrente do número insuficiente de matrizes que efetivamente participam dos cruzamentos, ou dos efeitos negativos da exogamia decorrente das diferenças genéticas entre indivíduos de origens distintas, resultantes de pressões seletivas atuantes ao longo de gerações em cada ambiente.

Árvores oriundas de uma mesma região ecológica apresentam padrão fenológico semelhante e têm maior facilidade de se cruzarem entre si do que com árvores de regiões ecológicas distintas. Se houver cruzamento entre árvores trazidas de regiões ecologicamente ou fisicamente distantes (exogamia) e ocorrer a produção de sementes viáveis, uma das possíveis consequências é a perda de viabilidade do povoamento em gerações subsequentes devido a fatores como a falta de adaptabilidade dos genótipos evoluídos em locais distantes, falhas no pareamento entre alelos adaptados a condições ambientais distintas e outros.

Algumas espécies são mais sensíveis que outras quanto aos efeitos da exogamia. Porém, quando indivíduos de locais com características ecológicas distintas são plantadas em um mesmo local, a consequência mais provável é que não haja cruzamento entre elas, devido a diferenças fenológicas. Neste caso, os cruzamentos tenderão a ocorrer somente entre as árvores oriundas dos mesmos locais, formando grupos de indivíduos com alto grau de endogamia, com todas as desvantagens que esse fenômeno pode acarretar (Fig. 1).

Portanto, em contraste aos métodos mencionados, propõe-se uma estratégia que enfatize a utilização de poucas espécies e de ecótipos já adaptados ao local. Isto representa um avanço no processo de restauração dos ecossistemas, com vantagens na escala tempo de algumas gerações das espécies plantadas.

Tendo em vista a ampla variação entre espécies quanto à sensibilidade aos efeitos da endogamia e/ou da exogamia, propõe-se adotar (a menos que se conheça a espécie quanto à tolerância aos efeitos da endogamia e da exogamia): a) de 20 a 30 km como a distância máxima para a coleta de sementes destinadas ao plantio em áreas de conservação, a fim de minimizar eventuais efeitos da exogamia (medidas específicas serão requeridas em casos de espécies raras); b) de cada população amostrada, coletar sementes de um mínimo de 45 árvores, distanciadas de pelo menos 100 a 200 m entre si para minimizar os efeitos da endogamia; e c) coletar sementes de, no máximo, 4 a 5 espécies entre as pioneiras e secundárias iniciais, de preferência as de maior atratividade para a fauna silvestre. Este último item pode suscitar dúvidas, tendo em vista a grande riqueza de espécies que

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caracteriza os ecossistemas a serem restaurados. Esta estratégia apresenta vantagens substanciais em termos de custo e eficácia, em relação aos modelo que preveem o plantio de um grande número de espécies por toda a área, uma vez que conta com a participação dos mecanismos naturais de dispersão das espécies. A atuação da fauna silvestre na dispersão de pólens e sementes representa o aspecto fundamental para o êxito do processo, tendo em vista que ela busca os frutos para sua alimentação em todos os níveis das copas, sem restrições de calendários ou horas de trabalho, durante o dia (aves, roedores, primatas e outros) ou à noite (morcegos) e dispersa as sementes pela área durante todo o período em que houver frutos. Além disso, à medida que os novos plantios passem a proporcionar ambientes seguros para abrigo e reprodução da fauna, esses dispersores trarão, também, sementes de várias outras espécies existentes nos fragmentos florestais próximos. Assim, os primeiros plantios atuarão como núcleos de dispersão, a partir dos quais tem início o processo de recuperação dos ecossistemas com ouso dos genótipos mais adaptado, de um grande número de espécies típicas da região.

Figura 1. Distâncias mínima (a), para evitar a depressão por endogamia, e máxima (b), para evitar a depressão por exogamia, a serem mantidas entre as matrizes na coleta de sementes destinadas à restauração de ecossistemas naturais (APP, RL ou outras) (Shimizu, 2007).

Um dos obstáculos à implementação da estratégia proposta é a disponibilidade de árvores matrizes em quantidade suficiente, dentro do raio de amostragem, mantendo a distância mínima entre elas para coleta de sementes. Os ajustes possíveis incluem a incorporação de um número menor de árvores matrizes do que o previsto, dentre as encontradas no raio de amostragem, ao custo do aumento na endogamia, ou o aumento no raio de amostragem para se obter o número de matrizes requerido, sob o risco do efeito negativo da exogamia.

Para algumas espécies, esses ajustes não terão qualquer consequência negativa por serem tolerantes à endogamia e/ou aos efeitos da exogamia, enquanto que para outras pode haver perdas significativas em sua capacidade de formar populações sustentáveis. Neste último caso, quanto maior for a proporção de matrizes amostradas localmente, melhor será a qualidade genética das sementes e mais rápida será a recuperação dos ecossistemas degradados.

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A formação de um grande pomar de sementes pode resolver a questão da disponibilidade de sementes em quantidade requerida para atender os vários programas de recuperação de ecossistemas degradados. Porém, o número de matrizes existentes no pomar, que efetivamente participam dos cruzamentos para a formação das sementes, costuma ser limitado, podendo gerar níveis substanciais de endogamia. Além disso, se houver êxito na produção de sementes em grande quantidade, a mesma base genética tenderá a ser implantada em todos os locais onde houver demanda por essas sementes, ocasionando ruptura na estrutura das variações ecotípicas e genéticas evoluídas sob distintas pressões ecológicas. Portanto, nesta linha de ação, o ideal seria a instalação de vários pomares de semente, cada um representando uma variante ecotípica para suprir as demandas de suas respectivas regiões.

Referências

BROADHURST, L. M., LOWE, A., COATES, D. J., CUNNINGHAM, S. A., McDONALD, M., VESK, P.

A.; YATES, C. (2008), Seed supply for broadscale restoration: maximizing evolutionary potential. Evolutionary Applications, v.1, p.587–597.

CARPANEZZI, A. A. & CARPANEZZI, O. T. B. Espécies nativas recomendadas para

recuperação ambiental no Estado do Paraná, em solos não degradados. Colombo:

Embrapa Florestas, 2006. 57 p. (Embrapa Florestas. Documentos, 136).

PÁDUA, J. A. Um sopro de destruição: pensamento político e crítica ambiental no Brasil escravista (1786-1888). 2. ed., Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. 318 p.

SHIMIZU. J. Y. Estratégia complementar para conservação de espécies florestais nativas:

resgate e conservação de ecótipos ameaçados. Pesq. Flor. Bras., Colombo, n.54, p.07- 35, jan./jun. 2007.

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