A construção da diferença: Globalização, regionalização e localismo
Cleonice Moreira da Silva
1cleonicemorreira@yahoo.com.br
Josianne da Silva Lima
2josiannelimageo@gmail.com
1. Introdução
Diversos estudos desenvolvidos a partir da década de 1990 no âmbito das ciências sociais pontuam as influências do fenômeno da globalização na construção e organização do espaço mundial. Esta proposta fundamenta-se criticamente nesta premissa, compreendendo que a globalização, em primeiro lugar, corresponde ao projeto político ideológico arquitetado por agentes hegemônicos, centrados nos países centrais, com a finalidade de potencializar a expansão capitalista no espaço. Dentre os produtos deste processo observa-se a concretização do contexto competitivo no qual fundamenta-se a falácia da superação das diferenças regionais, locais e identitárias, das fronteiras do Estado e, por fim, da geografia. Segundo esta tendência, tratando das características da globalização, Barbosa (2011, p.12-13) argumenta que os fluxos da globalização ao se expandirem “atingem todos os países, afetando empresas, indivíduos e movimentos sociais – pela aceleração das transações econômicas”. Para o autor, neste processo destaca-se a “crescente difusão de valores políticos e morais em escala universal.
Entretanto, um conjunto de pesquisas buscando desvendar a arquitetura da globalização, seus aspectos discerníveis concernentes à análise espacial evidenciam que o contínuo processo de construção e reconstrução da diferença em escala local regional e nacional, constituindo-se por elementos transescalares que se manifestam a partir de processos de nacionalismo, novos regionalismos, regionalização e emergência de
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Professora do Departamento de Ciências Humanas da Universidade do Estado da Bahia – UNEB, doutoranda em Geografia pela Universidade Federal da Bahia – UFBA. É membro do grupo de pesquisa Estado território e Desenvolvimento – LESTE/UFBA.
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Professora do Departamento de Educação - Campus IX da Universidade do Estado da Bahia – UNEB,
mestre em Geografia pela Universidade Federal da Bahia – UFBA. É membro do grupo de pesquisa
Estado território e Desenvolvimento – LESTE/UFBA.
localismos. Esse contexto e compreensão norteiam o artigo centrando-o no papel dos agentes do Localismo emergente no município de Luís Eduardo Magalhães/BA e do processo de Regionalização de Feira de Santana/BA diante do contexto competitivo global.
Nesse ínterim, entendem-se os conceitos de localismo e regionalização, respectivamente, como um processo histórico e geográfico que designa um conjunto de movimentos e ações emergentes em municípios (a micro-escala do poder político no federalismo brasileiro), impulsionados pelas inovações institucionais ocorridas na década de 1980, pelo fortalecimento local diante das dinâmicas regionais - globais
,materializadas através de uma regionalização flexível, que se alarga ou não conforme os interesses e as necessidades dos municípios que a integram, ou seja, é um processo dinâmico (re)articulado conforme demandas locais, regionais, nacionais e/ou globais.
Compreende-se que os agentes cumprem papel de comando na dinâmica política e econômica, respectivamente, local e regional, de modo que o perfil dos mesmos, estabelecidos a partir de suas ações e intencionalidades, coincidem com o processo bem como a (re)configuração espacial. Assim, o conteúdo da análise contraria a tese de que a globalização impulsiona a homogeneidade global calcada na difusão de informações e modos de produzir/consumir.
Portanto, questiona-se qual o perfil dos agentes do processo de Regionalização de Feira de Santana/BA e da emergência do Localismo de Luís Eduardo Magalhães/BA, e até que ponto estes implicam na construção de dinâmicas espaciais marcadas pela particularidade. Assim sendo, objetiva-se discutir os processos e atuações dos agentes regionais e locais, tendo como pano de fundo as dinâmicas globais, tendo como objeto de análise os municípios de Luís Eduardo Magalhães/BA e Feira de Santana/BA, em função das especificidades que estes apresentam em relação aos processos que se pretende analisar.
Os resultados alcançados derivam do levantamento bibliográfico que constitui
um arcabouço teórico assentado em autores que discutem os conceitos de
Região/regionalização; globalização; local/localismo. É válido ressaltar que a discussão
proposta é uma síntese de partes de dissertações, cujas discussões estão relacionadas
tanto a regionalização quanto ao localismo, nas quais as autoras buscaram compreender
as dinâmicas locais e regionais emergentes no estado baiano a partir de influências globais. O percurso metodológico fundamentou-se em pesquisa documental, levantamento bibliográfico, pesquisa de campo, observação e entrevistas semi- estruturadas. Os dados obtidos empiricamente foram articulados com a teoria, resultando na sistematização e explicações que deram origem a novos conceitos.
As conclusões evidenciam que os agentes do Localismo de Luís Eduardo Magalhães/BA, por seu perfil empreendedor, construíram no território, a partir das virtualidades um conjunto ações ligadas ao Marketing Territorial que ao longo do tempo tem consolidado a aproximação entre o local e o contexto competitivo global. Quanto à Regionalização de Feira de Santana/BA o estudo das ações/agentes possibilitou a compreensão dos interesses políticos eu ao longo de décadas tem fundamentado os argumentos e as propostas de constituição da região metropolitana.
Na primeira seção o debate gira em torno dos conceitos de regionalização e localismo entendendo que ambos estão relacionados ao contexto de redescoberta do lugar e da região diante do contexto da globalização. No segundo momento, estão destacados os processos e atuações dos agentes regionais e locais, tendo como pano de fundo as dinâmicas globais, com vista para a caracterização do perfil dos agentes e os vínculos estabelecidos a partir de cada recorte espacial.
2. O Localismo e a regionalização em seus contextos
A apresentação da particularidade espaço-tempo é corolário da argumentação
que se segue, pois, no tocante à análise espacial, de acordo com Castro (2009, p.15), nos
vemos “diante da tarefa de compreender a produção, organização e diferenciação do
espaço”, um desafio enorme em virtude da realidade multifacetada e da
transescalaridade que constitui os fenômenos dos fenômenos. Contudo nosso ponto de
partida é: não podemos ignorar o específico do lugar e da região por mais que estejamos
tralhando com conceitos ou sistemas teóricos maturados e amplamente desenvolvidos,
dessa maneira, torna-se relevante a compreensão dos contextos contemplados na
abordagem.
Primeiro apresentamos o município de LEM/BA, um dos mais recentes da federação brasileira, localizado no oeste da Bahia (Figura 01), é cortado por importantes rodovias federais; a BR-020, que liga Brasília aos estados do Nordeste do país, e a BR-242, que interliga a Bahia, a partir de Salvador, ao estado do Tocantins. O contingente populacional era de 60.105 habitantes em 2010 de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE e a estimativa apresentada para 2017 foi de 83,557 mil habitantes.
FIGURA 01 – Localização do município de Luís Eduardo Magalhães/BA
Fonte: Lima (2016). Elaboração: Reis (2015).
Tanto a emancipação municipal ocorrida em 2000, quanto o rápido crescimento
populacional de LEN estão relacionados ao dinamismo econômico construído em torno
do agronegócio. Este processo é produto da inserção da região Oeste da Bahia, área de
predominância do cerrado, na década de 1970, no processo de modernização e expansão
agrícola, direcionado pelo Programa Nipo-brasileiro de Cooperação para o
Desenvolvimento do Cerrado – PRODECER, uma parceria entre os governos do Brasil
e do Japão (SANTOS, 2007). O processo de emancipação se deu a partir da divisão do
território do município de Barreiras e baseou-se em motivações econômicas, pois, o
distrito de Mimoso do Oeste apresentava viabilidade econômica em virtude da produção de grãos (FONSECA; SILVA; VIEIRA, 2010).
Segundo Lima (2016) um conjunto de ações realizadas pelos agentes dominantes (emancipação municipal, realização da Festa da Colheita, da Agrishow, criação da Bahia Farm Show, etc.) devem ser compreendidas como uma expressão da capacidade articulação que os representantes do segmento político e econômico possuem e que os levaram à construção de um localismo marcado pelos vínculos local- nacional-global. Esse ponto de vista contribui significativamente para o entendimento da especificidade da dinâmica localista de LEM e das variáveis que permeia esta realidade; a saber: os crescentes índices de crescimento econômico, a natureza das atividades ligadas ao agronegócio, a contínua atração de migrantes, a expansão urbana e o fortalecimento e flexibilização institucional
Os constituintes da dinâmica localista emergente no território municipal e em razão da maneira como tem sido construída permite a conceituar um tipo especifico de localismo, ou seja, o localismo verticalizado em virtude das ações de acessibilidade e uso do território baseado na dimensão econômica, pelas interações espaciais pautarem- se no vínculo local-global em detrimento das relações local-local e pelo marketing territorial que evidencia a competitividade frente aos processos oriundos da globalização em seu período flexível.
É salutar ressaltar que o conceito de Localismo tem sido trabalhado em
diferentes contextos e províncias do saber, sendo relevantes os estudos de Brugué e
Gomá (1998); Fonseca (2013); Castells e Borja (2008); Santos, B. (2011) e Harvey
(2013). Contudo, neste trabalho são ressaltados o caráter político-institucional e
econômico a partir do território municipal, a micro-escala do poder no arranjo
federativo brasileiro, mas com elevado grau de autonomia relativa. Trata-se, um
contexto que nos permite apreender o fenômeno no âmbito funcionamento da
globalização nas últimas quatro décadas quando revela-se a tendência à competitividade
entre os lugares, no projeto expansionistas das empresas transnacionais que tornaram-se
livres de limites territoriais e, na escala nacional, posto que o fortalecimento da escola
local é histórico e, portanto, instituiu forte poder aos agentes locais. Isso ressalta-se,
enquanto práticas político-territorial desde o período colonial e gana força a partir das
inovações institucionais advindas da Constituição Federal de 1988. “Ao mesmo tempo, isso tem a ver com a reorientação do papel da escala local diante da globalização, possibilitando a adoção de medidas competitivas coerentes com o projeto expansionista do capital. ” (Lima, 2016, p.55).
Tomando por base condicionantes globais idênticas, neste segundo momento, consideramos a pertinência do conceito de regionalização flexível, que se alarga ou não conforme os interesses e as necessidades dos municípios que a integram, ou seja, um processo dinâmico (re)articulado conforme demandas locais, regionais, nacionais e/ou globais. O recorte espacial escolhido para este fim é a região metropolitana de Feira de Santana cuja dinâmica territorial, relacionada à integração e consolidação do espaço urbano regional baiano, foi analisada por Silva; Fonseca (2008). Os autores compreenderam que Feira de Santana “apresenta uma vasta região de influência regional, que segue pelo centro da Bahia até alcançar municípios às margens do Rio São Francisco, no Oeste Baiano” (p. 18). Essa ampla influência sobre os municípios baianos ratifica tanto a importância de Feira de Santana no contexto baiano, quanto demonstra o papel dirigente desse município.
Com base nos estudos realizados pelo REGIC (2007) e interpretando os dados relacionados às características físicas, urbanas, rurais, econômicas, sociais e políticas, sob a justificativa de que tais informações contribuem para distinguir as especificidades que caracterizam a dinâmica urbana brasileira e, consequentemente, maior compreensão da organização espacial do território, entendemos que o município de Feira de Santana é caracterizado como uma capital regional B. Essa hierarquia urbana obedece a critérios relacionados ao contingente populacional, ao número de relações estabelecidos a partir desse município e dos tipos e quantidade de serviços concentrados.
Na figura 02 observamos os municípios que compõem a região metropolitana, sendo eles: Riachão do Jacuípe, Candeal, Tanquinho, Santanopólis, Irará, Santa Barbara, Serra Preta Anguera, Coração de Maria, Ipecaetá, Antônio Cardoso, São Gonçalo dos Campos, Conceição do Jacuípe, Amélia Rodrigues e Feira de Santana bem como a centralidade de Feira de Santana.
Figura 02 – Região metropolitana de Feira de Santana - 2014
Fonte: Silva (2015)
Na figura também podemos observar a localização central de Feira de Santana na Região metropolitana, dado convergente com o papel de centralidade exercido pela cidade na região metropolitana. De acordo com Silva (2015, p.63)
Devido à concentração de serviços e instituições governamentais, aliada à localização, o município de Feira de Santana possui um fluxo de pessoas, informação e mercadorias consideráveis, dentro da dinâmica estadual, o que contribui para que relações socioeconômicas sejam estabelecidas dentre os demais municípios baianos, impulsionando cristalizações de ordem sócioespacial.
Sabendo que a metropolização sócioespacial precede, dentre outros aspectos, a
concentração de serviços e o bom desempenho das instituições governamentais, os
municípios citados não teriam condições geográficas de serem caracterizados enquanto
metropolitanos, tendo em vista seu caráter rural. Daí a importância de pensar o agente e
sua capacidade de articulação a ponto pleitear e ser atendido a institucionalização de
uma região metropolitana, mesmo quando as condições espaciais sejam parcialmente
contrárias.
A justificativa utilizada para que a proposta da Região Metropolitana de Feira de Santana - RMFS fosse aprovada em 1994 foi a de que a região metropolitana promoveria maior integração intermunicipal, consequentemente “as ações desenvolvidas seriam beneficiadoras da região e que os municípios envolvidos participem ativamente na resolução dos problemas existentes, analisando, discutindo e contribuindo para que os resultados a serem alcançados sejam profícuos.” (Proposta de Lei Complementar, 1994, p. 15). Ou seja, de acordo com a proposta, a RMFS seria uma estratégia com vistas ao desenvolvimento regional, a partir do crescimento socioeconômico dos municípios metropolitanos.
As exposições apresentadas chamam a atenção para a relevância da tarefa de reconhecimento e caracterização dos agentes regionais e locais no processo de institucionalização da Região Metropolitana de Feira de Santana/BA e de emergência do localismo em Luís Eduardo Magalhães/Ba, tendo como pano de fundo as dinâmicas globais.
3. O papel dos agentes: ações políticas e crescimento econômico.
Compreendemos que os agentes cumprem papel de comando na dinâmica política e econômica, respectivamente, local e regional, favorece a compreensão sobre o conteúdo do processo de (re)configuração e construção da diferenciação espacial, em tempos de globalização. Salientamos que o perfil dos agentes implica na construção de dinâmicas espaciais marcadas pela particularidade, na qual, ressalta-se o caráter marcadamente político e econômico.
Em relação aos agentes do localismo do município de Luís Eduardo Magalhães/BA, Lima (2016) compreende que, neste processo, além dos agentes globais e nacionais, regionais/estaduais, o papel dos agentes locais tem significativo destaque em virtude de três características que influenciaram as transformações espaciais ocorridas no local: a) a predominância de indivíduos descendentes dos europeus e japoneses que migraram para o Brasil no final do século XIX e início do século XX, aspecto que os tornam conhecedores de modelos de produção da agricultura moderna.
b) a predisposição para o associativismo responsável por conduzir estes grupos do sul e
sudeste para outras regiões do país por intermédio do PRODECER, um programa que, conforme demonstramos no capítulo anterior, contava com a participação direta do sistema COOPERCOTIA e c) o perfil empreendedor, afeiçoado à ampliação de áreas de produção, investimentos em tecnologias, aumento da produtividade, contratação de linhas de crédito e gestão pública pautada em modelos empresariais.
Além disso, compreendemos que o perfil dos agentes locais interfere significativamente no conteúdo do localismo de LEM/BA. De acordo com Lima (2016, p. 104), “ao apreendermos as características dos agentes locais, no que tange à participação na economia e na política, podemos caracterizá-los como promotores do desenvolvimento econômico (ao lado da lógica capitalista e do Estado) e articuladores da política em torno da criação do distrito, da emancipação municipal e da realização de eventos” que expressão o projeto de articulação local-nacional-global, contudo não de forma orquestrada, mas a partir das virtualidades do território municipal sejam elas naturais ou construídas politicamente.
A importância desempenhada por Feira de Santana no contexto baiano fez com que discussões a respeito da criação de uma região metropolitana fossem pensadas, sobretudo, por representantes políticos da região. Assim, a primeira iniciativa em formular o que seria a região metropolitana de Feira de Santana teve início nos anos 90, suscitada pelo deputado Colbert Martins Filho, que na época estava vinculado ao Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). A justificativa utilizada foi a de que a região metropolitana promoveria maior integração intermunicipal, ou seja, a RMFS seria uma estratégia com vistas ao desenvolvimento regional, a partir do crescimento socioeconômico dos municípios metropolitanos. A proposta foi arquivada e (re) aberta por diversas vezes.
O Deputado Colbert Martins Filho (2009) quando retomou a discussão a respeito da implementação da RMFS afirmou: “existem muitos recursos nos orçamentos do Estado e da União que podem ser obtidos somente através das Regiões Metropolitanas, como também financiamentos internacionais"
3. A RMFS seria, do ponto de vista
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