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Capítulo 2 . . . . 12

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Academic year: 2022

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Índice

Prólogo . . . . 3

Capítulo 1 . . . . 5

Capítulo 2 . . . . 12

Capítulo 3 . . . . 17

Capítulo 4 . . . . 20

Capítulo 5 . . . . 25

Capítulo 6 . . . . 28

Capítulo 7 . . . . 31

Capítulo 8 . . . . 35

Capítulo 9 . . . . 38

Capítulo 10 . . . . 48

Capítulo 11 . . . . 55

Capítulo 12 . . . . 58

Capítulo 13 . . . . 61

Capítulo 14 . . . . 68

Capítulo 15 . . . . 72

Capítulo 16 . . . . 79

Capítulo 17 . . . . 82

Capítulo 18 . . . . 86

Capítulo 19 . . . . 89

Capítulo 20 . . . . 92

Capítulo 21 . . . . 98

Capítulo 22 . . . . 101

Capítulo 23 . . . . 105

(2)

Capítulo 24 . . . . 110

Capítulo 25 . . . . 113

Capítulo 26 . . . . 117

Capítulo 27 . . . . 120

Capítulo 28 . . . . 123

Capítulo 29 . . . . 129

Capítulo 30 . . . . 133

Capítulo 31 . . . . 135

Capítulo 32 . . . . 139

Capítulo 33 . . . . 142

Capítulo 34 . . . . 147

Capítulo 35 . . . . 155

Capítulo 36 . . . . 156

Capítulo 37 . . . . 162

Capítulo 38 . . . . 165

Capítulo 39 . . . . 167

Capítulo 40 . . . . 172

Capítulo 41 . . . . 176

Capítulo 42 . . . . 178

Epílogo . . . . 184

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Prólogo

A sombra da guerra espalha-se por toda a Europa, depois da invasão da Polônia, da Dinamarca e da Noruega, o exército nazista caminha para o sudoeste, mais precisamente para Bélgica, França, Luxemburgo e Holanda. Logo atrás vem a temível divisão SS, a tropa de choque nazista, grande responsável por chacinas e violência contra minorias, incluindo os judeus.

A tática de guerra do exército germânico visa evitar os erros da primeira guerra mundial; a blitzkrieg

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é o padrão de ataque com vistas a eliminar qualquer defesa de forma rápida e eficiente. Não há espaço para a guerra de trincheira. Não se pode perder tempo. Não há espaço para camaradagem no campo de batalha, como por vezes aconteceu durante a grande guerra anterior. “Viva e deixe viver” deixou de ser um lema entre soldados que viviam a mesma realidade, mesmo que em lados opostos. O objetivo é pura e simplesmente avançar, dominar e destruir.

Com essa tática, os países fronteiriços da Alemanha são rapidamente dominados, e é uma surpresa que a Operação Dínamo tenha conseguido o êxito de salvar mais 300.000 soldados nas praias de Dunquerque. O que parecia uma derrota, na verdade foi uma grande vitória dos aliados, já que esses soldados fariam parte da resistência contra a invasão nazista.

Chocado com a tática, o mundo não sabia o que poderia parar

1 Em alemão, guerra relâmpado, tática militar alemã para evitar a guerra de trincheira,

marco da primeira guerra mundial. Oficialmente esse termo nunca foi usado pelo

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aquele exército. Um após outro, países caíam diante da superioridade da força alemã. A Europa ocidental sentia o iminente ataque e seriam certamente subjugados. E a improvável aliança entre Alemanha e União das Repúblicas Socialistas Soviéticas liberava mais tropas para a invasão das nações ocidentais.

O que poderia parar esse exército? E quais medidas viriam depois?

A segregação racial já começara na Alemanha, guetos para as minorias eram criados, e esse modelo seria levado para os territórios ocupados. O que aconteceria às minorias residentes nesses países?

Era o dia 10 de maio de 1940. A guerra na frente ocidental

começava. E o mundo assistia atônito ao desenrolar da guerra.

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Capítulo 1

“Mas meu filho, por que queres partir para a França?”, perguntou Maria Hermelinda.

“Essa pergunta já respondi dezenas de vezes.”, pensou João Francisco. Sabia que as discussões, lágrimas e lamentos da mãe seriam inevitáveis, respondesse ou não àquela pergunta.

“Mãe, já te expliquei. Aqui a vida está muito difícil, e tenho receio de entrar na guerra civil espanhola.”

“Mas a Espanha, a Espanha…”, tentava Maria Hermelinda encontrar palavras. “Filho, não sabes que a Espanha é outro país? Está longe de nós? Não há perigo de Portugal entrar na guerra. Vamos seguir com nossa vidinha.”

João Francisco observou a mãe e sabia como seria longa aquela conversa.

“Está bem, mãe, vou pensar mais um pouquito.”

João Francisco Moraes Macieira Crestuma das Cobras era o mais

novo dos cinco filhos do casal Maria Hermelinda e João Pedro Macieira

Crestuma das Cobras. Magro, olhos castanhos, muito vivos e igualmente

sonhadores, com rosto comprido, moreno, penteando os cabelos para trás,

com tentativa de um bigode fino, João Francisco auxiliava o pai com o

rebanho de ovelhas, mas seu olhar, por muitas vezes perdia-se nas colinas

que delimitavam o rio Douro. “O mundo deve ser diferente disso. Com

certeza há outras vistas além desta”, pensava. Mas esse pensamento não

era de menosprezo à sua cidade, era mais o desejo de conhecer o mundo

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que o levava a pensar em partir.

Era essa a sua rotina, quando jovem, aprendera a cuidar do rebanho do pai e descobriu o valor que ele tinha para a família, a carne, a lã, o leite.

Esse rebanho, dentre tantos, pastava por entre as colinas e João Francisco revezava com seu irmão João Frederico no cuidado das ovelhas da família.

E era nesses momentos que João Francisco imaginava como seria o mundo além das colinas. Isso, evidentemente, quando o rebanho deixava, quando não havia a necessidade de separar um rebanho de outro ou quando alguém queria conversar.

Era muito parecido com seu pai, João Pedro, também magro, rosto igualmente fino, olhos castanhos, grisalho com calvície avançada, barba sempre por fazer, o pai de João Francisco era também carpinteiro,

“profissão de nosso senhor Jesus Cristo”, sempre repetia para dar mais nobreza às suas atividades. João Pedro quis perpetuar em sua família dois fatores que para ele eram importante, e o nome João, que herdara de seu pai, que também tinha esse nome e carregar no nome da família a vila onde nascera. Assim, seus filhos também se chamavam João, com também Crestuma fazendo parte do nome da família. O problema era explicar a origem do nome das Cobras. Para essa questão João Pedro não fazia a mínima ideia. Estava lá e, apesar do nome reportar-se a um animal traiçoeiro, João Pedro fazia questão de mostrar-se leal em seu trabalho e em todos os outros aspectos de sua vida, valor que passou para sua família.

“Cobra não é traiçoeira, mas sim atenta.”, dizia. João Pedro era

normalmente sério, concentrado, traços que João Frederico herdou dele,

muito embora fisicamente parecesse mais com a mãe, com rosto

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arredondado, cabelo volumoso, aloirado, olhos verdes.

Para João Pedro o trabalho é muito importante e passou esse valor para os filhos, principalmente aos dois jovens João Francisco e João Frederico. Ensinou-os não só o valor do trabalho, mas sua profissão também. Já às moças, Maria de Fátima, Maria Isabel e Maria das Graças, cabia à esposa educá-las nos afazeres domésticos, mas ao mesmo tempo ensinou-as no trato com as ovelhas.

O lugarejo onde vivem é uma pequena vila com vista privilegiada do rio Douro, importante rio ao norte de Portugal e que serve de escoadouro da produção agrícola das vilas do interior. Não é muito longe da principal cidade do norte de Portugal, Porto, e muitos moradores servem-se desse rio para ir a essa cidade, ou à sua vizinha Vila Nova de Gaia, e voltar delas. A vista do rio na íngreme encosta é um privilégio para os moradores.

A mãe Maria Hermelinda Moraes Crestuma das Cobras não era alta, ainda preservava os cabelos compridos e volumosos, já bastante mesclados entre o antigo loiro acinzentado e o branco, com olhos azuis intensos, que sempre chamava a atenção. Sempre muito comunicativa, gostava de participar das atividades da igreja, onde sempre liderava as equipes para os eventos festivos.

Em casa, o xodó da mãe era a criação de galinhas, e conhecia cada

uma pelo nome que dava. Para o marido sobrava fazer os reparos e colocar

em prática as criatividades da esposa. E não podia fugir do projeto dela,

jamais. O único lugar onde o marido podia exercer plenos poderes era no

porão, onde ficava a adega do vinho feito com as uvas plantadas no terreno

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da casa. Mas havia outros vinhos também, pois “o Porto nunca pode faltar à mesa”, dizia João Pedro. Era no porão também onde organizava as suas ferramentas. Fora esse espaço, a esposa tinha a gerência de todos os ambientes e tudo tinha que sair conforme sua vontade. Se não fosse assim…

As três irmãs herdaram o mesmo gênio da mãe, muito embora uma delas, a Maria Isabel, a mais velha dos irmãos, tivesse os traços fisionômicos do pai e do irmão João Francisco, ou seja, cabelos castanhos ondulados, olhos castanhos, rosto fino e comprido, e com sorriso capaz de mostrar a brancura de seus dentes. Suas irmãs Maria das Graças e Maria de Fátima, ao contrário eram muito parecidas entre si. Maria de Fátima tinha os cabelos loiros acinzentados ondulados, rosto redondo, com as maçãs do rosto sempre róseas, risonha e olhos azuis. Enquanto Maria das Graças, pouco mais velha do que ela, tinha como principal diferença os olhos castanhos claros. Muitos até pensavam que eram irmãs gêmeas.

João Francisco, prometia, pois, à mãe pensar em mudar de ideia, fato que jamais passava em sua cabeça. Estava decidido a partir e esperava o casamento da irmã mais velha, Maria Isabel.

Seus irmãos e seu pai também sabiam da decisão dele e, ao contrário da mãe, sabiam que não haveria como o caçula mudar de opinião.

“Somente uma boa moça poderia fazê-lo mudar de ideia.”, comentou entre gracejos João Frederico, certa vez, e, apesar dos risos do irmão, perceberam que possivelmente nem isso.

“Pelo menos há de esperar o meu casamento”, comentou Maria

Isabel, temerosa de que ele partisse sem que a visse entrar de branco na

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pequena igreja com vistas para o Douro.

“Fica sossegada, Isabel, estarei lá.”

Isabel queria que os quatro irmãos estivessem no altar testemunhando o seu casamento. Assim, insistia com João Francisco em seus pedidos. E mais ainda, procurava seguir o gracejo de João Frederico e apresentar alguma jovem da vila para demover João Francisco da ideia de partir. Sempre sem sucesso.

“Olha que Catarina é uma boa moça, Francisco! E parece que gosta de ti.”, dizia.

João Francisco até já decorara essa frase. Bastava mudar o nome da suposta nova pretendente, Era Maria Isabel conversar com uma moça da vila e logo surgia uma nova pretendente. E João Francisco viu que essa tática era repetida pelas outras duas irmãs, Maria de Fátima e Maria das Graças, que queriam apresentar alguma amiga. Mas nada tirava dele a decisão de partir.

De fato, João Francisco já tinha em mente seus planos, mas preferia guardar para si o destino que escolhera.

Maria Hermelinda conversava com João Pedro, tentava que ele usasse de sua autoridade paterna para obrigar o filho a desistir de sua ideia.

“Oh, minha querida, como posso fazer isso? Ele já está a fazer-se homem, o que podíamos fazer fizemos. Temos o dever de dar-lhe a nossa benção e colocá-lo em nossas orações.”

Essas palavras, por um tempo, deixavam Maria Hermelinda mais

conformada. Mas sempre que podia tentava, seja com o marido para usar

sua influência, seja ela própria, tirar esse desejo de João Francisco.

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Chegou a data do casamento, cerimônia simples, mas, ao mesmo tempo, cheia de emoção. O sol brilhou o dia todo, e Maria Isabel tinha seus dois olhos castanhos tão radiantes como o sol. Seu noivo também estava feliz, sorria para todos. Foi uma linda cerimônia, como pôde observar João Francisco.

Ele discretamente enxugava suas lágrimas, lágrimas de alegria por ver a irmã que realizava seu sonho, lágrimas de quem via o momento de ver seus sonhos começarem a construir-se. O almoço foi preparado na casa dos pais da noiva e Maria Hermelinda cuidou de cada detalhe, desde os pratos que seriam servidos aos parentes de ambos os noivos, talheres, pratos, a toalha, a disposição da mesa, onde sentariam. Tudo tinha que estar perfeito, “É para minha Maria Isabel”, dizia. Nem do vinho ela deixou de pensar e determinou para que João Pedro não deixasse faltar uma gota sequer.

Ao entardecer entre cantorias, conversar, gargalhadas, piadas, João Pedro chamou João Francisco para ajudá-lo na adega.

“Francisco, venha ajudar-me com o vinho para não faltar à mesa.”

João Francisco observou que as jarras ainda estavam cheias, mas dirigiu-se para a adega com o pai. Ao chegar, encontrou o pai com lágrimas nos olhos.

“Francisco, sabemos que em breve você partirá. Os pedidos de Maria Isabel eram até a data de hoje e agora não há o que podemos fazer para que fique.”

“Pai…”, tentou interromper João Francisco.

“Não, por favor, deixe-me terminar.”, acenou seu pai com a mão.

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“Nós, eu e sua mãe, damos nossa benção para que vá onde seu coração levá-lo.”, colocou uma mão nos ombros do filho e continuou: “pedimos que leve esta bíblia para onde for. Aqui está a palavra de Deus e sei que aqui encontrará conforto quando estiver em algum momento difícil.”

João Francisco abaixou os olhos para aquele pequeno livro de capa preta que o pai oferecia-lhe. Entre lágrimas, respondeu:

“Eu… eu não sei o que dizer, pai.”

“Não diga, mas saiba que esta sempre será sua casa e quando quiser voltar, aqui estaremos todos. Leve consigo Deus, pois daqui estaremos todos os dias pedindo a Ele que olhe por si.”

Os dois abraçaram-se entre lágrimas e, após alguns minutos, João Pedro falou:

“Vamos levar algumas jarras para cima, eles têm sede.”

Ambos sorriram. João Francisco guardou a bíblia no bolso da calça e ajudou o pai.

Maria Hermelinda notou a saída dos dois do porão e mais duas

lágrimas brotaram em seus olhos. Sabia que nesse momento João Pedro

tinha dado a benção de ambos para o filho.

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Capítulo 2

Ao contrário do que João Francisco imaginava, os dias que se seguiram ao casamento foram felizes em sua casa. Ninguém falava da sua partida, era como se isso não fosse acontecer. E mesmo quando começou a arrumar sua mala, sua mãe ajudou-o sempre com um sorriso nos lábios.

Na verdade, João Francisco não entendia o que acontecia em sua casa, já que em sua cabeça passava a ideia de que seus familiares insistiriam pela sua permanência. E isso ele não queria de forma alguma, pois dificultaria no momento do adeus.

Mas não foi isso o que aconteceu. A vida da família seguia no ritmo de sempre e ninguém tocava no assunto. Não era um tabu, nada disso. Simplesmente após a conversa com o pai na adega, parecia que aquele momento foi o da despedida oficial. E dessa forma seguia a vida.

Aproximadamente um mês após o casamento, chegou a data da partida, João Francisco optou por viajar de navio para a França. Esse foi o destino escolhido por ele. Em sua cabeça surgiram muitos destinos. João Francisco informara-se sobre os destinos dos imigrantes portugueses.

França, Brasil, Venezuela, EUA e Canadá surgiam como os destinos mais comuns. Dentre esses países, França, por ser na Europa e, por consequência mais próximo de Portugal, e Brasil, antiga colônia portuguesa, tornaram-se os dois possíveis lugares. Brasil chamava sua atenção. As informações sobre esse país tropical deixavam-no eufórico.

“Ah, o Brasil, florestas verdejantes, terras a desbravar, o café, povo

receptivo e alegre, oportunidades de trabalhar. Porém a França, o charme

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de suas cidades, rica cultura. Para onde ir?”

Por fim, após tanto pensar, chegou a uma conclusão que lhe parecia lógica.

“Não descarto o Brasil para o futuro. Mas também não sei se sou capaz de adaptar-me a essa mudança de país. Vou à França, tento viver. Se conseguir estabelecer-me e uma boa vida, posso ficar por lá. Mas se não conseguir ajeitar-me e não sentir tantas saudades de casa, posso ir ao Brasil. É tudo uma questão de lógica.”, pensava. E assim, decidiu-se pela França.

Toda a família, incluindo sua irmã Maria Isabel e o cunhado fizeram parte da comitiva de despedida. A partida seria de trem da cidade do Porto, rumo a Lisboa. Na capital embarcaria em um navio rumo à França.

João Francisco mais uma vez surpreendeu-se já que não houve muitos choros. É verdade que lágrimas brotaram dos olhos de todos, mas não na quantidade que ele imaginava. Era um clima de despedida, mas uma despedida breve, um “até logo” e não um “adeus”. Levava algumas frutas e dois sanduíches que sua mãe preparou com cuidado para a viagem, além de suas duas malas com objetos pessoais. Mais uma vez sentiu que a família preparou-se para aquele dia melhor que no dia do casamento, quando conversou com seu pai rapidamente na adega, essa foi a despedida.

Em sua cabeça, seus pais combinaram aquilo e lembrou-se que após aquele dia, sua mãe nunca mais pedira para ele ficar.

Notou também que ele foi quem mais chorou na despedida.

“Parecia que seria difícil despedir-se de todos e deixá-los chorando”,

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pensou, “mas no fundo fui eu quem mais senti a partida.”

Entre suas lágrimas, João Francisco tinha em mãos o roteiro que traçou. Seu navio iria a Marselha, porto no sul da França. Ali ficaria alguns dias a procura de emprego e aproveitaria para aprender francês.

João Francisco optou pela viagem naval, já que a Guerra Civil na Espanha fazia com que fosse perigoso cruzar esse país.

Aliás, João Francisco nunca escondeu o receio que tinha dessa guerra. Ao contrário do que diziam as autoridades, Portugal não se mantinha neutro em relação ao confronto que envolvia duas facções espanholas, de um lado os republicanos, aliados aos comunistas e com suporte da União Soviética e do México, inclusive com apoio logístico, e do outro os nacionalistas, apoiados pelos monarquistas e grupos religiosos, que recebiam suprimentos oriundos principalmente da Alemanha e da Itália, mas veladamente de países como Inglaterra, França e EUA.

João Francisco sabia que o governo português oficialmente

defendia a neutralidade no conflito, mas extraoficialmente permitia que

suprimentos e equipamentos em apoio aos nacionalistas transitassem por

seu território. O governo permitia também que houvesse recrutamento de

voluntários para lutarem ao lado dos nacionalistas. Em caso de

combatentes que atravessassem a fronteira, apesar do discurso de

neutralidade, havia dois tratamentos distintos. Os nacionalistas eram

acolhidos e a neutralidade era invocada para evitar a entrega deles aos

comunistas. Já quando eram comunistas que atravessavam a fronteira,

simplesmente entregavam-nos aos nacionalistas, pura e simplesmente. Na

verdade, como todos sabiam, o governo português tinha receio de que a

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vitória dos comunistas pudesse contaminar o país também e a onda vermelha atingisse o extremo oeste da Europa, como já acontecera na Rússia. O temor era grande e Portugal apoiava veladamente os nacionalistas para evitar a chegada dos comunistas ao poder.

Ele lembrava-se das histórias que seu pai e sua mãe contavam sobre a queda da monarquia portuguesa, quando o rei, Dom Carlos I, e seu filho herdeiro, Dom Luís Filipe, foram assassinados, abrindo espaço para que republicanos radicais tomassem o poder. Essa mudança gerou instabilidade política no país e inúmeras mudanças de governo aconteceram desde então. Até que Salazar, com apoio dos militares, implantou o regime conservador que traria estabilidade ao país. Aliás, lembrava-se das palavras do pai de estranhar a bandeira nacional com as cores vermelha e verde, símbolos do partido republicano, em contraste com as cores azul e branca do regime monárquico. Seus pais ainda não se acostumaram com essa mudança. Mas para ele, que levava uma pequena bandeira portuguesa na mala, o atual formato era bastante interessante, diferente de qualquer outro país. João Francisco gostava das cores vermelha e verde.

João Francisco não queria participar nem como voluntário, nem ser convocado para o conflito. Para ele, a guerra era problema da Espanha, guerra que afligia o povo espanhol e deveria ser resolvido pelo povo espanhol, sem interferência de outros povos. Uma possível intervenção portuguesa não era descartada e seu desejo de imigrar tinha mais um motivo forte.

Ao chegar em Lisboa, enquanto esperava a partida do navio rumo a

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Marselha, teve tempo de conhecer os arredores do porto, inclusive visitou a famosa Torre de Belém, importante monumento da época das grandes navegações. Ficou impressionado com a arquitetura da época quando Portugal era uma das potências mundiais. Era dos arredores dessa torre que grandes navegadores partiram para descobrir o caminho para as Índias.

Dali também partiu Pedro Álvares tomar posse do Brasil. Era dali que muitos partiram para cumprir as palavras escritas por Dom Afonso Henriques.

Aproveitou também para ler um jornal e inteirar-se dos acontecimentos políticos. Estava na capital da república. Ali a vida fervilha, ali tudo acontece. Queria aproveitar o momento, ainda que breve para ter a sensação de Lisboa.

Na manhã seguinte, partiu para Marselha, despediu-se longamente

de sua pátria observando da amurada Portugal diminuir à medida que o

navio afastava-se da costa.

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Capítulo 3

A chegada a Marselha foi cheia de expectativa. Chovia, o que causou transtornos para João Francisco. Mas apesar disso, não estava frio.

A costa mediterrânea trazia bons ares e a temperatura estava agradável.

Marselha é uma das principais cidades francesas e o maior porto desse país. Sua população é variada, com forte presença de originários da Argélia, território na África que era dominado pela França.

João Francisco sentiu-se um pouco intimidado pelo grande número de pessoas que iam e vinham. No entanto, sabia que agora não tinha volta.

Teria de adaptar-se à nova realidade. Por isso procurou uma acomodação que não fosse cara, para não gastar rapidamente suas economias. Em razão de seu planejamento, ele estudou um pouco de francês, assim, com a base que tinha, não foi difícil encontrar um lugar para ficar.

Seu objetivo agora era encontrar um emprego e praticar mais o francês. Após isso,, gostaria também de encontrar uma forma de aprender mais, não só no trabalho, mas um professor que ministrasse aulas particulares. Com o conhecimento que tinha, sabia que as opções de trabalho não seriam muitas.

Nos primeiros dias, João Francisco dedicou-se na busca de emprego. O primeiro que encontrou foi de estivador no porto. Não era o ideal, mas era o que podia fazer para se sustentar. Apesar desse emprego, João Francisco não se acomodou e já podia aprofundar seus conhecimentos de francês.

Na primeira oportunidade que teve, mandou uma carta para família

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relatando sua experiência na viagem e as primeiras impressões sobre Marselha. Em sua carta mostrou o otimismo que sentia na nova cidade.

Estava pronto também para conhecer Marselha melhor. Dava voltas pela cidade e pôde ver monumentos como a fortaleza Chateau d'If, e ficou surpreendido em saber que esse local fez parte do livro “O Conde de Monte Cristo”, de Alexandre Dumas. Aproveitou também para visitar a Basílica Notre Dame de la Garde e impressionou-se com o esplendor do local e da vista do Mediterrâneo. “Serà nesta igreja que virei”, decidiu.

Aproveitou ainda para visitar outros lugares, como a Catedral Santa Maria Maior, o arco do triunfo real na Praça Jules Guesde e Les Calanques, local que atrai muitos turistas, dada a cor esverdeada do mar.

Ali pôde admirar as francesas. “As francesas são muito mais ousadas que as portuguesas”, pensou ao lembrar-se das moças da vila onde morou.

Outro ponto de interesse de João Francisco era conhecer o recém- inaugurado Stade Vélodrome, onde a equipe do Olympique atuava. “Por sorte o Olympique tem as mesmas cores do Porto”, observou. “É verdade que o tom de azul é mais claro, mas, ainda assim, é azul”. O grande receio de João Francisco seria ter que torcer por uma equipe com as cores vermelha ou verde

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, que são as cores dos principais rivais do Porto em Portugal.

“Em breve virei a uma partida da equipe.”, pensou, ao observar aquele estádio.

Poucas semanas depois já tinha mais confiança em comunicar-se e

decidiu procurar um emprego melhor, que não exigisse tanto esforço físico.

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O problema é que Marselha é muito grande e a concorrência por empregos é igualmente grande.

“Será que terei de mudar de cidade tão cedo? Não penso em ficar muito tempo em Marselha, mas não pensava em ficar tão pouco tempo.”

No entanto, as circunstâncias levaram João Francisco a decidir-se

sobre mudar de cidade. Bordéus

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tornou-se uma possibilidade, por ser uma

forte região vinícola e João Francisco poderia arrumar emprego nessa área.

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Capítulo 4

Por sorte, João Francisco conseguiu ao menos assistir a uma partida do Olympique no Stade Vélodrome. “Uma pena que não poderei vir mais vezes aqui.”, pensou ao sair do estádio.

Essa partida de futebol foi a despedida dele da cidade. No dia seguinte partiu para Bordéus. Ao contrário de quando chegou a Marselha, era já outono há algum tempo e a mudança da temperatura já se fazia sentir.

No entanto, João Francisco fez progressos consideráveis em francês e o receio ao desembarcar na França agora não o afetavam. Tinha confiança de conseguir emprego rapidamente em Bordéus.

Ao chegar a Bordéus, encontrou um lugar para morar e sua primeira intenção era o emprego. Dirigiu-se, pois, às vinícolas da região.

Tentou algumas vezes, até que encontrou uma que lhe deu a oportunidade de trabalhar. Estava feliz, agora conheceria mais sobre os vinhos franceses e poderia compará-los com os portugueses.

“Mas jamais serão como O Porto.”, pensou, “Isto nunca, vinho do Porto é único.”

É verdade que João Francisco conhecia as diferenças de produção do vinho licoroso conhecido como vinho do Porto, de outros tipos de vinho. Acontece que o vinho do Porto é um orgulho nacional e João Francisco concordava com essa máxima.

Definitivamente instalado e já trabalhando, aproveitou para

mandar outra carta para sua família, relatando que tinha mudado de cidade.

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Enfim, pôde mais uma vez sair em busca de sua paixão pelo futebol.

“Parece que a sorte sorriu-me novamente. O Girondins de Bordeaux também tem a cor azul!” No entanto, ele percebeu que a trajetória dessa agremiação não era tão vitoriosa como a do time de Marselha.

“Realmente esse time ainda não foi campeão nacional, diferente do Olympique. De qualquer forma, este é o time da minha nova cidade e é este que seguirei a partir de agora.”

João Francisco teve uma grata surpresa ao saber que no ano seguinte haveria a terceira copa do mundo de futebol, que seria disputada na França. Mas o que mais o animou foi saber que haveria jogos em Bordéus. Curioso observou que também em Marselha haveria duas partidas: “Não perderei a oportunidade de assistir ao menos a um jogo. Por sorte que escolhi uma cidade que terá partidas de futebol.”

João Francisco dedicava-se ao trabalho e aproveitava para praticar o idioma. No entanto, não era sempre que tinha pessoas para conversar quando trabalhava. Sua atividade voltada a cuidar das vinhas e cada um fazia seu trabalho sozinho, era pouco o diálogo. João Francisco queria conversar, queria dialogar, mas percebeu que não seria ali. E isso dificultaria o seu aprendizado de francês.

Por ser uma cidade menor, não conseguiu encontrar um professor que se dispusesse a ensiná-lo francês. Assim, restava-lhe apenas andar pela cidade e ouvir os moradores locais e ler. Assim aumentaria sua prática.

Quando possível tentava comunicar-se e via que progredia rapidamente. E

para ajudar seu aprendizado, decidiu que seria na biblioteca que buscaria

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aumentar seu vocabulário. Nos livros seria onde buscaria aprender. E com o tempo encontraria onde dialogar mais.

O tempo passou, o inverno mais rigoroso que João Francisco conhecia passou e veio a florida primavera. Ao término da primavera de 1938, além do calor que se fazia sentir a Copa do Mundo também já se fazia presente nas ruas. João Francisco viu os times relacionados para a copa do mundo e percebeu que Portugal não participaria. “Que triste, não tem o selecionado português. Mas, pelo menos, há o Brasil. Quem sabe o Brasil vem jogar aqui?” Vendo a tabela, se o Brasil vencesse a Polônia, jogaria na sua cidade. Mas, se estivesse em Marselha, teria a oportunidade de ver a poderosa Itália, atual campeã do mundo, logo na primeira partida.

Frustrado com isso, pensou: “É… Poderia ser… Mas… É a vida.”

Realmente o Brasil passou pela Polônia num jogo eletrizante com placar de 6x5 e, para alegria de João Francisco, poderia vê-los jogar.

“Brasil é a pátria irmã. Terá meu apoio!”

Foi um jogo difícil ao enfrentar a Tchecoslováquia, mas o Brasil saiu-se vitorioso e enfrentaria a forte Itália na semifinal.

João estava esperançoso. A equipe brasileira era liderada por Leônidas da Silva, que tinha o apelido de Diamante Negro. “É um excelente jogador. Será campeão, certamente.”, pensava.

Para sua frustração, no entanto, a Itália venceu o Brasil e foi para a

grande final contra a Hungria. O consolo para João era que a disputa do

terceiro lugar seria em Bordéus, e mais uma vez veria a equipe brasileira

jogar. Por fim, o Brasil novamente venceu, desta vez a Suécia e o grande

jogador brasileiro Leônidas foi o grande artilheiro da competição com 7

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gols.

“Grande jogador, sem dúvida, merecia sorte melhor!”

Apesar do clima festivo da copa do mundo, João Francisco percebeu que o clima tenso crescia. Não bastava a guerra na Espanha, havia um clima de pré-conflito que pairava por sobre a Europa. E novamente a Alemanha era o centro das atenções.

Os jornais traziam informações sobre os eventos que ocorriam na Tchecoslováquia, sobretudo pela anexação do Sudeto ao território alemão.

As últimas notícias que aumentavam o cima de tensão, eram de que os Estados Unidos da América manter-se-iam neutros no conflito entre Alemanha e aquele país, contrariando, de certa forma, o interesse francês, que queria frear o expansionismo germânico.

João Francisco começou a observar a expressão das pessoas e notou que havia tensão no ar também entre as pessoas. Os discursos dos líderes alemães mostravam que em algum momento em um futuro breve, nova guerra assolaria a Europa.

“Pelo menos Bordéus é longe da fronteira alemã. Aqui estarei mais seguro.”, pensava.

João Francisco lembrava dos relatos sobre a Grande Guerra de

1914-1918, sobretudo da participação portuguesa ao lado da Tríplice

Entente nos campos franceses. Lembrava de que a guerra foi nas

trincheiras, onde a qualidade de vida era nula, das dificuldades que os

soldados tinham sobre higiene, alimentação, o terror dos bombardeios, os

ataques em massa, que expunham os soldados à artilharia inimiga. Assim,

por causa desse tipo de guerra, ele sentia que a guerra estava distante.

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“De qualquer forma,”, pensava, “a guerra será como na outra vez, ficará nos campos de trincheira. E quero ficar longe de lá.”

O ano de 1938 já caminhava para seu final e não trazia esperanças animadoras para o ano vindouro. As disputas políticas e ideológicas entre nacionalistas, socialistas e democratas colocavam em risco a paz mundial.

Para continuar a história

https://clubedeautores.com.br/

livro/passaporte-para-a-liberdade

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