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Um breve histórico da IPA

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Academic year: 2021

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Um breve histórico da IPA

Cláudio Laks Eizirik*, Porto Alegre

O autor revisa alguns aspectos históricos da fundação da IPA, e, na sequência, os desenvolvimentos mais significativos que a instituição seguiu nas décadas posteriores, enfatizando situações críticas e movimentos contemporâneos que contribuem para sua vitalidade.

Decritores: IPA, história da psicanálise, psicanálise atual.

* Membro efetivo e analista didata da Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre (SPPA).

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As circunstâncias históricas que levaram à criação da International Psychoanalytical Association (IPA) e seus desenvolvimentos posteriores são bastante conhecidas, mas talvez seja útil repassar alguns desses aspectos e verificar como influenciaram nos períodos que se seguiram.

Em 1910, Freud se inclinava para a ideia de uma organização que fosse além de uma simples sociedade local. Escreveu então a Jones (1960) sobre a possibilidade de que seus partidários pudessem reunir-se num grupo mais amplo para trabalhar por um ideal prático. Curiosamente, é digno de nota que havia sido visitado por um farmacêutico de Berna, Knapp, buscando seu apoio para uma Fraternidade internacional para a ética e a cultura, presidida por Forel. Freud sentiu-se atraído por um aspecto do programa que lhe pareceu prático e de caráter combativo e protetor ao mesmo tempo: a obrigação de lutar diretamente contra a autoridade do Estado e da Igreja quando estes cometem uma injustiça manifesta.

Mas, ao mesmo tempo, repudiava a ideia de se unir a um movimento contra o alcoolismo, que Forel defendia com veemência. A ideia foi deixada de lado em benefício de formar uma associação puramente psicanalítica.

A IPA foi fundada em março de 1910, durante o congresso de Nuremberg, em meio a tensas negociações. Freud havia pedido a Ferenczi que fizesse a proposta para a sua criação, o que ocorreu numa reunião administrativa após os trabalhos científicos. As palavras de Ferenczi foram recebidas com uma tempestade de protestos, pois, em sua exposição, havia feito observações muito negativas sobre a qualidade dos analistas vienenses e sugerido que o centro da futura administração só poderia ser em Zurique com Jung como presidente. Segundo Jones, Ferenczi, apesar de seu encanto pessoal, tinha uma forma decididamente ditatorial de expressar suas ideias, e suas propostas foram bem além do que é usual nos meios científicos. Segundo Jones (1960), em uma carta a Freud, Ferenczi havia afirmado que, para ele, o enfoque psicanalítico não conduz a um igualitarismo democrático, ou seja, tem que haver uma elite, mais ou menos dentro do espírito das leis de Platão sobre o governo dos filósofos. Assim, em sua proposta da criação da IPA, defendeu também o princípio de que todos os artigos e comunicações a serem apresentados pelos analistas deveriam ser submetidos à aprovação prévia do presidente da associação, que teria, portanto, funções de censura sem precedentes.

Face à reação violenta que as palavras de Ferenczi produziram, a discussão foi adiada para o dia seguinte, pois os vienenses, principalmente Adler e Stekel, não aceitavam a proposta da liderança dos suíços. Ao saber que os vienenses realizavam uma reunião de protesto no quarto de Stekel, Freud se dirigiu para lá e fez-lhes um apaixonado pedido de adesão, enfatizando a virulenta hostilidade

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que os rodeava e a necessidade de apoio externo para contrapor-se a ela. Depois desses momentos, foram feitos acordos que permitiram a adesão de todos à nova associação, que teve Jung como seu primeiro presidente.

Em A história do movimento psicanalítico (1914), Freud é mais econômico em seu relato desses fatos, embora extremamente objetivo. Explica que desejava deslocar o centro da psicanálise para uma cidade melhor posicionada na Europa, onde um professor universitário havia aberto as portas à nova ciência e retirar de sua pessoa o fardo único de representá-la, pois, segundo ele, a ambivalência que o cercava fazia com lhe fizessem comparações com Colombo, Darwin e Kepler, ao mesmo tempo em que o chamavam de PGP (Paralisia Geral Progressiva), e também retirar da psicanálise o caráter de uma disciplina judia. Em suas palavras:

Julguei necessário formar uma associação oficial porque temia os abusos a que a psicanálise estaria sujeita logo que se tornasse popular. Deveria haver uma sede cuja função seria declarar: Todas essas tolices nada têm a ver com a análise: isto não é psicanálise. Nas sessões dos grupos locais (que reunidos constituiriam a associação internacional) seria ensinada a prática da psicanálise e seriam preparados médicos, cujas atividades receberiam assim uma espécie de garantia. Além disto, visto que a ciência oficial lançara um anátema solene contra a psicanálise e tinha declarado um boicote contra médicos e instituições que a praticassem, achei que seria conveniente os partidários da psicanálise se reunirem para uma troca de idéias amistosa, e para apoio mútuo. Isto, e nada mais, foi o que esperava alcançar com a fundação da Associação Psicanalítica Internacional. Mas tudo leva a crer que era querer demais. Do mesmo modo que os meus adversários iriam descobrir que não era possível lutar contra a corrente do novo movimento, assim também eu acabaria percebendo que este não seguiria a direção que eu desejava vê-lo seguir (Freud, 1914, p. 57).

Ao longo do ano em que celebramos o centenário da IPA, voltei algumas vezes a este texto de Freud e aos relatos históricos desses primeiros anos, simultaneamente procurei refletir sobre alguns do momentos decisivos dessa trajetória centenária.

Penso que há algumas linhas mestras que acompanham nossa história compartilhada: o crescimento quantitativo, a crescente internacionalização, o autoritarismo dos primeiros tempo, em contraste com a progressiva democratização e transparência dos anos recentes, apesar de periódicas regressões, o pluralismo teórico das últimas décadas, em contraste com a censura e as cisões de outros

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tempos, em que aspectos pessoais, éticos e de poder se mesclavam, o autoritarismo centralizador na formação analítica, em contraste com a realidade atual dos três modelos de formação; a proposta de um solo comum para a psicanálise, em contraste com a aceitação de diferentes formas de ser psicanalista, em suas várias acepções; a existência de novas Vienas, como capitais do pensamento psicanalítico e seu poder, em contraste com a noção de que se pode produzir pensamento ou prática da psicanálise e psicanalistas de qualidade com qualquer um dos modelos de formação e em qualquer um dos inúmeros centros ou regiões que habitam os doze mil membros da IPA; a presença de questões herdadas de outras épocas e ainda não resolvidas, como a do International Journal; a abertura de novas fronteiras, como a do leste europeu, novos centros na América Latina, na China, onde participei de um impressionante Primeiro Congresso Psicanalítico da Ásia;

uma maior participação de membros e candidatos em todos os níveis da associação, em contraste com tentativas de centralização e manutenção de um espírito de elite, como propunha Ferenczi; busca de encontro com outros saberes, instituições, universidade, saúde pública, educação, filosofia, as grandes questões de nosso tempo e os grandes desafios do mundo em que vivemos (dentro do espírito que animava Freud, um pensador da cultura), em contraste com visões que privilegiam o espírito da torre de marfim, do trabalho intramuros, da busca de uma suposta pureza ou exclusividade da psicanálise; a procura afanosa por ouvir, tentar entender e empatizar com o outro, seja de outra cultura, de outra teoria, de outro vértice, em contraste com a repetição de nossas mais arraigadas convicções pessoais, teóricas e institucionais, num solipsismo tão bem descrito por Faimberg (2001); a busca das verdadeiras controvérsias, em contraste com a repetição do conhecido, conforme estudado por Bernardi (2002); a noção de que a IPA é um patrimônio comum, da qual somos todos sócios e condôminos, em contraste com tentativas hegemônicas de pequenos grupos que supostamente seriam os herdeiros dos filósofos propostos na república de Platão (Eizirik, 2010).

Observando a partir de uma perspectiva histórica, um elemento comum entre aqueles primeiros momentos e as etapas sucessivas é justamente essa relação dialética entre tentativas de organização e ruptura, de cuidado com a associação e seu desmembramento, de busca de elementos comuns e negação de qualquer possibilidade de conviver com o outro, o diferente, o estrangeiro, entre tentativas de ligação e desligamento, como diria Green (1994).

Se há algo que podemos aprender ao acompanhar essa historia centenária, que na verdade é apenas um pequeno fragmento na grande história das ideias revolucionárias que vão modelando e dando sentido à mentalidade humana, penso que os fundamentos da IPA estão no trabalho árduo, diário e capaz de enfrentar as

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decepções, conflitos, limitações, e os ganhos possíveis na busca do cuidado e da aceitação de uma responsabilidade compartilhada pelo outro, sendo esse outro não só o paciente que nos procura para análise, mas o próprio objeto psicanalítico, em suas dimensões teóricas, clínicas, institucionais e de modo de pensar a cultura.

A maneira como cuidamos desse objeto elusivo, desafiador, tantas vezes frustrante, sempre exigente, que algumas vezes também nos mostra seu esplendor e capacidade de produzir beleza e reduzir o sofrimento psíquico, em cada campo analítico e em cada experiência institucional - e por ele nos responsabilizamos - talvez seja a melhor maneira de celebrar o primeiro centenário de nossa morada comum. ˆ

Abstract

A brief history of IPA

The author reviews some historical aspects of IPA’s creation as well as the most significant developments of the organization followed in the coming decades, emphasizing critical situations and contemporary movements which contribute for its vitality.

Keywords: IPA, history of psychoanalysis, current psychoanalysis.

Resumen

Un breve historial de la API

El autor revisa algunos aspectos históricos de la fundación de la API, y, a continuación, los desarrollos más significativos que la institución siguió en las décadas posteriores, subrayando situaciones críticas y movimientos contemporáneos que contribuyen para su vitalidad.

Palabras llave: API, historia del psicoanálisis, psicoanálisis actual.

Referências

Bernardi, R. (2002). The need for true controversies in psychoanalysis: The debates on Melanie Klein and Jacques Lacan in The Rio de la Plata. Int. J. Psychoanal, 83:851-73.

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Eizirik, C. L. (2010). L´ethique aux fondements de l´API. In Colóquio da SPP, Paris, nov. de 2010.

Faimberg, H. (2001). Gerações: mal-entendido e verdades psíquicas. Porto Alegre: Criação Humana.

Freud, S. (1914). A história do movimento psicanalítico. In Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. (Vol. 14). Rio de Janeiro: Imago, 1969.

Green, A. (1994). O desligamento. Rio de Janeiro: Imago.

Jones, E. (1960). Vida y obra de Sigmund Freud. Buenos Aires: Nova.

Recebido em 28/01/2013 Aceito em 27/03/2013

Revisão técnica de Paulo Berél Sukiennik

Cláudio Lacks Eizirik

Rua Marquês do Pombal, 783/307 90540-001 – Porto Alegre – RS – Brasil e-mail: ceizirik.ez@terra.com.br

© Revista de Psicanálise – SPPA

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