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Sumário. Texto Integral. Tribunal da Relação do Porto Processo nº

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Tribunal da Relação do Porto Processo nº 0841447

Relator: ANTÓNIO GAMA Sessão: 10 Setembro 2008 Número: RP200809100841447 Votação: UNANIMIDADE

Meio Processual: REC. PENAL.

Decisão: NEGADO PROVIMENTO.

JUSTO IMPEDIMENTO

Sumário

Não configura uma situação de justo impedimento o facto de, pelas 19,30 horas do último dia do período fixado para pagar a multa prevista no nº 6 do art. 145º do Código de Processo Civil, o devedor, propondo-se fazer o

pagamento por meio de Multibanco, se ter deparado no centro da cidade do Porto com 2 terminais ATM inoperacionais.

Texto Integral

Rec. n.º 1447-08 T J Penafiel.

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto:

O arguido inconformado com uma decisão condenatória interpôs recurso que deu entrada no tribunal, via fax, no terceiro dias útil seguinte ao termo do prazo.

Por despacho da Ex.ma juíza foi ordenada a liquidação da multa devida, nos termos do art.º 145º n.º 6 do CPC, e a notificação do arguido para proceder ao seu pagamento.

Foi emitida e remetida ao mandatário do arguido guia pagável até ao dia 4.6.2007.

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No dia 5.6.2007, pelas 21:55 deu entrada requerimento do arguido do seguinte teor:

«…O mandatário do arguido, aqui signatário, na companhia do seu colega de escritório, Dr. (…), advogado estagiário, pelas 19:30 horas de ontem, dia 4 de Junho de 2007, dirigiu-se à caixa ATM da Avenida de França, no Porto (…) para liquidar a guia (…).

O dito terminal ATM, da CGD, não admitiu tal pagamento, pelo que a operação foi repetida junto de um terminal ATM, que dista cerca de 200 mts do

primeiro, em plena Rotunda da Boavista, no Porto, junto aos Balcões dos CTT.

O segundo terminal voltou a não admitir tal pagamento, por erro imputável ao serviço em questão. Sendo que hoje a operação foi repetida por diversas

[vezes], mas com o mesmo insucesso. (…).

Requer se digne mandar emitir novas guias para o mesmo pagamento, sem qualquer tipo de cominação, bem como, se assim reputar por adequado, notificar a entidade reguladora de tal emissão de guias, para informar esses autos se no dia e horas aludidos, tal guia estava disponível para pagamento (…

).»

Na oportunidade disse a Ex.ma juíza [decisão recorrida]:

B………., arguido nos presentes autos, notificado na pessoa do seu Mandatário, por carta expedida em 22 de Maio de 2007, para proceder ao pagamento da multa prevista no art.º 145°, no 6 do CPC até 4 de Junho de 2007 veio a fls. 204 e 205 requerer a emissão de novas guias para pagamento da multa alegando que o seu Mandatário, no dia 4 de Junho de 2007, pelas 19.30 horas, na companhia de um colega de escritório, tentou efectuar o

pagamento da multa em duas caixas de Multibanco no Porto mas o pagamento não foi admitido por erro imputável ao serviço em questão. Mais refere que já no dia 5 de Junho tentou efectuar o pagamento mas igualmente não

conseguiu.

Requer a emissão de novas guias e a notificação da entidade reguladora da emissão das guias para informar se no dia e hora referidos a guia estava disponível para pagamento.

Embora não o refira, o arguido pretende invocar o justo impedimento

relativamente ao não pagamento atempado da multa em causa, alegando que o não fez por motivos que lhe não são imputáveis nem ao seu mandatário.

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Como dispõe o art.º 146°, n.º 2 do CPC a parte que alegar justo impedimento oferecerá logo a respectiva prova; o juiz, ouvida a parte contrária, admitirá o requerente a praticar o acto fora de prazo, se julgar verificado o impedimento e reconhecer que a parte se apresentou a requerer logo que ele cessou.

Ora, no caso concreto o requerente não ofereceu qualquer prova nem sequer arrolou eventuais testemunhas do facto. Limita-se a alegar que o terminal não admitiu o pagamento por erro imputável ao serviço em questão ”mas que erro? e que “serviço?... É que as guias em causa são emitidas e lançadas pela secção de processos e a prova de que a mesma foi emitida e se encontrava em pagamento é a existência da própria guia junta a fls.202. Se o Ilustre

Mandatário do arguido as não conseguiu pagar por eventuais dificuldades de comunicação dos terminais que utilizou é outra questão que se desconhece porque também não foi concretamente alegada e, todavia, sempre lhe cumpriria tentar o pagamento, ainda no dia 4 de Junho de 2007, noutros terminais que pudessem não padecer de tais anomalias. Todavia, não o fez, limitando-se a tentar naqueles dois terminais...

Quanto às alegadas tentativas de pagamento efectuadas já no dia 5 de Junho de 2007, obviamente que o pagamento já não seria possível pois o prazo constante da guia já havia terminado.

Sempre ainda se dirá que, mesmo a existir tal impedimento, a falta de pagamento sempre se ficaria a dever ao comportamento, pelo menos, temerário” do Ilustre Mandatário, pois, não é razoável que se protele o

pagamento de uma multa deste tipo até às 19.30 horas do último dia quando se teve 10 dias para o fazer, pois, é do conhecimento comum que os problemas de comunicação dos terminais de Multibanco podem acontecer...

Para além disso, a ter acontecido qualquer problema no pagamento por

Multibanco, sempre deveria o Ilustre Mandatário alegar o justo impedimento logo na manhã do dia 5 de Junho de 2007, ou seja, na manhã seguinte ao termo do prazo de pagamento, e não continuar a tentar pagar no Multibanco uma guia já fora de prazo e apenas por fax enviado às 21.56 horas do dia 5 de Junho de 2006 vir apresentar o requerimento de fls. 204.

Por tudo quanto fica exposto, desde logo, por manifesta falta de indicação de prova, não considero verificada a existência de justo impedimento e indefiro a requerida emissão de novas guias. (…)

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Uma vez que o arguido não procedeu ao pagamento da taxa de justiça devida pela interposição do recurso de fls. 164 no prazo de interposição do recurso nem procedeu ao pagamento da multa prevista no art.º 145°, n.º 6 do CPC não admito o recurso interposto — art.º 414°, n.º 2 do CPC.

Inconformado o arguido interpôs o presente recurso rematando a pertinente motivação com as seguintes conclusões:

A – O recorrente não se pode confirmar com os dois despachos em crise por claro erro do Tribunal a Quo.

B – A Mma Juiz no seu despacho em crise, refere e bem, que a multa se

destinava a ser paga até 4 de Junho de 2007 e que a fls. 204 e 205 do autos o aqui signatário veio requerer a emissão de novas guias a 5 de Junho de 2007, com as alegações que melhor constam do dito requerimento junto aos autos.

C – É a própria Mma Juiz que, no mesmo despacho, parágrafo segundo, refere

“Requer a emissão de novas guias e a notificação da entidade reguladora da emissão de guias para informar se no dia e hora referidos a guia estava disponível para pagamento.”

D – Continua a Mma Juiz dizendo que entendeu ou configurou o requerimento em causa, como alegação de justo impedimento, nos termos do art.º146.º, n.º 2 do CPC.

E – Mais continua, dizendo que “o requerente não ofereceu qualquer tipo de prova, nem sequer arrolou eventuais testemunhas do facto.

F – O despacho em causa, admite, que o requerimento do requerente

configurou-se como uma alegação de justo impedimento, da impossibilidade de pagamento da guia em causa, bem como que no mesmo se solicita uma diligência probatória, ou seja, “notificação da entidade reguladora da emissão das guias para informar se no dia e hora referidos a guia estava disponível para pagamento.

G – Nestes mesmos termos, falece desde logo a arguição utilizada pela Mma Juiz A Quo de que não foram solicitados meios de prova, pois que de facto, foi solicitado expressamente que fosse notificada a entidade reguladora da

emissão de tais guias, a fim de informar se as mesmas estavam ou não para pagamento na data e hora em causa, ou seja, no dia 4 de Junho de 2006.

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H – A omissão desta diligência de prova expressamente requerida pelo requerente de tal requerimento, faz inquinar de invalidade o despacho da MMa Juiz A Quo, sobre a não admissão de justo impedimento, por falta de prova.

I – Além do mais, e como é consabido, as diligências de prova não necessitam de ser pela utilização da prova testemunhal, até porque e quanto mais não seja, a mesma existia, pois que foi alegado em sede do requerimento do

requerente, e igualmente admitido pela Mma Juiz A Quo, que no dia e hora em causa, o mandatário do requerente, se fazia acompanhar de colega de

escritório.

J – Ainda por este mesmo facto, e porque era do conhecimento da Mma Juiz A Quo que com o mandatário do arguido estava outro colega de escritório,

deveria o digno Tribunal, ao abrigo do princípio da colaboração, ter convidado o requerente a corrigir ou aperfeiçoar o seu requerimento, o que não fez, e cuja invalidade igualmente faz inquinar os despachos ora em causa.

L – Além do mais, a prova só poderia ser cabalmente feita se, conforme o solicitado pela mandatário do arguido, fosse interpelado o IGFMJ e a SIBS, entidades que regulam a emissão e disponibilidade de pagamento das guias judiciais, para que se pronunciassem cabalmente sobre o assunto, diligência de prova que foi solicitada e não praticada pelo Tribunal em causa.

M – Ao mesmo tempo, e porque o acto de pagamento por via ATM está

implicitamente dependente da utilização de um meio electrónico, sendo que é sempre difícil demonstrar à saciedade a verdade de um facto, quando para a sua prática concorrem meios electrónicos, necessariamente falíveis, tal dúvida não se poderá sobrepor ao exercício da revisão de uma decisão judicial

pretendida pelo arguido condenado.

N – Sendo pois que o despacho em causa vem impedir o exercício de um direito mais básico dos arguidos, o de interpor recurso para um tribunal

superior de uma decisão que lhe é desfavorável, direito este com consagração legal, mas também constitucional, motivo pelo qual, igualmente tal despacho está inquinado de invalidade.

O – E mais o estará quando a argumentação utilizada pelo Tribunal foi (para além da falta de prova) a alegação de que se tentou liquida a verba em causa apenas em dois terminais ATM, seguido de uma inexplicáveis reticências (??????), bem como, de um comentário, salvo o devido e elevado respeito,

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deselegante, ao comportamento do mandatário do arguido, adjectivando-o de,

“pelo menos temerário … pois que, não é razoável que se protele o

pagamento…. Quando se teve 10 dias para o fazer…”, – sendo de realçar que o BOLT é nosso !!! – em virtude de ter tentado pagar as guias a 4 de Junho pela 19.30 horas.

P – Ora, se a Mma Juiz, na nossa modesta opinião, e com o elevadíssimo

respeito, falhou na não realização das diligências probatórias solicitadas, mas tal não a legitima a sancionar o exercício de um direito constitucional ao

arguido, com a alegação de que o seu mandatário foi incauto porque só tentou pagar a guia em dois terminais ATM e sobretudo, porque o pretendeu fazer dentro do prazo legal que lhe é conferido para o efeito.

Q – De facto, com o elevado respeito, o mandatário do arguido, o arguido ou qualquer terceiro, poderá pagar as guias até às 23.59 horas do último dia constante da guia, não se configurando qualquer nulidade ou anulabilidade ou acto ilícito, o pagamento no último minuto do último dia conferido para o efeito.

R – Muito menos se poderá compreender, sequer aceitar, a argumentação utilizada pela Mma Juiz A Quo de que “… é do conhecimento comum que os problemas de comunicação dos terminais Multibanco podem acontecer…”, as reticências finais são igualmente da “Mma Juiz A Quo”.

S – De facto, se surgir um problema de comunicação, sendo que se tal problema leve à impossibilidade de pagar tal guia, tal facto configura justo impedimento, demonstrável nomeadamente, por notificação ao IGFMJ e a SIBS (especialmente esta última) para validar o acto.

T – Igualmente, com o sempre elevado respeito, não poder colher a

argumentação de que o justo impedimento foi tardiamente alegado, porque não foi feito na manhã do dia em causa, outrossim, no final da tarde do mesmo dia, já que tal não tem qualquer consagração na letra ou no espírito do n.º 2 do art.º 146.º do CPC.

U – Por último, o despacho em causa, atesta o não cumprimento pela Mma Juiz A Quo do disposto no n.º 2 do art.º 146.º do CPC, ou seja, em momento algum, foi notificada a parte contrária, Ministério Público, da alegação do justo

impedimento, o que igualmente faz inquinar de invalidade o despacho em causa.

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Z – Por todo o exposto, devem os despachos em causa serem revogados por outros que mandem emitir novas guias para pagamento da multa em causa, ou se assim não entendido, a admissão de diligências de prova nomeadamente testemunhal, de forma a se validar o justo impedimento arrolado, com a consequente admissão do recurso interposto a fls. 164 e revogabilidade o despacho que o recusou, sob pena de violação dos preceitos e princípios legais e constitucionais supra citados, designadamente o art.º 146.ºdo CPC.

***

Admitido o recurso o Ministério Público respondeu concluindo pela

manutenção da decisão recorrida. Já neste Tribunal o Ex.mo Procurador Geral Adjunto foi de parecer que o recurso não merece provimento.

Cumpriu-se o disposto no art.º 417º n.º 2 do Código de Processo Penal e após os vistos realizou-se conferência.

Os factos relevantes são os que constam no antecedente relato das incidências processuais.

O Direito:

A questão a decidir consiste em saber se a ocorrência que o recorrente invocou, configura, ou não, justo impedimento.

A disciplina do justo impedimento encontra-se no art.º 146º do CPC, aplicável no caso ex vi art.º 4º do Código de Processo Penal.

A redacção do n.º1 foi introduzida pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, o n.º2 tem a redacção do Decreto-Lei n.º 47.690, de 11 de Maio e o n.º 3 foi introduzido pelo Decreto-Lei n.º 125/98, de 12 de Maio.

Com a alteração de 1995 deixou de se fazer a exigência da imprevisibilidade do evento, donde resultou uma flexibilização do conceito de justo

impedimento, por apelo a uma ideia de culpa. A propósito, o legislador de 1995 disse no Relatório do Decreto-Lei n.º 329-A/95: «flexibiliza-se a definição conceitual de “justo impedimento”, em termos de permitir a uma

jurisprudência criativa uma elaboração, densificação e concretização, centradas essencialmente na ideia de culpa, que se afastem da excessiva rigidificação que muitas decisões, proferidas com base na definição constante da lei em vigor, inquestionavelmente revelam»[1].

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Com a predita alteração passaram a estar incluídas no conceito de justo impedimento as situações da vida imprevistas, mesmo que previsíveis, que antes não estavam. Foi aliás essa a confessada finalidade da alteração

legislativa. Perante este «novo» quadro legislativo não é correcto dizer, como se disse no despacho recorrido, que, «não é razoável que se protele o

pagamento de uma multa deste tipo até às 19.30 horas do último dia quando se teve 10 dias para o fazer, pois, é do conhecimento comum que os problemas de comunicação dos terminais de Multibanco podem acontecer».

Se era assim, no entendimento mais rígido e formalista antes da Reforma de 1995, não tem agora suporte legal na nova redacção do art.º 146º do CPC.

Agora um evento previsível pode excluir a imputabilidade do atraso ou omissão.

Desdobrando o conceito, constata-se que os requisitos do justo impedimento são actualmente dois:

a) Que seja estranho à vontade da parte;

b) Que determine a impossibilidade, para a parte, de praticar o acto por si ou por mandatário.

Diz o recorrente «…O mandatário do arguido, aqui signatário, na companhia do seu colega de escritório, Dr. (…), advogado estagiário, pelas 19:30 horas de ontem, dia 4 de Junho de 2007, dirigiu-se à caixa ATM da Avenida de França, no Porto (…) para liquidar a guia (…).

O dito terminal ATM, da CGD, não admitiu tal pagamento, pelo que a operação foi repetida junto de um terminal ATM, que dista cerca de 200 mts do

primeiro, em plena Rotunda da Boavista, no Porto, junto aos Balcões dos CTT.

O segundo terminal voltou a não admitir tal pagamento, por erro imputável ao serviço em questão. Sendo que hoje a operação foi repetida por diversas

[vezes], mas com o mesmo insucesso. (…).

Tem razão o arguido quando diz, contrariando o vertido no despacho recorrido, que «o mandatário do arguido, o arguido ou qualquer terceiro, poderá pagar as guias até às 23.59 horas do último dia constante da guia, não se configurando qualquer nulidade ou anulabilidade ou acto ilícito, o

pagamento no último segundo, do derradeiro minuto, do último dia conferido para o efeito». Como já em Acórdão de 19.2.69 dizia o Supremo Tribunal de Justiça, BMJ, 172º, 179, a utilização, até ao último instante, de um prazo fixado

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pela lei, representa o exercício de um direito. O justo impedimento não conduz à exigência de praticar o acto logo no início do decurso do prazo[2]. Exige-se é que o obrigado, no caso ao pagamento, proceda com a diligência normal. Por isso não basta, para configurar justo impedimento de pagamento, a

circunstância de «apenas» dois terminais de pagamento não funcionarem às 19:30, quando na imediação desses dois, como é público e notório, tinha o recorrente dezenas de outros terminais e quando o pagamento também podia ser feito através de operação realizada em computador pessoal, por débito em conta bancária do arguido, do mandatário ou de terceiro. O arguido, na

coerência do que alegou – «poderia pagar as guias até às 23.59 horas do último dia constante da guia» –, tinha o dever de porfiar na realização do pagamento até ao fim do prazo, até ao último segundo do último minuto do prazo. Não o fez. Não alegou impossibilidade nem adiantou justificação para essa sua omissão. Nesse contexto a omissão em causa configura negligência do mandatário não constituindo justo impedimento.

Importa lembrar que nesta matéria, tal como na responsabilidade civil

contratual, a culpa não tem de ser provada, cabendo à parte que não praticou o acto alegar e provar a sua falta de culpa, isto é, a ocorrência de caso fortuito ou de força maior impeditivo, art.º 799º n.º1 do CC[3]. A isso não obsta o facto de o presente processo ser de natureza criminal, pois está em causa matéria tributária, atinente a custas, não se tratando de questão processual penal onde, como é sabido, o arguido não está onerado com ónus.

A circunstância de dois terminais, alegadamente não estarem em

funcionamento, o que até se aceita, não concede sem mais ao arguido o privilégio de deixar de tentar o pagamento noutros terminais e/ou a outras horas até ao fim do prazo, a não ser que algo o tenha impedido de levar a cabo esse comportamento, circunstância que o arguido, como vimos, não alega sequer, v.g. um bloqueio total do sistema, o que aliás constituindo facto notório seria até de conhecimento oficioso, art.º 146º n.º 3 do CPC. Do mesmo modo que «a desistência de uma fila demorada num banco» não é motivo de justo impedimento, o facto de a determinada hora o recorrente não ter logrado o pagamento em dois terminais ATM também o não é, quando nas imediações existiam algumas dezenas, pois o arguido tinha o dever de tentar a outras horas e noutros locais, ou por outros meios o que podia ter feito sem

«prejuízo» ou incómodo visível.

A desburocratização dos procedimentos, para facilitar a vida do cidadão, leva imanente a exigência de um comportamento responsável. A partir do momento em que as guias de pagamento deixaram de ser obrigatoriamente pagas aos

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balcões da CGD e o seu pagamento passou a ser possível num terminal multibanco – e nesta cidade do Porto há centenas e centenas – ou mesmo a partir de um computador pessoal, em casa, no emprego ou no escritório, salvo casos excepcionais, só quem procede com uma grande dose de negligência é que não paga uma multa como a que está em causa nos autos atempadamente.

Se o recorrente apenas tentou o pagamento em dois terminais pelas 19:30 horas, não procurando outros nas imediações quando é certo e sabido que num raio de algumas centenas de metros da Rotunda da Boavista, há largas dezenas deles, nem se preocupou em tentar esse pagamento posteriormente às 19:30 e até às 24:00, não agiu com a diligência normal mas incorreu em negligência incompreensível e que não serve de desculpa relevante para a omissão do pagamento.

Basta uma simples leitura do requerimento do arguido para concluir que o mesmo não consubstancia a alegação de justo impedimento. O arguido apenas diz que às 19:30 horas, em duas caixas ATM não conseguiu pagar. Ora se é certo, como diz o arguido, que podia pagar a multa até à ultima hora, último segundo do último minuto da última hora, o certo é que o arguido

incompreensivelmente satisfez-se com a impossibilidade de pagamento às 19:30 horas, em apenas dois terminais de multibanco, quando o certo é que devia ter tentado quer em qualquer outro das dezenas que existem na zona, quer depois e até às 24:00 horas.

Conclui-se assim que o alegado não consubstancia, sequer, justo impedimento.

Mesmo que se verificasse alegação factual bastante para integrar justo

impedimento importa realçar que há que entenda que «o justo impedimento só pode ser invocado quando ocorra no prazo normal para praticar o acto, não sendo possível uma tal invocação, quando ocorre já durante os 3 dias a que alude o artigo 145º nº 5 do CPC, isto é, quando ocorre durante o prazo suplementar»[4].

Finalmente alega o recorrente que «o despacho em causa, não foi precedido do cumprimento do disposto no n.º 2 do art.º 146.º do CPC, ou seja, em momento algum, foi notificada a parte contrária, Ministério Público, da

alegação do justo impedimento, o que igualmente faz inquinar de invalidade o despacho em causa».

Dispõe o art.º 146º n.º2 do CPC que «o juiz, ouvida a parte contrária…»

decide.

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No caso a Ex.ma juíza não ouviu o Ministério Público porque entendeu que o recorrente não chegou a alegar justo impedimento. Entendimento que, como vimos, se nos afigura correcto.

Mesmo que o recorrente tivesse alegado factualidade bastante para configurar justo impedimento, o incumprimento do art.º 146º n.º2 do CPC não

desencadeia de modo automático «a invalidade» do despacho que não cumpre o seu formalismo. A omissão de cumprimento do contraditório previsto no art.º 146º n.º2 do CPC, não constituindo nulidade típica, essas estão previstas nos artºs 193º e segts do CPC, nem nulidade de conhecimento oficioso, só produz nulidade «quando possa influir no exame ou na decisão da causa», art.º 201º n.º1 do CPC.

Como a desconformidade com o legalmente previsto, art.º 146º n.º2 do CPC, pode desencadear a nulidade prevista no art.º 201º n.º1 «in fine», o seu conhecimento pelo tribunal depende de «reclamação dos interessados», art.º 202º CPC, e no caso o interessado «na observância da formalidade», art.º 203º n.º1 do CPC, não era o recorrente, mas o Ministério Público, que nada disse, pelo que carece o recorrente de legitimidade para suscitar a questão.

Decisão:

Nega-se provimento ao recurso.

Custas recorrente fixando-se a taxa de justiça em 4 UC.

Porto, 10 de Setembro de 2008 António Gama Ferreira Ramos

Luís Eduardo B. de Almeida Gominho ______________

[1] No mesmo sentido, Lopes do Rego, Reforma… CEJ, 1997, p. 14.

[2] Lebre de Freitas, Código Processo Civil, anotado, vol. I p. 259.

[3] Lebre de Freitas, Código Processo Civil, anotado, I vol. P. 258.

[4] Acórdão do TRC, de 12.7.95, Col. de Jur., 1995, IV, 18.

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