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Leis versus crenças: a problemática da hemotransfusão em Testemunhas de Jeová

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Leis versus crenças: a problemática da hemotransfusão em Testemunhas de Jeová

Antônio Luiz da Costa Soares Junior

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Resumo

A religião Testemunha de Jeová tem ganhado nos últimos anos considerada expressão mundial e segue em ascensão. Teve início no fi nal do século XIX, em que se buscava divulgar os ensinamentos de Jesus Cristo por meio de uma vida salutar em respeito ao corpo. Como crença, dispensam o uso de transfusão sanguínea e buscam por seus direitos, zelando por sua autonomia em relação ao direito à vida, quando precisam de alternativas para a transfusão.

Com a transgressão de seu pensamento, o membro da crença se sente aniquilado em sua esfera mais íntima da vida e em sua própria condição de ser humano. No Brasil, o Estado Democrático de Direito precisa posicionar-se de modo neutro em relação à religião, devendo agir com imparcialidade, a fi m de conferir aos cidadãos, religiosos ou não, maior liberdade possível na condução de suas vidas. Nesse sentido, não apenas a Constituição Federal, mas diversos outros tratados, códigos e pactos prezam em seus artigos e dispositivos pela autonomia, pela dignidade do indivíduo e pelo seu consentimento em qualquer tipo de tratamento.

Os Conselhos Regionais de Medicina elaboraram o Código de Ética Médica, que buscou estruturar um documento em que se atentava pela personalidade, pela individualidade e pela autonomia do ser humano. Espera-se, portanto, que o profi ssional de saúde tenha uma compreensão clara da postura das Testemunhas de Jeová em relação ao tratamento de saúde e atitude de sempre buscar os mais variados avanços da medicina não transfusional, que se encontram em pleno desenvolvimento.

Palavras-chave: Transfusão; dignidade humana; Testemunha de Jeová.

Abstract

Th e Jehovah’s Witnesses religion has gained considerable notoriety worldwide and keeps rising in recent years.  It has started in the end of nineteenth century, in which the disclosure of Jesus Christ’s teachings was searched, by means of a salutary life with respect to the body.  It is their belief they can’t accept human blood transfusion and search for their rights by ensuring their autonomy related to the right of life when they need alternatives to transfusion. If a member of this religion transgresses his thought, he feels annihilated in his most intimate sphere of life as well as in his human condition. In Brazil,  the Democratic State must position itself in a neutral way towards religion, acting impartially, so that it gives its citizens, either linked to a religion or not, the greatest freedom possible in leading their lives.  In this sense, not only the  Federal Constitution but lots of other treaties, codes and accords cherish in their articles and devices for autonomy and dignity of the individual  and for his agreement in any kind of treatment.  Th e Regional Councils of Medicine drafted the Code of Medical Ethics, which sought to structure a document in which they paid attention to the personality, individuality and autonomy of the human being. It is expected,

1

Acadêmico do 4° período da Faculdade de Medicina da Fundação Educacional Dom André

Arcoverde, Valença, Rio de Janeiro, Brasil. 2013.

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therefore, that health professionals have a clear understanding of the position of Jehovah’s Witnesses in relation to health care and attitude to always seek the most varied medical advances of non-transfusion medicine, which are in full development.

Keywords: Transfusion; human dignity; Jehovah’s Witness.

Introdução

A temática da transfusão sanguínea em Testemunhas de Jeová no âmbito científico, jurídico e religioso tem proporcionado muitas discussões e estudos com o objetivo de se chegar a um consenso entre todos. Embasam-se nas leis, na autonomia do cidadão e no respeito ao próximo para se chegar a esta finalidade.

A liberdade de consciência e credo é resguardada pela Constituição de 1988, que em seu artigo 5º, inciso VI, garante a inviolabilidade da liberdade de consciência e de crença, assegura o livre exercício dos cultos religiosos e garante a proteção aos locais de culto e a suas liturgias

2

. Isso porque a República Federativa do Brasil é um Estado laico, ou seja, não professa religião oficial. Assim, são garantias fundamentais, que buscam o respeito à dignidade humana, esta associada às condições mínimas de vida e ao desenvolvimento da personalidade.

3

Esses que são super princípios, que prezam pela integridade física, psíquica, intelectual e, acima disso, reforçam a proteção da igualdade e da liberdade do ser humano

4

. O artigo 15 do novo Código Civil reforça essa ideia de autonomia do homem em ter livre arbítrio, no qual prescreve que “ninguém pode ser constrangido a submeter- se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica”.

A ideia de laicidade não se confunde com laicismo.

“Laicidade significa neutralidade religiosa por parte do Estado. Laicismo, uma atitude de intolerância e hostilidade estatal em relações às religiões.

Portanto, a laicidade é marca da República Federativa do Brasil, e não o laicismo, mantendo-se o Estado Brasileiro em posição de neutralidade axiológica, mostrando-se indiferente ao conteúdo das ideias religiosas.”

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2

FRANÇA, Inacia Sátiro Xavier de.; et al.. Dilemas éticos na hemotransfusão em Testemunhas de Jeová: uma análise jurídico-bioética. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.

php?script=sci_pdf&pid=S0103-21002008000300019&lng=en&nrm=iso&tlng=pt>.

Acesso em 19 de outubro de 2013, p. 01.

3

FIALHO, Carla Cabogrosso. Transfusão de sangue e Testemunhas de Jeová. Autonomia x ética médica. Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos. Divisão Jurídica. Instituição Toledo de Ensino de Bauru. Bauru, São Paulo: vol. 01, n. 36. Dez./ 2002 a abr. /2003. Disponível em:

<http://www.ite.edu.br/ripe_arquivos/ripe36.pdf>. Acesso em 18 de outubro de 2013, p. 01.

4

LEIRIA, Cláudio da Silva. Transfusões de sangue contra a vontade de paciente da religião Testemunhas de Jeová. Uma gravíssima violação de direitos humanos. Disponível em: <http://

www.revistajuridicaonline.com/images/stories/revistas-juridicas/derecho-publico-tomo- 2/203a258_transfusoes.pdf>. Acesso em 18 de outubro de 2013, p. 01.

5

STF, Supremo Tribunal Federal. Revista de Direito do STF. Voto do Min. Celso de Mello na ADPF 54 - anencefalia. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.

jsp?docTP=AC&docID=484300>. Acesso em 19 de outubro de 2013.

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361 A Declaração Universal dos Direitos do Homem, no inciso XVII, proclama que

“todo homem tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de manifestar essa religião ou crença pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular”.

6

Neste contexto, os membros da crença “Testemunha de Jeová” têm seus direitos resguardados pela lei e regem suas vidas de acordo com os mandamentos da Bíblia, os quais, de acordo com suas interpretações próprias, não aceitam a hemotransfusão

7

, mesmo havendo possibilidade de óbito, sustentando essa ideologia nos seguintes textos sagrados:

“1. Gênesis 9: 3-4.

3 - Tudo quanto se move, que é vivente, será para vosso mantimento; tudo vos tenho dado como a erva verde.

4 - A carne, porém, com sua vida, isto é, com seu sangue, não comereis.

Levítico 17: 10-14.

10 - E qualquer homem da casa de Israel, ou dos estrangeiros que peregrinam entre eles, que comer algum sangue, contra aquela alma porei a minha face, e a extirparei do seu povo.

11 - Porque a vida da carne está no sangue; pelo que vo-lo tenho dado sobre o altar, para fazer expiação pelas vossas almas; porquanto é o sangue que fará expiação pela alma.

12 - Portanto tenho dito aos filhos de Israel: Nenhum dentre vós comerá sangue, nem o estrangeiro, que peregrine entre vós, comerá sangue.

13 - Também qualquer homem dos filhos de Israel, ou dos estrangeiros que peregrinam entre eles, que caçar animal ou ave que se come, derramará o seu sangue, e o cobrirá com pó;

14 - Porquanto a vida de toda a carne é o seu sangue; por isso tenho dito aos filhos de Israel: Não comereis o sangue de nenhuma carne, porque a vida de toda a carne é o seu sangue; qualquer que o comer será extirpado.

Atos dos Apóstolos 15: 28-29.

28 - Na verdade pareceu bem ao Espírito Santo e a nós, não vos impor mais encargo algum, senão estas coisas necessárias:

29b - Que vos abstenhais das coisas sacrificadas aos ídolos, e do sangue, e da carne sufocada, e da fornicação, das quais coisas bem fazeis se vos guardardes. Bem vos vá.

Deuteronômio 12: 23-25.

23 - Somente esforça-te para que não comas o sangue; pois o sangue é vida;

pelo que não comerás a vida com a carne;

24 - Não o comerás; na terra o derramarás como água.

25 - Não o comerás; para que bem te suceda a ti, e a teus filhos, depois de ti, quando fizeres o que for reto aos olhos do Senhor.

5. 1 Samuel 14: 32-34.

32 - Então o povo se lançou ao despojo, e tomaram ovelhas, e vacas, e bezerros, e os degolaram no chão; e o povo os comeu com sangue.

6

LEIRIA, Cláudio da Silva. Op. Cit., p. 01.

7

AZAMBUJA, Letícia Erig Osório de.; GARRAFA, Valnei.. Testemunhas de Jeová ante o uso de hemocomponentes e hemoderivados. Brasília-DF: 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/

pdf/ramb/v56n6/v56n6a22.pdf>. Acesso em 18 de outubro de 2013, p. 01.

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33 - E o anunciaram a Saul, dizendo: eis que o povo peca contra o Senhor, comendo com sangue. E disse: aleivosamente procedestes; trazei-me aqui já uma grande pedra.

34 - Disse mais Saul: dispersai-vos entre o povo, e dizei-lhes: trazei-me cada um o seu boi, e cada um a sua ovelha, e degolai-os aqui, e comei, e não pequeis contra o Senhor, comendo com sangue. Então todo o povo trouxe de noite, cada um pela sua mão, o seu boi, e os degolaram ali.”

8

O rechaço da carne, de acordo com França, é por considerarem que ela possui uma alma e que ao ser assimilada pelo sangue, corpo, boca ou veias, a pessoa estaria violando a lei de Deus. Isso porque creem que a alma do homem está presente no sangue e que ao transfundi-lo em outra pessoa estaria desobedecendo ao mandamento bíblico de amar a Deus de toda a alma.

9

A postura religiosa das Testemunhas de Jeová tem despertado nos últimos anos um progresso científico de descobertas e aprimoramentos nas técnicas de tratamentos alternativos. Para atender abrangentemente os membros da crença, a religião Testemunha de Jeová organizou uma rede internacional, presente em mais de 230 países, denominada de Comissão de Ligações com Hospitais (COLIH).

“A finalidade dessa rede é auxiliar na transferência de pacientes para hospitais ou para equipes médicas que utilizem alternativas terapêuticas que abdiquem à hemotransfusão”

10

. Tais procedimentos apresentam-se menos arriscados e mais eficientes ao homem e, assim, “desmitifica-se” a ideia de que o sangue seja o

“verdadeiro milagre da vida”

11

.

Como dito, as alternativas têm proporcionado um tratamento mais seguro e a realização de diversos procedimentos como cirurgia de coração aberto, cirurgias ortopédicas e oncológicas; transplantes de fígado, rim, coração e pulmão;

transplantes de células-tronco periféricas

12

, não só em Testemunhas de Jeová, mas em muitos que anseiam um tratamento sem problemas futuros.

Histórias e crenças das Testemunhas de Jeová

A religião Testemunha de Jeová teve início ao final do século XIX, perto de Pittsburgh na Pensilvânia (Estados Unidos), com um pequeno grupo de estudantes da Bíblia. Em seus estudos, buscavam uma análise sistemática da Palavra, comparando as doutrinas ensinadas pelas igrejas da época com o que realmente a Bíblia ensinava. Por meio de suas reflexões e conclusões, começaram a publicar

8

ALMEIDA, João Ferreira de. Bíblia Sagrada Online. Disponível em: <http://www.chamada.

com.br/biblia/index.php?modo=0&form=adv&ver=&pesq=&scp=all&ref= >. Acesso em 20 de outubro de 2013.

9

FRANÇA, Inacia Sátiro Xavier de.; et al.. Dilemas éticos na hemotransfusão em Testemunhas de Jeová: uma análise jurídico-bioética. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.

php?script=sci_pdf&pid=S0103-21002008000300019&lng=en&nrm=iso&tlng=pt>.

Acesso em 19 de outubro de 2013.

10

LEIRIA, Cláudio da Silva. Op. Cit., p. 02.

11

ANDRADE, Luiz Gustavo de.; QUINTÃO, Bruna de Oliveira.. Op. Cit., p. 02.

12

LEIRIA, Cláudio da Silva. Op. Cit., p. 02.

(5)

363 em livros, jornais e na revista, que hoje é chamada de A Sentinela Anunciando o Reino de Jeová. O primeiro editor da revista e um dos estudantes da Bíblia foi Charles Taze Russell, que, no entanto, não é considerado o fundador da religião.

Tais estudantes tinham como objetivo propagar os ensinamentos de Jesus Cristo e seguir o modelo dos cristãos do primeiro século. Nesse contexto, consideraram Jesus o real fundador do Cristianismo e, também, o da organização.

13

Os membros das Testemunhas de Jeová atualmente seguem os mesmos parâmetros traçados no passado, como a preservação da relação pessoal com Deus, respeitando o corpo por meio de um estilo de vida salutar. Logo, é doutrinário não fazer uso de entorpecentes, cigarros, não abusar do álcool e nem praticar abortos

14

. Como objetivos gerais, beneficiam-se não só os membros, mas todos por meio das pregações, ajudas comunitárias em casos de desastres e as pessoas que querem abandonar os vícios das drogas e álcool, além de ler e escrever

15

.

A sede mundial das Testemunhas de Jeová localiza-se em Nova York, EUA, e a organização encontra-se presente em 239 países. O maior número das congregações realiza suas reuniões em um prédio simples, chamado Salão do Reino, construído pelas próprias Testemunhas de Jeová, sendo as despesas cobertas por donativos voluntários

16

. De acordo com os estudos feitos pela revista A Sentinela Anunciando o Reino de Jeová, desde o anuário de 2008 até o de 2013, referente ao ano de 2012, pode-se observar uma religião de considerada expressão mundial e que tem apresentado significativo crescimento nesses últimos anos.

Nos dois gráficos a seguir foi expresso tal crescimento:

Gráfico 01 – Total de congregações no mundo da religião TJ

98.000 100.000 102.000 104.000 106.000 108.000 110.000 112.000 114.000

2008 2009 2010 2011 2012

Total de congregações no mundo da religião Testemunhas de Jeová

Total de congregações no mundo dos Testemunhas de Jeová

Fonte: (A SENTINELA, 2013)

13

A SENTINELA - TESTEMUNHAS DE JEOVÁ. Perguntas frequentes às Testemunhas de Jeová. Disponível em: <http://www.jw.org/pt/testemunhas-de-jeova/perguntas-frequentes/

fundador/>. Acesso em 19 de outubro de 2013.

14

AZEVEDO, Álvaro Villaça. Autonomia do paciente e direito de escolha de tratamento médico sem transfusão de sangue: mediante os atuais preceitos civis e constitucionais brasileiros. Parecer.

Atualizado conforme o novo Código de Ética Médica – Resolução CFM 1.931/09. São Paulo:

Lex Editora, 2010, p. 07.

15

A SENTINELA - TESTEMUNHAS DE JEOVÁ. Perguntas frequentes às Testemunhas de Jeová. Disponível em: <http://www.jw.org/pt/testemunhas-de-jeova/perguntas-frequentes/

testemunhas-de-jeova-sao-seita/>. Acesso em 19 de outubro de 2013.

16

AZEVEDO, Álvaro Villaça. Op. Cit., p. 07.

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364

Gráfico 02 – TJ em atividade constante

6.600.000 6.800.000 7.000.000 7.200.000 7.400.000 7.600.000 7.800.000 8.000.000

2008 2009 2010 2011 2012

Testemunhas de Jeová em atividade constante

Testemunhas de Jeová em atividade constante

Fonte: (A SENTINELA, 2013)

Pode-se perceber com essas informações o crescimento do número de congregações das Testemunhas de Jeová no mundo e de seus adeptos em atividade nos últimos cinco anos. Com um maior detalhamento desses valores, no ano de 2008, os números de congregações eram de 103.267, enquanto que, ao final de 2012, eram de 111.719. Já em relação ao número de membros em atividade constante, em 2008, eram 7.124.443, enquanto que, ao final de 2012, eram 7.782.346 membros.

Aceitar pequenas frações do sangue e eleger qual técnica seguir, “(...) são escolhas individuais e que cada membro da religião baseia-se em sua consciência”.

17

Nessas situações, é essencial a observação dessas ações pelo profissional de saúde, pois servem de aprendizado e fundamento para um sistema moral, ou seja,

“(...) para um conjunto de juízos deontológicos sobre o que se deve ou não fazer e, consequentemente, deixando de ser ignorada e menosprezada”

18

.

Alexandre de Moraes, em seu livro Direito Constitucional, de 2005, afirma que, o paciente “Testemunha de Jeová”, ao procurar ajuda médica e dispensar o uso de transfusão sanguínea, “(...) está apenas zelando pela sua vida, pela sua autonomia e liberdade de escolha de tratamento. Dessa forma, exercendo o seu direito à vida em sentido pleno”

19

.

Existem três situações, em caso de hemotransfusão, que envolvem o perdão, a ajuda da comunidade e a exclusão do membro da religião. A primeira refere- se ao médico que procede à transfusão contra a vontade do indivíduo, tendo sua consciência desrespeitada e, assim, não podendo condená-lo pela irresponsabilidade de outra pessoa. A segunda opção está relacionada com a aceitação de um membro à transfusão em um momento de debilidade, que tem como consequência, salvo em caso de arrependimento, oferecê-lo ajuda espiritual. Por último, “(...) se uma

17

NERY JÚNIOR, Nélson. Escolha esclarecida de tratamento médico por pacientes Testemunhas de Jeová: como exercício harmônico de direitos fundamentais. Parecer. Atualizado conforme o novo Código de Ética Médica – Resolução CFM 1.931/09. São Paulo: Lex Editora, 2009, p. 07.

18

MORAES, Rodrigo Iennaco de. Transfusão de sangue. 2005. Disponível em: <http://portal.

uclm.es/descargas/idp_docs/doctrinas/transfusao%20de%20sangue.pdf>. Acesso em 19 de outubro de 2013, p. 03.

19

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 44.

(7)

365 Testemunha de Jeová aceitar voluntariamente a transfusão, sem dúvidas ou pesar, desrespeitando, assim, sua religião, consequentemente, terá que ser excluída. No entanto, em caso de posterior arrependimento, ela poderá voltar a praticar a fé”.

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Destarte, o indivíduo que ingressa nessa religião deve acatar a todos os ensinamentos que lhe são ministrados e evitar qualquer pensamento independente.

Contudo, em caso de transgressão, será submetido a uma audiência com uma Comissão Judicativa, formada por três anciãos ou pastores. Esse encontro acontece a portas fechadas, admitindo-se, apenas, a presença das testemunhas do caso. A Comissão Judicativa poderá censurar privadamente o transgressor; suspender os seus privilégios religiosos; censurá-lo publicamente na reunião semanal ou, até mesmo, excomungá-lo. Em caso de excomunhão, os demais membros da religião devem cortar relações pessoais com o desassociado, desaconselhando-se, inclusive, o simples cumprimento. “Além de recomendar o contato mínimo possível com os parentes próximos (pais, filhos ou cônjuge) e ao congregado que desobedecer esta norma estará, também, sujeito a ser desassociado”.

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Por essa lógica, não se pode argumentar que a postura das Testemunhas de Jeová quanto às transfusões sanguíneas gere um conflito de direitos fundamentais, tais como o direito à vida e o direito à liberdade religiosa. “Pelo contrário, sua postura e decisões evidenciam o exercício desses dois direitos. Assim, resguardar o direito à vida implica, inclusive, em preservar os valores morais, espirituais e psicológicos do indivíduo”.

22

O direito relacionado à dignidade humana

A primazia dos direitos fundamentais deve orientar toda a atuação do Poder Público no Estado Democrático, seja para resguardar ou implementar os direitos. Essa primazia, em um Estado Constitucional, relaciona-se com a vinculação do Executivo à lei e à Constituição, o que impede a arbitrariedade em decisões administrativas. Apenas o Legislador é convocado a decidir quando e em que condições podem ocorrer intervenções gravosas que limitem os direitos fundamentais, principalmente, o que se refere à liberdade individual.

23

A atuação estatal, neste tipo de Estado, precisa posicionar-se de modo neutro em relação à religião, devendo agir com imparcialidade, a fim de conferir aos cidadãos, religiosos ou não, a maior liberdade possível na condução de suas vidas

24

.

20

WILLEMAN, Flávio de Araújo. Recusa a tratamento da saúde com fundamento em crença religiosa e o dever do Estado de proteger a vida humana. O caso da transfusão de sangue em Testemunha de Jeová. Revista da EMERJ, v. 13, nº 50, 2010. Disponível em:<http://www.emerj.tjrj.jus.br/

revistaemerj_online/edicoes/revista50/Revista50_155.pdf>. Acesso em 19 de outubro de 2013.

21

FRANÇA, Inacia Sátiro Xavier de.; et al.. Op. Cit., p. 02.

22

AZEVEDO, Álvaro Villaça. Op. Cit., p. 07.

23

HESSE, Konrad. Manual de Direito Constitucional. Madri: Marcial Pons, 1996, pp. 501-502.

Apud NERY JÚNIOR, Nélson. Op. Cit., p. 11.

24

BRITO, Miguel Nogueira de. Liberdade religiosa, liberdade da Igreja e a relação entre o Estado

e a Igreja. In: Estudos em memória do Conselheiro Nunes de Almeida. Coimbra: Coimbra, 2007,

p. 225. Apud NERY JÚNIOR, Nélson. Op. Cit., p. 15.

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366

Desse modo, o direito à vida digna é consagrado pela Constituição Federal, que, de maneira ampla, contempla a autonomia da pessoa. Quando há a recusa de um determinado tratamento (seja por convicções religiosas ou não), o indivíduo está exercendo sua autonomia e o seu próprio direito à vida. Logo, a liberdade religiosa e a escolha de tratamento médico são desdobramentos constitucionais, sendo impossível haver choque entre eles.

25

Ratificando tais ideias, a Constituição Federal possui os seguintes dispositivos que prezam pela autonomia do indivíduo:

“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como um de seus fundamentos:

III - a dignidade da pessoa humana;

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

[...]

VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e as suas liturgias;

[...]

VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;

[...]

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;”

Levando em conta, portanto, os dispositivos acima que consideram tais direitos como elementos indissociáveis da proteção da personalidade percebe-se que quatro deles podem ser reconhecidos e distinguidos, embora conexos: a) a liberdade de consciência; b) a liberdade de religião; c) a liberdade de culto e d) a liberdade de objeção de consciência

26

. Em síntese, seja na área ideológica, filosófica, intelectual, artística ou religiosa, a liberdade de opinião deve ser respeitada.

27

25

AZEVEDO, Álvaro Villaça. Op. Cit.,p. 48.

26

CANOTILHO, J. J. Gomes. A liberdade religiosa entre o juspositivismo constitucional e a judiciarização dos conflitos religiosos. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 237. Apud NERY JÚNIOR, Nélson. Op. Cit., p. 15.

27

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2010, p.

241. Apud ANDRADE, Luiz Gustavo de.; QUINTÃO, Bruna de Oliveira. Op. Cit., p. 04.

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367 Nessa perspectiva, o Estado, seja por meio de leis ou por meio de decisões judiciais, não pode estabelecer ao cidadão uma conduta atentatória à sua convicção religiosa, bem como à sua dignidade e autonomia. Essa assertiva encontra justificativa em Jügen Habermas, que afirma que “independentemente de como os interesses envolvidos na relação entre Estado e organizações religiosas estejam distribuídos, um Estado não pode impor aos cidadãos, aos quais garante liberdade de religião, obrigações que não combinam com uma forma de existência religiosa”.

28

Não só a Constituição Federal, mas diversos outros tratados, códigos e pactos prezam em seus artigos e dispositivos pelos direitos do cidadão. A primeira a ser citada é a Declaração dos Direitos Humanos, adotada pela Organização das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948 e elaborada com fundamento na liberdade, na justiça e na paz no mundo:

“Artigo II.

Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.

Artigo III.

Toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.

Artigo XVIII.

Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião;

este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular.”

29

Assim sendo, em consideração ao filósofo alemão Nietzsche, o conjunto de valores morais de cada indivíduo não podem ser utilizados como fundamento para decisões tomadas a respeito da vida alheia. “Por conseguinte, o julgador não pode decidir sobre a vida alheia com base em suas crenças religiosas ou em seus preconceitos morais. Pelo contrário, deve levar em consideração os valores de quem tem sua vida sendo decidida por outrem”

30

.

O Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos de 1966 intera que o indivíduo, por ter deveres para com seus semelhantes e a coletividade a

28

HABERMAS, Jürgen. Entre naturalismo e religião. Estudos filosóficos. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2007, p. 299. Apud NERY JÚNIOR, Nélson. Op. Cit., p. 16.

29

BRASIL, Ministério Público. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em:

<http://www.mp.go.gov.br/portalweb/hp/7/docs/declaracao_universal_dos_direitos_do_

homem.pdf>. Acesso em 16 de setembro de 2013.

30

FONSECA, Ana Carolina da Costa e. Autonomia, pluralismo e a recusa de transfusão de sangue por Testemunhas de Jeová: uma discussão filosófica. Rev. bioét (Impr.) 2011; 19(2): 485 – 500.

2011. Disponível em:<http://revistabioetica.cfm.org.br/index.php/revista_bioetica/article/

viewFile/641/668>. Acesso em 20 de outubro de 2013, p. 02.

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368

que pertence, tem a obrigação de lutar pela promoção e observância dos seus direitos. Os seus dispositivos relacionados à temática do artigo situam-se a seguir:

“Artigo 18.

1. Toda pessoa terá direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião. Esse direito implicará a liberdade de ter ou adotar uma religião ou uma crença de sua escolha e a liberdade de professar sua religião ou crença, individual ou coletivamente, tanto pública como privadamente, por meio do culto, da celebração de ritos, de práticas e do ensino. 

2. Ninguém poderá ser submetido a medidas coercitivas que possam restringir sua liberdade de ter ou de adotar uma religião ou crença de sua escolha. 

3. A liberdade de manifestar a própria religião ou crença estará sujeita apenas a limitações previstas em lei e que se façam necessárias para proteger a segurança, a ordem, a saúde ou a moral públicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas. 

4. Os Estados partes do presente Pacto comprometem-se a respeitar a liberdade dos pais – e, quando for o caso, dos tutores legais – de assegurar a educação religiosa e moral dos filhos que esteja de acordo com suas próprias convicções.

Artigo 19.

1. Ninguém poderá ser molestado por suas opiniões. 

2. Toda pessoa terá direito à liberdade de expressão; esse direito incluirá a liberdade de procurar, receber e difundir informações e ideias de qualquer natureza, independentemente de considerações de fronteiras, verbalmente ou por escrito, em forma impressa ou artística, ou qualquer outro meio de sua escolha. 

3. O exercício do direito previsto no § 2º do presente artigo implicará deveres e responsabilidades especiais.

4. Consequentemente, poderá estar sujeito a certas restrições, que devem, entretanto, ser expressamente previstas em lei e que se façam necessárias para: 

a)  assegurar o respeito dos direitos e da reputação das demais  pessoas; 

b)  proteger a segurança nacional, a ordem, a saúde ou a moral pública.

Artigo 27.

1. No caso em que haja minorias étnicas, religiosas ou linguísticas, as pessoas pertencentes a essas minorias não poderão ser privadas do direito de ter, conjuntamente com outros membros de seu grupo, sua própria vida cultural, de professar e praticar sua própria religião e usar sua própria língua

31

.”

31

ONU, Organização das Nações Unidas. Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos.

Disponível em: <http://www.pacto_direitos_civis_politicos_1_pdf>. Acesso em 10 de

setembro de 2013.

(11)

369 Esse Pacto reiterou a universalidade e a indivisibilidade dos direitos humanos, que eram princípios já consagrados pela Declaração Universal. Posteriormente, estabeleceu direitos direcionados aos indivíduos, reforçando, assim, a proteção a vários direitos constantes da Declaração Universal, como o direito à vida (art. 6º), o direito a não ser submetido à tortura (art. 7º) e o direito a não ser submetido à escravidão ou à servidão (art. 8º, 1 e 2), entre outros. Assim, reconhecendo a sua importância no caso do direito à autodeterminação (art. 1º), no direito de não ser preso por descumprimento de obrigação contratual (art. 11), bem como em caso do direito das minorias à identidade cultural, religiosa e linguística (art. 27).

Até maio de 2002, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos já havia sido ratificado por 148 Estados, que comprometeram-se a promover e garantir os direitos nele constantes. Este número confirma a dimensão tomada pelo Pacto e o reconhecimento da importância de se garantir direitos à vida e à liberdade.

32

Um importante documento, adotado em 19 de outubro de 2005 pelo Brasil e outros países, foi a Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos, em que seu teor muda profundamente a agenda da bioética do século XXI, democratizando-a e tornando-a mais aplicada e comprometida com as populações vulneráveis. Por conseguinte, sendo mais um instrumento à disposição da democracia no sentido do aperfeiçoamento da cidadania e dos direitos humanos universais. Relacionam-se abaixo os principais dispositivos referentes ao assunto abordado:

“Artigo 1°.

a) A Declaração trata das questões éticas relacionadas à medicina, às ciências da vida e às tecnologias associadas quando aplicadas aos seres humanos, levando em conta suas dimensões sociais, legais e ambientais.

b) A presente Declaração é dirigida aos Estados. Quando apropriado e pertinente, ela também oferece orientação para decisões ou práticas de indivíduos, grupos, comunidades, instituições e empresas públicas e privadas.

Artigo 2°.

Os objetivos desta Declaração são:

(i) prover uma estrutura universal de princípios e procedimentos para orientar os Estados na formulação de sua legislação, políticas ou outros instrumentos no campo da bioética;

[...]

(iii) promover o respeito pela dignidade humana e proteger os direitos humanos, assegurando o respeito pela vida dos seres humanos e pelas liberdades fundamentais, de forma consistente com a legislação internacional de direitos humanos;

32

LIMA JÚNIOR, Jayme Benvenuto. (Org.). Manual dos direitos humanos. Disponível em:

<http://www.gajop.org.br/arquivos/publicacoes/Manual_de_Direitos_Acesso_aos_Sistemas_

global_e_Regional.pdf>. Acesso em 20 de outubro de 2013, p. 07.

(12)

370

(iv) reconhecer a importância da liberdade da pesquisa científica e os benefícios resultantes dos desenvolvimentos científicos e tecnológicos, evidenciando, ao mesmo tempo, a necessidade de que tais pesquisas e desenvolvimentos ocorram conforme os princípios éticos dispostos nesta Declaração e respeitem a dignidade humana, os direitos humanos e as liberdades fundamentais;

Artigo 3°.

a) A dignidade humana, os direitos humanos e as liberdades fundamentais devem ser respeitados em sua totalidade.

b) Os interesses e o bem-estar do indivíduo devem ter prioridade sobre o interesse exclusivo da ciência ou da sociedade.

Artigo 5°

Deve ser respeitada a autonomia dos indivíduos para tomar decisões, quando possam ser responsáveis por essas decisões e respeitem a autonomia dos demais.

Devem ser tomadas medidas especiais para proteger direitos e interesses dos indivíduos não capazes de exercer autonomia.

Artigo 10.

A igualdade fundamental entre todos os seres humanos em termos de dignidade e de direitos deve ser respeitada de modo que todos sejam tratados de forma justa e equitativa.

Artigo 11

Nenhum indivíduo ou grupo deve ser discriminado ou estigmatizado por qualquer razão, o que constitui violação à dignidade humana, aos direitos humanos e liberdades fundamentais.”

33

Considerando os parágrafos citados da Declaração, observa-se que a bioética está assentada em quatro pilares ou princípios, a saber:

Princípio da beneficência: Esse princípio encontra suas raízes no juramento de Hipócrates e está sustentado na regra da confiabilidade, em que o médico tem a obrigação de sempre causar os menores prejuízos ou agravos à saúde do paciente, expresso no capítulo I, artigo 2º, do Código de Ética Médica brasileiro: “o alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional”

34

. Dessa maneira, é preciso que o profissional tenha convicção e informações técnicas possíveis, embasadas nas melhores evidências científicas, que assegurem que determinado ato médico será benéfico para o paciente. No entanto, para os pacientes Testemunhas de Jeová, será aquele que também respeite os ditames de sua

33

UNESCO, Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura. Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos. Disponível em: <http://www.anis.org.br/Cd01/

Comum/DocInternacionais/doc_int_08_unesco_declaracao_bioetica_port.pdf>. Acesso em 08 de setembro de 2013.

34

CREMERJ, Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro. Código de Ética Médica. E Legislação dos Conselhos de Medicina. 6. ed. Rio de Janeiro. 2012. Disponível em:

<http://www.cremerj.com.br/publicacoes/download/167;jsessionid=9BJSECQYzg5LoHxs3

nXuuc41.undefined>. Acesso em 21 de outubro de 2013.

(13)

371 consciência. É impossível não reiterar que a religiosidade dos pacientes faz parte deste contexto bioético e que influi diretamente em suas escolhas terapêuticas, bem como na própria expressão cidadã de sua autonomia. Inegavelmente, o ato de incluir na anamnese perguntas que se relacionem com a doutrina religiosa do indivíduo poderia evitar conflitos legais, éticos e morais, tanto quanto promover a proteção da autonomia e dos direitos cidadãos dos pacientes Testemunhas de Jeová. Logo, para um atendimento em saúde sem conflitos éticos e/ou morais faz- se necessário mais do que “boa vontade” do profissional, exige-se uma visão ampla do objeto do cuidado (o paciente) e uma formação bioética dos profissionais.

35

Princípio da autonomia: Relaciona-se com o livre-arbítrio, com o direito da pessoa de decidir, livre de pressões externas, sobre qual terapia ou tratamento médico seguir, de acordo com suas motivações e convicções. Autonomia significa autogovernar-se, fazer escolhas, ter liberdade para decidir acerca de seu comportamento.

36

Motivado por sua liberdade de crença religiosa, o direito de escolha pelo paciente decorre do seu direito da personalidade de não poder ser constrangido a tratamento médico ou cirúrgico, sob pena de violência moral, além do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.

37

Princípio do consentimento esclarecido (ou informado): Este princípio refere- se ao ato do médico esclarecer e informar ao paciente os benefícios e os riscos correspondentes dos tratamentos cirúrgicos e terápicos, bem como quais podem ser as alternativas para o tratamento.

Desse modo, o paciente possuirá todas as opções e elegerá aquela que for mais conveniente para ele

38

.

Além de ser uma proteção para o paciente, serve como álibi de potenciais processos judiciais para as equipes médicas, pois, “(...) caso a opção desejada pelo indivíduo resulte em uma situação negativa, como o óbito, tem-se um respaldo jurídico”.

39

Princípio da justiça: A força deste princípio surge quando há a necessidade de conscientização em torno da distribuição igualitária e geral dos benefícios e avanços propiciados pelos serviços de atendimento à saúde

40

.

Em reflexão aos diversos textos expostos e associando-os com a opção das Testemunhas de Jeová de não aceitarem a hemotransfusão, entende-se que a liberdade de religião, conforme o dispositivo constitucional, não abrange apenas o direito de crer em uma doutrina, mas, também, o de exercer os preceitos da fé professada. “Esta que tem a liberdade de ser expressa em todos os aspectos da vida, bem como na recusa de tratamentos médicos específicos”

41

35

AZAMBUJA, Letícia Erig Osório de.; GARRAFA, Valnei. Op. Cit., p. 05.

36

LEIRIA, Cláudio da Silva. Op. Cit., p. 08.

37

AZEVEDO, Álvaro Villaça. Op. Cit., p. 48.

38

LEIRIA, Cláudio da Silva. Op. Cit., p. 08.

39

MASSONETTO, Júlio Cesar. Bioética e espiritualidade. Centro Universitário São Camilo.

1(1): 105. 2007. Disponível em: <http://www.saocamilo-sp.br/pdf/bioethikos/54/Bioetica_

espiritualidade.pdf>. Acesso em 20 de outubro de 2013.

40

LEIRIA, Cláudio da Silva. Op. Cit., p. 09.

41

LEIRIA, Cláudio da Silva. Op. Cit., p. 09.

(14)

372

Quando o Estado independente dos poderes obriga um cidadão a realizar transfusão de sangue contra sua vontade, o priva de sua dignidade, liberdade religiosa e intimidade. Este fenômeno é denominado por Habermas como

“colonização do mundo da vida”, em que o Estado Social e Democrático de Direito, quando realiza uma ação interventiva, ao invés de apenas garantir a liberdade, está, na realidade, conduzindo à privação da liberdade.

42

Em síntese, o Estado ao consentir uma ação atentatória ao homem, “(...) deixa de garantir a ele as condições mínimas de vida e o impede de desenvolver sua personalidade”.

43

No caso das Testemunhas de Jeová, “(...) o desrespeito ao obrigá-lo a ser transfundido aniquila sua esfera mais íntima da vida e a sua própria condição de ser humano”.

44

Médicos versus Testemunhas de Jeová e a necessidade do consentimento livre esclarecido

O paciente enfermo independente de sua gravidade não é passível de perder seu status de ser humano, nem de ser menos autônomo. Seus direitos essenciais como o respeito à raça, à cor, ao sexo, ao estado de saúde, à idade, à nacionalidade ou à religião seguem intactos, não devendo o médico desrespeitar àquele que está sob seus cuidados.

Kant, filósofo moderno, ao se referir à felicidade afirma sobre a consciência do dever cumprido, ou seja, na tranquilidade de se ter uma boa consciência. Assim sendo, “(...) mais do que qualquer outra profissão, o médico precisa colocar- se sempre no lugar do outro e tentar enxergar com aqueles olhos o porquê que determinado tipo de tratamento foi escolhido”

45

. Por mais que, em contrapartida, o médico acredite que outras técnicas sejam melhores e até mais eficientes para salvar a vida do paciente, apenas o resta respeitar.

Antes de qualquer procedimento ou cirurgia, um documento legal precisa ser lido e assinado pelo paciente afirmando que os futuros acontecimentos estão de acordo com seu consentimento e livre de qualquer interferência de outrem

46

.

Os Conselhos Regionais de Medicina na busca da preservação tanto dos valores de seus profissionais, como da personalidade, individualidade e autonomia do ser humano elaboraram em 1988 o Código de Ética Médica, que foi reformulado em 2012. Listam-se abaixo os principais dispositivos do Código que abordam a temática do respeito do profissional com o seu paciente:

42

HABERMAS, Jürgen. Op. Cit., p. 295. Apud NERY JÚNIOR, Nélson. Op. Cit., p. 22.

43

FIALHO, Carla Cabogrosso. Op. Cit., p. 03.

44

AZEVEDO, Álvaro Villaça. Op. Cit., p. 17.

45

MASSONETTO, Júlio Cesar. Op. Cit., p. 106.

46

NERY JÚNIOR, Nélson. Op. Cit., p. 23.

(15)

373

“CAPÍTULO I

I – A Medicina é uma profissão a serviço da saúde do ser humano e da coletividade e será exercida sem discriminação de nenhuma natureza.

II – O alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional.

VI – O médico guardará absoluto respeito pelo ser humano e atuará sempre em seu benefício. Jamais utilizará seus conhecimentos para causar sofrimento físico ou moral, para o extermínio do ser humano ou para permitir e acobertar tentativa contra sua dignidade e integridade.

CAPÍTULO III.

É vedado ao médico:

Art. 1º Causar dano ao paciente, por ação ou omissão, caracterizável como imperícia, imprudência ou negligência.

Art. 13º Deixar de esclarecer o paciente sobre as determinantes sociais, ambientais ou profissionais de sua doença.

CAPÍTULO IV.

É vedado ao médico:

Art. 22. Deixar de obter consentimento do paciente ou de seu representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte.

Art. 23. Tratar o ser humano sem civilidade ou consideração, desrespeitar sua dignidade ou discriminá-lo de qualquer forma ou sob qualquer pretexto.

Art. 24. Deixar de garantir ao paciente o exercício do direito de decidir livremente sobre sua pessoa ou seu bem-estar, bem como exercer sua autoridade para limitá-lo.

Parágrafo único. Caso ocorram quaisquer atos lesivos à personalidade e à saúde física ou mental dos pacientes confiados ao médico, este estará obrigado a denunciar o fato à autoridade competente e ao Conselho Regional de Medicina.

CAPÍTULO V.

É vedado ao médico:

Art. 31. Desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante legal de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente risco de morte.

Art. 32. Deixar de usar todos os meios disponíveis de diagnóstico e tratamento, cientificamente reconhecidos e a seu alcance, em favor do paciente.

Art. 34. Deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e os objetivos do tratamento, salvo quando a comunicação direta possa lhe provocar dano, devendo, nesse caso, fazer a comunicação a seu representante legal.

Art. 38. Desrespeitar o pudor de qualquer pessoa sob seus cuidados

profissionais.

(16)

374

CAPÍTULO X.

É vedado ao médico:

Art. 88. Negar, ao paciente, acesso a seu prontuário, deixar de lhe fornecer cópia quando solicitada, bem como deixar de lhe dar explicações necessárias à sua compreensão, salvo quando ocasionarem riscos ao próprio paciente ou a terceiros.”

47

Por meio de uma análise descuidada dos dispositivos do Código de Ética Médica se poderia concluir que, em caso de “risco iminente de vida” (Art. 31°), a decisão do paciente pode ser desconsiderada pelo médico. Contudo, essa avaliação deve ser criteriosa, “(...) pois se observam duas condutas muito importantes e obrigatórias no atendimento médico precedentes a qualquer intervenção cirúrgica ou terapêutica: a) esclarecer o paciente sobre o procedimento a ser realizado e, b) obter o seu consentimento”

48

. É válido destacar que esse dispositivo é considerado

“(...) impróprio pela legislação e que entra em choque com os próprios princípios do Código”.

49

Embora haja situações em que não será possível esclarecer ao paciente o procedimento médico a ser realizado e nem obter o consentimento do próprio ou de seus familiares. Nesse contexto, “(...) o médico deve agir de acordo com a sua ética e, conseguintemente, nenhuma responsabilização deve ser aventada ao profissional”.

50

Portanto, o total poder de decisão relacionado a qual caminho seguir compete, exclusivamente, ao paciente e não ao médico ou profissional de saúde.

“O dever do médico de cuidar do paciente acaba quando este, após ter recebido todas as informações, opõe-se ao tratamento. Ela é uma sentença verdadeira, pois se deve aproximar, cada vez mais, do valor absoluto da dignidade da pessoa e essa, em suas atribuições, pode limitar qualquer intervenção médica”

51

.

Publicado em 1947, o Código de Nuremberg foi o primeiro código internacional de ética para pesquisas em humanos, enfatizando o consentimento voluntário do indivíduo. “Este código surgiu impedindo que atrocidades, como as cometidas pelos médicos nazistas na 2° Guerra Mundial, não viessem mais a acontecer ao homem”

52

.

47

CREMERJ, Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro. Op. Cit..

48

AZEVEDO, Álvaro Villaça. Op. Cit., p. 30.

49

AZEVEDO, Álvaro Villaça. Op. Cit., p. 30.

50

AZEVEDO, Álvaro Villaça. Op. Cit., p. 31.

51

ANDRADE, Luiz Gustavo de.; QUINTÃO, Bruna de Oliveira. Op. Cit., p. 79.

52

GIOSTRI, Hildegard Taggesell. Sobre o consentimento informado: sua história, seu valor.

Simpósio Medicina e Direito. J Vasc Br, Vol. 2, n. 3. 2003. Disponível em: <http://www.jvascbr.

com.br/03-02-03/simposio/03-02-03-267.pdf>. Acesso em 20 de outubro de 2013, p. 01.

(17)

375 Em relação à temática do consentimento tem-se a Declaração Universal do Genoma Humano e dos Direitos Humanos, firmada em 1977, pelo Comitê Internacional de Bioética da UNESCO, a qual preza pelo total respeito à dignidade, à liberdade e aos direitos humanos, bem como a proibição de todos os tipos de discriminação baseadas em características genéticas:

“Artigo 5°

b) Em qualquer caso, deve ser obtido o consentimento prévio, livre e esclarecido do indivíduo envolvido. Se este não estiver em condição de fornecer tal consentimento, esse mesmo consentimento ou autorização deve ser obtido na forma determinada pela legislação, orientada pelo maior interesse do indivíduo.”

53

Na Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos, abordado anteriormente, também se percebe esta preocupação embasada no Princípio da Autonomia. “Este que encontra aplicação prática nas regras de condutas sociais, que estão relacionadas com a atitude de respeitar a privacidade dos outros, dizer a verdade, fornecer informação fidedigna, pedir e obter permissão para intervir no corpo das pessoas, dentre outras”.

54

“Artigo 6º.

1. Qualquer intervenção médica de caráter preventivo, diagnóstico ou terapêutico só deve ser realizada com o consentimento prévio, livre e esclarecido da pessoa em causa, com base em informação adequada.

Quando apropriado, o consentimento deve ser expresso e a pessoa em causa pode retirá-lo a qualquer momento e por qualquer razão, sem que daí resulte para ela qualquer desvantagem ou prejuízo.

2. Só devem ser realizadas pesquisas científicas com o consentimento prévio, livre e esclarecido da pessoa em causa. A informação deve ser suficiente, fornecida em moldes compreensíveis e incluir as modalidades de retirada do consentimento. A pessoa em causa pode retirar o seu consentimento a qualquer momento e por qualquer razão, sem que daí resulte para ela qualquer desvantagem ou prejuízo. Exceções a este princípio só devem ser feitas de acordo com as normas éticas e jurídicas adotadas pelos Estados e devem ser compatíveis com os princípios e disposições enunciados na presente Declaração, nomeadamente no artigo 27ª, e com o direito internacional relativo aos direitos humanos.”

O médico que executa determinado procedimento contra a vontade do paciente e não o informa está cometendo uma grave infração e poderá responder

53

UNESCO, Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura. Declaração do Genoma Humano. Disponível em: <http://www.fmj.br/Pdfs/genoma.pdf>. Acesso em 10 de setembro de 2013.

54

GIOSTRI, Hildegard Taggesell. Op. Cit., p. 01.

(18)

376

tanto civilmente (danos materiais e morais), além de um possível enquadramento criminal relacionado ao constrangimento ilegal previsto no Código Penal, artigo 146. Se o crime for avaliado na categoria de lesão corporal, o infrator será penalizado pelo artigo 129 do Código Penal. Como não é dado ao médico o direito de constranger o paciente a tratamentos dos quais ele ou seus familiares não tenham dissentido, sem ressalvas quanto ao “iminente perigo de vida”, a ação do profissional associa-se aos termos do artigo 15 do Código Civil, que privilegia a autonomia do paciente. Além desses dispositivos, a atitude errônea do médico é passível de infração administrativa, punível pelo Conselho de Medicina, pois contraria o Código de Ética Médica nos artigos 34 e 88. Possivelmente, uma expressiva parcela dos médicos se sentiria insegura em respeitar a vontade do paciente de recusar transfusões de sangue em condições de iminente perigo de vida. “Tal receio se deve ao fato do profissional correr riscos de responder a um processo administrativo junto ao Conselho Regional de Medicina ou ser réu em um processo civil ou criminal por omissão de socorro, previsto no artigo 135 do Código Penal”.

55

O habeas corpus apresenta-se como uma das garantias obtidas pela Constituição Federal, além de ser uma medida processual adequada a proteger o direito fundamental das Testemunhas de Jeová. “Sua utilização não é cabível apenas contra prisões arbitrárias e ilegais, mas contra qualquer constrangimento ilegal ou opressão indevida à liberdade do cidadão”.

56

Neste sentido, o documento “Instruções e Procuração para Tratamento de Saúde” portado pelas Testemunhas de Jeová possui validade jurídica plena, pois declara antecipadamente as diretrizes a serem seguidas pelo médico no tratamento de saúde, bem como nomeia, validamente, no mesmo documento, dois procuradores para cuidarem da preservação de sua vontade, que devem ser acionadas em caso de inconsciência do paciente. Isso por que a possibilidade de escolher e nomear um procurador ou um representante está contemplada em nosso ordenamento jurídico, por meio da “Carta dos Direitos e Deveres dos Usuários da Saúde” (CDDUS), art. 5º, VII: “a indicação de sua livre escolha, a quem confiará a tomada de decisões para a eventualidade de tornar-se incapaz de exercer sua autonomia”. Logo, esta procuração é a garantia das vontades da Testemunha de Jeová frente à sua impossibilidade de manifestá-la (...)”

57

, e, “a não observância das diretrizes, bem como a desconsideração do papel do procurador, sujeitará o profissional de saúde a ser responsabilizado no âmbito legal e ético”.

58

Espera-se, portanto, do profissional de saúde uma compreensão clara da postura das Testemunhas de Jeová em “(...) relação ao tratamento de saúde e o seu

55

LEIRIA, Cláudio da Silva. Op. Cit., p. 10.

56

NERY JÚNIOR, Nélson. Op. Cit.. p. 54.

57

MS, Ministério da Saúde. Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde. Brasília-DF: MS, 2011.

Apud ANDRADE, Luiz Gustavo de.; QUINTÃO, Bruna de Oliveira. Op. Cit., p. 79.

58

AZEVEDO, Álvaro Villaça. Op. Cit., p. 38.

(19)

377 interesse de sempre buscar os mais variados avanços da medicina não transfusional, que seguem em pleno e franco desenvolvimento, mostrando que evitar o uso do sangue alogênico tem sido cada vez mais seguro e eficaz”.

59

Novas alternativas à hemotransfusão

Os fatores econômicos, o desenvolvimento da genética molecular e da biotecnologia, a terapêutica celular, a inovação de equipamentos, a automação e a computação, os sistemas da qualidade e o interesse do hemoterapeuta por áreas científicas de ponta são todos fatores que contribuíram para o avanço da hemoterapia no País. “Um aspecto que não pode ser esquecido é o impacto que a pandemia do vírus da imunodeficiência humana (HIV) causou nos processos hemoterápicos, priorizando o cuidado na seleção de doadores e nos testes laboratoriais”.

60

Com a finalidade de guiar ações que aumentem à segurança nas transfusões sanguíneas, com destaque para as reações transfusionais, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) vem desenvolvendo desde 2000 a construção de mecanismos para a estruturação e qualificação de uma rede nacional de hemovigilância.

A administração de sangue e hemocomponentes é um processo que, mesmo em contextos de indicação precisa e administrações corretas, respeitando, portanto, todas as normas técnicas preconizadas, envolvem riscos sanitários e estão relacionadas com a ocorrência de diversos incidentes transfusionais.

“Esses conteúdos sanguíneos podem potencialmente salvar vidas, assim como levar o paciente a graves riscos, com complicações imediatas ou tardias, em caso de falhas ou atrasos nas etapas de execução deste procedimento. Infortunadamente, além dos problemas transfusionais, deve-se atentar para eventos metabólicos, imunológicos e hidroeletrolíticos indesejados que podem gerar algum tipo de complicação. Por isso, antes da prescrição desses conteúdos, é essencial que o profissional meça os riscos potenciais da transfusão e os compare com as novas alternativas à transfusão.”

61

59

GOODNOUGH, Lawerence T.; SHANDER, Aryeh.; SPENCE, Richard. Bloodless Medicine:

clinical care without allogeneic blood transfusion. In: Transfusion. USA: Blackwell Publisching, nº 19, v. 43, may, p. 668, 2004. Apud NERY JÚNIOR, Nélson. Op. Cit.. p. 32.

60

FLORIZIANO, Alderinger Aparecida Tulher.; FRAGA, Otávia de Souza. Os desafios da enfermagem frente aos avanços da hemoterapia no Brasil. Rev. Meio Ambiente Saúde. Vol. 02, n. 01, p. 282, 2007. Disponível em: <http://www.faculdadedofuturo.edu.br/revista/2007/

pdfs/RMAS%202(1)%20282-295.pdf>. Acesso em 21 de outubro de 2013.

61

ANVISA, Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Manual técnico de hemovigilância:

investigação das reações transfusionais imediatas e tardias não infecciosas. Brasília-DF: Nov.

2007. Disponível em: <http://www.uel.br/hu/hemocentro/pages/arquivos/manual_tecnico_

hemovigilancia_08112007.pdf>. Acesso em 20 de outubro de 2013, pp. 09-45.

(20)

378

Nesse contexto, quando as Testemunhas de Jeová recusam a transfusão sanguínea, não estão rejeitando todos os tipos de tratamento médicos, nem exercendo direito de morrer. “Eles querem, apenas, escolher um tratamento que respeite sua doutrina e seja viável a sua fé. Além disso, rechaçam uma terapia que, conforme as próprias autoridades em saúde afirmam, acarreta riscos graves a saúde do homem”

62

.

“Assim, tem-se verificado que tratar pacientes sem o uso de transfusão sanguínea é a uma realidade. Há vários relatos médicos bem-sucedidos no tratamento de diversas enfermidades, bem como na realização de grandes cirurgias, que atestam essa realidade. Existem muitos outros relatos, tais como transplantes de fígado, cirurgias cardíacas, cirurgias ginecológicas, prostatectomias, traumas, entre outros que demonstram que a medicina tem se preocupado em tratar pacientes TJ sem o uso da terapia transfusional.”

63

Por respeito aos direitos fundamentais das pessoas que, por motivos religiosos ou outros, não aceitam determinados tratamentos médicos, é obrigação jurídica do Estado de custear o pagamento, pelo Sistema Único de Saúde (SUS), de tratamentos alternativos às transfusões sanguíneas. “Outro motivo que se deve ressaltar envolve o fato de que propiciar terapias médicas mais seguras aos usuários do sistema de saúde diminui e evita gastos com indenizações e tratamentos médicos de pessoas contaminadas pelas transfusões de sangue”.

64

No entanto, não se pode negar que as transfusões de sangue e de hemocomponentes são recursos terapêuticos valiosos que aliviam sofrimentos e salvam vidas todos os dias. Para se ter uma disponibilização segura desses bens, ou seja, para se fazer a hemovigilância, é requerida, “(...) a colaboração de doadores de sangue voluntários, de instituições produtoras bem organizadas e distribuídas, além do controle de qualidade na testagem sorológica e imuno-hematológica, que farão um uso racional do sangue e seus hemocomponentes”.

65

As reações à hemotransfusão podem ser divididas em dois tipos, em que a primeira é a reação transfusional imediata, que ocorre durante a transfusão ou até 24 horas depois, e a segunda é a reação transfusional tardia, que ocorre após 24 horas da transfusão realizada.

66

A seguir as principais doenças relacionadas com os tipos de reações:

62

AZEVEDO, Álvaro Villaça. Op. Cit., p. 12.

63

AZEVEDO, Álvaro Villaça. Op. Cit., p. 12.

64

LEIRIA, Cláudio da Silva. Op. Cit., p. 12

65

ANVISA, Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Op. Cit., p. 17.

66

ANVISA, Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Op. Cit., p. 19.

(21)

379 Tab. 01 – Principais doenças relacionadas com os tipos de reações

Reações imediatas Reações tardias

Hemolítica aguda imunológica Hemolítica tardia

Febril não hemolítica HBV / Hepatite B

Alérgica HCV /Hepatite C

Anafilática HIV / AIDS

Sobrecarga volêmica Doença de Chagas

Contaminação bacteriana Sífilis

Lesão pulmonar relacionada Malária

À transfusão / Trali HTLV I / II

Hipotensiva Doença do enxerto contra o hospedeiro / GVHD Hemolítica aguda não imune Aparecimento de anticorpos

Outras Irregularidades / Isoimunização

Outras Fonte: (ANVISA, 2012, p. 105).

Logo, para a identificação de causas preveníveis na cadeia transfusional, é preciso o monitoramento e a avaliação das reações transfusionais. “No âmbito hospitalar, é papel do comitê transfusional monitorar e disseminar ações estratégicas de hemovigilância e, ainda, implantar medidas de correção e prevenção”

67

.

“Nesse contexto, intermediando conflitos entre Testemunhas de Jeová e a categoria médica, dentro desta determinada religião foi criada a Comissão de Ligação com Hospitais (COLIHs), que estão presentes nas principais cidades e centros médicos do País. Quando é permitida ou solicitada a atuação desta comissão, colaboradores treinados podem interagir com médicos, administradores hospitalares, assistentes sociais e membros do Judiciário, se colocando à disposição para apoiar médicos dispostos a tratar pacientes Testemunhas de Jeová. Além disso, promovem apresentações aos profissionais, divulgando informações clínicas e científicas pertinentes, participando em eventos médicos e muitas outras atividades de suporte à classe médica. Em apoio às COLIHs, existe a provisão dos Grupos de Visitas a Pacientes (GVPs), que proveem apoio espiritual, emocional e, se necessário, suporte físico para os pacientes internados em hospitais.”

68

Os novos membros da religião Testemunhas de Jeová, no decorrer de seus aprendizados, recebem um DVD que explica sobre os principais motivos e benefícios do porquê de se escolher alternativas para a hemotransfusão. Além da abordagem acerca dos êxitos obtidos por médicos em todo o mundo, como

67

ANVISA, Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Op. Cit., p. 108.

68

AZEVEDO, Álvaro Villaça. Op. Cit., p. 05.

(22)

380

também sobre quais seriam os princípios médicos, jurídicos e éticos envolvidos ao tema. Com esse material, relatam e provam que esses métodos são simples, seguros e eficazes.

69

Alguns medicamentos e técnicas têm sido adotadas: “(...) como o uso de fatores de crescimento, que contribuem para a redução das transfusões especialmente em pacientes com nefropatias, que necessitam de hemodiálise periodicamente”.

70

De acordo com os depoimentos médicos expostos no DVD Alternativas à transfusão – Série de documentários elaborado pelos Testemunhas de Jeová, as operações com esse métodos já aconteceram tanto em recém-nascidos, como em pessoas com 90 anos. Além de ensinar que o “protocolo de alternativas às transfusões”, muito importante em casos de cirurgias, está firmado em três princípios básicos, que são: 1- Tolerância apropriada à anemia; 2- Otimizar a massa eritrocitária (estimular a produção de glóbulos vermelhos) e 3- Reduzir a perda sanguínea (hemorragia) ou recuperar o sangue derramado.

71

Seguindo uma linha de raciocínio independente de religião, observa-se que as novas alternativas têm proporcionado a todas as pessoas uma chance de terem seus problemas patológicos e fisiológicos tratados, com técnicas mais baratas e seguras, visto que uma bolsa de sangue possui alto valor agregado. Além das técnicas medicamentosas, outras simples como o posicionamento do paciente na mesa de cirurgia e o cuidado em manter sua temperatura estável com o uso de cobertores térmicos, bem como o uso de máquinas simples que mantêm os fluídos infundidos aquecidos podem reduzir a perda sanguínea.

72

No caso de um paciente que sofreu um grave acidente e apresenta grande perda de sangue, o principal é agir rapidamente. O primeiro procedimento é o de estancar a hemorragia cirurgicamente ou por outros métodos. Após o cirurgião abrir o tórax ou o abdômen e notar que ele tem problemas no cessamento do sangramento, primariamente se deve atentar para as hemorragias dos grandes vasos, controlando com tamponamentos e, após, fechando o corpo do paciente temporariamente. Esse procedimento permite que o indivíduo seja levado a uma unidade de terapia intensiva, onde se continuará a ressuscitação e os esforços específicos para reverter os efeitos adversos sobre a coagulação. No caso das Testemunhas de Jeová, assim que um acidentado chega ao hospital, o médico não deve hesitar na utilização de eritropoetina e ferro e na reposição de volume como tratamento. Cláudio da Silva Leiria, em 2010, registrou as seguintes alternativas à hemotransfusão:

69

WATCHTOWER BIBLE AND TRACT SOCIETY. Transfusion Alternatives. Documentary Series-On DVD. Brooklyn, New York, USA: Watch Tower Bible and Tract Society of Pennsyylvania. 2004. 120 mim.

70

FLORIZIANO, Alderinger Aparecida Tulher.; FRAGA, Otávia de Souza. Op. Cit., p. 285.

71

WATCHTOWER BIBLE AND TRACT SOCIETY. Op. Cit..

72

WATCHTOWER BIBLE AND TRACT SOCIETY. Op. Cit..

(23)

381

“a. Dispositivos cirúrgicos para minimizar a perda sanguínea: eletrocautério/

eletrocirurgia; cirurgia a laser; coagulador com raio de argônio.

b. Técnicas e dispositivo para controlar hemorragias: pressão direta; agentes hemostáticos; hipotensão controlada.

c. Técnicas cirúrgicas e anestésicas para limitar a perda sanguínea: hipotermia induzida; hemodiluição hipervolêmica, redução de fluxo sanguíneo para a pele; recuperação sanguínea intraoperatória.

d. Dispositivos e técnicas que limitam a perda sanguínea iatrogênica:

oxímetro transcutâneo; uso de equipamento de microcoletagem.

e. Expansores de volume: lactato de Ringer; solução salina hipertônica;

colóide Dextran.”

73

Cabe ao médico, portanto, respeitar a autonomia do paciente e oferecer-lhe os mais variados tipos de tratamentos alternativos. Contudo, se estiver fora de seu alcance tais recursos e habilidades, o profissional tem total apoio das COLIHs para auxiliá-lo em casos de emergência e urgência. Por isso, o estudo médico precisa ser sempre contínuo e atualizado, além de atento às mais variadas formas de crenças.

“Na iminência de perigo de vida e ausência de qualquer tipo de documentação ou informação, o agir representa a confirmação do juramento que o profissional fez ao receber seu diploma”.

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Desta forma, “(...) por motivos jurídicos e éticos, atualmente a categoria médica tem dado maior atenção em respeitar a vontade do paciente religioso”.

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Conclusões

Com o presente trabalho, buscou-se entender os verdadeiros motivos doutrinários e jurídicos pelos quais as Testemunhas de Jeová abstêm-se da necessidade de transfusão de sangue, que inegavelmente possui alto potencial de salvar vidas nos momentos mais difíceis. Assim, optam pela valorização da sua moral, doutrina religiosa e aspectos psicológicos individuais que regem suas vidas.

Todos esses valores são preservados pela Constituição Federal, pelo Código Civil e Código Penal, que prezam pelo direito da personalidade e da vida.

Nesse contexto, o Código de Ética Médica evidencia que as obrigações impostas aos médicos por seu Estatuto não podem superar os direitos do paciente e, consequentemente, não é permitido ultrapassar as barreiras impostas pela religião.

Portanto, entende-se que a ética médica deve conciliar com os princípios do paciente e impedir que qualquer situação de constrangimento desrespeite sua autonomia.

Para o médico que ministra um tratamento contra a vontade expressa do paciente e também omite informações importantes para ele, comete grave falta à ética médica, passível de pena administrativa. Além disso, o iminente risco de vida

73

LEIRIA, Cláudio da Silva. Op. Cit., pp. 13-14.

74

FIALHO, Carla Cabogrosso. Op. Cit., p. 18.

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LEIRIA, Cláudio da Silva. Op. Cit., p. 15.

Referências

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