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20 CONGRESSO BRASILEIRO DE SOCIOLOGIA 12 A 17 DE JULHO DE 2021 UFPA Belém, PA COMITÊ DE PESQUISA 29 BIOGRAFIA E SOCIEDADE TÍTULO

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UFPA – Belém, PA

COMITÊ DE PESQUISA 29 – BIOGRAFIA E SOCIEDADE

TÍTULO

CARTAS COMO FONTES DE SUBJETIVIDADES E PESQUISA SOCIAL:

HANNAH ARENDT E WALTER BENJAMIN

Maria Francisca Pinheiro Coelho Universidade de Brasília

A amizade é uma forma de excelência moral ou é concomitante com a excelência moral.

Aristóteles A ética a Nicômacos

Poema de Hannah Arendt para Walter Benjamin, em Nova York, em 1943, ao saber dos campos de extermínios em Auschiwitz:

“W. B”

O crepúsculo voltará algum dia.

A noite descerá das estrelas,

Repousaremos nossos braços estendidos Nas proximidades, nas distâncias.

Da escuridão soam suavemente

Pequenas melodias arcaicas. Ouvindo, Vamos desapegar-nos,

Vamos finalmente romper as fileiras.

Vozes distantes, mais perto de luto.

Essas são as vozes e esses os mortos

pré-enviados como mensageiros

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na frente, para levar-nos no sono.

1

1.INTRODUÇÃO

O tema deste trabalho é um desdobramento da pesquisa de pós-doutorado realizada em Berlim, em 2018-2019, com o tema Hannah Arendt e Walter: Eros da amizade e afinidades eletivas, na Freie Universität.

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O artigo integra o próximo projeto de pesquisa da professora como bolsista Pesquisadora do CNPq. O foco do trabalho consiste nas correspondências do ciclo de amizades mais próximo de Walter Benjamin. O intuito é procurar compreender o contexto político e social da época, os desafios daqueles tempos sombrios do nazismo e da Segunda Guerra,

1 Reproduzido de Elisabeth Young-Bruehl, Por amor ao mundo: a vida e a obra de Hannah Arendt. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1997, p. 164 em português, e p. 422, em alemão:

W.B [Walter Benjamin]

Einmal dämmert Abend wieder, Nacht fällt nieer von den Sternen Liegen wir gestreckte Glieder In den Nägen, in den Fernen

Aus den Dunkelheiten tönen Sanfte kleine Melodeien.

Lauschen wir uns zu entwöhnen, Lockern endlich wir die Reihen.

Ferne Stimmen, naher Kummer - : Jene Stimmen jener Toten,

Die wir vorgeschickt als Boten Uns zu leiten in den Schlummer.

2 Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamente de Pessoal de Nível Superior (CAPES), como Professora visitante no Exterior Sênior. Processo 88881.171378/2018-01.

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assim como pensar questões que uniam e separavam os exilados, considerando sempre a amizade e a realidade dos fatos.

Durante a pesquisa em Berlim, tive oportunidade de realizar a leitura de correspondências, como a de Walter Benjamin com Gershom Scholem (1932- 1940), a amizade mais longa entre os amigos; de Walter Benjamin com Theodor Adorno (1928-1040); e de Hannah Arendt com Walter Benjamin (1936-1940). No projeto do CNPq, o objetivo será ampliar o leque dos correspondentes.

Neste trabalho, retomo as três correspondências citadas acima como fontes de estudo dos laços que uniam Hannah Arendt a Walter Benjamin, apesar dos caminhos e do ritmo que assumiram a fortuna do pensamento de Benjamin, após sua morte trágica, em 26 de setembro de 1940, em Portbou, Espanha, que o levou a fama póstuma, como descreve Hannah Arendt (1987).

Muitas foram as tensões geradas entre Arendt, Scholem e Adorno, depois da morte de Benjamin.

3

Adorno e Scholem ficaram responsáveis pelo patrimônio literário de Walter Benjamin, a cargo do Instituto de Pesquisa Social, a Escola de Frankfurt, e afastaram qualquer consulta e participação de Arendt nesta atividade.

A primeira edição alemã da obra póstuma de Walter Benjamin, a cargo de Adorno e Scholem, é de 1955, pela Suhrkamp Verlag.

A correspondência de Hannah Arendt com Walter Benjamin corresponde apenas ao período de 1936 a 1940, quando conviverem em Paris. São importantes também as cartas de Arendt, depois da morte de Benjamin, aos amigos aos amigos comuns, a Gershom Scholem, comunicando a morte de Benjamin, a Heinrich Blücher, marido de Arendt, a Günther Anders, seu primeiro marido, e a Bertoldt Brecht.

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Durante o exílio em Paris, Hannah Arendt acompanhou de perto a produção intelectual de Benjamin e testemunhou seus problemas financeiros. As apropriações interpretativas do pensamento de Arendt dos escritos de Benjamin

3 Uma carta de Hannah Arendt a Gershom Scholem. In: ARENDT, Hannah. Escritos judaicos.

Barueri, SP: Amarillys, 2016. p. 755-763.

4 Cartas Disponíveis em SCHÖTTKER, Detlev; WIZISLA, Erdmut. Arendt und Benjamin. Suhrkamp Verlag, 2006.

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resultam e testemunham esses anos de convivência e o intenso diálogo entre os dois filósofos. Nesse sentido, pelo convívio e como testemunho de uma época, o ensaio de Arendt Walter Benjamin (1892-1940), publicado em Nova York em 1968, no livro de Walter Benjamin,Illuluminations, editado por ela, contribui para o campo de pesquisa sobre o pensamento do filósofo, suas tensões e analises. Entende-se que cartas, como fontes de subjetividades e pesquisa, podem trazer à luz realidades nem sempre compreendidas por aparências ou orientações intelectuais que no caso interpretado de Walter Benjamin seguem à sua morte.

O diálogo presencial de Arendt-Benjamin foi rompido com o suicídio do filósofo, mas o suposto geral e o embasamento deste trabalho de cunho biográfico é que essas fontes e documentos pessoais são muito importantes para clarear e revelar identidades, escolhas teóricas e afinidades intelectuais nem sempre perceptíveis pelo divulgação póstuma da obra do filósofo. Arendt chegou a comunicar a Scholem que ela tinha observações importantes sobre os escritos de Benjamin, mas que não foram considerados na edição das Teses sobre a filosofia da história, seu último escrito. Por sua vez, o contato pessoal dela com Adorno em Nova York para entregar esse manuscrito tinha sido frustrante (YOUNG-BRUEHL, 1997). Com a definição do exílio de Walter Benjamin nos Estados Unidos e a pedido dele, Hannah Arendt foi portadora de seu último manuscrito, as teses, que deveriam ser entregue a Adorno em Nova York, que se mostrou surpreso ao receber o documento.

Entre as consultas das correspondências de Walter Benjamin com Gershom Scholem e de Walter Benjamin com Theodor W. Adorno, este trabalho aborda ainda a correspondência entre Hannah Arendt e Walter Benjamin, publicada no livro Arendt und Benjamin (Schöttker; Wizisla, 2006), ainda não disponível em português.

Walter Benjamin dependia dos subsídios enviados pelo Instituto de Pesquisa Social, que pagava pelos seus escritos, situação que mudou com a eclosão da Guerra, quando ele foi considerado membro efetivo do Instituto, com salário fixo.

Antes ele era um colaborador, conforme descrito em Arendt no texto Walter

Benjamin um das Institut für Sozilforschung (SCHÖTTKER; WIZISLA, 2006, p. 193-

194).

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A interlocução entre os dois filósofos, foi registrada por Laura Adler, em Nos passos de Hannah Arendt (2007). Segundo a escritora, Arendt ia esperá-lo na saída da Biblioteca Nacional em Paris e iam para o apartamento dele ler e dissecar os escritos Franz Kafka. Segundo Adler, Benjamin encarnava para Arendt escritor que sabe aflorar o nada e tornar definitivamente absurda qualquer ideia de redenção.

Ela para ele era a saída a todos os seus tormentos, a encarnação de sua resistência à teologia, sua fonte de esperança. “A cada dia, ele lhe dá a coragem de viver. A cada noite, ela o ajuda a ultrapassar seu desespero” ( 2007: 148).

Berger e Luckmann argumentam a favor da compreensão que surge da situação face a face, quando o outro é apreendido num vívido presente partilhado.

Meu “aqui e agora” e o dele colidem continuamente um com o outro enquanto dura a situação face a face. Isso significa que na expressão face a face a subjetividade do outro me é acessível mediante o máximo de sintomas. Somente aqui a subjetividade do outro é expressivamente “próxima”. Todas as outras formas de relacionamento com o outro são, em graus variáveis, “remotas” (BERGER;

LUCKMANN, 1985, p. 47)

5

.

A compreensão de Hannah Arendt da obra e dos dilemas de Benjamin foram revelados em seu ensaio biográfico sobre o filósofo, que constitui contribuição relevante para o campo de pesquisa sobre a fortuna benjaminiana. Arendt abordou as diferentes dimensões indenitárias de Benjamin em uma perspectiva crítica distinta das enfatizadas pelos responsáveis pelo seu espólio literário.

Para Detlev Schöttker e Erdmut Wizisla,

Hannah Arendt, de quem no exílio ganhou a confiança de Walter Benjamin, moldou a recepção de seus escritos como poucos outros. Em 1968, ela publicou um ensaio na revista Merkur em que se concentrou em aspectos biográficos, literários e políticos do seu trabalho. Antes, Gershom Scholem e Theodor W. Adorno, amigos de longa data de Benjamin, haviam enfatizado as perspectivas filosóficas e teológicas.

Arendt acusou ambos de reprimirem as posições materialistas de Walter Benjamin. Essa acusação tornou-se parte da controvérsia em torno da

5 A aproximidade de Hannah Arendt com Walter Benjamin naquelas circunstâncias do exílio, a tornaram uma interlocutora privilegiada, devido ao compartilhamento dos conhecimentos e dilemas do amigo, naquela Paris que ele tanto amava, e que dizia que se sentia tão só, depois da “partida do amigo Brecht para a Dinamarca, em 1932”.

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edição e interpretação dos escritos de Benjamin, que continua a ocupar a pesquisa até hoje.

De acordo com os autores,

Arendt não só quis retratar uma dimensão negligenciada no pensamento de Benjamin, como também queria retratar os ferimentos infligidos a ela.

Era uma reminiscência das dependências financeiras e medidas intelectuais que Benjamin teve que tomar no exílio (SCHÖTTKER;

WIZISLA, ARENDT UND BENJAMIN. 2006, p. 9. tradução livre).

As relações entre Hannah Arendt e Gershom Scholem, amigos e correspondentes mudaram depois da Walter Benjamin e definitivamente depois da publicação do livro de Arendt Eichmann in Jerusalem - A Report in the Banality of Evil (1963). Na carta para Günther Anders e na carta para Bertolt Brecht sobre a morte de Benjamin, Arendt alerta-os para a importância de resguardar a obra de Walter Benjamin das influências do Instituto de Pesquisa Social.

Por meio dessas correspondências, este trabalho procura resgatar não somente as amizades, mas as tendências predominantes do pensamento de Walter Benjamin. O Instituto de Pesquisa Social o afastou de seu real legado. A correspondência de Adorno com Walter Benjamin é ilustrativa do respeito que eles tinham um pelo outro, mas também da formalidade de toda relação entre os dois filósofos. Em uma de suas primeiras cartas para Adorno, Benjamin o indaga sobre o uso que faz de uma passagem no seu memorial, no qual pretendia ser aceito na Universidade de Frankfurt, sem citar sua autoria, dizendo que ele, Benjamin, não faria isso nem em relação quando ele cita sua própria obra, sendo essa carta jamais respondida por Adorno. Pelo menos, não consta de edição em português dessa correspondência (Adorno-Benjamin, 2012, 488 p.).

Dito isso, por meio de correspondência e registros históricos, o trabalho visa

contribuir para o conhecimento de uma história real, nem sempre revelada pelos

acontecimentos que se seguiram à morte de Benjamin. Nos estudos por mim

realizado, procura-se também mostrar afinidades importantes do pensamento de

Hannah Arendt com o de Walter Benjamin, sobretudo no que diz respeito a crítica a

uma concepção linear da história que procura negar os eventos históricos

particulares e extraordinários que iluminam a compreensão da história (ARENDT,

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1988; 1999). Portanto, o que se procura é repor memórias e afinidades teóricas e de amizade entre os dois filósofos, tão separados por um tempo que de fato foi o mesmo para aquela geração de pensadores. Entende-se aqui que cartas e correspondências podem trazer a luz realidades nem sempre correspondidas por orientações intelectuais que se seguem a famas póstumas, como no caso citado de Walter Benjamin.

2. CARTAS (BRIEFE) COMO FONTES DE SUBJETIVIDADES

2.1. Correspondência entre Walter Benjamin e Gershom Scholem

Gershom Scholem foi amigo de Walter Benjamin de 1915-1940, 25 anos de amizade. Como infoma o o próprio Scholem, eles trocaram 300 cartas (Scholem, 1993). Conheceram-se jovens e mantiveram laços de amizade por toda vida.

Quando se encontraram em Berlim, os dois participavam dos mesmos grupos de juventude, Scholem com 17 anos e Benjamin com 23. Scholem visitou o amigo pela primeira vez em 1915, na casa de Grunewald, pertencente a seus pais, bairro nobre de Berlim, na esquina da Delbrückstraße 23, com Jagowstrasse ((hoje Richard Strauss-Strasse).

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Gershom Scholem conta que no casamento de Benjamin com Dora Sophie Pollak, em 1917, ele era o único convidado fora da família: “Ele (Benjamin) procedia de uma família de alta classe média, que conhecera períodos de efetiva riqueza;

quanto a mim, provinha da pequena-burguesia judaica, então em ascensão, de boas condições, mas nunca rica” (SCHOLEM, 1989, p. 18).

De acordo com Scholem, eles tinham uma determinação na busca de suas metas intelectuais, rejeição do ambiente deles, que, em essência, era o da burguesia assimilada alemã-judaica, e com “uma atitude positiva para com a metafísica”. Foram oito anos de convivência pessoal em Berlim. Em 1923, Scholem

6 Fui até essa casa, onde Benjamin passou sua infância e adolescência. A casa foi reformada, e o número 23, corresponde a dois lotes com duas casas. Não há nenhuma referência aos antigos donos nem a Walter Benjamin.

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mudou-se para Palestina e tornou-se um estudioso do judaísmo e professor do misticismo judaico.

Benjamin se interessava pela filosofia da história. Para ele, a sucessão dos anos podia ser contada, não numerada. Indagava-se se o tempo, embora tivesse uma sequência se tinha uma direção. Scholem sempre procurava cultivar em Benjamin seu lado mais místico, afastando-o das influências marxistas que os dois tinham inclusive entre os familiares. Tanto Benjamin como Scholem tinham um irmão militante do partido comunista alemão. O irmão de Scholem foi preso pela Gestapo, absolvido com mais outros réus, mas encaminhado para um campo de concentração e assassinado no campo de Bunchenwald, em 1940. O irmão de Benjamin, Georg Benjamin, médico e político, foi morto no campo de concentração de Mauthause.

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Gershom Scholem foi contratado pela universidade de Jerusalém e faz uma observaçãointeressante comparando seu processo individual de entrada como professor na universidade como professor na Palestina e a recusa a Benjamin na Universidade de Frankfurt, pois ele tinha uma clara ambição de seguir a carreira de livre-docência: “Eu simplesmente tive mais sorte, pois não seria exagero afirmar que o comitê que me nomeou entendia tão pouco de meus trabalhos como aquele que recusara a tese de Benjamin” (SCHOLEM, 1989, p. 132).

De acordo com Scholem, Benjamin cultivava muitos amigos. Seus acentos marxistas vieram de Asja Lacia e Brecht, ou seja, de Moscou, antes que Adorno e Horkheimer, fundadores da teoria crítica, tentassem mudar essa direção. Benjamin tinha se apaixonado por Asja Lacia, que era russa, e ele tinha passado alguns meses em Moscou. Essa paixão foi o motivo de seu divorcio, em 1930, com Dora Sophie Benjamin, porque ele tinha a intenção de se casar com Asja. Porém, a relação não teve continuidade. De acordo com o amigo, o rompimento definitivo de Benjamin com o marxismo de Moscou veio com a declaração da segunda guerra e

7 Georg Benjamin era casado com Hilde Benjamin, jurista e política, também militante do partido comunista que tornou-se entre 1953 e a 1967 ministra da justiça da República Democrática Alemã (RDA). (ARENDT; SCHOLEM, 2012, p. 604-605).

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o pacto entre Stalin e Hitler. Uma profunda crítica dessa corrente está clara em suas Teses sobre a Filosofia da História, de 1940.

Apesar das diferenças de personalidade e de ideias, os dois amigos se nutriam de uma profunda confiança um pelo outro e eram confidentes. As cartas da primavera de 1931 sobre o materialismo histórico são esclarecedoras das posições que afastavam ambos. Scholem procurava convencer Benjamin da falta de conexão entre seu verdadeiro modo de pensar e o pretendido pelas ideias marxistas:

Você adquire suas ideias não pela aplicação rigorosa de um método materialista, mas de maneira totalmente independente disso (no melhor dos casos), ou (no pior dos casos, como em alguns trabalhos dos últimos dois anos, através de um jogo com as ambiguidades e os fenômenos de interferência deste método” (1989, p. 226).

No mesmo tópico de discussão, Benjamin indaga certa hora: você “vai querer me impedir de pendurar à janela uma bandeira vermelha, dizendo que é tão somente um pedaço de tecido?” (SCHOLEM, 1989, p. 229). E sugere que Scholem lhe apresente uma contraproposta. Scholem responde: “Só pode ser esta: conserve seu gênio que você, no momento tenta tão futilmente negar” (1989, p. 230).

Em 1933, com a ascensão do nazismo, Benjamin muda-se para Paris e sentirá muita solidão. Sua natureza depressiva, como ele mesmo definia como uma constante em sua existência, vai se revelar em uma profunda solidão. Confessa a Scholem que sua hesitação em todas as situações mais importantes vida provém de sua natureza depressiva. Em carta de 31 de dezembro de 1933 revela a saudade que sente de Brecht quando ele partiu de Paris para a Dinamarca: “Quanto a tudo mais a cidade (Paris) morreu para mim após a partida de Brecht. Ele quer que eu também vá à Dinamarca e diz que a vida lá é bastante barata. Fico horrorizado só de pensar neste inverno, nos custos da viagem e de depender exclusivamente dele.

De qualquer forma a próxima decisão que eu conseguir tomar, irá levar-me para lá”

(BENJAMIN-SCHOLEM, 1993, p. 136).

Nesta carta, Benjamin também se queixou que a vida entre os imigrantes era

insuportável, que a solidão era difícil de suportar e que o contato com os franceses

era praticamente impossível de se estabelecer. A atividade intelectual era seu

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refúgio e fonte de sustento. Scholem conta que Benjamin não tinha herdado nada com o divórcio, pois no contrato de casamento assinado havia uma cláusula que ele ficaria sem nada, no caso de pedir o divórcio a Sohia Benjamin sua esposa. Relata também que proveniente do desgaste com o processo de divórcio, Benajmin sofreu um colapso nervoso, que o manteve imobilizado por dez dias descreve ao contar sua amizade com Benjamin (SCHOLEM, 1989).

Menciona as dificuldades financeiras de Benjamin durante o exílio difícil, mas que ele sempre contou com as temporadas na casa de Brecht na Dinamarca e na de Dora, sua ex-mulher, que sempre o recebeu, sem nenhum custo financeiro, em San Remo, na Itália. Inclusive tanto ele como Dora o alertaram, quando a guerra começou, sair de Paris. Segundo Scholem, Dora lhe teria convidado para ir com ela para Londres, dois meses antes dele tentar a viagem para Nova York. Apesar de separados, eles mantiveram uma boa relação e ela sempre lhe apoio. Hospedou-o várias vezes em San Remo.

No entanto foi nesse período em Paris que se deu a sua mais rica produção literária, com estudos sobre Kafka, sobre Baudelaire, e as Passagens. Benjamin e Scholem tinham uma identidade com relação a interpretação dos escritos de Kafka, discordando das leituras sionistas do autor. Quanto a isso, Benjamin referia-se a uma citação do escritor: “Ninguém conhece o caminho ao todo e cada parte já nos cega”, carta de julho de 1934 (BENJAMIN-SCHOLEM, 1993, p. 180). Ou em outra passagem de sua leitura de Kafka “Tentei mostrar como Kafka procurou, tateando, a salvação no reverso desse ‘nada’, no seu forro, se é que posso expressar-me nesses termos (BENJAMIN-SCHOLEM, 1993, p. 180).

Ainda quando estava em Berlim, Walter Benjamin estabeleceu um vínculo

com o Instituto de Pesquisa Social. Em 1928, ele inicia sua correspondência com

Adorno. Em 1933, o Instituto se transferiu para a Genebra, e depois para os Estados

Unidos. Benjamin passou a colaborar com escritos para o Instituto e recebia um

pagamento de acordo com o que produzia. Seus escritos passavam por leituras

críticas do Instituto, pedidos de revisões, antes das publicações. O Instituto também

fazia sugestões de textos, que por mais que ele não se sentisse muito estimulado,

pois lhe custavam muito trabalho, sempre aceitava. Suas relações com o Instituto

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eram difíceis, como se pode perceber frequentemente na correspondência com Gershom Scholem, que também não via o Instituto com simpatia. Em geral Benjamin não gostava das críticas aos seus trabalhos, mas procurava superá-las:

“Entre todos os procedimentos literários, os mais indesejados são as reelaborações.

E justo para compensar a superação da má vontade, tenho grandes ideias na cabeça” (1993, p. 329), disse quando ia recomeçar a reescrever o Flaneur, para uma enciclopédia.

Em 1938, Gershom Scholem foi convidado para dar seminários nos Estados Unidos, por mais de um semestre. Benjamin o recomendou a encontrar-se com o pessoal do Instituto e lhe enviasse suas impressões pessoais. Scholem se aproximou dos membros do Instituto e descreveu para Benjamin o seu mal entrosamento com Horkheimer. Apesar disso, disse que ele tinha lhe dito que reconhecia sua genialidade e que expressava uma certa culpa pelo passado dessa relação.

Disse que Horkheimer, apesar de tê-lo em altíssima opinião, não tinha nenhuma dúvida de que você era um místico. Scholem descreve que não tinha muito entusiasmo de se encontrar com o pessoal do Instituto, mas que tinha estado algumas vezes com Wiesengrund (como ele chamava Adorno) e, que por insistência dele foi ao encontro com Horkheimer que parecia profundamente entediado. Mas que ele não podia dizer o mesmo de Adorno, com quem pôde estabelecer relações bastante humanas:

Gostei muito dele e tivemos muito o que dizer um ao outro. Pretendo manter um vivo contato com ele e sua esposa. [...] não lhe deve causar admiração que tenhamos pensado muito em você. Em resumo, este casal desapontou, da maneira mais agradável, a expectativa que eu tinha a respeito dele (BENJAMIN-SCHOLEM, 1993, p. 296).

Em longa carta de Jerusalém, de 8/9 de novembro de 1938, Scholem reprisa suas impressões sobre o Instituto de Pesquisa Social e diz que as confirma em relação a Wiessengrund:

Com Horkheimer não passei de um trato dos mais formais, o que deve

estar baseado em antipatia recíproca. Foi impossível travar qualquer

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conversação razoável na presença dele, sem que a fisionomia expressiva e infinitamente tediosa lhe (ou melhor me) tivesse feito a palavra morrer na garganta. Entretanto, li alguns ensaios dele, que não deixam de ser interessantes, mas que não abalaram a minha convicção de que ele não é uma pessoa agradável” (1993, p. 317-318).

Scholem conta que na opinião formado por ele, Scholem, todos os pessoais do Instituto tinham uma grande admiração por ele, Benjamin, mas que mantinham o fato em segredo. Achou todos os membros do Instituto que conheceu manifestos e fervorosos anti-stalinistas e que naquele ambiente ele não ouviu uma só palavra boa sobre Brecht. E diz que ele também, Scholem, não tem uma boa impressão de Brecht e que sempre que pôde procurou afastar Benjamin dele, mas sem sucesso.

Em março de 1939, quando a situação financeira de Walter Benjamin se encontrava desesperadora, ele recebe a comunicação do Instituto de que talvez sua subvenção fosse cortada. No dia 14, ele escreve ao amigo Sholem na Palestina:

Enquanto uma grande carga de ideias, oriunda da minha última carta, ainda está ancorada junto a você, à espera de ser descarregada, este barco é lançado ao mar, carregado acima da linha de flutuação com uma mercadoria muito mais pesada – o meu sombrio coração. Horkheimer me informou que o Instituto se encontra em grandes dificuldades. Sem indicar uma data definitiva, ele me preparou para a suspensão da subvenção que é meu único sustento desde 1934. Os seus olhos não o traíram, e seu servo devotado nunca duvidou disso (BENJAMIN- SCHOLEM, 1993, p. 334-335).

A subvenção do Instituto de Pesquisa Social tinha começado parcialmente em 1935, e tornada fixa a partir de 1939. Seu desabafo continuou: “O que me ajudou nos últimos anos foi a esperança de chegar, algum dia, a uma posição meio decente no Instituto” (BENJAMIN-SCHOLEM, 1993, p. 335). A partir desse momento, Benjamin passou a viver uma fase de profunda incerteza. Na mesma carta, diante de sua total insegurança fez um apelo a Scholem, que lhe tinha feito vários convites para ir para a Palestina, mas todas às vezes Benjamin deu uma justificativa para não ir:

Com o rumo que as coisas estão tomando agora, torna-se importante a

questão de saber se será possível garantir meu sustento na Palestina por

alguns meses. [...] A situação no momento é que, entre as diversas zonas

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de perigo em que se divide a Terra com relação aos judeus, a França é atualmente a mais perigosa para mim, porque aqui estou completamente isolado do ponto de vista econômico (BENJAMIN-SCHOLEM, 1993, p.

336).

Scholem responde no dia 20 de março que é óbvio que ele deseja ajudá-lo com todos os meios que estavam ao seu alcance, e que neste momento de desamparo está vendo o que poderá fazer para ajudá-lo. Disse também que a situação política era tão grave que até seria bastante problemático conseguir um visto de turista para Benjamin visitá-lo

Benjamin responde a carta de Scholem em 8 de abril dizendo que “O verde da esperança cruzou sua carta com tanta parcimônia quanto o desta fria primavera cruzou as ruas de Paris” (BENJAMIN-SCHOLEM, 1993, p. 338). Depois argumenta que seria quase impossível um convite do Instituto naquele momento e lhe dá informações sobre sua situação em termos de documentos pessoais:

Meu passaporte é o documento francês atribuído aos refugiados provenientes da Alemanha, aliado ao visto de permanência na França. É reconhecido na Inglaterra e do ponto de vista administrativo é uma base suficiente para um visto para a Palestina (1993, p. 339).

Faz, então, o segundo apelo a Scholem: “A fim de ser tão claro quanto possível de minha parte: se for possível financiar minha permanência na Palestina, conto poder arcar com os custos da viagem” (BENJAMIN-SCHOLEM, 1993, p. 340).

Mas naquele momento, Scholem disse que não podia atender ao seu pedido, devido à situação politica de quase guerra civil na Palestina entre judeus e árabes. E disse que naquelas condições não tinha como preparar a recepção para Benjamin.

Hannah Arendt escreve uma carta para Scholem, descrevendo a situação do amigo Benji, como chamava Benjamin carinhosamente. Alertava para a necessidade de ajuda ao amigo, justo em sua fase mais criativa. A carta de Arendt para Scholem, é a primeira dela para o amigo, foi transcrita em parte por Gershom Scholem. Na carta, ela faz um pedido de socorro:

Estou muito preocupada por causa de Benji. Tentei arranjar algo para ele

e falhei lastimavelmente. No entanto, estou mais do que nunca

convencida da importância de assegurar-lhe um sustento para seus

trabalhos futuros. Para mim, a sua produção mudou até em detalhes

estilísticos. Tudo sai mais definitivamente, bem menos hesitantemente.

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Parece-me muitas vezes como se somente agora ele se aproximasse das coisas que são decisivas para ele. Seria lamentável se agora isso lhe fosse impedido (SCHOLEM, 1989, p. 218).

Com a Guerra, a situação dos judeus exilados na França se agravava.

Benjamin passou por dois campos de internamento, mas conseguiu sair por interferência de amigos escritores. Em carta de 11 de janeiro de 1940 para Scholem transmite seus sentimentos para o amigo:

A solidão em que me encontro, por natureza, aumentou mais ainda com os acontecimentos. O resto de juízo que os judeus ainda possuem, depois de tudo por que passaram, parece que anda um tanto frouxo.

Diminui cada vez mais o número de daqueles que conseguem ambientar- se e encontrar o seu caminho (BENJAMIN-SCHOLEM, 1993, p. 356).

Essa foi a última carta de Walter Benjamin para Scholem. A situação financeira e a solidão tenderam a se agravar, a partir de então. Os esforços do Instituto de Pesquisa para conseguir sua transferência para os Estados Unidos só vão chegar em agosto de 1940. Apesar da esperança de uma solução, os acontecimentos que se sucedem na sua tentativa de viagem para os Estados Unidos são muito tristes.

No dia 23 de setembro de 1940, Benjamin saiu de Marselha, França, com

Sra. Henny Gurland e seu filho. O relato detalhado da viagem foi feito pela senhora

Gurland a Adorno. Ela contou que o percurso da viagem foi muito desgastante,

devido às longas caminhadas. No dia 25, quando chegaram a tempo à fronteira

franco-espanhola, em Port-Bou, o navio não partiu naquele dia. E foram

comunicados que somente partiriam com a autorização francesa, ou seja, com o

visto de saída. A deportação dos refugiados para a França equivaleria a entregá-los

aos alemães. Segundo Henny Gurland, somente seu filho tinha o visto de saída da

França. Ao serem levados sob vigilância para um hotel, receberam a ordem de se

apresentarem no outro dia e Benjamin foi para o seu quarto. Na manhã do dia

seguinte, 26 de setembro, ele pediu para chamarem a sra. Gurland e lhe disse que

tinha tomado grande quantidade de morfina. E lhe deu o bilhete para ser entregue

ao Adorno em que diz:

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Numa situação sem saída, não tenho outra escolha senão pôr fim a tudo.

É num vilarejo nos Pirineus onde ninguém me conhece que minha vida vai se acabar.

Peço-lhe que transmita meus pensamentos ao meu amigo Adorno e lhe explique a situação em que me vi colocado. Não me resta muito tempo para escrever todas aquelas cartas que eu desejara escrever (ADORNO- BENJAMIN, 2012, p. 476).

O “não tenho outra escolha” foi o limite dele para sua própria existência. Ao grupo dele, da senhora Gurland e do filho, tinham se juntado na viagem mais quatro mulheres. Das sete pessoas, somente o garoto tinha visto de saída da França. O navio voltou a funcionar e todo o grupo conseguiu embarcar para os Estados Unidos. A senhora Gurland e o filho ficaram para ir no outro dia porque ela teve que providenciar os papeis e uma tumba para Benjamin. O relato detalhado desses acontecimentos está em uma carta da Sra. Gurland, de 11 de outubro de 1940 para Adorno, que deu uma cópia para Gershom Scholem, que publicou, parte dela, em seu livro Walter Benjamin: a história de uma amizade (1989, p. 222-223).

Em toda a trajetória de Walter Benjamin, principalmente em suas cartas para Scholem, são recorrentes os momentos de reconhecimento de sua natureza depressiva, como essa, além das outras citadas: “Sob o véo flutuante de depressões mais ou menos constantes, consegui concluir alguns trabalhos nos últimos tempos”, carta de fevereiro de 1935 (BENJAMIN-SCHOLEM, 1993, p. 212).

No entanto, a ideia de suicídio de que tanto Scholem frisa ter Benjamin alimentado, desde o fato de ter feito um Testamento em 1932, após sua separação de Sophia Benjamin, não aparece escrito nas suas cartas, em termos do uso da palavra, pelo menos não vi. Também não conheço nenhuma referência de Hannah Arendt em que usa a palavra suicídio dita por Benjamin. O que Benjamin se refere, com grande frequência, é a sua natureza depressiva, como “um sentimento que ele tem de lidar o tempo todo”.

Walter Benjamin ouvia com grande interesse as preleções de Scholem sobre o sionismo, mas o embate maior entre eles sempre foi sobre o marxismo, que Scholem não aceitava, e sempre foi um crítico da relação de Benjamin com Brecht.

Enquanto Benjamin tinha paciência em ouvir a história do judaísmo por Scholem, e

se interessava pelas ideias místicas, Scholem não fazia nenhuma concessão ao

(16)

marxismo. Frente às paixões de Benjamin por ideias marxistas, a orientação de Scholem sempre foi de que não contrariasse sua natureza criativa.

Na correspondência entre os dois amigos, eles vão se referir várias vezes a Hannah Arendt, que tinha se tornada uma interlocutora entre ambos. As referências dos dois amigos a ela são sempre muito elogiosas, tanto do ponto intelectual como afetivo. Aqui vou apenas me referir as passagens em que eles se referem a Hannah Arendt sem me deter em detalhes porque a intenção é de ressaltar na pesquisa que as circunstâncias dessa amizade vão mudar na relação de Scholem com Arendt depois da morte de Benjamin.

Ao todo, na correspondência entre Gershom Scholem e Walter Benjamin eles fazem 14 referências à Hannah Arendt:

1. Em agosto de 1935, Scholem conta a Benjamin que esteve com Hannah Stern que foi à Palestina preparar a transferência de crianças judias da Europa. Era esse o nome de Hannah Arendt quando era esposa de Günter Stern, cuja mãe era prima de Walter Benjamin. Relata Scholem: “Mas não tive a impressão de que ela mantivesse contato mais estreito com você, do contrário ela traria lembranças suas, de modo que não perguntei a ela sobre você. Ela foi uma das discípulas de Heidegger mais famosas” (1993, p. 230). Scholem conhecera Arendt em Berlim, em outubro de 1932.

2. A segunda referência também é de Scholem, em carta de 14 de julho de 1938. Ele conta para Benjamin que está planejando uma viagem pela Europa, onde ficará em Paris de 31 de julho a 2 de agosto, que desejaria muito vê-lo, mas que deixa por conta do acaso se terá esse prazer. Ele pede então o endereço da Hannah Arendt: “Você poderia fazer-me o favor de arranjar o endereço de Hannah Arendt?

Caso ela esteja em Paris, eu e Fania, sua esposa, gostaríamos de encontrá-la”

(1993, p. 310). Na ocasião, Benjamin não pôde se encontrar com Scholem porque estava na Dinamarca e precisava sem interrupção concluir um trabalho. Benjamin descreve que lá as condições de trabalho eram melhores que em Paris e que está ocupando uma casa ao lado da casa de Brecht:

Disponho de um grande jardim onde ninguém me importuna e de uma

escrivaninha ao lado de uma janela com vista para o estreito do mar. Os

barquinhos que por ele passam constituem minha única distração, além

(17)

da pausa diária para jogar xadrez com Brecht” (BENJAMIN-SCHOLEM, 1993, p. 311).

3. A terceira referência foi quando Scholem, na carta de 6/8 de novembro de 1938, conta que ele e a mulher se encontraram com Hannah Arendt em Paris:

“Passamos ali algumas horas agradáveis com Hannah Arendt e Blücher, que me deixaram uma excelente impressão” (BENJAMIN-SCHOLEM, 1993, p. 315).

Heinrich Blücher, companheiro e futuro marido de Hannah Arendt, era um especialista em questões militares, pois tinha militado neste setor no Partido Comunista Alemão e tornou-se depois um acirrado adversário deste partido, sendo simpatizante de Rosa Luxemburgo. Na ocasião, eles conversaram muito sobre a situação da Europa e da Palestina.

4. Nessa mesma carta, Scholem pede a Benjamin, que quando se encontrar com Hannah Arendt envie lembrança deles. E lhe diz: “De forma alguma perdemos a esperança de tê-lo aqui de visita, e uma visita, e uma pausa para respirar em meio a todas essas notícias nefastas e que talvez nos permita encontrar uma solução”

(BENJAMIN-SCHOLEM, 1993, p. 320.

5. A outra referência é de Scholem no mesmo sentido, pedindo para Benjamin quando se encontrar com Hannah Arendt-Stern transmitir o envio de lembranças deles para ela.

6. Na carta seguinte de Benjamin, de 4 de fevereiro de 1939, ele diz que Hannah Stern retribui afetuosamente suas lembranças.

7. Em 1939, Walter Benjamin diz que sugeriu à Hannah Arendt, em 1939 enviar seu manuscrito sobre Rahel Varnhagen para ele, Scholem, e comenta o livro:

Esse livro me causou forte impressão. Ela nada de braçadas, contra a corrente do judaísmo edificante e apologético. Você, melhor do que ninguém, sabe que tudo o que havia para ler bis dato sobre ‘os judeus na literatura alemã’ deixou-nos levar por essa corrente (BENJAMIN- SCHOLEM, 1993, p. 329).

Essa cópia de Scholem do livro de Arendt vai ser única que ela recupera

depois para publicação do livro: “Guardei esse manuscrito, e anos mais tarde pude

(18)

enviá-lo à Hannah Arendt, quando ela dava todas as cópias por perdidas. O livro só foi publicado em 1956 em inglês, e o original alemão em 1959”.

8. Na carta de 8 de abril de 1939, Benjamin se refere à Hannah Arendt quando comenta com Scholem sua grave crise financeira, devido ao Instituto de Pesquisa Social ter comunicado que ia cortar a sua subvenção e indaga sobre a possibilidade de ir para a Palestina: “Aqui em Paris me deparei com o interesse de Hannah Arendt em ajudar-me. No entanto, não saberia dizer se os seus esforços terão algum resultado. De momento ainda recebo minha subvenção, porém sem qualquer garantia de continuidade” (1993, p. 339).

9. Benjamin pergunta a Scholem que impressão lhe causou o manuscrito de Arendt sobre Rahel Varnhagen (1993, p. 341).

10. Scholem responde sobre o livro de Hannah Arendt:

O livro de Hannah Arendt sobre Rahel muito me agradou, embora o tenha lido com uma ênfase diferente da empregada pela autora. É uma excelente análise do que sucede na época e demonstra que uma ligação baseada no embuste, como era a dos judeus alemães para com a ‘nação alemã’, só podia terminar numa desgraça. (...) Pena que não vejo chance do livro ser publicado (BENJAMIN-SCHOLEM, 1993, p. 345-344).

11. No final da carta de Scholem de 15 de dezembro de 1939, ele lembra: “E mande muitas lembranças nossas à Hannah Arendt” (BENJAMIN-SCHOLEM, 1939, p. 355).

12. Na carta de Benjamin de 11 de janeiro de 1940, ele se refere ao estudo de inglês com Hannah Arendt: “Atualmente estou acertando umas aulas particulares que pretendo tomar com Hannah Stern [Arendt] e seu companheiro” (BENJAMIN- SCHOLEM, 1993, p. 356). Nesta carta, que é a também última de Walter Benjamin para Gershom Scholem, ele diz que “Hannah Stern retribui suas lembranças de coração”. Benjamin aguarda o visto do Instituto de Pesquisa Social para finalmente ir para para os Estados Unidos. Como em um presságio, expressa também um tipo de despedida para Scholem, companheiro de tantos anos, encontros e embates: “E talvez seja até conveniente ter um pequeno oceano a nos separar, se chegou o momento de nos abraçarmos espiritualmente” (BENJAMIN-SCHOLEM, 1993, p.

356).

(19)

2.2. CORRESPONDÊNCIA ENTRE WALTER BENJAMIN E THEODOR W.

ADORNO

Theodor Adorno (1903-1969) era 11 anos mais novo que Walter Benjamin e três anos mais velho do que Hannah Arendt. Eles se conheceram em 1923 e a correspondência entre eles é do período de 1928-1940. Ao todo tem um registro 121 cartas. Adorno era filho de Oscar Wiessengrund (1864-1946), um abastado comerciante de Frankfurt. Sua mãe, Maria Cavelli-Adorno (1864-1952), era uma cantora de descendência italiana. Uma tia pianista de Adorno, Agathe Cavelli, irmã da mãe dele, viveu também na casa dos seus pais, e o introduziu no piano e no estudo da música.

O traço comum da correspondência é o trato sempre respeitoso e a formalidade. Os assuntos tratados são mais teóricos. De modo que, o que tem de pessoal nas cartas é o respeito um pelo outro, os elogios mútuos, os convites de encontros, em geral quando Adorno está de viagem ou de férias pela Europa, mas esses encontros nunca foram realizados. A afinidade entre os dois se dá no campo da teoria e dos estudos de arte.

Como dito, o que transparece mais na correspondência é o lado hermenêutico, uma distância do ponto de vista pessoal e espiritual, como se Adorno precisasse aprender com Benjamin e os seus comentários, e Benjamin precisasse elogiar o trabalho dele, para dizer como de fato o impressionavam, para manter sempre o vínculo com o Instituto de Pesquisa Social, sua fonte de subvenção.

Inegável, que foi nesse período do exílio em Paris que escreveu a parte mais significativa de sua obra. Paris, cidade que amava, mas também a que mais o fez sofrer sofrer com a solidão e a depressão, reveladas tantas vezes em suas cartas para Scholem.

Em uma nota do livro da correspondência entre os dois, há uma informação

sobre a amizade de Benjamin com Gretel Karlus, esposa de Adorno, que fazia uma

intermediação entre os dois. E um dos assuntos sempre tratados entre a mulher e

o marido era a situação financeira de Benjamin, uma constante na sua vida.

(20)

Benjamin descreve para Gretel, provavelmente do fim fevereiro de 1934, pois a sua carta está referida em uma nota no livro, sua condição de quase penúria:

O que será de mim? [...]. Enquanto isso, a situação está ficando cada vez pior. Até hoje bastou para o que havia de mais básico – agora não basta mais. As duas últimas semanas – depois que paguei pelo quarto – foram uma série de decepções. [...]. Mas basta disso. Sem você só poderia enfrentar as próximas semanas com desespero e apatia. Não sou mais um diletante em nenhum desses ânimos. / Na minha situação mal tenho forças para tratar dessas questões. Há dias que estou aqui deitado – simplesmente para não precisar de nada nem para ver ninguém – e trabalho tão bem quanto posso. Considere o que puder para me ajudar.

Preciso de mil francos para cobrir as despesas mais essenciais e chegar até março” (ADORNO-BENJAMIN, 2012, p. 76).

Ao comentar a obra de Benjamin Das Passagens, Adorno a classifica como

“a genuína chef d’auvre benjaminiana, algo de maior alcance teórico possível e – se tal palavra nos for permitida – de genial concepção” (2012, p. 79). Benjamin retribuiu os elogios de Adorno com enorme entusiasmo: “Minhas Passagens tornaram a reviver, e foi você quem soprou as brasas – que não poderiam estar mais vivas do que me sinto eu próprio” (2012, p. 81). Adorno comenta também sobre as proximidades da visão de Benjamin com a sua:

Mas creio também que compartilhamos a convicção de que as coisas remotas não são necessariamente secundárias, de modo que a obra (inteiramente filosófica, e não um trabalho artístico prático) é muito mais próxima dos seus interesses do que o título por si só pode sugerir.

Apenas quero lhe adiantar hoje o seguinte: a questão do mutismo das obras conduziu-me da forma mais espantosa à nossa questão central, a da univocidade do moderno e do arcaico. E isso a partir da outra ponta do espectro: a partir do próprio arcaico (ADORNO-BENJAMIN, 2012, p.

93).

E desse encontro do moderno com o arcaico subtraia qualquer perspectiva evolucionista. De acordo com Olgária Chain Feres Matos, que escreve a apresentação da edição brasileira da correspondência entre Walter Benjamin e Theodor Adorno:

Para Benjamin, a perspectiva marxista é insuficiente para explicar o

“sentimento melancólico do mundo”, a perda do significado das coisas,

pois, para Benjamin, o fetichismo de Marx não favorece compreender as

relações entre o orgânico e o inorgânico, entre o trabalho vivo e o

(21)

trabalho morto, entre a produção e o consumo” (ADORNO-BENJAMIN, 2012, p. 27).

Nos anos de 1931 e 1932, Benjamin escreve seis cartas para Adorno, duas em 1931 e quatro de 1932, sem nenhum registro de resposta. Neste período, a carta que para ele talvez tenha sido a mais difícil de escrever foi a do dia 17 de julho de 1931, quando diz que Adorno copiou suas ideias sobre o drama barroco sem citá- lo, na tese que submeteu para habilitação à docência na Universidade de Frankfurt, aceita formalmente em fevereiro de 1931. Adorno apresentara seu discurso acadêmico inaugural em Frankfurt, sob o título de A atualidade da filosofia, e Ernst Bloch, amigo de Benjamin, presente na audiência percebeu a ausência da referência a Walter Benjamin e o transmitiu.

Benjamin leu na íntegra o discurso de Adorno várias vezes e lhe escreveu.

Depois de vários elogios ao conteúdo da aula, entra no assunto sobre a lacuna ao seu nome no texto:

E agora uma palavra sobre a questão levantada por Bloch a respeito da menção ou não do meu nome. Sem a menor ofensa da minha parte – e, espero, também sem causar a menor ofensa da sua – e após estudar de perto o trabalho, cuja importância mesma me parece justificar em parte tais questões de outro modo subalternas relativas à autoria, devo agora retirar meus comentários feitos em Frankfurt.

8

A frase que articula de forma decisiva as posições que você tomou contra a filosofia das

‘escolas’ diz o seguinte: ‘A tarefa da ciência não é explorar as intenções veladas ou manifestas da realidade, mas interpretar o caráter não intencional da realidade, na medida em que, à força da construção de figuras, de imagens a partir de elementos isolados da realidade, ela extrai as questões que é sua tarefa formular de modo fecundo’. Essa frase eu subscrevo. Mas não poderia tê-la escrito sem nela me reportar à introdução do meu livro sobre o drama barroco, no qual essa ideia foi expressa pela primeira vez – uma ideia inteiramente inconfundível e, no relativo e modesto sentido em que pode ser reivindicada, uma ideia nova.

Eu, de minha parte, seria incapaz de omitir nessa altura a referência ao livro. E menos ainda – mal precisa acrescentar – se me encontrasse em seu lugar. (ADORNO-BENJAMIN, 2012, p. 58-59).

8 Esses comentários eram sobre uma conversa que ele teve com Adorno sobre se seu nome, Benjamin, e sua obra A origem do drama barroco deveriam ser expressamente mencionados e citados como fontes dessa aula inaugural e que naquele momento ele tendia a achar que não. Mas depois de ler o discurso inaugural mudara de posição.

(22)

A carta foi escrita em Berlim-Wilmersdorf e assinada apenas Walter Benjamin, in-usual em sua correspondência, quando sempre escreve “seu Walter”

e ouras designações afetivas. Na carta seguinte de Benjamin para Adorno, 27 de agosto de 1931, ele agradece por uma carta, que também se perdeu, na qual Adorno faria uma dedicatória a Benjamin na publicação de sua aula inaugural.

Benjamin inclusive lhe escreve que começou a consultar suas citações e que Adorno pode escolher uma entre elas. Nesta carta que Benjamin começa com um

“agora podemos respirar” tem uma nota da edição da correspondência com a seguinte informação: “No espólio de Adorno não se encontram entre as cópias datilografadas nem dedicatória nem mote a Benjamin” (ADORNO-BENJAMIN, , 2012, Nota 37, p. 61).

Em outra carta, Theodor Adorno elogia o manuscrito de Benjamin Infância em Berlim por volta de 1900 classificando-o “como maravilhoso e sumamente original”, na medida em que o tema do mito só é buscado no que é mais contemporâneo. Elogia também o trabalho de Benjamin sobre Kafka e diz ter uma identidade com Benjamin na construção do enfoque. Em sua carta de 16.12.1934, Adorno descreve que os motivos por trás do trabalho sobre Kafka lhe causaram uma impressão extraordinária: “Quanto ao resto, nossa conformidade nos temas filosóficos fundamentais nunca me pareceu tão nítida quanto nesse trabalho” (p 126- 127). Na carta seguinte de Adono, um dia depois, ele retoma o elogio: “Não tome como modéstia de minha parte se começo por confessar que nossa concordância nos fundamentos filosóficos nunca marcou tão plenamente minha consciência como

agora” (ADORNO-BENJAMIN, 2012, p. 127).

9

2.3. CORRESPONDÊNCIA ENTRE HANNAH ARENDT E WALTER BENJAMIN Quando morava em Berlim, Hannah Arendt já tinha referência sobre Walter Benjamin como um grande crítico literário e, provavelmente, também tinha

9Não concluí a leitura da correspondência com Adorno que vai até 2 de agosto de 1940. E a última carta de Benjamin para ele, registrada no livro de correspondência entre os dois filósofos é o bilhete de Benjamin comunicando sua morte, e dizendo que não restava muito tempo para escrever todas aquelas cartas que ele desejaria escrever (Op. cit. p. 476).

(23)

conhecimento dele devido ao seu marido Günther Anders ser parente dele.

Certamente o casal já tinha estado com Benjamin alguma vez. O contato frequente e a amizade entre Arendt e Benjamin ocorrerão em Paris, onde ela irá participar de um grupo de estudo no apartamento dele. Essa convivência e amizade caracterizam a relação entre eles. Como já descrito, ela acompanhou com interesse sua produção intelectual em Paris, e testemunhou seus problemas de dependência financeira do Instituto de Pesquisa Social, que pagava pelos seus escritos.

O período das cartas entre eles corresponde aos anos que conviveram em Paris, entre 1936 a 1940, e quando não estavam em Paris. Ao todo são oito cartas, três de Arendt e duas de Benjamin. É possível que mais algumas tenham sido extraviadas, pela ausência de cartas referidas nessa correspondência. Minha consulta a essa correspondência foi possível pelo livro Arendt und Benjamin (SCHÖTTKER; WIZISLA, 2006). São cartas pequenas e possuem conteúdo afetivo e de amizade e algumas são solicitações de Benjamin devido à sua apreensão de quanto ao seu destino no exílio nos Estados Unidos.

A primeira carta é de 16 de julho de 1937, na qual Arendt comunica que se divorciou de Günther Anders: “Apenas uma notícia pessoal: que Günther e eu nos divorciamos” (SCHÖTTKER; WIZISLA, 2006, p. 127, tradução nossa). Ela diz que para assegurar a tranquilidade entre eles, mantiveram o fato há mais de um ano em segredo. Eles estavam formalmente separados desde a partida de Günther para Nova York, em junho.

Na mesma carta, ela também pede para Benjamin manter em segredo um cartão postal que ela e Heinrich Blücher tinham enviado para ele de Porquerolles, uma ilha na França. Escreve, mais ou menos, assim: por outro lado, no que diz respeito ao cartão de Porquerolles, eu ficaria muito grata se você o mantivesse em segredo, considerando a minha condição judaica.

10

E se despede, com tudo de bom do coração, sua Hannah Arendt. Ela e Blücher vão casar em 1941, antes deles

10 Was hingegen die Porquéroller Karte anlangt, so wäre ich da – in anbetracht meiner jüdischen Beziehungen – für secrer doch recht dankbar (SCHÖTTKER; WIZISLA, 2006, p.

127).

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migrarem para Nova York. A mãe de Arendt, Marta Arendt, que tinha migrado com ela para Paris, partiu junto com eles.

Benjamin responde esta carta de Hannah Arendt de San Remo, na residência de sua ex-mulher, Dora Sophie, onde passava algumas temporadas. Ele diz que esperou Arendt e Blücher para se despedir na no dia anterior de sua viagem para San Remo. Relata que no verão em Paris sempre é bom buscar outros lugares aprazíveis nos arredores, mesmo quando as viagens são mais longas. E que espera revê-los logo que voltar. Nas suas cartas, Benjamin sempre demonstra simpatia por Blücher, afeição também expressa por Scholem, quando esteve com Blücher e Arendt em Paris. Não faz nenhum comentário sobre o pedido de segredo de Arendt.

Em outubro de 1939, Arendt escreve uma carta em francês, se desculpando por não ter visitado a irmã de Benjamin, Dora Benjamin, que estava morando também em Paris: “Primeiro de tudo, eu queria ver sua irmã, o que já era difícil o suficiente.

Ela não está indo muito bem, e estou sempre muito ocupada, o que, a propósito, é uma desculpa ridícula” (tradução nossa).

11

A partir de 1939, por questões de segurança devido à guerra, suas cartas são escritas em francês.

Dora Benjamin, economista e psicóloga, tinha sido internada com Hannah Arendt no campo de Gurs. De tempos em tempos, quando Dora não estava em Paris, Benjamin ficava na casa dela. No final de dezembro de 1940, Dora conseguiu fugir para a Suíça.

Em 5 de junho de 1940, do campo de internamento de Gurs, Hannah Arendt escreve com a amiga Franziska Neumann para Benjamin em Paris e pede para ele entrar com contato com Heinrich Blücher, que também está em um campo, e que passe o contato dela. Monsieur está no Campo de Ruchard (Indre et Loire). Ele não pode escrever porque lá é proibido escrever cartas. Este endereço deve ser comunicado à Srta. W. E. Moulder 224 r. de Rivoli. E explica: “Eu não conheço essa senhora e não quero escrever para ela daqui. É simplesmente uma questão de escrever um cartão para ela, dizendo-lhe o endereço e dizendo-lhe que Monsieur

11 Je voulais surtout voir votre sceur avant, ce qui était assez difficile – elle ne va pas trop bien et moi, je suis toujours três occupée – ce qui est ridicule d’ailleurs (SCHÖTTKER;

WIZISLA, 2006, p. 131-132).

(25)

não tem permissão para escrever” (

tradução nossa).12

No meio de todo esse labirinto do medo, Arendt tem ânimo para falar que está estudando inglês e que já pode ler o All-Saints-Langenscheidt e o romance de Jules Romains sobre Verdun.

13

Ao se despedir diz que, acima de tudo, lhe pede para lhe avisar qualquer mudança de endereço. Très amicalement la vôtre, Hannah. No final da carta Franziska Neumanndiz escreve para Benjamin que o fato delas estarem juntos faz com o dias passem mais rápidos.

As duas últimas cartas são de 8 de julho e de 9 de agosto de 1940 e são de Walter Benjamin e pertencem ao The Hannah Arendt Papers, Library of Congress, Washington DC. Benjamin as escreve de Lourdes, uma pequena cidade dos Altos Pireneus da França, fronteira com a Espanha, para onde tinha ido com a irmã Dora Benjamin. Hannah Arendt está em Montauban, norte de Toulouse, cidade que foi depois de escapar do Campo do campo de internamento de Gurs, em julho de 1940.

Benjamin pede para ela rezar para ele garantir seus melhores amigos e descreve seu estado de espírito. Diz que poderia estar mergulhado em um quarto mais escuro do que o que se encontra no presente, porém, no momento está completamente despreparado para seus livros. E descreve sua situação atual, apoiando-se em La Rochefoucauld, de Retz

14

para dizer que se encontra no único lema que se aplica à sua condição: “A preguiça gloriosamente o apoiou, para muitos, na escuridão de uma vida errante e oculta. Despede-se de Arendt como “Votre vieux Benjamin”.

Na sua última carta para Arendt, dia 9 de agosto de 1940, ela ainda estava em Montauban, Walter Benjamin diz para Chère ami que ainda não tinha recebido o visto para viajar para o Estados Unidos e este será o tema principal desta missiva.

Comenta que tudo que ele sabe até o momento é que em Nova York tal visto teria

12Je ne connais pas cette dame et je ne veux pas lu écrre d’ici. Il s’agit simplesment de lui écrire une carte en lui indiquant lá adresse et en lui disant que Monsieur n’a pas la permission d’écrire” ((SCHÖTTKER; WIZISLA, 2006, p. 135).

13 Jules Romains: Verdun. Paris 1938.

14 A citação vem do "Retrato do Cardeal de Retz" (1675) de La Rochefoucauld (ver GB VI, 468). “Je serais plongé dans un cafard plus noir encore que celui qui me tient à présent, si, tout dépourvu que je sois de livres, je n’avais pas trouvé dans mon seul la devise qui s’applique le plus magnifiquement à ma condition actualle: ‘La paresse l’a soutenu avec gloire, durant plusieurs années, dans l’obscurité d’une vie errante et cachée’ (La Rochefoucauld en parland de Retz’.” (SCHÖTTKER; WIZISLA, 2006, p. 136-137).

(26)

sido depositado para ele no Consulado em Marselha: “Você pode imaginar que eu gostaria de ir para lá imediatamente. Mas é impossível obter a confirmação de Marselha. Vários dias atrás eu enviei um telegrama (com RP) para obter a confirmação em questão. Nenhuma resposta chegou ainda. Assim, a incerteza continua e ainda mais porque não sei se minha tentativa de imigração poderia derrotar essa tentativa de "visita" (tradução nossa).

15

Benjamin confessa que essa situação muito pesada dificulta manter viva a disposição do corpo, assim como a da mente. Disse que leu o último volume de Thibaults e O vermelho e o negro.

16

Retorna, por último, aos seus medos e inseguranças: “A angústia viva que a ideia do destino do manuscrito me dá é duplamente comovente” (tradução nossa).

17

Ele está se referindo As teses sobre a filosofia da história que antes de viajar entregará em Marselha nas mãos de Hannah Arendt.

Por fim, escreve que tem pouco contato com amigos; e pequenas novidades.

E que gostaria de saber se o Alfred

18

foi libertado e onde [sic!] encontrar o Dr. FF.

19

Suas últimas palavras para Hannah Arendt são: “Minhas homenagens ao Monsieur (Heinrich Blücher) e a você meus mais gentis respeitos. Benjamin”. Os documentos do visto chegaram em Marselha para ele ainda em agosto. Hannah Arendt registra que se encontrou com ele várias vezes por semana em Marselha, antes dele partir para a Espanha com destino ao exílio.

A ideia que me ocorreu ao ler a correspondência de Hannah Arendt com Walter Benjamin foi que a amizade, a confiança e o afeto demonstrado entre eles

15 “Tout ce que je sais à l'heure qu'il est cest qu à New York on est d’avis qu'un tel visa aurait été déposé pour moi an Consulat à Maseille. Vous pensez que j'aurais voulu m'y rendre immédiatement Mais il paraît impossible d'obtenir le sauf-conduit sans conitirmanon de Marseille. Il y a plusieurs jours que j'ai adressé an telegramme (avec RP) là-bas pour obtenir la confirmation en question. Aucune réponse ne m’est parvenue. Donc, l'incerititude continue et cela d'autant plus que j ignore si ma tentative d'immigration ne pourrait mettre en échec cette tentative de ‘visites’ .” (SCHÖTTKER; WIZISLA, 2006, p. 139).

16Roger Martin du Gard: Les Thibault, huitième et dernière partie: Epilogue, Paris: Gallimard 1940, Stendhal: Rouge et noir.

17 La vive angoisse que me donne l’idée du sort des mes manuscrit se fait doublement poignante.

18 Alfred Cohn.

19 Fritz Fränkel.

(27)

nas cartas, por meio de uma comunicação pura, sem nenhum interesse ou disputa, construíram o solo do protagonismo de Arendt depois da morte de Benjamin. Esse protagonismo se expressará em nome da defesa da preservação de sua memória e de suas ideias. E que papel dele como protagonista será consolidado no ensaio que ela publicou em 1968, Walter Benjamin: 1892-1940 (ARENDT, Hannah. 1987, 133-176).

Hannah Arendt soube da morte de Walter Benjamin por sua irmã Dora. Em 21 de outubro de 1940 escreveu para Gershom Scholem comunicando que Walter Benjamin terminou seus dias em 26 de setembro na fronteira espanhola, em Port Bou. Escreve que ele tinha um visto americano, mas desde o dia 23, as autoridades responsáveis pelo embarque tinham recebido a orientação de somente permitir a viagem para os titulares de passaportes "nacionais", ou de visto de saída da França.

Ela escreve que viu Walter várias vezes nas últimas semanas e, pela última vez, no dia 20 de setembro em Marselha, e que a notícia de sua morte chegou para a irmã dele com quase quatro semanas de atraso.

O Reich alemão tinha retirado a nacionalidade dos judeus alemães que viviam no estrangeiro o que os levou à condição de apátridas. Na França, os judeus da Alemanha geralmente tinham apenas uma autorização de residência. E os franceses recusaram-lhes o visto de saída (ARENDT-SCHOLEM, Correspondence, 2012).

São reveladoras as preocupações expressas por Hannah Arendt na carta que escreve para o ex-marido Günther Anders, no dia 7 de agosto de 1941, pela linguagem cifrada sobre a representação para os judeus do ato do suicídio e do seu receio em relação à publicação dos escritos dele.

20

Reproduzo aqui trechos desta carta para Günther Anders, pois considero importantes na condução da pesquisa:

Nós dificilmente seremos capazes de concordar com Benjamin. Mas, além disso, parece simplesmente um dever de lealdade para com o amigo e colega morto, que, afinal, não está mais em posição de discutir com os cavalheiros, para publicar todos os assuntos que ele tem para

20 Library of Congress. Washington, The Hannah Arendt Papers.

(28)

publicação. Peço-lhe para me dizer o que foi decidido na parcela sábia, para, aparentemente, manter-me atualizada.

É bom que Brecht seja "salvo". Ele saberá, é claro, que no legado de Benjamin havia um roteiro manuscrito chamado "Gespracheche mit Brecht" (Conversando com Brecht)

21

, ao qual B. sempre dava grandes peças. Eu não sei disso. Mas ele deveria cuidar do que aconteceu com ele, ou se estava na caixa que Wiesengrund estava esperando.

[…]

(SCHÖTTKER; WIZISLA, 2006, p. 150, tradução nossa)

Na carta, o “nós dificilmente seremos capazes de concordar com Benjamin”

certamente se refere ao ato do suicídio, palavra não empregada, mas que remete a uma reflexão do ato na cultura judaica, e a referência à “parcela sábia”, provavelmente uma alusão aos membros do Instituto de Pesquisa Social, no caso, Adorno e Horkheimer.

A preocupação de Arendt em preservar a amizade e a interação de Brecht com Benjamin na publicação de sua obra e de suas memórias vinha das críticas do Instituto de Pesquisa Social a Brecht. No livro Benjamin e Brecht – A história de uma amizade, (Benjamin und Brecht – Die Geschichte einer Freundschft), o autor Erdmut Wizisla reproduz na contracapa a definição da amizade entre Benjamin e Brecht, nas palavras de Hannah Arendt:

Hannah Arendt chamou as amizades de Walter Benjamin e Bertolt Brecht de “únicas” “porque nelas o maior poeta alemão vivo encontrou-se com o crítico mais prolífico da época. “E ela lamentou, "que a singularidade deste encontro nunca tenha sido esclarecida aos velhos amigos, mesmo quando ambos, Brecht e Benjamin, estavam mortos" ( tradução nossa).

22

Benjamin conheceu Brecht em 1929 por intermédio Asja Lacis, diretora do teatro infantil da União Soviética. Depois da Guerra, quando Brecht não conseguiu os papeis que autorizavam sua residência em Berlim Ocidental, ele se mudou para

21 Isso se refere as gravações diárias de conversas de Benjamin com Brecht (ver GV VI, 430-441 u. 523-539).

22 Hannah Arendt nannte die Freundschft swischen Walter Benjamin und Bertolt Brecht

“einzigartig” "weil in ihr der größte lebende deutesche Dichter mit dem bedutendsten Kritiker der Zeit zusammentrsg". Und sie bedauernte, "daß die Einzigartigkeit dieser Begegnung den alten Freunden niemals, auch als beide, Brecht und Benjamin, längst tot waren, eingeleuchtet hat" (WIZISLA, Erdmut, 2004).

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Berlim Oriental que lhe deu, para dirigir, o teatro Berliner Ensemble, onde pôde encenar as suas peças. Brecht comparou os refugiados a “um mensageiro de má notícia”, e que por isso eles interiorizavam um sentimento de rejeição e sempre se mudavam de um lugar para outro. Referia-se ao seu tempo histórico aos tempos sombrios, expressão que Arendt usou como título de seu livro Homens em tempos sombrios, no qual publica seu ensaio sobre Walter Benjamin e também um ensaio sobre Brecht, entre outros. Brecht considerava Walter Benjamin o crítico literário mais importante entre as duas guerras.

Hannah Arendt tinha também seus motivos pessoais para não gostar do Instituto de Pesquisa Social. Primeiro, pelas frustrações trazidas para o seu primeiro marido Günther Anders e também para Walter Benjamin, que não foram aceitos na carreira acadêmica na Universidade de Frankfurt, na qual Max Horkheimer já era professor e depois Adorno. Segundo, pela postura teórica desses autores que se julgavam portadores de uma teoria crítica, mas se comportavam como se estivessem em uma Torre de Marfim. Para ela, o mundo vivido e a pluralidade da ação eram os pontos de partida para a produção do conhecimento. É sob esse prisma que Arendt analisa a relação do Instituto com Walter Benjamin. Em seu texto Walter Benjamin e o Instituto de Pesquisa Social (Walter Benjamin und das Institut für Sozialforschung (SCHÖTTKER; WIZISLA, 2006, p. 193-194). Arendt procura descrever o vínculo de Benjamin com o Instituto, definindo que a sua função era de um empregado do Instituto. Ele não tinha o mesmo status que Theodor Adorno, por exemplo. Nunca deu palpite sobre se um artigo de Adorno devia ser ou não publicado. E que Adorno falava em nome do Instituto quando comunicou a Benjamin que a obra sobre Baudelaire foi rejeitada “por todos nós” (im Namen von “uns allen”) (2006, p. 193).

Por sua vez, para Arendt, essa relação se traduz pela constante busca de

Benjamin por uma apreciação positiva de seus textos, e nem sempre o tema para

escrever foi escolhido por ele, mas sugerido pelo Instituto. Segundo Arendt,

Benjamin só se tornou membro da Instituto em Nova York, com a eclosão da guerra,

quando passou a ser membro efetivo do Instituto de Pesquisa Social e receber

salário fixo. Ao final desse texto, faz a seguinte observação: “Pode-se acrescentar

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que, apesar de todos os conflitos, foi o Instituto que por si tornou a vida dele (Benjamin) possível e que, com a eclosão da guerra, o Instituto realmente fez tudo o que era humanamente possível para ele se salvar” (tradução nossa).

23

O perfil construído por Hannah Arendt de Walter Benjamin é de um escritor que não se adequava a classificações ou definições a priori. Em seu ensaio Walter Benjamin: 1892 – 1940, argumenta que provavelmente a influência maior no autor tenha sido do surrealismo, pois tentava “capturar o retrato da história nas representações mais insignificantes da realidade, por assim dizer em ‘suas raspas’

(ARENDT, 1987, p.142) Benjamin cultivava amigos de diferentes matizes: como Gershom Scholem, sionista; Bertold Brecht, comunista; e Thedor Adorno, anti- stalinista. Porém, na análise de Arendt, Walter Benjamin não possuía uma identidade intelectual com nenhum em particular:

Todavia nos raros momentos em que se preocupou em definir o que estava fazendo, Benjamin se considerava um crítico literário, e, se se pode dizer que de algum modo aspirava a uma posição na vida, teria sido a de ‘o único verdadeiro crítico da literatura alemã’, como colocou Scholem (ARENDT, 1987, p. 135).

Para Hannah Arendt, Benjamin, em tudo que escreveu, demonstrava ser um escritor sui generis: “Ele tinha uma amarga percepção de que todas as soluções eram não só objetivamente falsas e inadequadas à realidade como o conduziriam pessoalmente a uma falsa salvação, que chamava-se Moscou ou Jerusalém”

(ARENDT, 1987, p. 163). A única posição para a qual se podia defini-lo era “de um homme de lettres, de cujas perspectivas únicas nem os sionistas nem os marxistas tinham ou poderiam ter consciência” (ARENDT, 1987, p. 156). Segundo Arendt, Walter Benjamin pensava poeticamente. Seu método era o de um caçador de pérolas, que busca a transformação marinha shakespeariana dos olhos vivos em pérolas, dos ossos vivos em coral.

23 “Man darf hinzufügen, daß trotz aller Konflikt es eben doch das Institut war, das allein ihm das Leben ermöglichte, und daß mieundschaftt Ausbruch des Krieges des Institut wirklich alles nur Menschenmögliche unternommen hat, um ihn zu retten.” (SCHÖTTKER; WIZISLA, 2006, p. 194).

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