Debate
ELEiÇÕES NA FACULDADE:
UM ESCLARECIMENTO NECESSÁRIO
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Joaquim Fernando Pimentel Fernandes
o
número 15/16 de Educação em Debate de 1988, que saiu do prelo em agosto de 1990, traz, na seção "Debate", dois artigos do Prof. Ozir Tesser, sobre o tema que aqui abordo.No primeiro artigo o Prof. Ozir tece críticas ao processo de eleições na FACED, realizado nos idos de 1987 e publicado, origi-nalmente, no Boletim Educação Notícias da Faculdade de
Educa-ção (n." 09, Jan/88). No segundo artigo, faz uma réplica a um
co-mentário de minha autoria, publicado no citado Boletim Informa-tivo da FACED (n," 10 Ju1/ Ago/88).
Não me parece correto fazer uma crítica a uma matéria que os'-,
"iL
leitores da Revista não teriam oportunidade de conhecer diretamente~ " Por esse motivo, reputo uma questão de ética e respeito aos leitores apresentar o texto de minha autoria por ele criticado. Creio que dessa maneira cada leitor poderá julgar por si próprio o que lá está escrito, sem tirar nem acrescentar uma só vírgula. ..
Antes, porém, gostaria de chamar atenção para alguns pontos esclarecedores, de modo a facilitar a comparação dos dois textos.
Como o leitor poderá observar, em nenhum momento defendi, em meu comentário, o Ecletismo ou justifiquei, confundindo-o com o pluralismo, como erroneamente entendeu o colega, quando diz: "o articulista recrimina, no texto que comenta, a crítica ao ecle-tismo e parece confundir ecletismo com existência de pluralidade de idéias e de práticas" (Educação em Debate, ano 11, n," 15/16, jan/dez/1988, p. 161).
o
que fiz foi negar que o corpo docente da FACED tenha umapostura eclética, como realmente transparece nas afirmações de Ozir,
ao dividir os docentes da Faculdade em dois grupos e referir-se ao
grupo que apoicu a chapa vencedora nos termos seguintes:
"Pare-ceu-nos que teoricamente a luta contra o ecletismo poderia fazer
avançar as posições com contornos teóricos ainda confusos e que
se prestam ao frágil rigor no campo teórico-metodológico"
(Educa-ção em Debate,
Ano 11, n.? 15/16. jan/dez/1988. p. 156).A minha afirmação. que o leitor poderá verificar logo a seguir,
é muito clara: "A pluralidade de idéias em uma Instituição de
En-sino pode convergir para o enriquecimento do processo educativo
sem que isso seja, necessariamente, uma atitude eclética ... " (veja na
transcrição abaixo, "A Propósito das Eleições na FACED",
parágra-fos 5 e 6).
Com base nas críticas feitas por Ozir ao processo de eleições
da Faculdade, em que a chapa por ele apoiada foi perdedora,
jul-guei-me no direito de expressar meu ponto de vista discordante
do dele. Continuo achando que pessoas com diferentes modos de
pensar podem apoiar uma chapa na "Academia", sem que a isso se
dê uma conotação eclética. Essa conotação, que está no artigo do
colega. fica por conta de seu julgamento pessoal.
Quando fiz algumas menções de caráter histórico, quis mostrar
a importância do pluralismo de idéias e não entrei no mérito do
autor citado pelo articulista, que não estava em julgamento, mas
apenas foi utilizado para justificar ou respaldar as afirmações deste
sobre um problema particular localizado na FACED. Parece-me que
Ozir fez uma mistura de "alhos com bugalhos", na expressão
po-pular. A propósito, meus pontos de vista só foram entendidos com
clareza pelo colega quando lhe eram favoráveis. Aqueles que
pare-ciam contrariar suas posições são tidos como "imprecisos e vagos",
quando não foram simplesmente deturpados. Ozir faz muitas
infe-rências sobre mim, que atribuo à subjetividade de seus modos de
interpretar e não propriamente ao que escrevi.
Lamento não ter tido oportunidade de transformar esse assunto
em debates na "Academia". como parece que seria um dos objetivos
da Revista
Educação em Debate.
As acusações que insinua ter eu feito a alguns colegas (cf. p.
166 da Revista, n,? citado) são injustas, por tratar-se, na quase
to-talidade, de pessoas a quem muito estimo e admiro e jamais diria
que não têm pensamento próprio.
Enfim, como ninguém pode refazer totalmente a própria
ima-gem quando desvirtuada por insinuações maldosas ou
intencional-mente deturpadas, deixo aos leitores que julguem o que falei,
inde-206 Educação em D ebate, Fort. 17_18 jan./dez. 1989
1101 111 10 que afirma o prezado colega, cujo nome eu não havia
I I" \tlll 1 6 vez no meu comentário (vide infra).
II mlnha parte, lamento esse incidente e dou por encerrado o
1111111 'I'run crevo a seguir o comentário objeto da polêmica. O
1.1 111 de acordo com o original, com todos os pontos e vírgulas,
I1
I "'111 \I C ntinuo pensando da mesma forma, exceto no caso de
'1111 IIII~,1111.nto que fizera sobre o colega articulista em nota de
ro-iI 'I". I liilmente transcrita.
"A PROPÓSITO DAS ELEIÇOES NA FACED"
11 li Publicado no Boletim Informativo da Faculdade de Educação
I, UI' •
n.?
10, Jul/ Ago/1988, p. 3 a 5.. muito louvável que se expresse o pensamento sobre fatos que
nvolv m nossa Faculdade, porque "é da discussão que nasce a luz".
O direito de falar é uma prerrogativa de todos e o debate erp.
11I I r xlonda deveria ser uma conseqüência dos comentários
publi-I 11111 m nossos boletins.
Não adianta ficarmos comentando em grupos fechados e nos
111I1111' de sentar à mesa e debater.
Partindo do princípio de que ninguém é dono da verdade,
tor-1111 de alta relevância expor nossa verdade, nossos pontos de
vis-11. para apreciação dos outros. Isso é no mínimo um sinal de
res-pilo aos demais e uma necessidade para a Instituição, sobretudo
porque nem todos têm a mesma visão de mundo.
A pluralidade de idéias em uma Instituição de Ensino pode
onvergír para o enriquecimento do processo educativo, sem que
I o seja, necessariamente, uma atitude eclética ou conducente a um
ponto de vista unificado, como transparece no artigo publicado em
110 o Boletim "Educação Notícias" n," 9 (Janeiro/1988).
A Faculdade de Educação da UFC tem educadores de posições
div rsificadas, o que não vem a ser uma prerrogativa da FACED.
NI mundo inteiro, isso acontece. Talvez se pudesse aplicar aqui o
«lãgio latino
timeo
hominem
unius libri,
isto é, temo o homemde um só livro, de uma só visão, de uma única linha. Isso no
sen-tido de que o conhecimento, mesmo daquilo de que discordamos, é
indispensável, pois não se pode aplaudir ou criticar o que não se
conhece.
O que aconteceria se todo o corpo docente da 1JEC tivesse
so-mente uma linha de pensamento. um único modo de a~sar o
mun-do?
A figura evocada, no artigo mencionado supra, de "um mosai-co montado a partir de inúmeros pensadores", parece grotesca, se aplicada aos professores. que não rezem pela "cartilha" do colega e amigo, autor do artigo, Temos um número significativo de dou-tores e mestres, que poderiam muito bem contribuir com pontos de vista diferentes, sem que, para isso, se precise construir um colorido mosaico de idéias ou um carnavalesco vestido de retalhos.
Na História, só deu significativas contribuições para o desen-volvimento do pensamento quem tinha um conhecimento histórico diversificado e crítico, sem perder sua linha de raciocínio e sua vi-são de mundo. E o confronto de posições diferentes levou muitos pensadores a repensarem suas teorias ou pontos de vista.
Poder-se-ia citar, por exemplo, Karl M arx, que chegou à teori-zação do socialismo denominado "científico" a partir de pontos de vista diversificados de inúmeros pensadores. Ele não partiu do na-da. No socialismo utópico de Louis Blanc, encontrou "preciosos elementos para sua tese da concentração capitalista e da crescente proletarização ... " e "os usará na construção de sua obra" (1), O humanismo naturalista, mesclado de indecisão religiosa, de Feuer-bach, deu-lhe, certamente, matéria de reflexão para sua transição do individualismo hegeliano ao materialismo histórico, E foi na plu-ralidade e diversificação de pensamentos, que o antecederam e cuios
autores respeita, mesmo discordando e, em muitos casos, até elo-gia (2), que buscou subsídios para suas teorias, Desde R, Ow=n, Charles Fourier, Proudhon, Blanqui, Lassalle, aos economistas clás-sicos, Adam Smith, M althus, Ricardo, Stuart M ill ou Eden", em cada um deles M arx busca um subsídio, uma fonte de inspiração ou um ponto de partida, E nem por isso se poderia dizer que ele cons-truiu um mosaico " montado" a partir desses muitos pensadores,
Voltando ao caso de nossa Faculdade de Educacão, talvez o que esteja faltando seja um conhecimento maior do pensamento di-versificado nela existente e a coragem de um debate contínuo, fran-co, despretensioso e sem intenções de "converter" quem quer que seja a tal ou tal linha de pensamento. Essa visão diversificada e crítica, sem exclusão de pessoas do processo, não pode faltar a uma Faculdade de Educação e é o que nos parece desejar a maioria de nossos docentes.
Quanto ao fato aqui analisado - as eleições na FACED - o artigo de avaliação aludido coloca, na primeira lição a ser inferida desse evento, o seu caráter corporativista, por evidenciar no en-tender do articulista, que o processo ressaltou a predominância "na-tural" do corpo docente. Esse ponto merece especial atenção e de-veria ser debatido sem paixão - se é que isso é possível, sobretudo
208
Educação em Debate, Fort. 17_18 jan./dez. 1989plllqll e afirma que "apenas o elemento numérico" foi encarado. I I1 bastante discutível, especialmente porque o esforço na busca
ai" qualidade, no sentido de uma eleição democrática e paritária,
11111 privilégio de "um núcleo minoritário", mas fruto de um
es-1IIII,:u zenerahzado entre os docentes, há vários anos. E claro que
1 ccções sempre existem e aqui também certamente não deixam
dI - itir ,
uanto ao termo "corporativista" atribuído às eleições da
I (ED, parece-nos que ele não é novidade em qualquer processo
I -ltoral do mundo atual. E o peso maior pretendido para o corpo
d" nte tem sua razão de ser no fato de ser ele o único grupo
és-IIV I, a longo prazo, sobre quem recaem as conseqüências dos re-ultudos, bons ou maus, conquanto estudantes transitam por um lap-o li tempo na instituição e funcionários têm direito a uma mobi-I ti rde, que para os docentes quase não existe. Logo, é sobre eles que rvc icm as responsabilidades maiores,
A democracia da FACED não poderia fugir, ao menos no
es-t io em que nos encontramos, a essas tendências corporativistas,
I IIIU vez que cada categoria funcional e cada tendência ideológica
pu ti para seu lado e o consenso nem sempre coincide com o bom cn o.
Ninguém pode negar que o Brasil atravessa uma fase de movi-mentos corporativistas, seja de esquerda, direita, meio ou de qual-quer posição espacial em que se queira classificar as idéias de cada
um.
Todavia, é inegável que a eleição em si já representa um passo,
Irnbora imperfeito, que não deixa de constituir um marco desta
Fa-culdade; marco esse, que não é meramente ritual ou quantitativo e, por isso mesmo, nos permite rejeitar a idéia de que o que ela "ga-nhou" foi apenas o cumprimento de "um processo decidido majori-turiamente". Não nos agrada, tampouco, o uso do termo "vencedo-r ", como se dali tivessem emergido derrotados de uma batalha, o que foge à idéia de uma Comunidade Acadêmica, desejada e bus-cada pela maioria de nossos educadores e não apenas por uma mi-noria,
Dentro do contexto de lutas, que têm caracterizado a FACED nos últimos anos, e levando em conta um significativo número de p ssoas, que têm apoiado esse esforço e lutado por ele, parece in-oerente e até injusto considerar o resultado da eleição como "uma vitória liberal conservadora". E muito perigoro rotular pessoas, so-bretudo generalizando, porque quase sempre se corre o risco de
fu-ir à verdade.
Talvez devessemos aproveitar o ensejo do aludido artigo e
ana-lisar outros aspectos da Faculdade, no tocante a eleições . i-or
exem-plo, por que, após aguardar três meses para fazer a escolha de
chefe, um Departamento não conseguiu apresentar mais de uma
chapa, embora tenha havido ampla discussão no âmbito do
Depar-tamento? Por que a categoria estudante e a dos funcionários quase
só participam do processo da Faculdade na época de eleições? Por
que o Curso de M estrado, onde estão, em tese, nossos pensadores
maiores, não apresentou também duas chapas e não se abriu para
amplo debate?
Por que nosso Curso de M estrado se dá ao luxo de deixar fora
de seus quadros tantos doutores, em quem a Universidade investiu
e cuja função talvez seja mais otimizada nas áreas de pós-graduação
e pesquisa? Esses prcfessores "restantes", com nível de doutorado,
constituem um número que muitas Faculdades ou Centros de
Edu-cação do Brasil gostariam de ter. O valor desses profissionais seria
apenas "quantitativo"? Ou seria por pensarem de modo diferente?
E. também, por que não se dá maior abertura ao ingresso de outros
profissionais no Curso de M estrado? Parece-nos que os próprios
cri-térios de seleção para esse Curso deveriam ser objeto de amplo
de-bate no âmbito da Faculdade.
Os setores "politicamente avançados" são, geralmente,
pionei-ros de decisões socialmente significativas, das quais a comunidade
se beneficia, por serem mais ousados, o que é digno de referência
positiva e às vezes até de inveja, no bom sentido, por representar
coragem e obter trunfos de interesse de toda a categoria. No caso
do Brasil, porém, esses setores, sem tirar-lhes o mérito mencionado,
ainda estão indefinidos e desorganizados, de modo geral. E quando
se trata de dirigir uma Instituição que tem metas a cumprir, é
im-portante uma definição e capacidade de organização.
Um exemplo dessa indefinição poderia ser observado em
do-centes, que na própria UFC são "politicamente avançados" e
quan-do trabalham em Instituições menos abertas, onde praticamente não
existe o debate franco e o livre pensar, comportam-se como
"fun-cionalistas" e desempenham muito bem suas funções, dentro dos
pa-drões que lhes são ditados, sem despertar a coletividade para a
li-bertação de padrões tecnicistas; sem mostrar o pioneirismo que
po-deria refrescar as mentalidades nessas Instituições.
Enfim, admitir unicamente um ponto de vista como válido
pa-iece típico do totalitarismo, tanto capitalista quanto socialista.
No caso do socialismo, por exemplo, Gramsci afirma que o
Partido substitui o "imperativo categórico" de Kant e o "O
Prín-cipe" de M aquiavel, tornando-se o "o príncipe moderno" o "novo
210 Educação em D ebate, Fort. 17_18 jan.ldez. 1989
imperativo categórico", li ••• organizador e condutor da vontade
co-letiva ... " (3)
Até chegarmos a essa visão de moral coletiva baseada em único
Partido, (se chegarmos), é preciso paciência e tolerância, até porque
nossos pensadores são tão importadores quanto os do passado
positi-vista e liberal e não sabemos se a Perestroika ou outro livro que
ain-da esteja nas gráficas não irão reposicionar seus pensamentos e
tor-ná-los mais objetivos, menos confusos e mais realistas.
Ioaquim Fernando Pimentel Fernandes
BIBLIOGRAFIA CITADA
1. HUGON, PAUL, História das Doutrinas Econômicas. 10 ed. São Paulo, Atlas, 1969.
2. M ARX, KARL. "O Capital: Crítica da Econom ia Política". Trad. de Regis Barbosa e Flávio R. Kothe. 2 ed. São Paulo, Nova Cultural, 1985. (VoI. Il, capo XIII e XXIII - Os Economistas).
3. GORENDER, JACOB. In. M ARX, KARL. "O Capital: Crítica da Eco-nom ia Política (Apresentação)". 2. ed. São Paulo, N. Cultural, 1985. (VoI. I, p. VII· LXX - Os Economistas).
*
NOTA: O presente com entário tem com o ponto de partida o artigo publi-cado no Boletim Educação Notícias, n," 9, da Faculdade de Edu-cação da UFC - Janeiro de 1988. - p. 6 e 7.O autor não pretende fazer, propriam ente, um a réplica, m as tão som ente levantar questões que possam fom entar o debate sugerido pelo colega articulista, ao qual dedica am izade e no qual reconhe-ce com petência e dedicação à causa da Educação, além de estru-tura para o debate em alto nível.