• Nenhum resultado encontrado

Lições de uma aventura eleitoral Rogério L. Furquim Werneck

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2022

Share "Lições de uma aventura eleitoral Rogério L. Furquim Werneck"

Copied!
2
0
0

Texto

(1)

O Estado de S.Paulo e O Globo Sexta-feira, 2 de outubro de 2020

Lições de uma aventura eleitoral

Rogério L. Furquim Werneck*

Cada vez mais empantanado na sua crise sem fim, o Rio de Janeiro não aprende. Menos de 24 meses após ter saltado do anonimato político para uma vitória acachapante na disputa pelo governo fluminense, Wilson Witzel teve o prosseguimento do seu impeachment aprovado por 69 a zero pela Assembleia.

Entre os candidatos nanicos a governador, em 2018, havia dois profissionais do Direito.

Um mês antes do primeiro turno, estavam ambos com menos de 2% das intenções de voto. Um deles, do PSC, era o próprio Witzel, juiz federal e ex-fuzileiro naval, de quem nem analistas mais atentos do quadro político do Estado jamais tinham ouvido falar.

O outro, do Partido Novo, era Marcelo Trindade, 53 anos, advogado de renome nacional, ex-presidente da Comissão de Valores Mobiliários, com longa carreira docente no Departamento de Direito da PUC-Rio e intenso envolvimento no debate público sobre a crise estadual. Na desalentadora disputa pelo governo do Estado, sua candidatura foi saudada como uma lufada de renovação política.

O desfecho da eleição comprovaria que, na esteira das sucessivas decepções do eleitorado fluminense, havia, de fato, espaço para um candidato de fora do sistema, um outsider. Mas quem tiraria bom proveito desse espaço não seria Marcelo Trindade.

Como tantos outros candidatos a governador, Brasil afora, Winston Witzel convenceu- se, na rampa final da campanha eleitoral, de que o melhor que tinha a fazer era parar de pedalar e se agarrar à carroceira do caminhão bolsonarista que, àquela altura, avançava veloz, ladeira acima, rumo à vitória na eleição presidencial.

Não faltaram pressões para que o candidato do Novo fizesse o mesmo. Mas Marcelo Trindade não teve estômago para tanto. Resistiu bravamente. Preferiu cruzar a linha de chegada como nanico, alinhado até o último momento com o candidato do seu partido à Presidência. Acabou tendo 1,14% dos votos válidos. Da campanha eleitoral de 2018, o que lhe restou foi não mais que experiência.

Pois é essa rica experiência que, por sorte, agora, dois anos depois, Marcelo Trindade compartilha, com grande inspiração, em livro da Intrínseca intitulado O caminho do centro: memórias de uma aventura eleitoral. Em texto bem escrito, de leitura agradável, o autor relata com franqueza as agruras de sua campanha. A começar pela forma como se viu arrastado para uma candidatura que, de início, fora concebida para Bernadinho,

(2)

na expectativa de que a popularidade do ex-técnico da seleção brasileira de vôlei pudesse dar impulso decisivo à campanha do Novo para governador.

Uma questão a que Marcelo Trindade dá especial atenção é a recorrente dificuldade, com que se defrontou, para conciliar suas convicções políticas de centro com posições mais à direita que certas alas do Partido Novo insistiam em lhe cobrar. Desde cedo, na campanha, se deu conta das enormes resistências que teriam de ser enfrentadas, dentro do partido, para que eleitores provenientes de um espectro político mais amplo se sentissem à vontade para abraçar sua candidatura.

A experiência da campanha deu a Marcelo Trindade a certeza de que há hoje no País indefensável cerceamento da competição política. Não bastasse a campanha eleitoral ineditamente curta – de só 52 dias, em 2018 –, os critérios rígidos de acesso ao financiamento público e ao horário eleitoral gratuito vêm conspirando contra o arejamento do sistema político. Especialmente quando tais barreiras à entrada acabam replicadas nos critérios com que a mídia, para se preservar de acusações de favorecimento, distribui o espaço de cobertura da campanha entre os diversos candidatos e limita o acesso a debates na televisão.

São ponderações que merecem a atenção de quem, pelo contrário, tem convicção firmada de que, só com tal cerceamento, será possível reduzir o número absurdamente alto de partidos políticos com representação no Congresso.

Trata-se de livro mais do que oportuno, que não pode deixar de ser lido por quem quer que se preocupe com a difícil renovação dos quadros políticos do País.

* Rogério L. Furquim Werneck, economista, doutor pela Universidade Harvard, é professor titular do Departamento de Economia da PUC-Rio.

Referências

Documentos relacionados

Em nenhuma manifestação sobre a reforma, feita até agora, Bolsonaro conseguiu externar um décimo da convicção e do entusiasmo que exalava, na semana passada, ao anunciar a

E, para isso, é fundamental que, já no início de janeiro, o governo federal esteja preparado para oferecer aos Estados um plano claro e articulado de ajuste estrutural de suas

Em conjunto com a unicidade sindical, peça complementar do ferrolho fascista incrustado na legislação trabalhista, a contribuição sindical obrigatória vinha sendo o

Na esteira da decepção com o vigor da recuperação da economia e, especialmente, com o ritmo de queda do desemprego, a equipe econômica vem tendo de se desdobrar para conter

O problema é que a forma com que o novo sistema assegura a transferência de recursos do Tesouro aos partidos vem impondo distorções ao processo político-eleitoral, na

E já deixou claro que, caso tal aposta não tenha sucesso e a chapa venha a ser cassada, o presidente não abrirá mão de fazer amplo uso de todos os recursos a que tem direito.. O

Mas, desde o fim do ano, na esteira da crescente apreensão do Congresso e do Planalto com a evolução da Lava Jato e operações similares, o sucesso dessa narrativa sobre a condução

Se não conseguir aprovar a PEC do teto até dezembro, enquanto ainda conta com algum capital político e condições favoráveis no Congresso, é muito difícil que Temer possa aprova-la