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William Freire Advogados Associados -

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Academic year: 2021

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Conceito de supressio

O instituto da supressio pode ser definido como a perda ou a supressão de um determinado direito/obrigação, em razão da abstenção de seu titular em exercê-lo por um período de tempo considerável, criando na outra parte a legítima confiança de que esse direito/obrigação não será mais exercitado.

É uma derivação do princípio da boa-fé objetiva. Por força dos deveres objetivos de conduta que orientam as relações contratuais, não é razoável que a parte que deixou de exercer por um longo período um direito que lhe era atribuído, gerando expectativas na outra parte de que houve uma abdicação, venha a exercê-lo posteriormente.

Não existe na doutrina ou na jurisprudência uma definição clara de quanto tempo esse direito teria que deixar de ser exercitado para a configuração do instituto (se houvesse, seria o caso de se falar em prescrição ou decadência). De qualquer forma, é razoável defender que o não exercício do direito seja por período suficiente a gerar na outra parte a real e legítima expectativa de que o referido direito não será mais exercitado.

A supressio e os contratos minerários

Os contratos na mineração refletem relações de longo prazo, com direitos e obrigações que serão exigíveis a depender de gatilhos no tempo. É o caso, por exemplo, dos ajustes firmados entre o titular do direito minerário e o superficiário da área, que podem perdurar até o exaurimento da jazida, após décadas.

Os contratos de arrendamento de direitos minerários, da mesma forma, podem ser firmados por até 30 (trinta) anos, admitidas prorrogações, vinculando o titular ao arrendatário em razão dos diversos direitos e obrigações que serão exigíveis ao longo do tempo.

Caso o ajuste inicial previsse o pagamento de royalties em um determinado percentual sobre o faturamento bruto da mina, mas, durante longo período, reiteradamente, o pagamento fosse feito a menor ou sobre o faturamento líquido, sem qualquer oposição da outra parte, poderia, eventualmente, estar-se diante da perda do direito de exigir o que foi contratualmente previsto em relação ao período em que não houve o exercício do direito.

No mesmo sentido, um contrato de joint venture em que duas empresas se comprometem a

investir o mesmo montante ao longo dos anos para desenvolvimento de um projeto

minerário, distribuindo os lucros entre si. Se a empresa A passa a não integralizar o valor

ajustado por um longo período e a empresa B não exige o cumprimento da obrigação

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contratual, a depender das demais peculiaridades do caso concreto, pode-se restar configurada a supressio, com a perda do direito de exigir, posteriormente, as quantias que deveriam ter sido pagas naquele período, se isso causar um desequilíbrio desleal na relação contratual.

O longo prazo das relações contratuais e, muitas vezes, as dificuldades enfrentadas pelas partes para a realização de auditorias que verifiquem o exato cumprimento das obrigações contratuais tornam a supressio um risco relevante para os contratos minerários. É possível que determinados direitos sejam suprimidos em razão do seu não exercício por certo período de tempo, ainda que as partes não invoquem expressamente a aplicação do instituto no caso concreto, conforme será demonstrado no tópico a seguir.

Por esse motivo, é imprescindível uma gestão estratégica de tais contratos na indústria mineral, especialmente aqueles de longo prazo, a fim de se aferir e controlar a dinâmica de cumprimento das obrigações pactuadas pelas partes e, assim, evitar a possibilidade de perda de um direito.

A supressio e o Poder Judiciário

A supressio, apesar de ser mais reconhecida pela doutrina, também já é amplamente adotada pelos tribunais brasileiros. A maioria expressiva dos julgados se relaciona a contratos de locação nos mais diversos ramos de atividades, compra e venda de imóveis e a contratos consumeristas (envolvendo, por exemplo, planos de saúde, empresas de alimentos e financiamentos bancários).

O Superior Tribunal de Justiça tem entendido que, para a configuração da supressio, é necessária a presença de três requisitos: (a) inércia do titular do direito subjetivo, (b) decurso de tempo capaz de gerar a expectativa de que esse direito não seria mais exercido, e (c) deslealdade em decorrência de seu exercício posterior, com reflexos no equilíbrio da relação contratual[1].

Nos processos que foram remetidos ao STJ até hoje discutindo a configuração ou não de supressio no caso concreto, houve, na maioria, a aplicação da Súmula 7[2], tendo em vista a necessidade de se analisar o contexto fático-probatório para determinar se houve ou não a supressão do direito. Assim, pode-se admitir que os julgamentos no STJ sobre supressio tendem a manter a decisão do Tribunal de origem, que analisou os fatos e as provas do caso.

De 33 julgados[3] do STJ que analisaram a aplicabilidade da supressio, 17 acolheram a tese e

16 a afastaram. Dos 17 julgados que acolheram a aplicação da supressio, 11 foram no

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sentido de não provimento do recurso interposto – ou seja, na maioria dos casos, segundo o STJ, o Tribunal de origem aplicou corretamente o instituto e teve a sua decisão mantida:

Desses mesmos julgados, 75% não deram provimento ao recurso, 15% deram total provimento e 10% deram provimento parcial, mais uma vez indicando a manutenção da decisão do Tribunal de origem na maioria dos casos:

No Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, analisando os 30 julgados[4] mais recentes que verificaram a ocorrência da supressio, verifica-se que 18 consideraram que os elementos para a sua configuração estavam presentes, mas apenas 3 foram providos – ou seja, na maioria dos casos, os juízes de primeira instância avaliaram corretamente a ocorrência do instituto, segundo o TJMG.

Na maioria dos casos, o instituto da supressio não foi alegado por uma das partes, mas sim indicado de ofício pelo próprio magistrado – dos 30 julgados analisados, em 11, a parte apelante arguiu a aplicação do instituto, em 1, foi alegado pela parte apelada e, em 18 casos, o próprio juiz/desembargador apontou a ocorrência ou não do instituto

[5]

.

Analisando os 30 julgados[6] mais recentes proferidos pelo Tribunal de Justiça de São Paulo sobre o assunto, nota-se que em 21 deles foi constatada a aplicação da supressio.

Em 10 casos, o apelante arguiu a sua incidência e, em 3 julgados, o argumento foi levantado pela parte apelada. Isso significa que, assim como ocorre no TJMG, na grande maioria das vezes, quem mencionou o instituto foi o próprio juiz/desembargador, de ofício.

Dos 30 julgados, apenas 3 foram providos – e, nesses casos, a supressio foi apontada pelo

magistrado e não arguida pela parte vencedora. Do restante, 11 tiveram provimento parcial

e 16 tiveram o provimento negado.

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A supressio, o Poder Judiciário e a mineração

Em um dos processos analisados pelo TJSP envolvendo a supressio, foi discutido um contrato que previa pagamento de royalties mensais calculados com base no faturamento bruto obtido com a venda do ouro. No caso, por 10 (dez) anos foram pagos royalties calculados com base no faturamento bruto, descontado apenas o valor referente à Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM), mas a parte ré, após esse prazo, passou a descontar despesas referentes a transporte, seguros, tributos e contribuições parafiscais, conforme cláusula contratual.

O desembargador da 2ª Câmara de Direito Empresarial, ao aplicar o instituto da supressio, entendeu que[7]:

Realizar deduções e deixar de promover a auditoria para homologação dos valores a repassar aos autores desde o início da exploração da jazida e o decurso de dez anos configuram comportamento contraditório vedado e em desconformidade com a boa-fé objetiva ínsita às relações jurídicas.

A apelação da ré teve o provimento negado e ela foi condenada a (i) cessar imediatamente o procedimento de dedução de despesas indevidas sobre a base de cálculo dos royalties, reestabelecendo a sistemática anteriormente observada, e (ii) restituir à autora todos os valores pagos a maior desde que os descontos tiveram início, acrescidos de correção monetária desde a data de cada vencimento e juros de mora desde a citação.

Em outro caso analisado pelo juízo da 34ª Vara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, as partes firmaram um contrato de opção de aquisição parcial de direitos minerários, tendo a ré a possibilidade de, ao seu exclusivo critério, adquirir até 80% (oitenta por cento) das áreas de 9 (nove) direitos minerários de titularidade da autora. Após a pesquisa, os 20% (vinte por cento) restantes deveriam ser devolvidos à autora, para que esta realizasse a lavra de rochas ornamentais.

Feita a avaliação das jazidas e constatada a ocorrência apenas de níquel, de interesse da ré, esta decidiu pela aquisição da integralidade dos direitos minerários e não devolveu os 20%

previstos contratualmente, já que os minerais de interesse da autora não foram encontrados

durante a pesquisa.

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Cinco anos após a celebração do contrato, a autora requereu a restituição total das áreas, sob o argumento de que o instrumento havia sido descumprido pela ré. Na contestação, foi alegado que “após longos anos sem manifestação da autora em interesse na aquisição das áreas, posteriormente à realização de vultuosos investimentos pela requerida em pesquisa nas áreas, a autora manifestou sua intenção de retomar a área no local após declaração pública de descoberta da reserva de níquel pela requerida”. Sustentou que houve violação à boa-fé objetiva e configuração da supressio.

O pedido inicial foi julgado improcedente, e a juíza, apesar de não mencionar expressamente a supressio, afirmou que:

Contudo, apesar da 1) evidente delimitação dos interesses mineralógicos de cada parte, 2) do transcurso de longo tempo sem qualquer manifestação da autora – tempo este no qual, repise-se, a requerida manteve-se investindo tempo e dinheiro para fins de garantir a exploração de níquel, mineral este que está abrangido em sua área de interesse (conforme contrato); após a divulgação da descoberta pela promovida de recurso mineral de seu interesse, exerceu a requerente pretensão de se ver ressarcida das áreas nas quais foram localizadas as jazidas de níquel, cujo acolhimento implicaria evidente enriquecimento sem causa da promovente em detrimento da promovida.

Com efeito, é inegável que o interesse da promovente nas áreas mencionadas somente decorreu da descoberta pela promovida das jazidas de níquel, valendo salientar que a interpretação do contrato não deixa dúvidas no sentido de que a cessão das áreas visava à exploração pelo promovido de metais base (dentre os quais se inclui o níquel) e pelo autor de rochas carbonáticas e/ou ornamentais. Note-se que não houve delimitação específica da área que deveria ser restituída (consta somente 20% no contrato), de forma que não poderia a autora aproveitar-se de sua própria inércia, para garantir que a requerida dispendesse valores e tempos na pesquisa de uma área visando a explorar material de seu interesse, e, somente após localizado tal material, solicitar o cumprimento da obrigação de restituir exatamente aquela área.

A autora interpôs apelação, entretanto, houve a desistência do recurso antes da análise em 2ª Instância.

Conclusão

Levando-se em consideração os dados apresentados acima, percebe-se que a supressio tem

sido aplicada de forma cada vez mais recorrente pelos tribunais brasileiros aos diversos

modelos contratuais. Os julgados tendem a seguir os três requisitos indicados pela doutrina

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para determinarem a sua configuração: (a) passagem significativa de tempo, (b) inatividade injustificada de uma das partes em exercer o seu direito e (c) geração de expectativa na outra parte de que o direito não será mais exercido.

Nos contratos minerários, em regra de longa duração e com obrigações de execução continuada (que se satisfazem em atos sucessivos/periódicos), a supressio pode se tornar um risco relevante para as partes, a depender de como a relação contratual é gerida e de como o cumprimento dos direitos e obrigações é monitorado e auditado ao longo do tempo.

Isso se torna ainda mais evidente ao se considerar que o instituto, na maioria das vezes, é aplicado de ofício pelos julgadores e não arguido pelas partes.

Por esse motivo, para evitar o perecimento de um direito, é importante que:

Os contratantes se mantenham atentos ao modo como as obrigações estão sendo cumpridas, verificando se há desencontros com o que foi contratualmente firmado e buscando uma gestão estratégica do contrato, para se aferir e controlar a dinâmica de cumprimento das obrigações ao longo do tempo.

A elaboração dos novos ajustes leve em consideração os riscos existentes e preveja cláusulas que facilitem a checagem do cumprimento de obrigações e minimizem as chances de supressão de direitos no futuro.

Os especialistas em Contratos Minerários do William Freire Advogados estão à disposição para prestar esclarecimentos adicionais sobre o tema e contribuir com análises e soluções jurídicas eventualmente necessárias.

Belo Horizonte/MG, 24 de agosto de 2020.

[1] REsp 1803278/PR, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/10/2019, DJe 05/11/2019.

[2] Súmula 7 do STJ: A pretensão de simples reexame de prova não enseja Recurso Especial.

[3]

Foram analisados todos os julgados do STJ de 10/08/1999 a 11/02/2020 que continham os termos “supressio” e “suppressio”, excluídos os que não analisaram a tese em razão de ausência de prequestionamento.

[4] Os julgados analisados foram julgados no período de 26/04/2017 a 03/03/2020. Na data

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da consulta, o número de julgados no TJMG com o termo “supressio” na ementa chegava a 154.

[5] Desses 18 julgados, em 17, o desembargador indicou a configuração da supressio e, em 1, foi afastada a aplicação do instituto – mesmo não tendo sido alegado por nenhuma das partes.

[6] Os julgados analisados se referem ao período de 26/04/2017 a 03/03/2020. Na data da consulta, o número de julgados no TJSP com o termo “supressio” na ementa chegava a 1.466.

[7] TJSP. Apelação Cível 1046660-36.2017.8.26.0100; Relator (a): Araldo Telles; Órgão Julgador: 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro Central Cível – 24ª Vara Cível;

Data do Julgamento: 31/05/2020; Data de Registro: 31/05/2020

Referências

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