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PROCESSAMENTO E JULGAMENTO DOS CRIMES AMBIENTAIS: QUANDO A COMPETÊNCIA CABE À JUSTIÇA FEDERAL

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(1)

UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

FACULDADE DE DIREITO

RENATA FELISMINO LIMA

PROCESSAMENTO E JULGAMENTO DOS CRIMES

AMBIENTAIS: QUANDO A COMPETÊNCIA CABE À

JUSTIÇA FEDERAL

(2)

RENATA FELISMINO LIMA

PROCESSAMENTO E JULGAMENTO DOS CRIMES

AMBIENTAIS: QUANDO A COMPETÊNCIA CABE À

JUSTIÇA FEDERAL

Monografia submetida à Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientador: Samuel Miranda Arruda

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RENATA FELISMINO LIMA

PROCESSAMENTO E JULGAMENTO DOS CRIMES AMBIENTAIS: QUANDO A COMPETÊNCIA CABE À JUSTIÇA FEDERAL

Monografia submetida à Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Aprovada em ___ / ___ / _____.

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________

Prof. Samuel Miranda Arruda (Orientador)

Universidade Federal do Ceará - UFC

_________________________________________________

Prof. Ms. Lino Edmar de Menezes

Universidade Federal do Ceará - UFC

_________________________________________________

Miguel Rocha Nasser Hissa

(4)

Aos meus pais, Ubirajara e Maria Célia, e aos meus irmãos,

Leonardo, Raquel e Aline, com quem divido as experiências

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AGRADECIMENTOS

Aos colegas e amigos com quem, desde 2006, partilho as maravilhosas emoções vividas como estudante do curso de Direito da UFC.

Ao Doutor Samuel Miranda Arruda, orientador desta monografia, e supervisor do meu estágio, na Procuradoria da República do Ceará, que, num curto espaço de tempo, proporcionou-me tantos ensinamentos.

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O juiz não é nomeado para fazer favores com a justiça, mas para julgar segundo as leis.

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RESUMO

A Lei de Crimes Ambientais, Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, apresentava, em seu texto original, dispositivo tendente a fixar a Justiça Federal como organismo judiciário, em regra, competente para o processamento e julgamento dos crimes ambientais. Por contrariar sistemática proposta pela Constituição Federal de 1988, a qual distribui, em iguais proporções, entre os entes da federação, a responsabilidade pela preservação do meio ambiente, fora o dispositivo vetado pelo Presidente da República, quando da apresentação para a sanção. Na ausência de regra específica, aplicam-se as regras constitucionais de distribuição de competência, determinando-se a Justiça Estadual como aquela normalmente competente para o conhecimento dos processos relativos aos crimes ambientais. À Justiça Federal reservam-se os casos em que haja repercussão do delito nos bens, serviços ou interesse da União, de suas entidades autárquicas e empresas públicas federais, nos termos do artigo 109, IV, da Constituição Federal. A análise pormenorizada dos elementos normativos que compõem esse dispositivo constitucional mostra-se relevante, na medida em que possibilita, por eliminação, a determinação do organismo judiciário competente para o conhecimento dos crimes ambientais, evitando-se, por via reflexa, que prejuízos advindos da escolha por organismo incompetente venham a macular o processo de forma tal a limitar o exercício da atividade jurisdicional do Estado. Objetiva-se, portanto, a determinação do alcance e sentido dos elementos normativos constitutivos da redação do artigo 109, IV, da Constituição Federal, para, em seguida, fixar as situações em que a Justiça Federal se mostra competente para o processamento e julgamento dos crimes ambientais.

(8)

ABSTRACT

The original text of the Environmental Crimes Law, Law no. 9.605 of February 12, 1998, was designed to secure the Federal Court as a judicial body, normally responsible for processing and prosecution of environmental crimes. Systematic counter proposal by the Federal Constitution of 1988, which distributes in equal proportions among the entities of the federation responsibility for preserving the environment outside the device vetoed by the President, upon presentation of the project for sanction. In the absence of a specific rule, apply to the constitutional distribution of competence, determining whether the state court as the one usually responsible for knowledge of procedures relating to environmental crimes. In the Federal Court set aside the cases where there is a repercussion of the offense in goods, services or interest of the Union of its autonomous government entities and federal public enterprises, under article 109, IV, of the Federal Constitution. A detailed analysis of the normative elements that make up this constitutional provision appears to be relevant, insofar as possible, by elimination, the determination of the judicial body responsible for knowledge of environmental crimes, avoiding, by reflex, that losses from choice of agency jurisdiction will tarnish the process so as to limit the exercise of judicial activity of the state. Objective is therefore to determine the scope and meaning of the elements constituting the normative wording of article 109, IV of the Federal Constitution, to then determine the situations in which the Federal Court is competent to show the processing and trial of environmental crimes.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO...10

2 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE COMPETÊNCIA ... 12

2.1 Conceito ... 12

2.2 As regras de competência... 14

2.3 Processo de determinação da competência ... 16

2.4 Regras de competência absoluta e relativa... 19

3. O ORGANISMO JUDICIÁRIO COMPETENTE PARA O PROCESSAMENTO E JULGAMENTO DOS CRIMES AMBIENTAIS E A RELEVÂNCIA DE SUA DETERMINAÇÃO ... 21

3.1 A Justiça Federal e a Justiça Estadual como organismos judiciários competentes para o processamento e julgamento dos crimes ambientais ... 21

3.2 A relevância da determinação dos casos em que cabe à Justiça Federal o processamento e o julgamento dos crimes ambientais ... 24

3.2.1 O Princípio do Juiz Natural ... 24

3.2.2 As conseqüências da inobservância ao Princípio do Juiz Natural em face dos prazos prescricionais relativos aos crimes ambientais ... 28

4. ELEMENTOS NORMATIVOS DETERMINANTES DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL PARA O PROCESSAMENTO E JULGAMENTO DOS CRIMES AMBIENTAIS ... 34

4.1 Análise do conteúdo do art. 109, IV da Constituição Federal ... 34

4.1.1 A União, as autarquias federais e as empresas públicas federais como titulares dos bens jurídicos afetados pelo delito ... 36

4.1.2 A repercussão do delito nos bens, nos serviços ou no interesse dos entes federais ... 38

4.1.3 A exclusão das contravenções penais e a ressalva à competência da Justiça Minitar e da Justiça Eleitoral ... 40

5. OS CRIMES AMBIENTAIS CUJO PROCESSAMENTO E JULGAMENTO COMPETEM À JUSTIÇA FEDERAL ... 42

5.1 Crimes ambientais cometidos em detrimento de bens da Uniãos, de suas entidades autárquicas ou empresas públicas federais ... 42

5.1.1 Crimes contra a fauna cometidos em detrimento de bens da União ... 45

(10)

5.1.3 Os crimes de poluição cometidos em detrimento de bens da União...51 5.1.4 Os crimes contra o ordenamento urbano e o patrimônio cultural cometidos em detrimento de bens da União...56

5.2 Crimes ambientais cometidos em detrimento de serviços da União, de suas entidades autárquicas ou empresas públicas federais ... 57

5.3 Crimes ambientais cometidos em detrimento de interesse da União, de suas entidades autárquicas, ou empresas públicas federais ... 59

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 63

(11)

1 INTRODUÇÃO

A Lei de Crimes Ambientais, Lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, quando de sua redação original, apresentava em seu artigo 26, parágrafo único, regra para a determinação do organismo judiciário competente para o processamento e julgamento dos delitos dessa natureza. Pela redação do dispositivo, concluía-se, sem dificuldades, que à Justiça Federal caberia normalmente tal incumbência, restando à Justiça Estadual atuação supletiva.

Confrontada a regra de competência com o estabelecido pela Lei Maior, a qual não reservara ao ente federal qualquer atuação específica em relação à proteção ambiental, rateando-a igualmente entre os entes federados e a coletividade, fora tal norma vetada quando da sanção presidencial.

Na ausência de norma específica para tanto, e utilizando-se das normas constitucionais de determinação de competência, fixou-se o entendimento de que a Justiça Estadual corresponderia ao organismo judiciário que normalmente se encarregaria do processamento e julgamento dos crimes ambientais. Quando houvesse, porém, possibilidade de aplicação da redação do art. 109, IV, do texto constitucional, isto é, repercussão do delito nos bens, nos serviços ou interesses relativos à União, às suas entidades autárquicas ou empresas públicas federais, esse papel transferir-se-ia à Justiça Federal.

Nesse contexto, a análise pormenorizada do conteúdo do artigo 109, IV, da Constituição Federal, mostra-se de grande relevância. É por meio da determinação do sentido e alcance de seus elementos normativos que se possibilita, por eliminação, a determinação do organismo judiciário competente para o processamento e julgamento dos crimes ambientais, evitando-se, ainda, por via reflexa, que prejuízos advindos da escolha por organismo judiciário incompetente limitem a atuação do Estado, em sua pretensão punitiva.

(12)
(13)

2 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE COMPETÊNCIA

O Estado, detendo o monopólio da atividade jurisdicional, incumbiu-se da responsabilidade não apenas de exercê-la, mas de exercê-la com efetividade e eficiência. Para tanto, aparelhou-se, instituindo uma estrutura judiciária composta por variados órgãos, estando todos designados, como seus representantes, à prestação da atividade jurisdicional.

Bem explicita os pontos fundamentais da estrutura judiciária pátria, o trecho a seguir colacionado:

No estudo da organização judiciária foram expostas as linhas da estrutura judiciária pátria, da qual convém ressaltar, agora, os seguintes pontos fundamentais: a) a existência de órgãos jurisdicionais isolados, no ápice da pirâmide judiciária e, portanto, acima de todos os outros (STJ e STF); b) a existência de diversos organismos judiciários autônomos entre si (as diversas Justiças); c) a existência, em cada Justiça, de órgãos judiciários superiores e órgãos judiciários inferiores (o duplo grau de jurisdição); d) a divisão judiciária, com distribuição de órgãos judiciários por todo o território nacional (comarcas e seções judiciárias); e) existência de mais de um órgão judiciário de igual categoria no mesmo lugar (na mesma comarca, na mesma seção judiciária); f) instituição de juízes substitutos ou auxiliares, com

competência reduzida(CINTRA, DINAMARCO, GRINOVER, 2009, p. 250).

Tendo em vista a imensa quantidade de processos, versando sobre as mais variadas matérias, submetidos a ritos distintos, e distribuídos por um território de consideráveis proporções, percebeu-se, entretanto, que com a só instituição da estrutura judiciária não haveria efetividade nem eficiência na prestação jurisdicional, já que, surgida uma controvérsia, esta poderia vir a ser apreciada e solucionada por quaisquer de seus órgãos jurisdicionais componentes, sem que houvesse uma necessária sistematização na prestação da atividade.

Em face disso, decidiu-se por direcionar a atividade de cada órgão jurisdicional à apreciação de causas com características determinadas. Cada órgão, dessa forma, estaria autorizado a exercer suas atividades jurisdicionais, mas apenas em relação a demandas de natureza prefixada, surgindo daí as noções basilares do instituto da competência.

(14)

Há quem conceitue a competência como “a quantidade de jurisdição cujo exercício é atribuído a cada órgão ou grupo de órgãos” (Liebman apud CINTRA,

DINAMARCO, GRINOVER, 2009, p. 248). Ou como “medida e limite da jurisdição, dentro dos quais o órgão jurisdicional poderá aplicar o direito” (LIMA, 2010, p. 21).

Na mesma linha, Roberto Luis Luchi Demo afirma que “a jurisdição indica o poder de julgar abstrato, enquanto a competência significa aquele poder em sentido concreto” (2005 p. 109).

Há outra parte da doutrina que não se refere à competência como uma medida da jurisdição, mas como um conjunto de limites ao seu exercício. Alexandre Freitas Câmara, por exemplo, dessa maneira conceitua a competência. Veja-se:

Conjunto de limites dentro dos quais cada órgão do Judiciário pode exercer legitimamente a função jurisdicional. Embora todos os órgãos judiciários exerçam a função jurisdicional, cada um desses órgãos só pode exercer tal função dentro de certos limites estabelecidos por lei (2007, p. 100)..

Discordamos, todavia, de ambos os pensamentos.

Quanto ao primeiro conceito, coloca-se a competência como instituto de essência idêntica à da jurisdição, uma vez que daquela tratam como o poder-dever, só que delimitado, de, por meio do exercício de um procedimento fixado, conhecer controvérsias apresentadas e solucioná-las através da interpretação e aplicação do ordenamento jurídico. A jurisdição e a competência, entretanto, são institutos de natureza diferenciada.

Quanto ao segundo, é certo que a competência traz uma limitação ao exercício da atividade jurisdicional, já que os órgãos dela investidos nem sempre vão poder efetivá-la, dependendo da causa que lhes seja apresentada. Nada obstante, não se pode conceituá-la desse modo, tendo em vista que a limitação corresponde apenas a um reflexo da existência da competência.

A competência consiste, em realidade, na legitimidade para o exercício da atividade jurisdicional.

(15)

Ainda sobre a conceituação da competência, observe-se que esta se refere à legitimidade não dos magistrados de maneira individualizada, mas dos órgãos que estes representam. A esse respeito, observe-se comentário de José de Albuquerque Rocha:

A competência não é da pessoa física do juiz, mas do órgão, figura complexa que compreende não só a esfera de atribuições, mas ainda o agente ou agentes que exercitam e, até, os meios materiais de que precisam para exercê-la. Desse modo, a mudança da pessoa física do juiz ou seu impedimento ou suspeição não alteram a competência do órgão, que não reclama, para integrar-se, a identidade pessoal do juiz, podendo, por isso, haver substituição de uns pelos outros, sem alterar a competência do órgão (2009. p. 135).

2.2 As regras de competência

A competência dos órgãos jurisdicionais encontra-se delineada em normas diversas do ordenamento jurídico, tais como a Constituição Federal, as Constituições Estaduais, os Códigos de Processo Civil e Penal, as leis de organização judiciária estaduais e os regimentos internos dos tribunais.

A Constituição Federal, em seu Título VI, Capitulo III, intitulado “Do Poder Judiciário”, traz vários dispositivos acerca da competência dos órgãos jurisdicionais. Determina a competência do Supremo Tribunal Federal (art. 102) e do Superior Tribunal de Justiça (art. 105), da Justiça Federal (arts. 108 e 109), da Justiça Militar (art. 124), da Justiça Eleitoral (art. 121) e da Justiça do Trabalho (art. 114). Conseqüentemente, define a competência da Justiça Estadual, que é a remanescente.

(16)

Há, ainda, dispositivos constitucionais que tratam da competência por prerrogativa de função, a qual traz como critério determinativo a função desempenhada por certos agentes do Estado.

As Constituições Estaduais trazem, igualmente, dispositivos que tratam da competência de “Justiça”, da competência hierárquica e da competência por prerrogativa de função, só que relativamente à Justiça Estadual.

Os Códigos de Processo Civil e Penal, nos artigos 94 a 100, e 69, respectivamente, bem como as leis de organização judiciária de cada estado tratam da denominada competência territorial ou de foro, isto é, da competência das comarcas ou seções judiciárias no exercício da atividade jurisdicional.

As leis de organização judiciária estaduais também regulam a competência de juízo, de necessária determinação quando há uma pluralidade de varas de mesma natureza em uma mesma comarca ou seção judiciária.

Por fim, os regimentos internos dos tribunais estabelecem a competência dos órgãos fracionários dos tribunais, tais como o pleno, turmas, seções etc.

Observe-se que cada uma dessas regras evidencia individualmente os elementos que constituem a demanda, quais sejam, as partes, o pedido, os fatos e os fundamentos jurídicos. De fato “o legislador leva em conta o modo como se apresenta em concreto cada um desses elementos em cada demanda, valendo-se deles no seu trabalho de elaboração de grupos de causas para fins de determinação da competência” (CINTRA, DINAMARCO, GRINOVER, 2009, p. 252).

(17)

utilizou-se, respectivamente, dos critérios ratione materiae e ratione personae para

estabelecer tais competências.

A competência por prerrogativa de função também se fundamenta, claramente, no elemento parte da demanda, mais especificamente no que tange à qualidade desta (critério

ratione funcionae). Tratando-se de crime comum cometido pelo Presidente da República, por

exemplo, leva-se a causa, com base nisso, à análise do Supremo Tribunal Federal.

O local de ocorrência dos fatos que justificam a demanda é um dos aspectos observados na determinação da competência territorial, constando isso em algumas normas do Código de Processo Penal (art. 69, I) e do Código de Processo Civil (art. 100, V). Presente se faz, no caso, o denominado critério ratione loci. Para a determinação da competência

territorial, também é necessária a observância de caracteres relacionados às partes, tais como seus domicílios ou sedes (no caso de pessoas jurídicas), o que se percebe pela leitura dos arts. 69, II, do CPP e 94 e seguintes do CPC.

Quanto à definição do juízo competente à apreciação de determinada causa, ganha relevo, novamente, a análise da matéria de que se trata, visto que muitas vezes os juízos se especializam com base nesse aspecto.

O pedido consiste igualmente em elemento da demanda observado na determinação da competência. A natureza do bem pretendido, o seu valor e sua situação constituem aspectos a serem analisados na determinação, em especial, do juízo competente à apreciação da causa.

Como visto, são inúmeras e de fundamentos variados as regras regulamentadoras da competência dos órgãos jurisdicionais, constatação essa que impõe ao intérprete a tarefa de bem elaborar raciocínio lógico que possibilite a aplicação racional de todas elas, de forma sistemática, harmônica e coerente.

(18)

Fragmenta-se o processo de determinação da competência dos órgãos jurisdicionais em etapas sucessivas, servindo à eleição particularizada, em cada nível da pirâmide estrutural do Poder Judiciário, de um de seus componentes estruturais.

Parte da doutrina aponta ser a primeira etapa aquela que se presta a verificar se a justiça brasileira seria competente ou não para a análise do caso proposto, o que se convencionou chamar de competência internacional.

Acreditamos, entretanto, que essa verificação não envolve o instituto da competência, mas o da própria jurisdição, advindo o engano da já comentada confusão que costumam fazer os autores entre a natureza dos institutos jurisdição e competência. Como o que se deve observar, no caso, é se a demanda apresentada é alcançada ou não pelo poder de apreciar e julgar do país, avalia-se se a causa submete-se ou não à jurisdição, e não à competência brasileira. Só após essa primeira análise é que se passa à determinação, de fato, da competência. Nesse sentido:

Na análise dos critérios de fixação da competência uma primeira questão a ser resolvida é a da chamada “competência internacional”. Não se trata, em verdade, de questão pertencente à problemática da competência, mas a ela anterior. Antes de se verificar qual o juízo competente para determinado processo, há que se examinar se a hipótese pode ser submetida ao Estado brasileiro, para que este exerça, diante do

caso concreto, a função jurisdicional(CAMARA, 2007, p. 100).

Dessa forma, a primeira etapa a ser enfrentada para a correta determinação da competência consiste na definição da chamada competência de “Justiça”, também chamada competência de “Jurisdição”, de modo a se definir a qual organismo judiciário caberia o processamento e o julgamento da causa proposta: à Justiça Comum (Federal ou Estadual), à Justiça Militar, à Justiça do Trabalho ou à Justiça Eleitoral.

Definido o organismo judiciário responsável pela análise da controvérsia e sabendo-se que é composto por órgãos superiores e inferiores, cada um responsabilizando-se pelo conhecimento originário de causas características, impõe-se, na oportunidade, a escolha acerca da competência hierárquica.

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Federal, as Constituições dos Estados e a legislação infraconstitucional os tribunais como órgãos competentes para o conhecimento de demandas referentes a essas pessoas.

Superadas referidas etapas, passa-se à determinação do lugar onde a demanda deve ser proposta, já que cada uma das justiças possui representantes espalhados em subdivisões judiciárias do território nacional, as chamadas comarcas ou seções judiciárias. Os códigos de processo contêm as normas tendentes a elucidar essa questão. O Código de Processo Civil, por exemplo, elege, de forma geral, o lugar do domicílio do réu como o competente para a apreciação do caso. O Código de Processo Penal, por sua vez, nomeia, prioritariamente, o lugar da infração para tanto.

Ocorre que, em uma mesma comarca ou seção judiciária, muitas vezes existem diversas varas representantes de uma mesma “Justiça”. Por essa razão, após a identificação da comarca ou seção judiciária competente, deve-se individuar a vara para a qual deve ser destinada a pretensão oferecida. Trata-se da determinação da competência de juízo, estando os critérios a ela atinentes dispostos nas leis de organização judiciária estaduais, as quais elencam, de forma geral, a distribuição, a matéria, a prevenção, a conexão ou a continência como critérios principais.

Perseguindo-se de forma criteriosa as etapas então dispostas, alcança-se a célula do Poder Judiciário na qual deverá tramitar a demanda proposta. Essa atividade deve ser realizada até o momento da propositura da demanda, gozando, na maior parte dos casos, de definitividade.

De fato, identificado o órgão jurisdicional competente, deve o processo, em regra, ser por ele apreciado e julgado, sem que sobre isso haja mais questionamentos, até por que essa definitividade traz celeridade ao processo (o qual não fica sobrestado por questões adjetivas), bem como a idéia de segurança jurídica às partes.

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2.4 Regras de competência absoluta e relativa

A doutrina majoritária, mesmo sem qualquer suporte legal, costuma separar as regras de competência em dois grandes grupos: o que reúne as regras que têm natureza absoluta e o que reúne as regras que têm natureza relativa.

Têm natureza absoluta as regras de competência instituídas com o fim instrumental de garantir o interesse público de bem e melhor operacionalizar, racionalizar e, portanto, otimizar o exercício da atividade jurisdicional. Desta feita, devem ser tais regras sempre obedecidas, independentemente do que queiram convencionar as partes e determinar o julgador. Se descumpridas, portanto, não pode haver a prorrogação, isto é, a ampliação da competência do órgão indevidamente selecionado ao ponto de alcançar o seu poder de julgar uma causa a ele legalmente não afeta.

Da improrrogabilidade advém a permissão dada ao juiz de reconhecer sua incompetência, sem que haja provocação, em qualquer fase do processo, bem como a impossibilidade de preclusão do direito de indicarem as partes a ocorrência de erro na determinação da competência. Isso só vem a ocorrer quando passados os prazos para a propositura de ação rescisória, no âmbito cível, ou para a propositura de revisão criminal ou

habeas corpus, na espera penal.

Enquadram-se nesse grupo as regras atinentes à competência de “Justiça”, à competência por prerrogativa de função, à competência hierárquica e à competência de juízo baseada no critério ratione materiae.

As regras de competência que revelam uma preocupação do legislador em, além de racionalizar o exercício da função jurisdicional, primordialmente favorecer ao interesse das partes, por sua vez, enquadram-se no grupo que concentra as normas de natureza relativa. Esse interesse particular é facilmente identificado quando se elege, de forma geral, no Código de Processo Civil, o domicilio do réu como aquele apto a melhor solucionar a demanda proposta, providenciando-se, dessa forma, o acesso facilitado da defesa aos órgãos judiciários.

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partes se manifestem em tempo hábil, para que um possível erro de determinação de competência venha ser apreciado. A ausência de qualquer manifestação no tempo destinado à apresentação da resposta do réu faz precluir o direito de alegar vício de competência, o que faz com que essa automaticamente seja prorrogada.

As regras de competência que servem à definição do território em que a causa deve ser julgada bem representam as normas de natureza relativa.

Observe-se, entretanto, que, no que tange ao processo penal, em que vige o princípio da verdade real, as normas que definem o território no qual deve ser processada determinada causa foram instituídas com fundamento em um interesse especial, razão pela qual, mesmo não se qualificando como regra de competência de natureza absoluta, a obediência a elas pode ser examinada de ofício pelo juiz.

“Por isso, costuma-se dizer que muito se aniquila, no processo criminal, a diferença entre competência absoluta e relativa” (CINTRA, DINAMARCO, GRINOVER, 2009, p. 261). Na verdade, o que se aniquila não é a diferença entre a natureza das regras (esta se mantém), mas apenas a diferença quanto à possibilidade de análise de oficio ou não da incompetência pelo próprio juiz.

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3 O ORGANISMO JUDICIÁRIO COMPETENTE PARA O PROCESSAMENTO E JULGAMENTO DOS CRIMES AMBIENTAIS E A RELEVÂNCIA DE SUA DETERMINAÇÃO

3.1 A Justiça Federal e a Justiça Estadual como organismos judiciários competentes para o processamento e julgamento dos crimes ambientais

Como a pouco estudado, o processo lógico de determinação do juiz competente para o processamento e julgamento de certa causa inicia-se pela definição do organismo judiciário a que deve pertencer: se é à Justiça Comum (composta pela Justiça Federal e pela Justiça Estadual), à Justiça do Trabalho, à Justiça Militar ou à Justiça Eleitoral.

Considerando-se o caráter inespecífico inerente à matéria ambiental, tem-se que é na Justiça Comum que, em geral, se processam e se julgam os crimes ambientais. Há, porém, que se verificar se o seu processamento e julgamento devem tramitar na Justiça Federal ou na Justiça Estadual.

A matéria atinente aos crimes ambientais encontra-se reunida no corpo da Lei nº 9.605, cuja publicação data de 12 de fevereiro de 1998. Além de prever e caracterizar os tipos penais ambientais, o que o faz em seu Capítulo V, trata a lei das infrações administrativas relativas à matéria ambiental (Capítulo VI), da apreensão do produto e do instrumento de infração administrativa ou de crime ambiental (Capítulo III), da ação penal e do processo penal ambiental (Capítulo IV), da aplicação da pena (Capítulo II) e, ainda, da cooperação internacional para a preservação do meio ambiente (Capítulo VII).

Não estabeleceu, dentre tantos capítulos, entretanto, qualquer regra expressa de fixação da competência para o processamento e julgamento dos tipos penais ambientais.

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Art. 26. Omissis

Parágrafo único. O processo e julgamento dos crimes previstos nesta Lei caberão à Justiça Estadual, com a interveniência do Ministério Público respectivo, quando tiverem sido praticados no território de município que não seja sede de vara da justiça federal, com recurso para o Tribunal Regional Federal correspondente.

A redação do citado dispositivo imprimia de forma evidente a idéia de que a competência para o processamento e o julgamento da totalidade dos crimes ambientais deveria sempre caber à Justiça Federal. À Justiça Estadual reservava-se apenas a incumbência de agir supletivamente, quando o crime ambiental acontecesse em município que não fosse sede de vara federal. Um possível recurso, mesmo assim, deveria ser endereçado não ao Tribunal de Justiça, mas ao Tribunal Regional Federal respectivo.

O legislador, entretanto, ao redigir tal texto, não observou que os dispositivos constitucionais referentes à matéria ambiental em nenhum momento privilegiam, sob qualquer aspecto, a figura do ente federal. Fazem sempre entender, na verdade, que todos os componentes da federação e, ainda, a sociedade devem se responsabilizar, em igual medida, pela preservação do meio ambiente.

De fato, o artigo 23 da Constituição Federal elenca como atribuições comuns à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, em seus incisos III, VI e VII, respectivamente, “proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos”, “proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas” e “preservar as florestas, a fauna e a flora”.

O artigo 24, que trata da competência legislativa concorrente, por sua vez, autoriza a União, os Estados e o Distrito Federal, em seus incisos VI e VII, a legislarem, nessa ordem, sobre “florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição” e “proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico”.

Por fim, o art. 225 da Lei Maior estabelece, em seu caput, ser o meio ambiente

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O parágrafo único, do artigo 26, da Lei 9.605/98 ia de encontro, dessa maneira, à sistemática de competências administrativa e legislativa imposta pela Constituição Federal vigente. Confrontava, ainda, a regra expressa pelo art. 109, § 3º, da Constituição Federal, que traz como requisito formal para se permitir a apreciação pela Justiça Estadual de matéria atinente à Justiça Federal, na falta de vara dessa natureza, a exigência de lei específica.

Com base em tais razões, as quais caracterizam de forma manifesta a inconstitucionalidade, fora o dispositivo da Lei 9.605 vetado pelo Presidente da República. Na Mensagem de Veto, de nº 181, dessa forma, dispôs-se:

A formulação equivocada contida no presente dispositivo enseja entendimento segundo o qual todos os crimes ambientais estariam submetidos à competência da Justiça Federal.

Em verdade, são de competência da Justiça Federal os crimes praticados em detrimento de bens e serviços ou interesse da União, ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas. Assim sendo, há crimes ambientais de competência da justiça estadual e da Justiça Federal. A intenção do legislador de permitir que o processo-crime de competência da Justiça Federal seja instaurado na justiça estadual, quando a localidade não for sede de Juízo Federal (CF, art. 109, §3º), deverá, pois, ser perseguida em projeto de lei autônomo.

Na ausência de norma específica, condizente com o sistema constitucional, que estabeleça a fixação da competência para o processamento e julgamento dos crimes ambientais, resta concluir que, figurando na Justiça Comum, tanto a Justiça Federal quanto a Justiça Estadual são competentes para tanto.

Em seu artigo 109, a Constituição Federal especificou as ocasiões em que a competência da Justiça Federal se impõe, destinando à Justiça Estadual a incumbência para a apreciação das causas remanescentes.

Da apresentada sistemática, extrai-se, assim, a seguinte regra, já consolidada inclusive pelos tribunais superiores do país: cabe à Justiça Estadual, normalmente, a apreciação das causas criminais ambientais, devendo a Justiça Federal ser acionada quando se identificarem, no caso concreto, situações que encontrem similitude com as dispostas no 109 da Constituição Federal.

(25)

3.2 A Relevância da determinação das situações em que cabe à Justiça Federal o processamento e o julgamento dos crimes ambientais

Como visto, o conhecimento das situações em que cabe à Justiça Federal o processamento e julgamento dos crimes ambientais, por eliminação, possibilita a determinação da “Justiça” competente para a apreciação dos crimes ambientais.

Por reflexo, assegura-se, ainda, que prejuízos advindos de erros quanto à fixação da “Justiça” competente venham a macular o processo de tal forma que impossibilitem o exercício oportuno da atividade jurisdicional pelo Estado.

A seguir, trataremos de expor em que consistem referidos prejuízos, adiantando-se apenas que envolvem a prescrição da pretensão punitiva do Estado relativamente aos crimes ambientais. Apresentaremos, antes disso, instituto diretamente relacionado, qual seja o Princípio do Juiz Natural.

3.2.1 O Princípio do Juiz Natural.

Instituído no mundo jurídico por iniciativa do Direito Anglo-Saxão, o Princípio do Juiz Natural, em sua primeira leitura, já inaugurava a idéia de que as sentenças prolatadas por juízo ou tribunal de exceção, isto é, por órgão constituído discricionária e especificamente para o julgamento de certa causa, de surgimento a ele anterior, não traziam soluções justas para as controvérsias sociais apresentadas.

Por não haver qualquer critério que vinculasse a escolha dos componentes do julgador de exceção, dava-se margem a arbitrariedades de fato incompatíveis com as noções de imparcialidade e, portanto, de justiça. A depender da relação do indivíduo com o Estado, já se sabia, pela própria constituição do órgão julgador, se aquele seria ou não condenado.

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exercer a função jurisdicional, extinguindo-se, portanto, a figura dos juízos ou tribunais de exceção.

A Constituição Federal de 1988, ao dispor em seu artigo 5º, XXXVII, que “não haverá juízo ou tribunal de exceção”, claramente adota a orientação proposta pelo Princípio do Juiz Natural.

Não é apenas por meio desse dispositivo, entretanto, que se nota a presença do princípio no ordenamento jurídico brasileiro. O inciso LIII, do mesmo artigo 5º, da Constituição Federal, o qual estabelece que “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”, igualmente o traduz.

É que o Direito Norte-Americano, de maneira oportuna, observou que a só exigência da pré-constituição dos órgão julgadores ao fato a ser analisado não seria o bastante para afastar as arbitrariedades que ameaçavam a legitimidade dos julgamentos. Para tanto, mostrava-se também imprescindível que a atuação de tais órgãos estivesse predeterminada em regras de competência que vinculassem a atividade de cada um deles a demandas com características certas.

Identifica-se o sentido do Princípio do Juiz Natural, desta feita, não só na proibição da instituição de juízos e tribunais de exceção, mas também na exigência de fixação de prévias regras de competência para cada órgão jurídico pré-constituído.

A partir dessa conformação, é possível afirmar que apresenta o princípio duas funções instrumentais. A primeira delas tem natureza restritiva e se refere aos órgãos do Poder Judiciário, limitando-os quanto à própria existência e quanto à atuação. De fato, segundo orientação do princípio em questão, não podem atuar órgãos jurisdicionais que não sejam pré-constituídos. Ademais, os órgãos existentes não podem atuar aleatoriamente, mas apenas dentro das hipóteses determinadas pelas regras de competência previamente estabelecidas.

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Essa duplicidade funcional do Princípio do Juiz Natural foi reconhecida em julgamento do Habeas Corpus de nº 81.963, mais especificamente no voto do Ministro Celso

de Mello, do Supremo Tribunal Federal:

Na realidade, o princípio do juiz natural reveste-se, em sua projeção político-jurídica de dupla função instrumental, pois, enquanto garantia indisponível, tem por titular, qualquer pessoa exposta, em juízo criminal, à ação persecutória do Estado, e, enquanto limitação insuperável, incide sobre os órgãos do poder incumbidos de promover, judicialmente, a repressão criminal (HC 81.963, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 28.10.2004).

Importante evidenciar, por oportuno, que, no sistema jurídico brasileiro, não são todas as regras de competência estudadas no capítulo inicial desse trabalho que traduzem em si a figura do Juiz Natural, mas apenas aquelas que estão resguardadas no texto da Constituição Federal, a exemplo das que definem a “Justiça” competente para o julgamento de determinada causa. São apenas essas regras de distribuição de competência constitucional que, se observadas, asseguram o respeito ao Princípio do Juiz Natural.

É que as regras de competência dispostas em texto infraconstitucional visam à satisfação dos interesses das partes e, no máximo, à otimização do exercício da função jurisdicional, não carregando em si esse sentido garantista que se imprime ao princípio em voga. De fato, não haverá comprometimento aos postulados do Princípio do Juiz Natural se determinado caso afeto à competência de um território for julgado em território vizinho, desde que respeitada a distribuição de competências constitucionais, ainda mais quando existente a figura processual da carta precatória.

O mesmo não se pode afirmar, contudo, se uma causa afeta à competência da Justiça Federal, a qual tem por delimitadas as ocasiões em que deve se manifestar, for julgada pela Justiça Estadual, já que esta não fora predisposta ao conhecimento das mesmas causas atinentes à Justiça Federal.

As regras de competência constitucional trazem em si, além do escopo de ordenar o exercício da atividade jurisdicional, o de garantir a aplicação do Princípio do Juiz Natural, e de tudo o que ele representa. Maria Lúcia Karam expõe esse caráter garantidor que está contido apenas nas normas de distribuição de competências constitucional:

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jurisdicionais constitucionalmente competentes, adquirem estas regras uma dimensão de garantia, diretamente relacionada com a fórmula fundamental do devido processo legal, funcionando como fator de legitimação do exercício daquela função e daquele poder do Estado, questão particularmente importante no âmbito do processo penal, onde se defrontam o poder de punir e o direito de liberdade (2005, p. 66).

Essa função garantista do Princípio do Juiz Natural justifica-se por ter tido esse preceito, como uma de suas principais razões de ser, a busca pela imparcialidade nos julgamentos. A observância aos postulados do Princípio do Juiz Natural certamente contribui para a obtenção de um julgamento livre de vícios, firmando-se, por essa razão, ligação entre os dois princípios.

Alguns autores estreitam essa relação, referindo-se ao Princípio da Imparcialidade como um dos aspectos do Princípio do Juiz Natural, como é o caso do doutrinador Alexandre Freitas Câmara. Veja-se:

Há, porém, um outro aspecto do princípio do juiz natural que muitas vezes é esquecido, e que está ligado diretamente à pessoa natural que exerce, no processo, a função de juiz. Trata-se da exigência de imparcialidade, essencial para que se tenha um processo justo. É essencial que o juiz a que se submete o processo seja imparcial, sob pena de se retirar toda a legitimidade de sua decisão (2007, pp. 46 e 47).

Os dois princípios, entretanto, não se confundem, correspondendo o ora em destaque apresentado a uma orientação para que seja dificultada a prolação de sentenças viciadas. Tanto é que obedecidos os postulados básicos do Princípio do Juiz Natural, quais sejam, o da proibição do tribunal de exceção e o da necessidade de prévias regras de competência, referindo-se estas às contidas na Constituição Federal, mesmo assim é possível que o sentido do Princípio da Imparcialidade não seja atendido.

Nos casos em que se configuram os institutos da suspeição e do impedimento, sem que sejam, entretanto, anunciados pelo juiz ou levantados pelas partes, por exemplo, há obediência ao Princípio do Juiz Natural, sem que o haja ao Princípio da Imparcialidade do órgão julgador.

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também semelhantes, sendo proibida a discriminação, que se daria com a submissão de certa causa a julgamento a ser prolatado por órgão diferente daquele ao qual normalmente se recorreria (VALE, 2009).

De posse do conhecimento acerca do sentido que imprime o Princípio do Juiz Natural, é patente a necessidade da fiel observância aos seus dois postulados, não devendo haver espaço ao surgimento de tribunais de exceção, bem como ao desrespeito às regras de competência constitucional estabelecidas.

Por tal motivo, vigem no ordenamento jurídico brasileiro instrumentos processuais que permitem averiguar a ocorrência da inobservância ao Princípio do Juiz Natural, isto é, que permitem questionar a competência constitucional de determinados órgãos relativamente ao julgamento de certas causas, advindo daí algumas conseqüências.

3.2.2 As conseqüência da inobservância ao Princípio do Juiz Natural em face dos prazos prescricionais relativos aos crimes ambientais

Como antes referido, vigem, no ordenamento jurídico brasileiro, instrumentos que possibilitam a averiguação da observância ao Princípio do Juiz Natural. No processo penal tais meios correspondem à exceção de incompetência, ao conflito de jurisdição, e, ainda, à possibilidade de reconhecimento da incompetência constitucional pelo próprio juiz.

Como conseqüência desses procedimentos, pode um órgão vir a ser declarado absolutamente incompetente para a análise de determinada causa, a qual já estava sendo por ele apreciada, advindo dessa declaração alguns efeitos importantes.

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Incluem-se entre os atos automaticamente anulados pela declaração de incompetência de “Justiça” o recebimento da denúncia, bem como outros atos decisórios, incluindo-se dentre eles o mais importante: a sentença.

Quantos aos atos de natureza probatória, há quem os inclua entre aqueles de necessária anulação, sob o argumento de que a Constituição Federal, estabelecendo, em seu artigo 5º, LIII, que “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”, fez referência expressa ao processo e à sentença, de forma a não deixar margem a dúvidas, sobretudo em se tratando de normas constitucionais assecuratórias de garantias individuais, para as quais se recomenda uma interpretação ampliativa, e nunca restritiva (OLIVEIRA, 2007).

Diante do texto constitucional apresentado, coloca-se que não teria o artigo 567 do Código de Processo Penal, o qual dispõe que “a incompetência do juízo anula somente os atos decisórios, devendo o processo, quando for declarada a nulidade, ser remetido ao juiz competente”, aplicabilidade em face da declaração de incompetência , ainda mais quando esta vem estabelecida pela Constituição Federal. Nesse sentido, coloca-se parte da doutrina, assim representada:

Agora, em face do texto expresso na Constituição de 1988, que erige em garantia do juiz natural a competência para processar e julgar (art. 5º, LIII da CF), não há como aplicar-se a regra do art. 567 do CPP aos casos de incompetência constitucional: não poderá haver aproveitamento dos atos não-decisórios, quando se tratar de competência de jurisdição, como também de competência funcional (hierárquica e recursal), ou de qualquer outra estabelecida pela lei maior (GRINOVER, FERNANDES e GOMES FILHO, 2004, p. 58)

Em caso de incompetência constitucional, desta feita, tanto a denúncia, quanto os atos decisórios e não-decisórios seriam nulos, o que indicaria que somente novos atos, advindos de autoridade constitucionalmente competente, possibilitariam a obtenção dos efeitos antes tentados por meio dos atos viciados.

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processo, seguindo para o juízo competente, teria seus atos não-decisórios analisados e, se, corretamente procedidos, ratificados.

Nada obstante o estabelecido por meio do já citado artigo 5º, LIII, da Constituição Federal, pode-se dizer que corresponde essa tese jurisprudencial à tese defensável, em virtude do que dispõe expressamente a legislação infraconstitucional e do que preceitua o Princípio da Economia Processual.

Acerca dessa questão, contudo, novo posicionamento vem sendo adotado, no sentido de reconhecer a aplicação da figura da ratificação à totalidade dos atos proferidos por juízo absolutamente incompetente, incluindo-se os decisórios, o que mitigaria o efeito de nulidade que deveria ser conferido, no caso, pelo menos aos atos a que se atribuísse natureza decisória.

Tal posicionamento já fora afirmado pelo Supremo Tribunal Federal, o qual, recentemente, esclareceu, no julgamento do Habeas Corpus 88.262/SP, que desde o

julgamento do Habeas Corpus 83.006-SP, vem admitindo a ratificação de atos decisórios

advindos de juiz incompetente pelo órgão competente. Veja-se:

EMENTA: Habeas Corpus. 2. Crimes de Estelionato. 3. Alegações de: a) ausência de indícios de autoria e materialidade; b) falta de fundamentação da preventiva; c) violação ao princípio do juiz natural; e d) excesso de prazo da prisão preventiva. 4. Prejudicialidade parcial do pedido, o qual prossegue apenas com relação à alegada violação ao princípio do juiz natural. 5. Em princípio, a jurisprudência desta Corte entendia que, para os casos de incompetência absoluta, somente os atos decisórios seriam anulados. Sendo possível, portanto, a ratificação de atos não-decisórios. Precedentes citados: HC nº 71.278/PR, Rel. Min. Néri da Silveira, 2ª Turma, julgado em 31.10.1994, DJ de 27.09.1996 e RHC nº 72.962/GO, Rel. Min. Maurício Corrêa, 2ª Turma, julgado em 12.09.1995, DJ de 20.10.1995. 6. Posteriormente, a partir do julgamento do HC nº 83.006-SP, Pleno, por maioria, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 29.08.2003, a jurisprudência do Tribunal evoluiu para admitir a possibilidade de ratificação pelo juízo competente inclusive quanto aos atos decisórios. 7. Ordem indeferida.

(HC 88262, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 08/08/2006, DJ 15-09-2006 PP-00063 EMENT VOL-02247-01 PP-00121 LEXSTF v. 28, n. 335, 2006, p. 414-423 RT v. 96, n. 856, 2007, p. 503-507).

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originário for reconhecida tardiamente, isto é, em data posterior ao término do curso da prescrição penal da pretensão punitiva do Estado relativa ao ilícito objeto da questão.

É que em matéria penal, diferentemente do que se dá em matéria civil, o ato de recebimento da denúncia inválida, efetivado por juiz declarado constitucionalmente incompetente, não tem o condão de interromper o curso do prazo prescricional dado para que se efetive a pretensão punitiva do Estado.

Damásio de Jesus, baseado em reiterado entendimento jurisprudencial reforça a idéia, afirmando que “o recebimento da denúncia posteriormente anulada não interrompe o prazo prescricional. Nesse sentido: STJ, REsp 13.461, 5ª Turma, DJU, 4 nov. 1991, p. 15696, RT, 684:382; STF, HC 69.047, 1ª Turma, DJU, 24 abr. 1992, p. 5377, RTJ 141:192” (2009, p. 80).

De fato, somente a prolação de nova decisão declarando por recebida denúncia apresentada, ou a ratificação do ato que indevidamente a recebeu, teriam o condão de servir como marco interruptivo do prazo prescricional. Por esse motivo, deve ser providenciada essa nova decisão - ou a ratificação da anterior - antes que se configure a prescrição da pretensão punitiva do Estado e a conseqüente extinção da punibilidade do réu, nos termos do artigo 107, IV, do Código Penal.

É que, tendo por ultrapassado o prazo prescricional e extinta a punibilidade do réu, nada mais é permitido ao Estado fazer.

Infelizmente, o desenrolar vagaroso dos inquéritos policiais e dos procedimentos processuais já no âmbito da ação penal pública decorrente, e ainda a possibilidade de reconhecimento da incompetência absoluta pelo juiz em qualquer fase do processo muitas vezes dificultam a interrupção oportuna do prazo prescricional pela renovação de decisão que recebeu a denúncia em órgão incompetente para tanto.

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De fato, em quase metade dos tipos penais previstos na Lei 9.605/98, Lei dos Crimes Ambientais, estabeleceu o legislador, como pena a ser cumprida, a reclusão do infrator pelo tempo máximo de três anos, o que, de acordo com o artigo 109, V, do Código Penal, concede ao Estado, em geral, um prazo limite de quatro anos para ter suas investigações preliminares concluídas e a sua pretensão punitiva iniciada por meio da instauração da ação penal em organismo judiciário competente.

Não é incomum, ante a essa realidade, encontrarmos julgados em que se aponta a verificação tardia de incompetência do juízo por afronta ao Princípio do Juiz Natural, implicando isso a extinção da punibilidade do réu, sem que se tenha tido ao menos a oportunidade de que, enviados os autos do processo ao organismo judiciário competente, este viesse a proferir novo ato de recebimento da denúncia ou mesmo ratificar o ato maculado. A esse tempo, já se teria transcorrido o prazo prescricional da pretensão punitiva do Estado.

A título de ilustração, apresentam-se dois casos apreciados pelo Tribunal Regional Federal da 4º Região, em que se verificou a extinção da punibilidade do réu, em razão da verificação tardia da incompetência do organismo jurisdicional escolhido para a apreciação da causa.

PENAL. CRIME AMBIENTAL. ART. 29, § 4º, DA LEI 9.605/98. ABATE DE ANIMAL EM PERIGO DE EXTINÇÃO. PORTE DE ARMA DE FOGO. ART. 14 DA LEI 10826/03. COMPETÊNCIA. DESLOCAMENTO PARA ESFERA FEDERAL. RATIFICAÇÃO DE ATOS. PRESCRIÇAO. 1. O feito inicialmente tramitou perante a Justiça Estadual, tendo sido declinada a competência para a esfera federal, ao fundamento de que um dos fatos (abate de animal em perigo de extinção) deve ser examinado, juntamente com delito conexo (porte ilegal de arma de fogo) pela Justiça Federal. 2. O acolhimento da denúncia no juízo incompetente não consubstancia marco interruptivo da prescrição, porquanto eivado de nulidade absoluta - visto tratar-se, na hipótese, de incompetência ratione materiae - de modo que somente com o acolhimento válido da peça acusatória, na seara adequada, é que se interrompe o prazo prescricional. 3. No caso dos autos, tendo em conta as penas de 09 meses e 01 (um) ano de detenção, aplicadas, individualmente, e em concurso material, aos acusados pelo cometimento dos ilícitos previstos no art. 29 , § 4º, da Lei 9.605/98 e art. 14 da Lei 10.826/03 e, considerando o período de 02 e 04 anos previstos no art. 109, V e VI do CP, bem como o transcurso do lapso temporal entre a data do fato e o acolhimento da denúncia na seara federal, declara-se extinta a punibilidade dos réus pela prescrição, nos termos dos art. 107, IV c/c art. 119,

ambos do Código Penal.

(ACR 200872130002622, ÉLCIO PINHEIRO DE CASTRO, TRF4 - OITAVA TURMA, 03/06/2009).

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A prescrição é matéria de ordem pública, podendo ser declarada de ofício em qualquer fase do processo. 2. Nos termos do art. 109, VI, do Código Penal, se o máximo da pena é igual a 1 (um) ano ou, sendo superior, não excede a 2 (dois), a prescrição pela pena em abstrato ocorre em 04 (quatro) anos. 3. Hipótese em que, dada a ineficácia do ato de recebimento da denúncia por juiz absolutamente incompetente, resta extinta a punibilidade pela ocorrência da prescrição em abstrato,

nos termos do art. 117 do CP. Precedentes do STF.

(QUOACR 200404010441950, ARTUR CÉSAR DE SOUZA, TRF4 - SÉTIMA TURMA, 15/03/2006).

Quanto ao primeiro deles, faz-se necessário observar apenas que, em razão da recente publicação da Lei nº 12.234, o que se deu em cinco de maio de 2010, e que teve por objetivo principal a limitação da aplicação da denominada prescrição retroativa, não se pode mais ter a pena fixada na sentença (que normalmente é ainda inferior às já reduzidas penas estabelecidas na Lei de Crimes Ambientais) como parâmetro para o cálculo do prazo prescricional concedido ao Estado para que este, da ocorrência do fato criminoso, providencie o recebimento válido da denúncia.

A pena a ser adotada para a verificação da prescrição, nesse lapso temporal, a partir de então, passa a ser a apenas máxima cominada ao delito, como se faz quando não houve ainda o trânsito em julgado da sentença.

Isso, de fato, reduz o problema por nós apresentado, mas não em tão grandes proporções, já que as penas em abstrato atinentes aos crimes ambientais proporcionam prazos prescricionais os quais geralmente já se verificam ultrapassados quando da prolação da sentença por juiz constitucionalmente incompetente.

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4 ELEMENTOS NORMATIVOS DETERMINANTES DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL PARA O PROCESSAMENTO E JULGAMENTO DOS CRIMES AMBIENTAIS

A Constituição Federal, em seu artigo 109, fixou, por meio dos incisos IV, V, VI, VII, IX e X, a competência criminal da Justiça Federal. Aos crimes ambientais, mais especificamente, aplica-se a redação do inciso IV desse artigo. Muito nos interessa, portanto, a análise pormenorizada dos elementos componentes da redação desse dispositivo.

4.1 Análise do conteúdo do artigo 109, IV, da Constituição Federal de 1988

Estabelece o artigo 109, IV, da Constituição Federal, o seguinte:

Art. 109. Aos juízes Federais compete processar e julgar:

Omissis

IV – os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral;

Excluindo-se o termo “crimes políticos”, trata o texto da denominada competência criminal geral da Justiça Federal, a qual se fixa, de acordo com o supracitado dispositivo, sempre que uma infração vier a ser cometida em detrimento de bens, serviços ou interesse cuja titularidade confira-se a uma das seguintes pessoas jurídicas: União, entidades autárquicas federais ou empresas públicas federais.

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Com base nisso, pode-se afirmar que a repercussão do crime em bens, serviços ou interesses sobre os quais os entes federais exerçam titularidade consiste no fator único que determina a aplicação dessa modalidade de competência ao caso concreto.

Nada obstante a clareza da redação do artigo 109, IV, da Constituição Federal, Vladimir Souza Carvalho, em tentativa de sistematizar a sua aplicação, sustenta consistirem como condições para tanto a presença do ente federal como vítima do crime; a repercussão do delito no bem, serviço ou interesse do ente federal; e ainda a ocorrência do prejuízo ou dano aos citados entes (2006).

Acerca da necessária figuração dos entes federais como vítimas do crime perpetrado, observe-se que a Lei Maior, como antes afirmado, exigiu em relação a eles apenas a qualidade de titulares dos bens alvos da conduta delitiva, o que não os coloca, necessariamente, como vítimas da infração.

Em se imaginando infração ambiental cometida contra a fauna aquática habitante do mar territorial, a qual pertence à coletividade, nos termos do artigo 225, caput, da

Constituição Federal, mas é tutelada pela União, em razão de situar-se em bem de sua propriedade, verifica-se que não há necessária identidade entre a vítima material do delito (a coletividade) e o titular do bem visado (União).

Quanto à exigência, colocada pelo autor, de que, para a configuração da competência criminal da Justiça Federal, tenha de haver um dano aos entes federais, também esta não se sustenta, em primeiro lugar, pela mesma razão há pouco apresentada. Pode haver crime que danifique a fauna habitante do mar territorial, sem que para isso se gere prejuízo ao ente federal.

Outrossim, a expressão “em detrimento” constante da redação do artigo não deve ser interpretada de modo a restringir a competência criminal geral da Justiça Federal apenas aos delitos classificados como “de dano”, os quais “só se consumam com a efetiva lesão do bem jurídico visado” (MIRABETE, 2009, p. 110). Presta-se essa “Justiça”, igualmente, à apreciação dos “crimes de perigo”, em que “o delito consuma-se com o simples perigo criado para o bem jurídico” (MIRABETE, 2009, p. 120).

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a repercussão do delito em bens, serviços ou interesses sobre os quais os entes federais exerçam titularidade que consiste no fator único justificador da aplicação da modalidade de competência prevista no artigo 109, IV, da Constituição Federal.

Fixado esse entendimento, importa analisá-lo sob dois enfoques principais: o que privilegia os entes federais como titulares dos bens jurídicos afetados, e o que evidencia os bens, serviços e interesses sobre os quais repercute o delito.

4.1.1 A União, as autarquias federais e as empresas públicas federais como titulares dos bens afetados pelo delito.

Como visto, para que o processamento e o julgamento de um crime estejam afetos à competência da Justiça Federal, deve figurar como titular do bem visado pelo crime ou a União, ou uma entidade autárquica federal ou uma empresa pública federal.

Observe-se que, diferentemente do que ocorre na competência cível federal, a qual, por meio do artigo 109, I, da Constituição Federal, já se estabelece pela simples figuração da União, ou da entidade autárquica federal, ou da empresa pública federal como autoras, rés, assistentes ou oponentes do processo, na competência criminal federal, exige-se de tais entes a qualidade de titulares dos bens jurídicos sobre os quais repercute o delito.

Quanto ao termo União, entenda-se a pessoa jurídica de direito público interno, abrangendo-se o citado conceito “os órgãos da administração pública federal direta, tais como ministérios, secretarias, conselhos, coordenadorias, inspetorias, departamentos etc” (LIMA, 2009, p. 237).

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Por apresentarem natureza autárquica, já reconhecida inclusive pelo Supremo Tribunal Federal, incluem-se entre os entes federais abrangidos pelo art. 109, IV, da Constituição Federal, as fundações instituídas pelo poder público federal (STF, RE 115782 / MG), bem como os conselhos de fiscalização profissional (STF, ADI 1.717).

No que se refere aos crimes ambientais, ganha destaque a autarquia federal vinculada ao Ministério do Meio Ambiente, denominada Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, a qual, por meio do artigo 2º, I, II e III, da Lei nº 7.735, de 22 de fevereiro de 1989, fora instituída com vistas a:

I - exercer o poder de polícia ambiental;

II - executar ações das políticas nacionais de meio ambiente, referentes às atribuições federais, relativas ao licenciamento ambiental, ao controle da qualidade ambiental, à autorização de uso dos recursos naturais e à fiscalização, monitoramento e controle ambiental, observadas as diretrizes emanadas do Ministério do Meio Ambiente; e

III - executar as ações supletivas de competência da União, de conformidade com a legislação ambiental vigente.

O IBAMA, dessa forma, quando se apresenta como titular do bem, do serviço ou do interesse afetado por um crime ambiental, fixa a competência da Justiça Federal para a apreciação da ação penal relativa à infração.

A empresa pública federal constitui-se na última pessoa que, tida como titular de bem, serviço ou interesse de um crime, justifica a competência da Justiça Federal. De acordo com o já citado artigo 5º do Decreto-Lei nº 200, em seu inciso II, da seguinte maneira define esse ente federal:

Art. 5º. Omissis

I - Omissis

II - Empresa Pública - a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, com patrimônio próprio e capital exclusivo da União, criada por lei para a exploração de atividade econômica que o Governo seja levado a exercer por força de contingência ou de conveniência administrativa podendo revestir-se de qualquer das formas admitidas em direito.

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interesses afetados por infração penal, tenham sua causa levada à apreciação da Justiça Federal, em razão do disposto no art. 109, IV, da Constituição Federal.

4.1.2 A repercussão do delito nos bens, nos serviços ou no interesse dos entes federais

A trilogia bens, serviços e interesses de titularidade do ente federal assume um papel destacado na fixação da competência criminal geral da Justiça Federal, a ela referindo-se Vladmir Souza Carvalho como “a balança da competência criminal geral” (2006, p. 356). Renato Brasileiro de Lima, por sua vez, coloca-a como “a pedra de toque da competência da Justiça Federal” (2010, p. 248).

É que, como se sabe, a repercussão do delito em bem de titularidade dos entes federais, em serviço de que foram estes incumbidos, ou em um interesse a que lhes são afetos é o que fixa a competência da Justiça Federal.

Não há exigência, para tanto, de que todos os componentes dessa trilogia sejam alcançados pelo crime de uma só vez. Havendo afetação a um serviço, sem que o haja a um bem ou a um interesse, já se perfaz o requisito exigido. Nada obstante, não é incomum que mais de um deles seja atingido pela mesma infração já que, embora tenham denominações diversas, sentidos e alcances aparentemente bem distintos, na verdade correspondem a institutos que, na prática, “se entrelaçam, visto se confundirem ou serem sinônimos uns dos outros” (CARVALHO, 2006, p. 357).

Mesmo sendo estreita a linha que individualiza os sentidos dos termos bens, serviços e interesses, faz-se essencial, ao menos didaticamente, referir-se a eles de maneira a isolá-los uns dos outros.

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Ademais, tem-se, no artigo 20 da Constituição Federal, a relação dos bens pertencentes à União Federal, incluindo-se entre eles o mar territorial, os recursos minerais e as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios. Observe-se que, pela quantidade de bens naturais de titularidade da União Federal, há vários crimes ambientais cujo processamento e julgamento competem à Justiça Federal.

Para que isso ocorra, entretanto, o crime perpetrado deve atingir os bens das entidades federais de forma direta, e não reflexa, devendo haver correlação entre a conduta praticada e o bem jurídico tutelado pelo ente federal. Caso contrário,

Voltando-se o resultado da conduta enfocada contra bens jurídicos de outros titulares, ainda que bens, serviços ou interesses da União, de suas entidades autárquicas e empresas públicas sejam reflexamente atingidos, não estará autorizada a afirmação de incidência da regra comentada (KARAM, 2005, p. 30).

Por serviços, entendam-se as incumbências de que fora o ente federal encarregado, relacionando-se o vocábulo, dessa maneira, à própria razão de existência da pessoa jurídica, já que nenhuma instituição é criada sem propósito.

Quanto aos serviços prestados pela União, é importante ter-se a referência do conteúdo do artigo 21 da Constituição Federal, o qual estabelece a competência material exclusiva desse ente. Já em relação às autarquias e empresas públicas federais, a lei que as instituiu ou que as autorizou a criação, certamente se refere às atribuições que lhes foram confiadas.

Como já exposto anteriormente, o IBAMA trata-se de autarquia federal que fora criada por meio da Lei nº 7.735/89, a qual determina quais os serviços a serem desempenhados por ela. Em havendo crime ambiental que afete os serviços dessa autarquia, certamente seu processamento ocorrerá na Justiça Federal.

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Acerca do termo interesse, o último da trilogia, pode-se dizer que, se comparado aos outros dois, é de bem mais difícil delimitação, já que comporta em si um sentido consideravelmente abrangente e impreciso.

Para Fernando da Costa Tourinho Filho,

Do verbo latino “interesse”, significa pertencer, importar, ser do interesse de. O termo “interesse” mostra, precipuamente, a intimidade de relações entre a pessoa e as coisas, de modo que aquela tem sobre estas poderes, direitos, vantagens, faculdades ou prerrogativas (2009, p. 247).

Em razão de seu caráter abrangente, já estabeleceu o Supremo Tribunal Federal, em inúmeros acórdãos, que o interesse de que trata o artigo 109, inciso IV, da Constituição Federal, obedecendo a mesma orientação adotada para a identificação da repercussão do delito nos bens e nos serviços federais, não é aquele de natureza genérica, remota, não imediata, que se verifique, em um mesmo grau, em todos os entes federados, em toda a coletividade. Deve ter, pelo contrário, natureza específica, de forma que só a afetação a um interesse direto atrairia a competência da Justiça Federal. Veja-se:

EMENTA: Competência. Crime previsto no artigo 46, parágrafo único, da Lei nº 9.605/98. Depósito de madeira nativa proveniente da Mata Atlântica. Artigo 225, § 4º, da Constituição Federal. - Não é a Mata Atlântica, que integra o patrimônio nacional a que alude o artigo 225, § 4º, da Constituição Federal, bem da União. - Por outro lado, o interesse da União para que ocorra a competência da Justiça Federal prevista no artigo 109, IV, da Carta Magna tem de ser direto e específico, e não, como ocorre no caso, interesse genérico da coletividade, embora aí também incluído genericamente o interesse da União. - Conseqüentemente, a competência, no caso, é da Justiça Comum estadual. Recurso extraordinário não conhecido. (RE 300244, Relator(a): Min. MOREIRA ALVES, Primeira Turma, julgado em 20/11/2001, DJ 19-12-2001 PP-00027 EMENT VOL-02054-06 PP-01179)

É que se assim não fosse, tendo-se como exemplo a matéria atinente às causas ambientais, as quais, de acordo com os já citados artigos 23, incisos III, IV e VII, 24, incisos VI e VII e 225, caput, da Constituição Federal, despertam interesse equivalente em todos os

entes federados, os crimes ambientais, em sua totalidade, seriam sempre processados e julgados na seara federal, já que nunca deixaria de estar presente o interesse da União de preservação e proteção ambiental.

Referências

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