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O fabrico de moeda na Idade Média: Da prata à moeda

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O fabrico de moeda na Idade Média: Da prata à moeda

Adrien Arles*, Florian Téreygeol**

* Arkemine sarl e UMR 5060 Iramat, Centro de Ernest Babelon, CNRS, Universidade de Orléans ** UMR 5060 IRAMAT, Laboratoire Métallurgies et Culturas, Belfort / UMR 3299 SIS2M LAPA, CEA, Saclay

Resumo

No seguimento das escavações à segunda Casa da Moeda de La Rochelle (França), uma grande quantidade de material foi dada à luz. Esta descoberta é excepcional em dois aspectos, uma vez que é até à data a única oficina oficial escavada em França e que as estruturas e objectos descobertos permitem, numa pri- meira leitura, elaborar a cadeia de produção da moeda. Este material pioneiro forma a base deste estudo arqueométrico sem precedentes de técnicas monetárias oficiais. Esta pesquisa, por definição multidisci- plinar, é baseada na caracterização físico-química do corpus arqueológico, mas também num estudo de fontes históricas: Tratados monetários, actas, contas de oficina... enfim, as reconstituições paleometa- lúrgicas são uma parte importante das discussões. Elas fornecem uma visão sobre a complexidade das operações, enquanto produzem analogias livremente estudáveis, por comparação com amostras mais antigas. A compilação de todos os dados recolhidos permite não só propor uma descrição das técnicas de cunhagem a martelo como foram implementadas nas fábricas monetárias até meados do século XVII em França, mas também compreender a base das operações praticadas. A compreensão dos mecanismos químicos envolvidos no sucesso de uma operação particular de fabricação monetária (branqueamento) é responsável pelo domínio dos trabalhadores monetários de seu processo, bem como as reações envolvi- das.

Introdução

As escavações de casas da moeda são particularmente raras tanto em França como no resto da Europa.

Para estabelecer uma cadeia de operações e pensar na produção de dinheiro, é necessário contar com fontes que cubram um amplo espectro de tempo. Deste modo, é possível reunir um corpus que abra caminho a uma reflexão sobre o fabrico das moedas antes da introdução da cunhagem por balancé. Pa- ralelamente, quer na Europa quer no mundo árabe, temos textos para avaliar as técnicas e o saber-fazer implementados pelos moedeiros. A principal fonte arqueológica continua a ser a casa da moeda de La

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2 Rochelle, que forneceu um corpus e estruturas que estão directamente relacionadas com a produção mo- netária1.

Os objectos encontrados durante o trabalho arqueológico aparecem, na maioria das vezes, directamente associados à actividade específica da oficina, com um corpus umas vezes metálico e outras metalúrgico:

discos, quadrados, paredes de fornalha, cadinhos, copelas e pedras de toque.

A parte metálica é particularmente notável, uma vez que reúne uma grande quantidade de objectos que correspondem a moedas em várias fases de moldagem: As geometrias ortogonais que precedem os perfis arredondados na cadeia operativa. A sua leitura permite a observação de todas as fases de transforma- ção. Este material, datado do final da Idade Média e do início do período moderno, tornou possível con- siderar um estudo global da fabricação monetária para esses tempos e, em particular, da cadeia operaci- onal associada a ele, ou seja, da fabricação de moedas a martelo. É a partir de uma pesquisa multidisci- plinar baseada numa abordagem histórica, arqueológica, arqueométrica e experimental que agora é pos- sível propor uma nova luz desta indústria específica de fabricação de moedas na Idade Média.

1 A cadeia de produção da moeda: Do metal ao flan

A fabricação da moeda, como era praticada nas oficinas monetárias medievais oficiais, é definida pelo termo cunhagem a martelo. As várias operações associadas a ela são regularmente expostas na literatura numismática, tanto em livros de textos gerais como em publicações mais especializadas2. No entanto, estas são geralmente simples transcrições de descrições tiradas de três textos principais3. Por conse- guinte, os diferentes dados foram reconsiderados e completados por outras fontes, a fim de ter uma ima- gem tão detalhada quanto possível das técnicas de fabricação e suas limitações, tal como elas poderiam ter sido implementados nas oficinas medievais.

A especificidade da produção monetária reside na produção de uma série muito grande de objectos com fortes restrições metrológicas. A sua massa é rigidamente fixa pelo regulamento de fabrico e a sua face deve permitir o registro de todos os motivos monetários. É por isso que se exige a implementação de uma cadeia de operações complexa que começa com uma operação de fundição. O objectivo é produzir lâmi- nas. Estes primeiros esboços são lingotes de liga monetária cuja largura e espessura é próxima à das es- pécies a fabricar (Fig. 01). A sua produção por moldagem aplica técnicas que diferem pouco das que estão em uso nas oficinas de objectos em bronze. Embora o uso de lingotes seja descrito na literatura, é a fun- dição de areia que parece ser mais usada como atesta a descoberta de várias lâminas produzidas desta

1 À l’échelle de l’Europe, seules deux autres fabriques médiévales, celle de Porto (Portugal) et celle de Trondheim (Norvège), ont pu faire l’objet de fouilles. Si l’on considére également la période moderne, les ateliers de Londres (Angleterre) et celui d’Haldenstein (Suisse) complétent ce maigre corpus. Clavadetscher, U., 1992 ; Lopes, I. A. et al., 1999 ; Parnell, G., 1993 ; Lohne, O. et al., 2010.

2 Le Noir, M., 1788 (1981), p. 21-22 ; Lafaurie, J., 1963 ; Bompaire, M., Dumas, F., 2000, p. 473-506.

3 Estienne, H., 1579 : Poullain, H., 1902 ; Boizard, J., 1692 (2000).

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3 forma. Mais restritivo para implementar especialmente para pequenas produções, adapta-se melhor à variação metrológica dos diferentes tipos monetários a serem produzidos.

As operações de moldagem subsequentes são, na sua maioria, específicas do fabrico de moedas. Divi- dem-se numa série de operações de corte, martelagem, mas também tratamento térmico4 e químico que é interessante para desenvolver aqui. Durante este fabrico, as ligas monetárias previamente moldadas em lâminas5, são cortadas em quadrados antes de serem recortadas para se tornarem flans (discos)6 que só se tornam moedas quando cunhadas entre dois cunhos (Fig. 01).

A primeira operação de moldagem a martelo na cunhagem a martelo é feita sobre as lâminas da liga monetária. Esta não é uma operação crítica da cadeia operacional. O seu objectivo é afinar os esboços preliminares para os aproximar da espessura desejada das moedas. A martelagem das lâminas é, no entanto, implementada de forma a apenas alongar estas últimas sem as alargar. Considerando que a téc- nica de fundição de areia permite obter morfologias de lâmina perfeitamente controladas, esta operação de martelamento pode parecer desnecessária. No entanto, é vantajoso implementar estas duas técnicas sucessivamente. Uma vez que o martelar das lâminas é uma forma simples, poupa-se com a preparação de menos moldes de areia. Para uma quantidade equivalente de metal, quanto mais finas as lâminas,

4 Lorsqu’un matériau métallique est soumis à des déformations plastiques, des défauts vont se former dans sa structure interne. Leur accumulation a pour effet de durcir le matériau jusqu’à le rendre cassant. Afin d’éviter la rupture d’un objet au cours de sa mise en forme, il est donc nécessaire de régulièrement mettre en œuvre un traitement de recuit au cours duquel l’objet est porté à haute température. Les défauts préalablement formés vont ainsi être éliminés grâce à une réorganisation de la matière.

5 Carré d’alliage monétaire.

6 Rondelle d’alliage monétaire correspondant à une monnaie qui n’a pas encore été frappée.

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4 maior o número de moldes. Neste caso, o tempo necessário para a martelagem é compensado pelas economias obtidas nos preparativos para a fundição.

Após as lâminas moldadas serem trabalhadas para aproximar a sua espessura à das moedas a fabricar, são cortadas em quadrados. Nesta fase da cadeia operacional, ainda não existem requisitos rigorosos em relação à massa dos esboços. É difícil ou mesmo impossível cortar um objecto maciço em vários fragmen- tos de peso uniforme definido a priori e, mais ainda, na produção em massa. É por isso que o objectivo é, em primeiro lugar, produzir peças com uma massa inicialmente excessiva7. É depois possível desbastar as peças individualmente durante o ajuste.

Os quadrados cortados são então martelados antes de serem ajustados à massa regulamentar. Durante esta operação, eles são martelados individualmente na bigorna. Em combinação com o ajustamento sub- sequente, esta operação dá um primeiro arredondamento aos esboços. A martelagem é executada com a superfície do martelo paralela à da bigorna sobre a qual se depositam os quadrados. Deste modo o metal é forçado a deformar em todas as direcções.

Depois de serem martelados, os quadrados são ajustados. Eles são aparados gradualmente com tesouras para os aproximar da massa regulamentar das moedas a fabricar8. Esta operação visa também dar uma forma mais arredondada às peças9. Os cantos destas peças são sistematicamente eliminados10.

Na oficina De La Rochelle, esta sequência de moldagem foi respeitada, como evidenciado pelos quadrados já ajustados, mas ainda mostrando estigmas resultantes do seu corte preparatório (Fig. 02). As arestas de corte resultantes da eliminação de seus cantos estão rectas, enquanto outros têm as curvas características de sua deformação preliminar.

A primeira moldagem a que os quadrados são submetidos depois de ajus- tados, é mantê-los em pilha enquanto martelam a sua orla. Esta operação, que é subsequentemente repetida várias vezes, tem dois objectivos prin- cipais. O primeiro é predominante durante as primeiras martelagens.

Consiste em suavizar os ângulos apresentados pelas peças ajustadas (Fig.

02). Nesta fase da cadeia operatória, não é mais possível eliminar por corte os defeitos de rotundidade dos flans que têm já a sua massa regula- mentar. Neste caso, martelar o flan é uma alternativa possível para a sua moldagem. Por conseguinte, a deformação do metal ocorre com a conser- vação do seu volume. O material que provoca a irregularidade dos flans é apenas deslocado. Ao modelar, o operador deve ter o cuidado de perse-

guir o metal ao longo da orla do flan sem criar protuberâncias nas suas faces. A solução para minimizar a formação de protuberâncias ao golpear a orla dos flans é trabalhá-los empilhados. Durante a martelagem da orla de um flan entalado entre dois outros, o metal tem apenas a liberdade de deformar na direção da orla. No entanto, esta hipótese assume que os flans comprimidos têm morfologias idênticas. O objectivo principal da operação é ajustar a massa dos discos, de modo a torná-los uniformes. É só no decurso da formatação progressiva implementando várias operações de afinação que eles se tornarão idênticos. As protuberâncias de metal na superfície dos flans que resultam das primeiras formas tornam-se menos im- portantes com o avanço na cadeia operacional.

7 « affez pres du poids duquel doit eftre la monnoye..., » : Estienne, H., 1579, p. 106.

8 « on les rendoit [les carreaux] ainsi du poids juste qu’ils doivent être, en les pesant avec les dénéraux, à mesure qu’on en couppoit, ce qu’on appelloit approcher quarreaux. » : Boizard, J., 1692 (2000), p. 82.

9 « en les adjutant, elle a commencé à les arrondir. » : De Thumery, J., 1902, p. 341.

10 « il en oste sur les pointes et carnes avec les cisoires..., » :Poullain, H., 1902, p. 330. « on en coupoit les pointes avec des cisoires..., » : Boizard, J., 1692 (2000), p. 82.

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5 A figura 03 ilustra esta hipótese a partir de reconstituições experimentais. É possível ver a disparidade na morfologia dos flans simplesmente empilhados (Fig.03A). Após uma primeira remodelagem, as protube- râncias puderam ser movidas para os vazios deixados por amostras menos uniformes (Fig. 03B). Num estágio mais avançado, a uniformidade dos flans leva a uma diminuição dos defeitos da superfície (Fig.

03C).

No entanto, deve ser observada uma segunda condição para evitar que a operação de modelagem pro- duza demasiados defeitos nos flans em causa. É realmente necessário mantê-los pressionados uns aos outros com força. Se a pressão não é garantida durante a martelagem, resulta na dobragem dos flans para os espaços vazios. É por isso que a pilha trabalhada é fortemente segura com alicates11. O uso de tal instrumento é evidenciado pela descoberta de marcas nos flans muito características. Uma delas é mostrada na figura 04.

Esta é uma peça associada à cunhagem de cobre que foi remodelada. As suas peculiaridades morfológicas são devidas à sua posição na pilha durante esta operação. Estava numa ponta em contacto com as pinças da turquês. Devido à sua posição não garantiu um

apoio uniforme durante marteladas e viu seus can- tos fortemente deformados. Além disso, o seu con- tacto com uma das duas pinças do alicate deixou marcas profundas na sua superfície. Vestígios seme- lhantes também foram obtidos durante as reconsti- tuições desta etapa de moldagem (Fig. 04).

Em paralelo com a remodelagem, os flans são apla- nados. Com esta finalidade são martelados sobre a bigorna como anteriormente. Esta operação resulta num arredondamento global. Os flans, que têm uma

forma octogonal após serem ajustados, tendem naturalmente a evoluir para um perfil circular.

O processo de arredondamento é, em última análise, permitido por um ciclo no decurso do qual os flans são remodelados e aplanados. ao longo desta formatação, as operações de remodelagem que se seguem têem como seu principal objectivo evoluir do arredondamento de fragmentos de metal para a padroniza- ção da morfologia dos flans produzidos. Na verdade, durante as últimas remodelagens, a martelagem dos flans mantidos na pilha permite corrigir os defeitos morfológicos específicos de cada flan em relação à média geral para produzir uma série peças todas com os mesmos diâmetros (Fig. 03C). Quando o mó- dulo final das moedas fabricadas é alcançado, os flans são aplanados pela última vez12. Trata-se de uma

11 Boizard, J., 1692 (2000), p. 82.

12 Estienne, H., 1579, p. 106 ; Poullain, H., 1902, p. 331 ; De Thumery, J., 1902, p. 341 ; Boizard, J., 1692 (2000), p.

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6 fase de acabamento dos flans, para os endireitar após a remodelagem e para aplanar a sua superfície das marcas deixadas pelas marteladas e pelas turqueses.

Antes de retornar sua produção de flans, os trabalhadores realizam uma última operação. Eles vão arre- dondá-los13. Durante a sua formação, os flans passam por deformações que mudam a sua planura. No entanto, tal defeito não é atractivo para as moedas.

É preciso pelo contrário, que elas assentam umas sobre as outras. O método necessário para endireitar os flans é peculiar. Nesta fase de formação, não se deformam mais os flans que apresentam já a sua morfologia final. Neste caso, as marteladas que precisam para os endireitar não os devem pressionar demais. Daqui resulta que o ponto de impacto de tal martelada deve ser limitado. Se um flan é trabalhado individualmente desta forma no prato da bigorna, a pressão exercida não é distribuída sobre toda a sua superfície. Não permite, os ensaios demonstraram, a recuperação global procurada. É por isso que os flans são empilhados (Fig. 05). A pilha é levada para a bigorna e, em seguida, martelada. Esta técnica garante a distribuição da força do golpe sobre toda a superfície dos flans, resultando em seu aplanamento.

Ao cunhar as moedas, os flans são colocados individualmente entre duas matrizes que irão imprimir os motivos monetários. É essencial que os flans sejam perfeitamente planos quando colocados entre os cunhos. Se não for esse o caso, é difícil imprimir uniformemente esses motivos. Uma vez que, tendo em conta os defeitos de achatamento, as duas faces das matrizes monetárias não são paralelas quando gol- peadas, as impressões podem ser marcadas apenas parcialmente. Portanto, é importante que os flans sejam previamente aplanados.

13 Poullain, H., 1902, p. 331 ; De Thumery, J., 1902, p. 341.

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7 No corpus arqueológico, são também os defeitos resultantes desta operação de formação que indicam que ela foi praticada (Fig. 07). A observação de dois desses flans experimentais (Fig. 06) mostra que se um

flan da pilha é deslocado em relação ao resto da coluna, a pressão da martelada será distribuída apenas parcialmente na sua superfície. Neste caso, o flan contra o qual o se encontra imprime o traço de seu contorno.

2 A Questão do Branqueamento

Após serem aplanados e antes de serem cunhados, os flans são submetidos a uma operação de branque- amento. Trata-se de um tratamento químico em que intervém uma solução aquosa de borra de vinho e sal do mar14 na qual são imersos os discos. De acordo com os textos monetários, este processo deve primeiro lugar remover a sujidade e os óxidos que foram acumulados na superfície dos flans durante a sua preparação15. No entanto, as reacções em jogo também têm a propriedade de destacar, quando presente, a prata contida nas ligas monetárias. Graças a um enriquecimento superficial, os flans parecem

14 Ce sel composé en majorité de bitartrate de potassium est notamment un déchet de la production du vin. Moins soluble dans l’alcool que dans l’eau, il a tendance à précipiter dans les fûts de viellissement de vin. Il s’agit d’un composé acide.

15 5 Estienne, H., 1579, p. 106 ; Poullain, H., 1902, p. 333 ; De Thumery, J., 1902, p. 342 ; De Bettange, M., 1760, p.

5 ; Boizard, J., 1692 (2000), p. 73.

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8 mais prateados do que o seu título de metal permite esperar. É esta consequência estética que deu o seu nome ao processo e, assim, se assemelha a um tratamento com prata16.

Como parte do estudo do corpus de La Rochelle, a observação do corte metalográfico de um flan revelou uma estrutura particular na sua superfície (Fig. 08 e 09). A sua comparação com o âmago do objecto rapidamente revelou que era de facto uma transformação local da liga associada a um tratamento de branqueamento.

O núcleo não transformado do flan é composto por uma liga de cobre e prata em proporções de 68,8% e 29,7% em massa, respectivamente. O chumbo, com apenas 1,5%, é considerado um composto menor. A estrutura metálica do flan consiste em dendritos de solução sólida de cobre rodeados por uma fase rica em prata17. Em geral, parece que a

estrutura da área modificada de- riva da liga utilizada (Fig. 09). Na verdade, a rede que forma a solu- ção sólida de prata em torno dos dendritos de cobre é idêntica ao núcleo como na periferia do branco. A fase de solução sólida de cobre, por outro lado, é muito dife- rente. Parece ter-se transformado parcialmente ou dado lugar a um composto que apresenta uma cor cinza-azul na luz natural, enquanto noutros lugares o espaço parece esvaziado do seu conteúdo. A aná- lise por dispersão de energia espec- troscopia acoplada com um micros- cópio eletrônico de varredura mos-

tra que a fase residual é realmente composta de óxido de cobre, mas também por cloro.

16 Cope, L. H., 1972 ; King, C. E., Hedges, R. E. M., 1974 ; La Niece, S., 1993 ; Zwicker, U. et al., 1993 ; Anheuser, K., Northover, J. P., 1994 ; Giumlia-Mair, A., 2001.

17 Il s’agit de la phase eutectique de composition : 71,9 % argent, 28,1 % cuivre.

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9 O estudo desta amostra arqueológica confrontada com várias experiências para reconstruir a cadeia ope- racional da cunhagem a martelo e branqueamento permite propor uma descrição dos mecanismos quí- micos envolvidos neste processo.

As primeiras reflexões desenvolvidas foram baseadas na ideia de que o branqueamento foi definido como um tratamento dos flans por uma solução aquosa acidificada pela presença de Bitartarato de potássio18. As suposições iniciais sugeriram corrosão preferencial de cobre sobre prata. No entanto, uma vez que os vários pares redox envolvendo cobre e prata são todos positivos19, não é possível de um ponto de vista eletroquímico que estes metais pudessem reagir com os íons ácidos da solução20. Além disso, ao consi- derar outras elementos em solução de tratamento, tais como o potássio, o cloro ou o sódio, não há ne- nhuma reacção que possa explicar um ataque preferencial de cobre sobre prata. A observação de amos- tras experimentais confirma esta hipótese. As amostras branqueadas mais tempo não apresentam maior enriquecimento.

A análise dos cortes metalográficos das amostras experimentais colhidas em diferentes fases da cadeia operacional reconstituída revela que o fenómeno precursor do processo de branqueamento não é uma reacção aquosa. Isto é corrosão em fase seca a alta temperatura. As transformações predominantes não ocorrem no banho de branqueamento, mas durante o recozimento que é implementado durante toda a formação. Na verdade, trazida a alta temperatura a prata presente em ligas monetárias permanece na sua forma metálica, enquanto o cobre tem, por outro lado, tendência a ser oxidado. Por último, a única função do banho de branqueamento é remover os óxidos de cobre que se formam durante o recozimento.

O mecanismo global que descreve a sequência de enriquecimento que resulta no branqueamento de ligas monetárias prata-cobre apresenta-se assim:

• Depois de ser moldada, a liga tem uma estrutura de solidificação que não evidencia um enrique- cimento superficial inicial. Por outro lado, a liga ainda é globalmente heterogênea numa escala microscópica com uma fase de cobre e uma segunda rica em prata.

• Após as primeiras martelagens, não há nenhum fenómeno precursor do enriquecimento dese- jado. Há apenas uma ligeira deformação da rede dendrítica.

• Durante o primeiro recozimento, o meio de reação e a temperatura implementadas aceleram a oxidação da fase de cobre. Dendritos de solução sólida de cobre que estão na superfície da amos- tra começam a ser oxidados. A espessura desta camada de óxido cresce desde a superfície da amostra até ao seu interior. A fase prateada não está oxidada.

18 Une telle solution saturée présente à 20 °C un pH de 3,5.

19 A 25°C : E°(Ag+/Ag) = 0,7996 V, E°(Cu+/Cu) = 0,522 V, E°(Cu2+/Cu) = 0,3402 V. Weast, R., ed., 1966, p. D76.

20 A 25 °C : E°(H+/H2 ) = 0 V. Idem, p. D76.

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• Durante a martelagem subsequentes, os óxidos formados durante o recozimento são fracturados e parcialmente ejectados. A prata que persiste superficialmente, durante as séries de marteladas, forma um filme mais ou menos compacto, dependendo das deformações sofridas.

• Finalmente, quando a liga preparada for branqueada, tem já uma camada superficial enriquecida com uma fase rica em prata, na qual ainda estão incluídos óxidos e cobre que não foram todos ejectados. O recozimento que ocorre antes do tratamento em solução permite aumentar uma última vez a espessura da camada oxidada. O enriquecimento obtido no final desta sequência já adquiriu o seu poder definitivo. Depende do número de passagens de martelagem e recozimento, mas também da duração e temperatura deste último. Deixará de aumentar nas operações sub- sequentes.

• Após o tratamento de branqueamento, o enriquecimento não é alterado. O banho ácido de borra de vinho (Ácido tartárico) e cloreto de sódio remove apenas óxidos de cobre da rede rica em prata.

Este último deixa ocos na camada superficial, dando-lhe uma estrutura esponjosa e arejada. Esta configuração muito irregular dá uma aparência mate à superfície tratada.

• Por último, a última operação a que as ligas monetárias branqueadas são submetidas corresponde à cunhagem de moedas. Isto resulta numa última compactação da camada de enriquecimento em fase de prata esvaziada dos seus óxidos intersticiais. Esta densificação, acompanhada de uma uniformidade da superfície atingida dá a última aparência prateada brilhante.

Este mecanismo de reação proposto com base em dados arqueológicos e experimentais fornece uma nova visão sobre o processo de branqueamento e sua utilização no fabrico de moeda.

Acaba de ser visto que o fenómeno do enriquecimento só é possível para certas ligas de prata-cobre.

Estas últimas devem apresentar uma estrutura bifásica. Neste caso, uma consideração do diagrama de fase desta mistura torna possível estabelecer diferentes domínios de composições teóricas que garantem a formação de uma camada de superfície de prata durante a formação. Parece que estes intervalos não estão relacionados com as designações utilizadas para as várias ligas monetárias:

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• Para a cunhagem de cobre, o objectivo do banho de branqueamento não é destacar qualquer enriquecimento superficial. Serve apenas para remover os óxidos de superfície formados durante as fases de formação.

• Teoricamente, as ligas de cobre-prata que contêm menos de 8% em massa de metal branco for- mam uma solução sólida de cobre. Em tal mistura, há apenas uma fase em que a prata, uma minoria, é dissolvida. Durante a martelagem e o recozimento, não pode, neste caso, verificar-se um fenómeno de enriquecimento posteriormente destacado durante o branqueamento. Este tratamento, em última análise, tem o mesmo efeito que para a cunhagem de cobre. A superfície fica vermelha após a decapagem e antes da martelagem, torna-se gradualmente mais escura, marrom escuro, com a formação de óxidos de cobre superficiais. Estas ligas monetárias muito pobres são referidas como baixo bolhão, e as espécies cunhadas desta liga têm sido referidos como moedas pretas. Esta qualificação é perfeitamente explicada pela impossibilidade de obter um enriquecimento superficial com estas ligas que, ao longo do tempo, escurecem com a oxida- ção das moedas. Há também baixas ligas de bolhão que podem conter até 12% de metal precioso.

Neste caso, as misturas que estão neste intervalo efectivamente têm uma estrutura de duas fases.

No entanto, a dispersão da fase de prata na matriz de cobre impede a sua densificação durante as etapas de formação.

• As ligas monetárias de bolhão e prata, cujas percentagens de metais preciosos excedem 10-15%

da massa total, têm uma aparência geral prateada, uma vez moldadas e cunhadas. No entanto, a origem da aparência final não se deve apenas ao fenómeno do enriquecimento acima descrito.

Com o aumento do título de prata nestas ligas, o diagrama de fase acompanha as mudanças es- truturais resultantes. Finalmente, apenas as misturas com níveis de metal branco entre 8% e a composição eutética de 71,9% em massa consistem em dendritos de solução sólida de cobre ro- deados por uma fase enriquecida em prata. Esta estrutura é idêntica à das amostras experimen- tais. O mecanismo de enriquecimento que lhes está associado é idêntico ao proposto.

• Além de 71,9% e até 91,2% de metais preciosos na liga, são os dendritos da solução sólida de prata que solidificam primeiro. Mantém-se a segregação entre fases ricas em cobre e prata. No entanto, é visível em uma escala mais fina como é encontrada dentro da fase que envolve a solu- ção de prata sólida dendrites. No entanto, os processos de enriquecimento continuam a ser apli- cáveis. Para as ligas que contenham mais de 91,2% da sua massa total de metais preciosos, for- mam apenas uma fase de solução de prata sólida que não permite o estabelecimento do fenó- meno de segregação durante a sua formação, no entanto, isso não é problemático do ponto de vista da sua aparência, na medida em que têm já uma fase de solução de prata sólida.

Finalmente, considerando a figura 11, parece que a maioria das ligas de prata-cobre tem uma estrutura interna que leva durante a sua formação, a um enriquecimento superficial de metal precioso. O parale- lismo dos campos de branqueamento com as diferentes denominações das ligas cunhadas também revela o domínio deste processo pelos moedeiros.

Outro ponto sobre o qual concordam as fontes monetárias que mencionam o processo de branquea- mento é a importância da utilização de utensílios feitos de madeira e, em maior medida, de cobre21. É a partir deste metal que são construídas as cubas em que são colocados para branquear os flans. Ele tem também o crivo necessário para a recuperação dos flans uma vez processados, bem como os vários ins- trumentos usados para os agitar no banho de branqueamento. Sem proibi-lo explicitamente, nunca se menciona o uso de qualquer ferramenta de ferro enquanto este metal é encontrado nos instrumentos utilizados nas etapas de moldagem que precedem o branqueamento.

21 « Vaisseau de cuivre porté à jour. » : Poullain, H., 1902, p. 333. « Crible de cuivre rouge, vaisseau de cuivre. » : Boizard, J., 1692 (2000), p. 73. « Bouilloir : est un vase de cuivre rouge. » : De Bettange, M., 1760, p. 5.

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12 A escolha de excluir este metal justifica-se aqui por uma consideração electroquímica. O par redutor do ferro Fe/Fe2+ tem um potencial padrão muito menor do que o do par Cu2+/Cu 22. Os iões de cobre que passam para a solução durante o branquea- mento promovem a oxidação do ferro. O uso de utensílios de ferro resulta em corro- são galvânica. É suficiente considerar o exemplo de retirar um flan do banho de branqueamento com a ajuda de uma colher de ferro. Os iões de cobre passados para a solução durante a branqueamento são re- duzidos na superfície do flan, enquanto a colher de ferro é oxidada e acaba no banho de ataque. Esta configuração é muito preju- dicial para o resultado do branqueamento, uma vez que resulta em um revestimento da superfície dos flans que normalmente deve ser um cinza prateado, por uma camada de cobre vermelho. Por conseguinte, é muito importante não utilizar um utensílio de ferro nas operações de branqueamento, a fim de evitar potenciais depósitos de cobre.

Estes meios implementados constituem mais um testemunho do know-how dos trabalhadores monetá- rios. Inicialmente confrontados com as consequências nefastas da utilização de ferramentas de ferro, foram capazes de adaptar eficazmente o seu processo.

3 A Cunhagem

Branqueados, os flans são finalmente confiados aos moedeiros para realizar a fase final do fabrico de moedas: a cunhagem. A partir da imposição de motivos monetários à superfície das peças, a autoridade emissora certifica a quantidade de metal precioso que representam, portanto, o seu valor. Na cadeia operacional global, é considerado o processo mais simples de implementar. Limita-se à estampagem dos espaços em branco entre dois cunhos gravados com as figuras e as legendas regulamentares (Fig.12). No contexto da produção em massa que exige este trabalho extremamente repetitivo, a precisão e a segu- rança do gesto não devem ser negligenciadas. Estas duas qualidades, adquiridas com a experiência, ga- rantem a qualidade final da cunhagem. É, em primeiro lugar, o lado estético das espécies, pelo menos as mais valiosas, o que no final garante a confiança dos utilizadores.

Finalmente, a cunhagem é o símbolo da indústria monetária. Este passo transforma um disco de metal, alguns geralmente contendo uma parte de ouro ou prata, num objecto de grande valor. É por isso que as somas produzidas, bem como a utilização de moedas, tornam esta vulgar estampagem uma operação particularmente sensível, portanto controlada. É certamente por esta razão que as escavações da oficina de La Rochelle produziram pouca informação e materiais sobre esta última fase de cunhagem. Com ape- nas cinco moedas encontradas realmente cunhadas nesta fábrica em comparação com os 128 flans do corpus global, o contraste é muito explícito. Deve-se acreditar que os moedeiros, responsáveis pela

22 A 25 °C : E°(Cu2+/Cu) = 0,3402 V > E°( Fe/Fe2+) = 0,41 V. Lide, D. R., ed., 1991, p. 820.

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13 cunhagem, foram obrigados a prestar mais atenção na manipulação das suas moedas do que os trabalha- dores responsáveis pela produção dos flans.

Uma segunda observação resulta de um aspecto experimental nos primeiros testes realizados neste es- tudo. Por razões de segurança, o cunho móvel que foi usado inicialmente tinha uma pega lateral23. Esta configuração foi para evitar o risco de um acidente se o martelo falhasse a zona de impacto. Esta escolha exigiu que a operação fosse realizada por duas pessoas, uma segurando o cunho pela pega, a outra mar- telando. No entanto, este método não é o descrito por fontes monetárias, nem em iconografia. Estas últimas representam a martelagem das moedas como o trabalho de um único moedeiro sentado num banco (figura zzz?). Os testes preliminares de cunhagem em binómio atestam a dificuldade de aplicar tal configuração na cunhagem medieval. Esta caracteriza-se por peças particularmente finas com motivos pouco marcados. Neste caso, para obter uma impressão satisfatória das legendas e figuras, quer dizer gravando toda a superfície dos discos, é essencial que as superfícies dos dois cunhos sejam sensivelmente paralelas durante o impacto do martelo. Se tal não for o caso, a espessura limitada dos flans não permite uma deformação suficiente do material durante a tensão mecânica de modo que, em última análise, a pressão seja distribuída por toda a moeda. As moedas então produzidas apresentam lacunas nas suas gravações. A utilização de um cunho inclinado cuja pressão é deslocada não facilita a manutenção da superfície do torquel paralela à da pilha. A martelada não é satisfatória. Depois de finalmente remover o conjunto usado nas encenações experimentais, as novas martelagens, realizadas então por uma única pessoa, mostraram o interesse desta escolha. Embora o poder desenvolvido por um único trabalhador usando um martelo seja muito menor do que o do binómio que pode empregar um maço, esta diferença é compensada por uma melhoria na qualidade da pancada. Segurar o cunho verticalmente à área de impacto do martelo permite a manutenção muito mais fácil da matriz de configuração de impressão pa- drão ideal. Do mesmo modo, embora seja impossível, dada a violência do choque, realizar várias panca- das na massa sem ter de reposicionar precisamente a moeda entre os cunhos24, que não é o caso quando se trabalha com um único operador.

Conclusão

O estudo multidisciplinar do corpus arqueológico resultante de um Workshop monetário permitiu desta- car uma cadeia operacional global de fabrico de dinheiro com a tecnologia a martelo. Embora por vezes apresente algumas diferenças em relação ao processo regulamentar apresentado em fontes monetárias, estas são relativamente pouco importantes e, além disso, associadas a uma cunhagem de moedas de grande valor.

23 La paire de coins utilisée lors des différentes expériementations présentées dans cet article a été gravée par M.

Ducouret.

24 Le monnayeur n’est pas contraint de rengrenner sa monnaie.

Referências

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