VINICIUS DE CASTRO SANT’ANNA
A INFORMAÇÃO ESPORTIVA NA RÁDIO ITATIAIA: UMA ANÁLISE DA
PARTICIPAÇÃO DOS REPÓRTERES SETORISTAS DE ATLÉTICO, CRUZEIRO E
AMÉRICA DENTRO DO PROGRAMA RÁDIO ESPORTES
Viçosa – MG
2018
A INFORMAÇÃO ESPORTIVA NA RÁDIO ITATIAIA: UMA ANÁLISE DA
PARTICIPAÇÃO DOS REPÓRTERES SETORISTAS DE ATLÉTICO, CRUZEIRO E
AMÉRICA DENTRO DO PROGRAMA RÁDIO ESPORTES
Monografia
apresentada
ao
curso
de
Comunicação
Social
–
Jornalismo,
da
Universidade Federal de Viçosa, como requisito
para obtenção do título de bacharel em
Comunicação Social.
Orientadora: Profa. Dra.Kátia de Lourdes Fraga
VIÇOSA – MG
2018
Dedico este trabalho aos meus pais, Luciano e Cristiane; aos meus avós paternos Márcio (in memoriam) e Lucy; aos avós maternos José Eugênio e Conceição (in memoriam); a toda minha família e amigos, apoiadores deste sonho.
Ao Pai Celestial, por renovar meus ânimos e me dar forças para seguir em frente
todos os dias; os meus pais, Luciano e Cristiane, pelo voto de confiança e apoio incondicional
de meus sonhos. À minha família pelo amparo e pelas palavras motivadoras, em especial aos
tios Cleverson e Cícero pelas dicas de leitura e de prática no rádio e também à tia Débora por
todo seu incentivo e auxílio, sem os quais este trabalho não seria possível. Aos meus amigos
pelo companheirismo tanto em momentos de alegria como de dificuldades. À Margarida pelo
seu amor, carinho, suporte e incentivo. Aos primos que sempre foram os irmãos que nunca
tive.
Aos profissionais da Rádio Universitária e TV Viçosa, e também a toda equipe da
CSS, em especial ao Marcel Ângelo, pelos seus ensinamentos no período em que fui
estagiário, me dando as primeiras oportunidades de trabalhar com rádio e TV.
Aos colegas de projeto “Na Área” que sempre compartilharam do amor pelo esporte e
se dedicaram a fazer um programa de rádio com informação, qualidade e descontração.
A minha professora e orientadora Kátia Fraga pela sua atenção e por compartilhar de
maneira incondicional seus conhecimentos sobre rádio. E finalmente, aos inúmeros youtubers
que compartilharam online seus conhecimentos de edição e formatação das normas ABNT,
verdadeiros anjos virtuais.
RESUMO
Este estudo representa uma análise sobre os elementos informativos presentes nas falas dos
repórteres setoristas de Atlético, América e Cruzeiro, dentro do programa “Rádio Esportes”
da emissora Itatiaia FM, de Belo Horizonte. Fizemos um breve histórico a respeito da
presença do futebol no rádio brasileiro, inserindo um panorama deste meio de comunicação
em Minas Gerais. Identificamos os componentes da participação destes repórteres para
investigar, em dados totais e percentuais, de que maneira os setoristas utilizam seu tempo de
fala para abordar notícias relacionadas aos três clubes da capital mineira. Para tanto,
realizamos gravações de quatro programas, posteriormente transcritos para fins de análise.
Finalmente, organizamos trechos das narrativas destes repórteres em sete categorias
informativas como estratégia metodológica. Os resultados apontaram para uma grande
presença de notícias relacionadas a rotina dos clubes (treinos, prováveis escalações e outras
informações cotidianas), e também a situações de bastidores como contratações de atletas e
premiações de campeonatos. Identificamos também a presença de opiniões nas falas
analisadas, embora em menor frequência que outras categorias.
Palavras-chave: jornalismo esportivo, rádio, informação
ABSTRACT
This study represents an analysis of informative elements present in the speech of Atletico’s,
América’s and Cruzeiro’s beat reporters, in “Rádio Esportes” show of Itatiaia FM, from Belo
Horizonte. Through a brief history about soccer presence in brazilian radio we’ve built a
panorama of radio’s birth and expansion in Minas Gerais. We’ve identified informative
components in these reporters’ speeches to investigate, in total and percentage data, on which
way the beat reporters use their speech time to bring the three Belo Horizonte’s soccer teams’
news. To do that, we’ve recorded four programs, later transcribed for analysis studies. Finally,
we’ve put excerpts into seven informative categories as methodological strategy. The results
pointed to a huge presence of work routine news (training, probable escalations and other
daily information), and also backstage information like athlete’s hiring and championship
awards. We’ve identified the presence of opinion in the analyzed speeches, but less frequently
than other categories.
Gráfico 1: Porcentagem de tempo de fala, por temas, do repórter Samuel Venâncio, no
programa 01, dia 06/04/2018. ...28 Gráfico 2: Porcentagem de tempo de fala, por temas, do repórter Cláudio Resende, no programa 01, dia 06/04/2018 ...29 Gráfico 3: Porcentagem do tempo de fala, por temas, do repórter Emerson Romano, no
programa 01, dia 06/04/2018...30 Gráfico 4: Porcentagem do tempo de fala, por temas, do repórter Samuel Venâncio, no
programa 02, dia 11/04/2018. ...39 Gráfico 5: Porcentagem do tempo de fala, por temas, do repórter Cláudio Resende, no
programa 02, dia 11/04/2018...39 Gráfico 6: Porcentagem do tempo de fala, por temas, do repórter Thiago Reis, no programa 02, dia 11/04/2018. ...40 Gráfico 7: Porcentagem do tempo de fala, por temas, do repórter Samuel Venâncio, no
programa 03, dia 13/04/2018. ...48 Gráfico 8: Porcentagem do tempo de fala, por temas, do repórter Álvaro Damião, no programa 03, dia 13/04/2018. ...48 Gráfico 9: Porcentagem do tempo de fala, por temas, do repórter Emerson Romano, no
programa 03, dia 13/04/2018. ...49 Gráfico 10: Porcentagem do tempo de fala, por temas, do repórter Cláudio Resende no
programa 04, dia 18/04/2018. ...61 Gráfico 11: Porcentagem do tempo de fala, por temas, do repórter Samuel Venâncio, no
programa 04, dia 18/04/2018. ...61 Gráfico 12: Porcentagem do tempo de fala, por temas, do repórter Thiago Reis, no programa 04, dia 18/04/2018. ...62
1.INTRODUÇÃO ... 9
2.RÁDIO E FUTEBOL: DO NAMORO AO CASAMENTO...12
2.1.Pioneiras no esporte ...13
2.2.Breve histórico do rádio em Minas Gerais ...16
2.3.A construção da hegemonia da Itatiaia...17
3.ANÁLISE E RESULTADOS ...19
3.1.Programa “Rádio Esportes” do dia 06 de abril ...21
3.2.Programa “Rádio Esportes” do dia 11 de abril. ...31
3.3.Programa “Rádio Esportes” do dia 13 de abril. ...41
3.4.Programa “Rádio Esportes” do dia 18 de abril. ...50
4.CONSIDERAÇÕES FINAIS ...65
5.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...68
1. INTRODUÇÃO
Para se inteirar sobre notícias relacionadas ao seu clube do coração, muitos torcedores
mineiros recorrem ao rádio para se informar sobre o dia-a-dia dos três grandes clubes do
estado: Atlético, América e Cruzeiro. Contudo, para que estas informações cheguem até os
ouvintes, a figura do repórter setorista se faz importante, já que este profissional atua como
um intermediário entre clube e torcedor. Ao acompanhar o cotidiano destas equipes, o
setorista realiza uma síntese das informações mais importantes do dia, e transmite as
principais informações para o ouvinte. Pensando na relevância da atuação deste profissional
decidimos realizar um trabalho de análise de conteúdo a respeito das falas dos repórteres
setoristas dos três principais clubes de Minas Gerais, no programa “Rádio Esportes”, da
Itatiaia FM.
O programa escolhido para a realização deste estudo, vai ao ar diariamente na Rádio
Itatiaia AM 610 e FM 95,7 de 11h30min. às 12h30min, com apresentação de Milton Naves.
De acordo com a emissora, o programa “traz as notícias do esporte na hora do almoço, com
participação de comentaristas e repórteres. O foco é o futebol mineiro, sem esquecer dos
outros esportes.”
1Dados da Kantar IBOPE coletados entre fevereiro e abril de 2018 apontam
que o programa tem uma audiência média de 206.701 ouvintes por minuto.
2A marca pode ser
considerada expressiva se comparada com a média geral da emissora entre 5h da manhã e
meia-noite, sendo a Itatiaia líder de audiência na Grande BH considerando audiência FM e
online. Entre abril e junho de 2018 a audiência média da Itatiaia superou a marca de 130 mil
ouvintes por minuto, enquanto a segunda colocada, Rádio BH FM ficou na casa dos 125 mil
ouvintes por minuto no mesmo período
3.
A emissora Itatiaia foi escolhida por sua tradição e influência, não só em Belo
Horizonte e região metropolitana, mas em Minas Gerais como um todo. Fundada em janeiro
de 1952, a Itatiaia passou a realizar transmissões simultâneas no AM e FM a partir do ano
2000 funcionando com potência de 100 kW, cobrindo um raio de 140 quilômetros, atingindo
toda a Região Metropolitana de Belo Horizonte e grande parte das cidades do interior mineiro
(Prata, 2010).
1
Programação da Rádio Itatiaia. Disponível em <http://www.itatiaia.com.br/programacao>. Acesso em 04/09/2018
2
Midia Kit da Itatiaia. Disponível em <http://www.itatiaia.com.br/sobre/midia-kit>. Acesso em 04/09/2018. 3
Disputa acirrada entre BH FM e Rádio Itatiaia. Disponível em:
<http://www.ismaelcarvalho.com.br/2018/06/13/disputa-acirrada-entre-bh-fm-e-radio-itatiaia/>. Acesso em 13/09/2018.
Além disso, a Itatiaia pode ser sintonizada online no próprio website da emissora
(www.itatiaia.com.br), por aplicativos de smartphone e retransmitida pelos canais de tv a cabo
789 da SKY, 300 da NET e 319 da Claro TV. A Itatiaia também conta com um canal de
satélite que transmite seu sinal para as emissoras e filiadas que compõe a Rede Itasat.
Segundo Prata (2010, p. 145) “a rede tem 51 afiliadas, seis emissoras próprias e abrange 90%
do território mineiro”. As emissoras da rede transmitem em parte ou na totalidade a
programação da Itatiaia.
Quatro programas do mês de abril foram escolhidos como amostra para a realização
deste trabalho, sendo gravados os programas de exibição ao vivo dos dias 06, 11, 13 e 18. As
datas correspondem à quartas e sextas-feiras, dias da semana em que podemos observar o
trabalho dos repórteres setoristas ganhando mais destaque na programação, já que nesses dias
os programas antecedem as partidas de meio de semana (quartas e quintas) e fim de semana
(sábados e domingos).
A data inicial da análise (06 de abril) marca a antevéspera da segunda partida da final
do campeonato mineiro de 2018, disputada entre Atlético e Cruzeiro, que definiu o campeão
estadual deste ano. Esta data é também um ponto chave para a execução da análise pois, de
acordo com Soares (1994, p.90) é a final de um campeonato “que dá ao rádio a oportunidade
de expor todo seu arsenal de recursos para despertar emoções e prender a audiência” e prepara
terreno para “a criação da tensa atmosfera que conduz ao clímax da competição”.
A partir das gravações dos programas, realizamos posteriormente a transcrição destes
para texto afim de realizar a análise do conteúdo a partir de uma organização proposta por
Bardin (1979) que envolve a preparação do material em três etapas: a) pré-análise, que
abrange a escolha do material analisado, no caso o programa “Rádio Esportes” e as gravações
correspondentes aos dias que serão analisados; b) a exploração do material, através da
transcrição destes textos a fim de facilitar o trabalho de análise do objeto, bem como da
seleção dos trechos de fala dos repórteres que serão investigados neste processo; c) tratamento
e classificação dos dados obtidos, que corresponde a fase de identificação dos elementos
informativos dentro da fala dos repórteres.
Traçando uma espécie de linha do tempo a partir do início das transmissões esportivas
no rádio, este trabalho inicia-se com um retrospecto histórico que trata da aproximação do
rádio com o futebol, tendo como base os trabalhos de Soares (1994), Guerra (2000), Ferraretto
(2007), Prata (2010) e Coelho (2004). Esse histórico é relevante para se contextualizar o que
Guerra (2000) define como um “casamento” entre rádio e futebol, desde a primeira
transmissão esportiva oficial no rádio, passando pelo aperfeiçoamento das equipes de
cobertura esportiva, situando cronologicamente os pioneiros no radiojornalismo esportivo, a
popularização do futebol pelo rádio, até o panorama atual do rádio esportivo mineiro, situando
como a rádio Itatiaia se tornou referência na cobertura esportiva em Minas Gerais.
Se faz relevante mencionar também que o trabalho com o esporte possui
características e público-alvo específicos, mas não pode negligenciar o ouvinte leigo ou
aquele que acompanha esporadicamente o esporte.
A linguagem da reportagem deve ser acessível a qualquer interessado. Ainda que o jornalismo esportivo seja dirigido a um público-alvo direcionado, os termos técnicos não podem poluir o entendimento. Nem todo mundo acompanha o esporte continuamente. Por isso se deve fazer uma suíte didática do tema tratado, partindo-se do pressuposto que partindo-se fala para um público de conhecimento mediano e mesmo
os aficionados podem ter perdido alguma
informação importante (BARBEIRO; RANGEL, 2012, p.22).
Ainda que possua um estilo próprio, o jornalismo esportivo deve seguir os mesmos
conceitos de noticiabilidade do jornalismo “convencional”, priorizando assim a informação.
Barbeiro & Rangel (2012) entendem que o repórter esportivo deve trabalhar, sempre que
possível, com uma informação diversificada. Além das notícias de dia-a-dia de um clube
(rotinas de treino, atletas suspensos e lesionados, provável escalação, etc), o repórter esportivo
deve se atentar também a dados históricos, comparativos e estatísticos; retrospecto entre
equipes que vão se enfrentar (há quantos jogos tal time está sem perder, gols sofridos,
recordes individuais, etc); e também se atentar a questão da prestação de serviços ao torcedor.
Boa parte dos torcedores procura informações úteis para o seu dia a dia, que resolvam problemas concretos. Preços dos ingressos, local de venda, horário dos jogos, mudança de local/dia/horário, trânsito a caminho do estádio, transportes, acidentes, caminhos alternativos para cada torcida e até capacidade de público no local do evento (BARBEIRO; RANGEL, 2012, p.61).A partir das definições acima de Barbeiro & Rangel, decidimos organizar categorias
informativas para analisar de forma mais detalhada os elementos que compõem a fala dos
repórteres, que serão apresentados no capítulo 2 deste trabalho.
Após a transcrição dos áudios destes programas para texto, realizamos nossa análise
identificando dentro das falas dos setoristas quais trechos de suas falas se encaixavam dentro
das categorias propostas. Na sequência, cronometramos o tempo utilizado para cada trecho de
fala, para então chegar a valores percentuais de utilização do tempo por cada tema.
Acredita-se que o repórter esportivo, de modo genérico, em alguns momentos mescle
informações relacionadas ao clube de futebol com sua própria análise ou opinião. Nossa
hipótese é de que sejam obtidos resultados que apontem a presença de opinião dentro das falas
destes setoristas, porém em frequência menor que os elementos informativos.
2. RÁDIO E FUTEBOL: DO NAMORO AO CASAMENTO
Futebol e rádio parecem ter nascido um para o outro. Ou como define Guerra (2000)
“o que rádio e futebol fizeram foi, literalmente, um casamento. Daqueles do tipo ‘viveram
felizes para sempre’”. E se hoje este casamento está consolidado, no começo do “namoro”
algumas dificuldades e improvisos surgiram até que as transmissões esportivas caíssem nas
graças do público. O rádio e o futebol foram crescendo e se popularizando de “mãos dadas”.
Foi a partir de 1925, apenas 3 anos após a primeira transmissão de rádio em solo
brasileiro, que de acordo com Soares (1994) começaram a surgir os primeiros “flertes” do
rádio com o futebol. Naquele tempo eram trazidas à público notícias sobre o resultado das
partidas, pela Rádio Educadora em São Paulo. Segundo Soares o rádio
ainda parecia uma novidade exótica e mal começara a procura de uma nova linguagem própria do meio. Predominavam a improvisação e o amadorismo. Grande parte dos noticiários do rádio dependia da tesoura, ou seja, os locutores liam na íntegra e comentavam textos recortados do jornal. O jornalismo de esportes não era tratado de forma muito diferente (SOARES, 1994, p.17).
Naquela época o futebol ainda era visto como um esporte elitista. Trazido para o
Brasil pelo inglês Charles Miller, em 1894, o futebol possuiu, até 1914 uma organização
amadora e os principais campeonatos do país eram os estaduais. Foi neste ano que surgiu a
Confederação Brasileira de Desportos (CBD) – hoje CBF, Confederação Brasileira de Futebol
(GUERRA, 2000).
Para Paulo Vinicius Coelho (2004) o ponto de virada fundamental para a
popularização do esporte, partiu da decisão do Vasco da Gama, do Rio de Janeiro, de utilizar
em 1923, jogadores negros no seu elenco. Antes apenas jogadores brancos disputavam os
campeonatos. Com a presença dos negros, o Vasco venceu a segunda divisão do campeonato
carioca daquele ano, e conquistou a primeira divisão estadual no ano seguinte.
A primeira narração de uma partida de futebol no rádio só viria a acontecer, de acordo
com Soares (1994) no ano de 1931, quando a Rádio Educadora de São Paulo convidou
Nicolau Tuma para irradiar uma partida entre as seleções dos estados de São Paulo e Paraná,
válido pela oitava edição do Campeonato Brasileiro de Futebol. O narrador, à época chamado
de speaker, irradiou a partida sozinho, pois ainda não existiam as figuras dos comentaristas e
repórteres de campo.
Pior: sem publicidade, ainda proibida oficialmente no rádio, o locutor tem de preencher sozinho os 45 minutos de cada tempo. Quando a bola pára, ele continua a falar: o clima do local, se estende sobre o público das arquibancadas, a lotação do campo e relembra para os ouvintes a situação de cada time. (...) Tuma entende que se a Educadora ficar sem som o ouvinte mudará de estação (SOARES,1994, p.30).
Sem cabines de transmissão, o speaker teve de irradiar o jogo das arquibancadas, em
um setor reservado à imprensa. Decidido a tentar fazer um relato fiel dos lances que ocorriam
na partida, Nicolau Tuma acabou criando do estilo de narração que se tornou parte do “DNA”
do rádio: a narração acelerada, em cima do lance, buscando o detalhe. Tuma logo ganhou o
apelido de “speaker metralhadora”, graças ao número de palavras que narrava por minuto. Foi
também nessa transmissão que pela primeira vez na história, segundo Soares (1994), que o
grito de “gol” foi ouvido através do rádio, quando a seleção do Paraná abriu o placar da
partida.
Não é um gol longo e não porque tenha sido marcado contra os paulistas. O speaker não gostava de gritar o gol demoradamente e explica: “Eu acho que o gol anunciado de forma demorada é uma perda de tempo. Quando o locutor diz ‘gooooooooool’ e fica assim 20 segundos, o ouvinte quer saber logo quem foi que marcou”. Ao longo dessa narração pioneira, Tuma repete outras nove vezes o monossílabo preferido dos torcedores. (...) o resultado final é 6 a 4 para a Associação Paulista de Esportes Atléticos (SOARES, 1994, p.30).
Em outros estados a narração futebolística pelo rádio também se iniciou nessa década.
No ano de 1931, a Rádio Sociedade Gaúcha transmitiu no dia 19 de novembro uma partida
entre Grêmio e Seleção Gaúcha. No Rio de Janeiro, o pioneiro na narração esportiva foi
Amador Santos, segundo Ferraretto (2007), iniciando as narrações esportivas em 1933.
A partir de 1932, o rádio ganhava, através do Decreto
nº 21
.111, a autorização para
veiculação de publicidade (Guerra 2000). Este momento foi importante para a popularização o
rádio pois, de acordo com Soares (1994), o rádio avançava para conquistar a fidelidade das
massas, e consequentemente, atraia mais anunciantes e “nessa reformulação, a transmissão
esportiva surgiu como um bom apelo para conquistar a audiência”.
2.1. Pioneiras no esporte
A primeira emissora paulista a dedicar mais tempo aos esportes em sua grade, segundo
Soares (1994) foi a Rádio Record. Fundada em 1928, a Record contava com “uma
aparelhagem de grande alcance para a época”, mas ainda com uma programação irregular. Foi
só a partir de 1931, quando a rádio foi comprada pelo empresário Paulo Machado de
Carvalho, que a Record iniciou uma reformulação que apostava todas suas fichas nos
esportes. A programação diária iniciava às 7 horas da manhã com um curso de ginástica, e aos
domingos dedicava praticamente toda a tarde às transmissões esportivas. A emissora também
contratou Nicolau Tuma para realizar as narrações.
A Record inovou com a instalação de cabines de transmissão nos principais estádios
de São Paulo. Enquanto o speaker principal, Nicolau Tuma, narrava as partidas, repórteres
posicionados em outros estádios ligavam para a sala de recepção esportiva, gerenciada por
José Augusto de Siqueira, que anotava o resultado das partidas e repassava ao locutor, que por
sua vez anunciava aos ouvintes os placares destes outros jogos.
Guerra (2000) por sua vez, afirma que a primeira emissora se especializar em esportes
foi a Rádio Panamericana – atual Jovem Pan – fundada em 1940. Algumas das grandes
novidades da emissora foram a presença “de um comentarista de arbitragem (Flávio Iazetti –
o juiz do juiz), o plantão esportivo e a criação do primeiro departamento esportivo de uma
emissora”, além da implementação do repórter de campo, “que antes era chamado locutor de
campo, uma vez que ele narrava o lance quando acontecia um escanteio ou falta perto da
meta”. No mesmo ano, a Rádio Cruzeiro do Sul, de São Paulo, ainda de acordo com Guerra
(2000), traz pela primeira vez a figura do comentarista em uma transmissão esportiva, com
Blota Júnior e Geraldo Bretas.
Segundo Soares (1994) o projeto inicial da Panamericana não deu certo, e em 1946 foi
vendida ao empresário Paulo Machado de Carvalho, dono do grupo Machado de Carvalho que
também era detentor das rádios Record, Bandeirantes, São Paulo e Excelsior, que formavam a
rede Emissoras Unidas. Neste período o grupo Machado de Carvalho deu início a um projeto
de segmentação das Emissoras Unidas, fazendo da Panamericana a “Emissora dos Esportes”.
Ainda de acordo com Soares (1994) Paulo Machado de Carvalho Filho foi o escolhido pelo
pai para dar início ao projeto
De imediato ele contratou o locutor Pedro Luís, já naquela época um dos melhores narradores esportivos do país, para comandar a transformação da Panamericana em “Emissora dos Esportes”. Coube a Pedro Luís reunir um grupo de profissionais de primeira linha para irradiação de todos os esportes. (...) Até então, as emissoras não contavam com uma estrutura organizada na área de esportes (SOARES, 1994, p.46).
O pioneirismo do Departamento de Esportes aliás, precedeu a criação dos
departamentos de jornalismo e redações no rádio. De acordo com Soares (1994),
o jornalismo radiofônico no Brasil começou a tomar forma em 1941, com o lançamento do ‘Repórter Esso’, durante a Segunda Guerra Mundial, com texto fornecido pela agência United Press Internacional. Isso quando o noticiário esportivo já era feito normalmente nas emissoras de rádio (SOARES, 1994, p.58).
A autora afirma também que foi somente em 1948 a Rádio Nacional do Rio de
Janeiro implementou a primeira redação jornalística do rádio brasileiro, com uma equipe
composta por redatores e um colaborador que fazia as vezes de comentarista de “assuntos
parlamentares”. Entretanto, nesta época, a Panamericana “já havia implantado o
Departamento de Esportes, com uma equipe formada por locutores, comentaristas e repórteres
para a cobertura diária dos eventos esportivos” (SOARES, 1994).
O pioneirismo da Panamericna consolidou também a infraestrutura necessária para
uma cobertura de plantão esportivo, afirma Soares (1994), com “narração do jogo, reportagem
de campo e de vestiário e comentários”. O formato permitia à emissora “se dedicar
integralmente às transmissões esportivas”. A equipe contava também com a presença de um
“cronometrista”, que marcava o tempo de jogo, e até mesmo um setor de previsões do tempo,
que se posicionava atrás de uma das linhas de fundo do campo, em dias de jogo.
Em 1948, nascia na Panamericana o programa “Plantão Esportivo” comandado por
Narciso Vernizzi, que liderava uma equipe responsável por fazer radio-escutas das partidas
em andamento, coletando, segundo Soares (1994) placares e informações de jogos em
andamento, em tempo real, para então repassar as informações aos ouvintes.
A hegemonia da “Emissora dos Esportes” durou muitas décadas, sendo que nos anos
70 a Panamericana ainda dominava a preferência do público paulistano. A rádio foi
responsável por emplacar grandes nomes como o de Milton Neves, por exemplo, que segundo
Coelho (2004) assumiu em 1978 o comando do “Plantão de Domingo”, sendo o responsável
pela jornada esportiva da emissora nas rodadas de fim de semana.
Até o final dos anos 80, o apresentador impunha seu ritmo à transmissão, sempre contando histórias do futebol, seu ponto forte. Das finais inesquecíveis de campeonato aos clássicos que os personagens da tarde seguinte já haviam disputado. Da história das escalações das equipes do passado à entrevista com um grande personagem do jogo da tarde seguinte, fosse ele protagonista do clássico dessa tarde ou do passado. O esquema durou anos e tornou Milton Neves celebridade do rádio paulista (COELHO, 2004, p.32).
Também na década de 70 a Panamericana contratou o narrador Osmar Santos, então
da Rádio Globo, que se tornou “o locutor mais bem-remunerado do país” Coelho (2004). O
narrador, criador do consagrado bordão “pimba na gorduchinha”, tinha como parceiro de
transmissão o repórter de campo Fausto Silva, o Faustão, que em 1989 viria a trocar o
emprego no rádio por um contrato com a TV Globo, para comandar o programa dominical
que está no ar até hoje.
A fórmula para se trabalhar com futebol no rádio, de acordo com Ferraretto (2007)
misturava, até meados dos anos 70, informação e opinião, sendo que o trabalho dos
profissionais esportivos do rádio muitas vezes refletia impressões pessoais destes. Com o
tempo “a busca pela notícia se impôs, e no dia-a-dia do repórter, a opinião deu lugar à
interpretação”, dando origem a figura dos repórteres setoristas. Esses repórteres, conforme
definição de Soares (1994) “informam diariamente aos ouvintes a situação de cada time,
treinos, contratações de jogadores, renovação de contratos, preparação física dos atletas etc”.
2.2. Breve histórico do rádio em Minas Gerais
A primeira emissora de rádio a iniciar suas atividades em Minas Gerais foi a Rádio
Sociedade, de Juiz de Fora (atual Solar FM), fundada em janeiro de 1926. A primeira
emissora de Belo Horizonte foi a Rádio Mineira, fundada em fevereiro de 1927, que utilizou
equipamentos aproveitados do serviço radiotelegráfico da Rede Mineira de Viação. Segundo
Prata (2010), a Rádio Mineira seguiu como única emissora da capital até o ano de 1936,
quando duas novas rádios iniciaram suas atividades: a Guarani (em 10 de agosto) e a
Inconfidência (em 3 de setembro).
A Guarani, fundada por Lauro Souza Barros, de acordo com Prata (2010) permaneceu
mais de 20 anos como referência na prestação de serviços. Em 1942 foi comprada por Assis
Chateaubriand e incorporada aos Diários e Emissoras Associados, que também detinham a
Rádio Mineira, em Belo Horizonte. A Inconfidência, por sua vez, nasceu estatal e o próprio
governador de Minas à época, Benedito Valadares se encarregou de garantir a compra de
equipamentos modernos vindos de Londres, Inglaterra. A Inconfidência criou o programa “A
Hora do Fazendeiro” em 1936, apenas 5 dias após a fundação da emissora e que se mantém
no ar até hoje, “sendo considerado o programa mais antigo do rádio brasileiro” (PRATA, et
al., 2010).
As três emissoras (Mineira, Guarani e Inconfidência) permaneceram como únicas em
Belo Horizonte até 1952 quando a Itatiaia, fundada por Januário Carneiro, se “muda” para a
capital. Antes a emissora funcionava em Nova Lima, na região metropolitana, onde iniciou
suas atividades um ano antes. De acordo com Prata (2010) a Itatiaia inovou ao trazer novos
conceitos de programação para o rádio mineiro.
Até o início da década de 60, a Itatiaia baseou sua programação em dois pilares: esporte e jornalismo, a partir de grandes coberturas locais e internacionais. No final de 1960, a emissora decidiu ampliar sua programação, com a criação de quadros musicais voltados para o ouvinte que não tinha tanto interesse pelo noticiário e pelo futebol. Nos anos 70, a Rádio Itatiaia já estava consolidada como emissora importante no cenário radiofônico mineiro (PRATA, 2010, p.144).
Segundo a mesma autora, após a fundação da Itatiaia surgiram também em BH as
rádios Jornal de Minas (hoje América), Minas (cassada em 1974), Pampulha (hoje Capital),
Tiradentes (hoje Globo) e Atalaia. A primeira rádio a iniciar as transmissões em FM em Belo
Horizonte foi a Rádio Del Rey, já no ano de 1970 (ibidem).
Dados apresentados pela pesquisadora apontam que em 2008 Belo Horizonte contava
com 33 emissoras de rádio, sendo 23 FM e 10 AM (PRATA, 2010). Hoje o site oficial da
ANATEL – Agência Nacional de Telecomunicações apresenta dados oficiais que indicam
uma queda nestes números. Atualmente em Belo Horizonte existem 14 emissoras licenciadas
operando em FM, e mais 7 emissoras operando em AM.
42.3.A construção da hegemonia da Itatiaia
Santos (2010) em seu artigo “O local e o global na Rádio Itatiaia” levanta uma
interessante hipótese para tentar responder porque a Itatiaia se mantém há tantos anos com
audiência considerável em Belo Horizonte. Para a autora o foco nas pautas locais é um ponto
forte dentro da programação da emissora, que conseguiu encontrar “certo afinamento com o
sentimento de ‘mineiridade’ dos seus ouvintes” (SANTOS, 2010).
Na década de 50, enquanto suas principais concorrentes mantinham programações
com orquestras, músicos e radionovela, a Itatiaia investia na busca pelas notícias e esporte
“com sotaque mineiro” e agilidade na cobertura dos fatos.
Contrariando todos os princípios das transmissões da época, durante toda a década de 50, a nova emissora tentava mostrar que a notícia era a sua maior atração. As concorrentes, com programações mais rígidas ligados ao radioteatro, não tinham condições de ousar com coberturas de peso como a nova emissora fazia, marcando sua vocação jornalística (SANTOS, 2010, p.118).
No âmbito do jornalismo local, a Itatiaia mostrou seu arsenal ao realizar, em 1954, a
cobertura de “um julgamento envolvendo pessoas da alta sociedade de Belo Horizonte por
quase dois dias ininterruptos”. No ano seguinte inovou ao criar o Programa Ronda dos
Bairros, que diariamente levava uma “caravana formada por conjuntos regionais, cantores,
cantoras, calouros e repórteres” a algum bairro da capital mineira para ouvir dos moradores
suas queixas e reclamações (SANTOS, 2010).
Já no cenário esportivo a Itatiaia procurou sempre noticiar os eventos e campeonatos
que envolviam atletas e equipes mineiras. Logo no seu ano de fundação, em 1952, a emissora
4
Sistema Mosaico – Canais de Radiodifusão. Disponível em
cobriu os jogos das Olimpíadas Universitárias de Belo Horizonte. Depois, em 1959,
transmitiu direto de Buenos Aires, na Argentina, o Campeonato Sul-Americano de Futebol,
sendo a “primeira emissora mineira a realizar tal feito, uma transmissão esportiva
internacional” (SANTOS, 2010).
Outros grandes feitos da Itatiaia que consolidaram a emissora como referência na
cobertura esportiva em Minas Gerais, listados por Sant’Anna (2007) foram a participação da
Itatiaia no rodízio de emissoras que transmitiram a Copa do Mundo de 1962, no Chile, ano do
bicampeonato mundial da Seleção Brasileira; a cobertura da Copa do Mundo de 1966, na
Inglaterra, quando a rádio levou uma equipe completa até a Europa para realizar a transmissão
do torneio; além de competições importantes envolvendo os clubes da capital mineira, como
por exemplo, a conquista da Taça Libertadores de 1976, pelo Cruzeiro.
Para Santos (2010) a Itatiaia conseguiu firmar seu estilo e “solidificou sua posição de
destaque no Estado na década de 70 e, na de 80, assumiu o posto de líder de audiências entre
as rádios mineiras” (SANTOS, 2010). Já citado anteriormente, em 2018, entre os meses de
abril e junho, a Rádio Itatiaia liderava em termos de audiência média diária (entre 5h da
manhã e meia-noite) na capital mineira, superando a marca de 130 mil ouvintes por minuto,
enquanto a segunda colocada, Rádio BH FM ficou na casa dos 125 mil ouvintes por minuto
no mesmo período.
De acordo com Prata (2002) a Itatiaia conquistou um público fiel considerável ao
longo de toda sua existência, principalmente por conta de cinco importantes fatores:
tradicionalidade, interatividade, credibilidade, qualidade e seriedade. O ouvinte considerado
fiel à emissora é aquele que
acompanha parte ou toda a programação, sabe os nomes dos comunicadores, conhece os horários dos programas, participa com sugestões e até críticas e sente-se, de alguma forma, parte da vida da rádio. Além disso, recusa-se a ouvir qualquer outra emissora que não seja aquela da sua preferência absoluta. O ouvinte fiel faz ainda propaganda da rádio e induz outras pessoas a também fazerem parte do público cativo. Alguns ouvintes fiéis tornam-se tão íntimos da emissora e de seus funcionários que levam presentes, sabem as datas de aniversário, enviam cumprimentos em ocasiões festivas e visitam a rádio de vez em quando, além de manter contato constante por telefone, cartas ou email (PRATA, 2002, p.08).
Desse modo percebe-se que a Itatiaia não só se tornou uma referência em informação,
prestação de serviço e cobertura esportiva em Minas Gerais, como também é uma emissora de
estreito vínculo com seu ouvinte, sendo uma rádio “companheira”, íntima do seu público, e ao
mesmo tempo tradicional, mantendo altos índices de audiência ao longo de sete décadas de
existência.
3. ANÁLISE E RESULTADOS
Neste capítulo iremos analisar os quatro programas do “Rádio Esportes” da Rádio
Itatiaia que foram ao ar nas datas de 06, 11, 13 e 18 de abril de 2018, que servem de amostra
dentro deste trabalho. Para isso, nos apoiamos nos preceitos de Bardin (1979), sobre a análise
de conteúdo, que envolve a preparação do material em três etapas: a) pré-análise, que abrange
a escolha do material analisado, no caso o programa “Rádio Esportes” e as gravações
correspondentes aos dias que serão analisados; b) a exploração do material, através da
transcrição dos áudios para texto a fim de facilitar o trabalho de análise do objeto, bem como
da seleção dos trechos de fala dos repórteres que serão investigados neste processo; c)
tratamento e classificação dos dados obtidos, que corresponde a fase de identificação dos
elementos informativos dentro da fala dos repórteres.
A análise do conteúdo informativo dentro da fala destes repórteres setoristas se dá sob
o prisma de autores que conceituam o fazer jornalístico dentro do rádio, de maneira geral,
interligado ao entendimento da produção de um jornalismo focado nos esportes.
Em relação ao jornalismo esportivo, Barbeiro & Rangel (2012) entendem que o
repórter deve trabalhar, sempre que possível, com uma informação diversificada. Além das
notícias de dia-a-dia de um clube (rotinas de treino, atletas suspensos e lesionados, provável
escalação, etc), o repórter esportivo deve se atentar também a dados históricos, comparativos
e estatísticos; retrospecto entre equipes que vão se enfrentar (há quantos jogos tal time está
sem perder, gols sofridos, recordes individuais, etc); e também se atentar a questão da
prestação de serviços ao torcedor.
Boa parte dos torcedores procura informações úteis para o seu dia a dia, que resolvam problemas concretos. Preços dos ingressos, local de venda, horário dos jogos, mudança de local/dia/horário, trânsito a caminho do estádio, transportes, acidentes, caminhos alternativos para cada torcida e até capacidade de público no local do evento (BARBEIRO; RANGEL, 2012, p.61).
Estes repórteres especialistas em um determinado assunto - no caso desta análise, o
futebol - são denominados repórteres setoristas. De acordo com definição de Ferraretto (2007)
existem repórteres setoristas também em outras áreas do jornalismo como economia, trânsito
e política, por exemplo. Para o autor, a especialização do repórter “dá mais qualidade ao
noticiário” e “o material produzido torna-se mais preciso e aprofundado” (FERRARETTO,
2007). Em nosso trabalho interessa especificamente o trabalho do setorista de esportes,
responsável por acompanhar o dia-a-dia de um clube de futebol.
O jornalista Mauro Beting, referência na TV como comentarista esportivo, em seu
artigo “Pago para ver” (2005) afirma que os treinamentos dos clubes deveriam gerar muito
mais pautas para os repórteres setoristas, como por exemplo, a questão da tática dentro do
futebol. Segundo o autor os setoristas absorvem muito pouco além da escalação da equipe,
“não vêem as movimentações, as alterações táticas” se escondendo atrás de desculpas como
“porque o chefe não cobrou” ou “isso não dá Ibope” (BETING, 2005, p.16).
A tática de um jogo e de um time não é interessante. Mas é importante. É função básica da imprensa tornar interessantes os assuntos importantes. Como a tática de um jogo (...). É chato, mas é preciso falar, criticar, questionar, procurar. (IDEM, 2005, p.17)
O mesmo autor sugere que os treinos podem revelar informações relevantes sobre o
modo como o time joga, ou ainda “se vê quem está no time do treinador, quem está contra e,
até, se o técnico é mais um distribuidor de camisas ou um cara que conhece do riscado”
(BETING, 2005, p.18).
Entretanto, esta proposta de atuação do setorista diverge de outras ideias a respeito da
função do repórter esportivo. Porchat (2004) é taxativa: A função do repórter é informar e não
opinar. A autora também defende que em uma transmissão esportiva fique claro para o
ouvinte a função de cada um dos profissionais envolvidos.
O narrador são os olhos do público; o repórter colhe as informações e transmite com exatidão; ao comentarista cabe passar uma análise do evento em linguagem simples, deixando de lado seus valores pessoais – esta separação torna nítida uma transmissão, distinguindo informação de opinião (PORCHAT, 2005, p.85).
Ferraretto (2007) entende que o repórter esportivo, em seu dia-a-dia de trabalho,
exerce dupla função: na cobertura de rotina dos clubes assume a figura de setorista, e nos dias
de jogos, durante as transmissões ao vivo, “é chamado de repórter de campo, constituindo-se
no integrante mais próximo dos lances de uma partida” (FERRARETTO, 2007). O mesmo
autor, no entanto, admite que historicamente o trabalho do repórter esportivo “caracterizou-se
por uma mistura, nem sempre bem-dosada, de informação e opinião” (IDEM, 2007).
André Barbosa Filho (2003) resume os programas esportivos brasileiros em quatro
categorias originalmente propostas pelos britânicos Wilby e Conroy: 1) os boletins esportivos;
2) os programas de estúdio; 3) as coberturas esportivas; e 4) o placar esportivo. Afim de traçar
parâmetros que nos auxiliem na análise do objeto “Rádio Esportes”, programa esportivo da
Rádio Itatiaia, nos interessa aqui a definição proposta pelo autor para os programas esportivos
de estúdio. Segundo Filho, as características principais deste tipo de programa se assemelham
as de um radiojornal convencional, “e em virtude dessa correlação, são conhecidos como
‘radiojornal de esportes’” (FILHO, 2003).
A partir dessas proposições, entendendo que o jornalista setorista de esportes deve
exercer a função de noticiar, e que, dentro de sua fala deve utilizar informações diversificadas,
criamos, para fins de análise, sete categorias informativas que podem aparecer no trabalho de
um repórter setorista:
1) Rotina: compreende as informações relacionadas ao dia-a-dia dentro do clube,
como notícias de treinos, situação de atletas suspensos ou lesionados, provável escalação da
equipe, situação atual do clube nos campeonatos que disputa, entre outros.
2) Prestação de serviço: abrange as informações que vão interessar diretamente ao
torcedor que pretende ir ao estádio: preço e local de vendas de ingressos, capacidade do
estádio, setores de acesso da torcida, trânsito, funcionamento do transporte público, etc.
3) Bastidores: engloba informações extracampo diretamente relacionadas com o clube,
como por exemplo, contratação de atletas, renovações de contratos e premiações.
4) Estatísticas: compreende informações relacionadas ao retrospecto das equipes que
irão a campo, tais como número de vitórias para um lado e para o outro, gols marcados, etc,
além de curiosidades, recordes, número total de finalizações, posse de bola e outras
informações relacionadas ao desempenho do clube dentro de campo.
5) Opinião: falas que demonstrem a impressão pessoal, avaliações, especulações e
palpites vindos diretamente do repórter.
6) Merchandising; abrange os trechos onde há publicidade dentro da fala do repórter.
7) Diversos: compreende assuntos variados como interações entre repórter e
apresentador, ou repórter e comentarista, chamada de reportagem ou entrevista, e outros
tópicos que não se relacionam com o clube ou a partida que acontecerá.
3.1.Programa “Rádio Esportes” do dia 06 de abril
O primeiro programa a ser analisado em nosso trabalho foi apresentado em 06 de abril
de 2018. A data marca a antevéspera da segunda partida da final do campeonato mineiro deste
ano, disputada entre Atlético e Cruzeiro, que definiu o campeão estadual. Esta data é também
um ponto chave para a execução da análise pois, de acordo com Soares (1994, p.90) é a final
de um campeonato “que dá ao rádio a oportunidade de expor todo seu arsenal de recursos para
despertar emoções e prender a audiência” e prepara terreno para “a criação da tensa atmosfera
que conduz ao clímax da competição”.
Nesse dia, uma sexta-feira, a equipe do programa foi composta por Milton Naves,
apresentador; Samuel Venâncio, repórter setorista do Cruzeiro; Cláudio Resende, repórter
setorista do Atlético; Emerson Romano, repórter setorista do América; Thiago Reis, repórter
responsável pela “prestação de serviços” que envolveu o duelo entre Atlético e Cruzeiro;
Wellington Campos, correspondente da Itatiaia no Rio de Janeiro, que neste programa atuou
como repórter setorista da Seleção Brasileira; Júnior Brasil, comentarista; e Álvaro Damião,
repórter responsável pelas notícias de outros esportes como o vôlei e o basquete, por exemplo.
Neste programa, nos interessa analisar as falas dos repórteres Samuel Venâncio,
Cláudio Resende e Emerson Romano, que atuaram nesta ocasião como setoristas,
respectivamente, de Cruzeiro, Atlético e América. Os demais membros do programa, embora
sejam também relevantes dentro de suas funções, não serão analisados em nosso trabalho.
No quadro abaixo destacamos trechos de falas destes três repórteres, em diferentes
participações dentro do programa “Rádio Esportes” do dia 06 de abril. Suas falas foram
agrupadas, de acordo com seus conteúdos informativos, dentro de categorias analíticas:
Rotina; Prestação de serviços; Bastidores; Estatísticas; Opinião; Merchandising; e Diversos.
Quadro 1 – Participações dos setoristas no programa “Radio Esportes” do dia 06 de abril
1) Rotina
Repórter Samuel Venâncio
(Terceiro Bloco)
- Primeira Participação
(...)E o Cruzeiro hoje à tarde dando
sequência a esta preparação pra virar a
maré, hein? Derrota no domingo, o
empate amargo com o Vasco na
quarta-feira pela Copa Libertadores, e domingo
a chance desta reviravolta na situação
atual do Cruzeiro, com o clássico diante
do Atlético. E o time do técnico Mano
Menezes precisando da vitória por dois
gols de diferença pra ficar com o título
estadual. (...)
(...)E hoje, sexta-feira, é dia de entrevista
do técnico Mano Menezes, e vamos ver
com o técnico, com o treinador
cruzeirense se promete aí, algumas
mudanças pra dar uma sacudida neste
Cruzeiro pro clássico de domingo contra
o Atlético. (...)
Repórter Samuel Venâncio
(Terceiro Bloco)
– Quarta Participação
Pois é, é uma das opções que tem aí o
técnico Mano Menezes. Talvez o Lucas
Romero não tenha condição por causa
que saiu com as dores, mesmo não tendo
lesão constatada no exame de imagem,
ele ainda reclama de dores. Será
reavaliado até domingo pra ver se tem
condição de atuar no clássico contra o
Atlético. (...)
Repórter Samuel Venâncio
(Sexto Bloco)
- Quinta Participação
(...) À tarde tem treino. Mano Menezes
começando a montar o time que joga o
clássico domingo, Show de Bola.
Repórter Cláudio Resende
(Quarto Bloco)
- Primeira Participação
(...)tá conosco aqui na Itatiaia no Rádio
Esportes, meio-dia e sete, Gustavo
Blanco, pra falar sobre essa ideia, esse
padrão de jogo, porque o Atlético mudou
muitas peças quarta-feira e o torcedor viu
o time jogando do mesmo jeito (...)
(Quarto Bloco)
- Segunda Participação
primeiro clássico não entrou. Mas
quarta-feira foi titular contra o Ferroviário e
eleito o melhor em campo pela equipe da
Itatiaia. (...)
Repórter Cláudio Resende
(Sexto Bloco)
- Quarta Participação
Eu falei de time força máxima, inclusive
os garotos que no meio de semana
participaram da Copa do Brasil sub-20. O
Atlético foi eliminado pelo Vila Nova de
Goiás nos penaltys. Marco Túlio e
Bruninho também ficam à disposição,
além do Marquinhos, para esse jogo de
domingo. Resta saber agora se o Thiago
Larghi vai ou não relaciona-los pra esta
partida. O treinador atleticano mais duas
atividades, Milton, todas fechadas para
definir o Galo pra decisão. (...)
Repórter Emerson Romano
(Quinto Bloco)
- Primeira Participação
O América trabalhando esta manhã aqui
no CT Lanna Drummond (...) E em
campo o Enderson comandando mais
uma atividade visando a estreia no
campeonato brasileiro, trabalho de
infiltração e finalização, debaixo de uma
chuva fina que caiu. (...)
Repórter Emerson Romano
(Quinto Bloco)
- Segunda Participação
Taí então o Zé Ricardo conosco aqui na
Itatiaia. Amanhã o América encerra mais
uma semana livre de preparação visando
a estreia no campeonato brasileiro,
Milton.
2) Prestação de Serviços
Neste programa não identificamos nenhumainformação desta categoria
3) Bastidores
Repórter Samuel Venâncio
(Terceiro Bloco)
-Quarta Participação
Conversei há pouco com Marco Antônio
Laje, vice-presidente executivo do
Cruzeiro. O Marco Antônio Laje me
falou sobre a renovação com a Caixa
Econômica Federal que será publicada no
Diário Oficial da União nos próximos
dias. Cruzeiro naquela troca de contrato,
pra assinatura de toda papelada, vai
receber 10 milhões de reais (...)
Repórter Samuel Venâncio
(Sexto Bloco)
- Quinta Participação
Ô Milton, com a vinda do lateral
esquerdo destaque do Tupi, o Patrick
Brei, o Cruzeiro deve acertar nos
próximos dias o empréstimo do Vitor
Luis. Muitos clubes interessados, um
deles o Marítimo de Portugal. (...)
Repórter Cláudio Resende
(Quarto Bloco)
- Terceira Participação
E pra gente encerrar essa primeira parte,
o Atlético anunciou agora há pouco
oficialmente. Dodô, meio-campista que
tava na Chapecoense, emprestado ao
Botafogo de Ribeirão Preto, ta indo pro
Fortaleza (...)
Repórter Emerson Romano
(Quinto Bloco)
- Primeira Participação
Mas ontem teve um encontro muito
importante entre Diretoria e Conselho
Deliberativo, que o América apresentou o
maior orçamento da sua história. 60
milhões 609 mil reais bruto. (...)
4) Estatísticas
Repórter Cláudio Resende
(Quarto Bloco)
- Segunda Participação
Nosso colega Alexandre Simões colocou
a notícia muito interessante aqui. O
Thiago Larghi vai completar 38 anos em
setembro. E se for campeão mineiro ele
vai ser o segundo técnico mais jovem a
conquistar o título mineiro. (...)
5) Opinião
Repórter Samuel Venâncio
(Terceiro Bloco)
- Primeira Participação
(...)o técnico Mano Menezes talvez até
feche a atividade desta sexta-feira na
Toca da Raposa 2. Fica a expectativa por
mudança na equipe: se o Raniel vai voltar
a jogar (...)Se o Dedé deve continuar na
zaga, se o Edilson volta, se o Deivid será
relacionado. Enfim, são muitas coisas que
podem acontecer.
Repórter Samuel Venâncio
(Terceiro Bloco)
- Terceira Participação
Então falou aí o Ezequiel, que vive essa
expectativa. Se o Edilson tiver condição,
o Edilson deve voltar pra ser titular,
mesmo com um mês aí sem atuar. Mas é
o titular da lateral direita.
Repórter Samuel Venâncio
(Terceiro Bloco)
- Quarta Participação
(...) fica a expectativa se o Raniel vai pra
campo normalmente, e aí ele pode ser a
opção pra começar ali como
centroavante, já que na última partida o
Mano optou por aquele esquema (...) sem
um jogador mais centralizado pra atuar
contra o Vasco. Não deu certo, ele não
deve repetir isso no clássico de domingo
contra o Atlético. Porque se tem uma
coisa que o Cruzeiro precisa é marcar gol
contra o seu maior rival.
6) Merchandising
Repórter Samuel Venâncio
(Terceiro Bloco)
-Terceira Participação
Você sabe o que Abu Dabi, Los Angeles,
Toulouse, e Contagem têm em comum?
Pergunta difícil ne? (...)
7) Diversos
Repórter Samuel Venâncio
(Terceiro Bloco)
- Primeira Participação
Gostei, muito obrigado. Show de bola,
Milton Naves, deixa comigo. Bom dia
pra você, bom dia pro amigo ligado no
Rádio Esportes da Itatiaia. (...)
Repórter Samuel Venâncio
(Terceiro Bloco)
-Terceira Participação
Junior Brasil, se o Edilson tiver condição
tem que ser titular domingo contra o
Atlético, Brasil? Bom dia.
Repórter Cláudio Resende
(Quarto Bloco)
O Lázaro Cândido, que é o
vice-presidente do Galo, ele usou o Twitter
hoje pra prestar homenagem ao
- Terceira Participação
desembargador Helbert Carneiro, que
morreu esta madrugada, presidente do
Tribunal de Justiça. Um grande
atleticano. (...)
Repórter Emerson Romano
(Quinto Bloco)
- Primeira Participação
Deixa comigo Milton. Aquele abraço pra
você, também pro ouvinte da Rádio de
Minas. (...)
Neste primeiro programa, o repórter Samuel Venâncio foi o setorista do Cruzeiro e sua
participação no programa se deu por meio de cinco entradas ao vivo, totalizando o tempo de
5min.20s., sendo quatro participações no terceiro bloco do programa, e uma no sexto e último
bloco do programa. Deste tempo total, 2min.02s. (38.13%) foram preenchidos por
informações do grupo “Rotina”; 1min.17s. (24.06%) destinados a informações de
“Bastidores”; 1min.09s. (21.56%) da fala apresentaram “Opinião”; 0min.27s. (8.44%) de
“Merchandising”; e mais 0min.25s. (7.81%) destinados a temas “Diversos”. A divisão destes
temas em suas falas pode ser melhor visualizada no gráfico 1.
Gráfico 1: Porcentagem de tempo de fala, por temas, do repórter Samuel Venâncio, no programa 01, dia 06/04/2018.
No mesmo programa, o repórter Cláudio Resende foi o setorista do Atlético e teve
como “espaço de fala” um total de 2min.28s., dividido em quatro participações ao vivo. Ao
todo foram 3 participações durante o quarto bloco, e mais uma participação final no sexto
bloco, próximo ao encerramento do programa. Deste total, 1min.04s. (43.24%) foram
destinados a “Rotina”; 0min.41s. (27.7%) foram ocupados por “Estatísticas”; 0min.21s.
(14.19%) de informações de “Bastidores”; e mais 0min.22s. (14.86%) de fala foram de
assuntos “Diversos”, ilustrados no gráfico 2.
Gráfico 2: Porcentagem de tempo de fala, por temas, do repórter Cláudio Resende, no programa 01, dia 06/04/2018
Finalmente, o repórter Emerson Romano, setorista do América participou do
programa em duas ocasiões, ambas no quinto bloco, tendo um tempo total de fala de
1min.22s. dos quais utilizou 0min.44s. (59.46%) para informações de “Rotina”; 0min.27s.
(36.49%) para assuntos de “Bastidores”; e outros 0min.03s para assuntos “Diversos”, como
pode ser visualizado no gráfico 3.
Gráfico 3: Porcentagem do tempo de fala, por temas, do repórter Emerson Romano, no programa 01, dia 06/04/2018