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Marx e a fetichista do dinheiro

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REVISTA ELETRÔNICA ARMA DA CRÍTICA NÚMERO 6/OUTUBRO 2015 ISSN 1984-4735

MARX E A TRANSITORIEDADE FETICHISTA DO DINHEIRO

Webert Ribeiro de Oliveira 1

RESUMO

O presente artigo surge com a intenção de uma releitura da obra O Capital de Marx a partir das categorias que permitem uma análise perspicaz da sociedade capitalista e suas relações entre o mundo do trabalho e o capital; bem como, entre força de trabalho e produção de mercadoria sob a referência do fenômeno do fetichismo presente na mercadoria e, como consequência, no próprio dinheiro que surge como divindade eivada e incorporada pelo capital.

Palavras Chaves: Mercadoria. Fetichismo. Dinheiro

MARX AND MONEY’S FETISHIST TRANSIENCE

ABSTRACT

This article intends to examine The Capital of Marx, from point of view of categories that allow an insightful analysis of capitalist society and the relations between the world of work and capital as well as labor force and commodity production under the reference of the commodity fetishism phenomenon, and, in consequence, money that comes as a fraught deity incorporated by capital.

Key Words: Merchandise. Fetishism. Money

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1 Introdução

A iniciativa de investigação da transitoriedade fetichista do dinheiro faz parte do intento filosófico social que consuma uma análise sobre a obra O Capital de Karl Marx no contexto social do século XIX, gerando forte expectativa em torno da revolução proletária e das diferentes concepções adotadas pela I Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT).

O Capital compreende três livros, sendo que o primeiro é uma análise das relações de

produção, publicado pelo próprio Marx em 1867 e, depois, em 1872, foi publicada sua segunda edição.

A publicação do Livro I existe tanto na versão alemã como na francesa, sendo as duas últimas edições de responsabilidade de seu amigo e colaborador Friedrich Engels, publicadas depois do falecimento de Marx. O livro II de O Capital é uma publicação do ano de 1885 e se debruça sobre uma análise do processo de circulação do capital. A montagem do livro III já apresenta caráter fragmentado de tais estudos, não nos permitindo a compreensão da obra como uma versão completa e autorizada2.

Os manuscritos de Marx não representam a consumação definitiva de suas teses, mas passam por uma revisão sintomática ao longo da evolução das pesquisas, com momentos de constatação muito lúcida sobre a real situação da condição de vida dos trabalhadores industriais. A insalubridade dos ambientes hostis à qual as crianças e mulheres também foram submetidas permite uma avaliação perspicaz da formação do proletário industrial.

1.1. A crítica das formas religiosas no jovem Marx

A obra de Karl Marx encontra uma revisão sintomática que dispensa uma ruptura radical entre a juventude e a maturidade do filósofo. Todavia, as alterações encontradas pressupõem uma crítica da religião já realizada na Alemanha no século XIX, da qual o jovem Marx fundamenta o conceito de alienação como “estranhamento” ou “autoalienação”, sob

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uma perspectiva do homem como um ser genérico e social. A crítica da forma religiosa já realizada por Feuerbach antecede a crítica que Marx realizou à própria economia política.

É a partir desse percurso laico que a técnica e a ciência empreendem o desenvolvimento da indústria moderna. A forma fetichista do dinheiro é uma consequência do fetichismo da própria mercadoria. O pressuposto geral de investigação da obra de Marx está em encontrar a função profana que assume o dinheiro nos manuscritos de juventude e seu desdobramento ao longo da obra O Capital, que promove uma pertinente avaliação da transitoriedade da forma dinheiro e sua realização fetichista.

Uma elucidação acerca da ação de transitoriedade do dinheiro se expressa em uma relação constitutiva com valores morais profanos, encontrando sua gênese, segundo Mauro Castelo Branco de Moura, nas sociedades de propriedade comunal, onde o dinheiro está na fecundidade das mulheres, desvelando-se através do ventre feminino, pejada de valores concupiscentes capazes de produzir sua sociabilidade. Eivada nos templos, é adornada de valores apolíneos que exercem a função de sublimar a pulsão libidinal, no qual o dinheiro é um símbolo das mercadorias profanas.

É certo que, na Alemanha do século XIX, os judeus procuravam sua emancipação em um país em que ninguém é diretamente emancipado. A emancipação do judeu torna-se meramente egoísta desde que reconhecem o Estado cristão como legítimo e reivindicam apenas a condição de serem súditos em tal país.

Assim, a oposição entre judeus e cristãos deve ser resolvida com o desenvolvimento do espírito humano. A religião é a pele de serpente expelida pela história, afirma Marx, e o homem vestido com esta indumentária forma uma unidade profana. Uma perspectiva de análise do jovem Marx sobre as formas religiosas serve como um liame para a compreensão do estado civil sob uma perspectiva de crítica laica e com uma desenvoltura social profana.

O judeu reivindica o sábado, afirma o jovem Marx, como dia sagrado e o restante da semana como os dias de cobiça. O Estado político, adverte o filósofo, é a sua própria vida genérica do homem em oposição a sua vida material, o que distingue esse tipo de consciência do judeu egoísta é a sua condição de espécie humana autoconsciente de homo sapiens sapiens. Assim, implicações genéricas da sociedade civil como vida profana guardam o segredo da essência religiosa.

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fantasiosamente substituído pela liberdade civil. As características anacrônicas da Alemanha são analisadas por Marx revelando o princípio do Bellun ominium contra omnes e a separação, segundo Mészáros, do homem público do privado. A crítica da religião é substituída pela crítica da filosofia do direito; a crítica da teologia em crítica da política.

A emancipação parcial do homem é constatada por Marx nos direitos do homem e do cidadão promulgados pela Revolução Francesa, visto que a emancipação social encontra-se distante das reais condições. Por isso, e emancipação parcial surgiu como o imperativo categórico, na qual a vida moral não alcança a universalidade, revelando a estreiteza da política judia.

A verdadeira base profana do judaísmo, segundo Marx, é o dinheiro, que se revela de maneira mundana e real. O judeu se emancipou à medida que o seu poder se manifestou através do dinheiro. O cotidiano de tal religião é eminentemente capitalista; a finalidade é retirar o máximo de lucro do comércio.

A política, que, a princípio, é superior ao dinheiro, afirma Marx, torna-se subordinada ao seu poder, e o Deus das necessidades práticas e imediatas é o dinheiro. O dinheiro significa, segundo Marx, o ciumento Deus de Israel, cujo lado nenhuma divindade pode existir. O dinheiro, sendo rebaixado à forma evanescente, representa a natureza alienada do trabalho, manifestando-se como a desrealização do próprio trabalhador.

1.2. A transitoriedade fetichista do dinheiro na divindade capital

A transitoriedade fetichista do dinheiro se expressa como divindade do capital e promove o caráter profano das mercadorias. O fetichismo do dinheiro faz menção ao conceito de alienação que, segundo Mészáros, foi utilizado durante toda a vida de Marx. O projeto de crítica das formas religiosas promovido por Feuerbach evidencia a alienação do ser que é transplantada para o cerne da economia política.

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A mercadoria, como um resultado do dispêndio do trabalho humano, não produz a sua extensão de forma natural. O resultado do labor representa, para o capitalismo industrial, a própria desrealização da essência do trabalhador. A perspicácia de Marx na obra O Capital está em promover uma crítica à riqueza burguesa, proveniente de uma investigação atenta da situação da classe operária inglesa.

A categoria força de trabalho significa o fundamento do fetichismo do dinheiro. Assim, a análise evidencia como o proletário produz determinado quantum de trabalho funcionando como um verdadeiro “demiurgo”, capaz de fazer D (dinheiro) ser transformado em M (mercadoria) e retornar a forma D’ (dinheiro) com um acréscimo de valor ∆D. O salto de tal metamorfose significa o fundamento do fetichismo do dinheiro realizando um excedente que é a encarnação do próprio capital.

1.3. O capital como compreensão do valor

A iniciativa de investigação do Capitalismo apresenta, para um leitor atento, três componentes básicos da vida social: mercadoria, dinheiro e capital. Karl Marx inicia o Livro I da obra O Capital com uma preocupação acerca da produção de mercadorias, identificando como esse processo se desenvolve através da divisão social do trabalho. É de Marx a afirmação de que a necessidade de uma mercadoria deriva do estômago ou da fantasia, não alterando em nada a existência da coisa.

A perspectiva de análise do consumo de mercadorias deve ser vista em um sentido extrassensorial. Existem, no contexto da globalização, setores do mercado que prestam serviços formais, os quais, segundo Ruy Fausto, devem ser postos em sua materialidade, expressando-se como mercadoria. O valor de uso de uma mercadoria se realiza no próprio caráter de utilidade encontrado nela. O ferro, o ouro e o diamante expressam um valor de uso que não produz necessariamente o valor de troca. O oxigênio e as áreas de preservação ambiental apresentam um valor de uso, mas não possuemum valor de troca.

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valor de uma coisa é tanto quanto ela renda. Assim é desenvolvida a forma relativa da mercadoria.

A equação: “20 varas de linho = 1 casaco, ou: 20 varas de linho valem 1 casaco” pressupõe que 1 casaco contém tanta substância de valor quanto 20 varas de linho, que ambas as quantidades de mercadorias custam assim o mesmo trabalho ou igual quantidade de tempo de trabalho. O tempo de trabalho necessário para a produção de 20 varas de linho ou 1 casaco altera-se, porém, com cada alteração na força produtiva da tecelagem ou da alfaiataria. A influência de tais mudanças sobre a expressão relativa da grandeza de valor deve agora ser examinada mais de perto. (MARX, 1996, p. 181).

A compreensão do valor de uma mercadoria pode ser expressa pela capacidade de equiparação social encontrada nela. O trabalho não é a única fonte de produção do valor de uso, segundo William Petty, o trabalho é o pai e a terra, a mãe de toda riqueza material. Não se troca uma mercadoria pelo simples valor que ela expressa, e Marx percebe certa constância entre as mercadorias que através da forma singular de seu consumo produz o processo mercantil.

A substância trabalho, segundo o filósofo, produz certa equivalência à equiparação do trabalho abstrato, expressa através da existência de 20 varas de linho e 1 casaco. Tal permutabilidade gera uma equação social que mesmo alterando o valor da mercadoria permanece certa constância capaz de expressar o valor relativo dessa grandeza. Se o valor do linho aumentar duas vezes mais, podemos ter uma equação em que as 20 varas de linho equivalem a 2 casacos. A quantidade de trabalho contido em uma mercadoria é capaz de aumentar ou diminuir o seu valor pelo tempo de trabalho social despendido para sua produção.

A forma equivalente das mercadorias produz a permutabilidade e a equiparação social do quantum de trabalho que se encontra inserido nelas. O trabalho, do ponto de vista do domínio burguês, é uma abstração capaz de acumular riqueza. A metodologia marxista compreende a existência do trabalho abstrato existente nas sociedades orientais, onde não havia se desenvolvido completamente a forma mercadoria, sendo a divisão social do trabalho anterior à produção de mercadorias. Marx identifica que, para povos que viviam como caçadores e coletores, o trabalho já cumpria para estes um valor social.

O próprio Aristóteles nos diz em que fracassa o prosseguimento de sua análise, a saber, na falta do conceito de valor. Que é o igual, isto é, a substância comum que a casa representa para a almofada na expressão de valor da almofada? Tal coisa não

pode “em verdade existir”, diz Aristóteles. Por quê? A casa representa, contraposta à

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Na Antiguidade, as forças produtivas não haviam se desenvolvido ao ponto de encontrar uma teoria sobre o valor. O próprio Marx identifica as limitações que o filósofo Aristóteles encontrava para desenvolver o conceito de valor contido na mercadoria, mas percebe que, na Antiguidade, toda mercadoria se manifesta como trabalho igual para mercadorias que não expressam o valor contido nelas.

A equivalência das mercadorias na Antiguidade é assim expressa pelo caráter escravista dessas sociedades que não diferenciavam o quantum de trabalho socialmente utilizado para produção dos produtos. É a forma valor, segundo Marx, que condiciona a comensurabilidade das trocas capitalistas. O valor relativo desdobrado da mercadoria promove uma equação capaz de eleger um equivalente geral das relações de troca onde a mercadoria A equivale à mercadoria B, C, D ou E.

20 varas de linho = 1 casaco

20 varas de linho = 10 libras de chá etc.

Cada uma dessas equações contém, reciprocamente, a equação Idêntica:

1 casaco = 20 varas de linho

10 libras de chá = 20 varas de linho etc.3

A forma equivalente é a escolha que se faz pela mercadoria A como expressão do mesmo valor relativo existente na forma mercadoria B, C ou D. Ao elegermos 2 onças de ouro como equivalente geral de mercadorias, a forma valor é socialmente comparada e modificada para a forma dinheiro através do hábito social. O ouro apenas pode ser expresso na forma dinheiro por ter um duplo caráter: o primeiro, como mercadoria particular; o segundo, como valor relativo.

O que Marx preconiza de tal relação é a capacidade do ouro se desdobrar na forma relativa dinheiro e poder tornar a se expressar também como mercadoria particular.

20 metros de linho = 1 casaco =

10 quilos de chá =

40 quilos de café = 2 onças de ouro4 1 quarta de trigo =

½ tonelada de ferro = X de mercadoria A =

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(MARX, 1996, p.191).

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O fetichismo da mercadoria é a capacidade de transformação do produto do trabalho humano em mercadoria que se autovaloriza e se distancia do produtor. O trabalho abstrato contido nas mercadorias é capaz de confrontar sua própria extensão, na qual os produtores criam um valor, mas a força de trabalho não significa propriamente um valor como as demais mercadorias, e a igualdade das mercadorias acontece apenas para os capitalistas mercantis. O trabalho em geral que produz coisas úteis, afirma Marx, tem uma função comparativa e não isolada no sistema produtivo.

A divisão social do trabalho sofre uma evolução desde a origem neolítica, marcada pela utilização de utensílios feitos a pedra, com o surgimento da agricultura até os estágios mais desenvolvidos da produção. A mercadoria, nesse sentido, não é uma manifestação exclusiva da sociedade atual. Devemos compreender o capitalismo como o momento mais desenvolvido da produção de mercadorias. No mercado capitalista se compara a força de trabalho e, através desse processo, preconiza-se a valorização do valor.

Os produtores de mercadorias, afirma Marx, produzem o valor, mas não sabem como fazem, não conhecem as circunstâncias em que agem, e o processo de exploração do homem pelo homem não traz em si a marca da evidência. A comparação da força de trabalho é um produto das relações sociais, não sendo possível a um químico ou a um físico descobrir o valor de troca do ouro ou do ferro, através dos componentes que constituem sua existência natural.

1.4. Marx e o fetichismo da mercadoria

As mercadorias não podem ir de maneira independente ao mercado. As relações de troca aparecem sempre entre possuidores de mercadorias. Desse modo, o fenômeno da alienação é externo ao indivíduo, sendo da condição de proprietário de mercadorias particulares que a comunidade confronta-se com outras comunidades e os proprietários com os não proprietários. Esse fenômeno encontra no dinheiro sua forma embrionária, em sociedades primitivas onde as relações de troca não haviam se desenvolvido por completo.

Os povos nômades são os primeiros a desenvolver a forma dinheiro, porque todos os seus haveres e bens têm forma móvel e, portanto, diretamente alienável e porque seu modo de vida os põe em constante contato com comunidade estrangeiras, solicitando-os à troca de produtos. Os homens fizeram, freqüentemente, do próprio homem, na figura escravo, a matéria original de dinheiro (MARX, 1996, p. 213).

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privada, e o escravo é uma mercadoria nessas sociedades que, na forma trabalho humano abstrato, aparece como fonte de riqueza do senhor. O dinheiro expressa as grandezas que têm o seu valor cristalizado em comparação às demais mercadorias.

Nas sociedades modernas, a força de trabalho equipara mercadorias entre si, e o dinheiro pode expressar sua própria grandeza de valor, apenas relativamente em comparação a outras mercadorias. O tempo de trabalho socialmente despendido pelo produtor atribui ao ouro uma condição de dinheiro, através da permutabilidade das mercadorias.

Não é por meio do dinheiro que as mercadorias se tornam comensuráveis. Segundo Marx, o dinheiro como uma medida de valor é uma forma necessária da produção das mercadorias. O dinheiro, afirma István Mészáros, evolui historicamente assumindo a função mediadora da política e se incorporando a formas que vão da propriedade fundiária à economia liberal. O dinheiro, na concepção marxista, é a expressão do equivalente geral da mercadoria. No circuito simples, o processo de intercâmbio acontece primeiro através do ato da venda (M – D), que deve gerar o seu salto mortal da metamorfose na forma mercadoria dinheiro. O segundo momento é a realização da compra (D – M), no qual esse processo vem a atender ao valor de uso da mercadoria.

O valor de troca é constituído por uma necessidade que já se encontra presente na relação M – M’. Todavia, nas práticas de escambo, não temos possibilidade da metamorfose das mercadorias, e o transcorrer de tais relações acontece por meio do hábito. A possibilidade de investigação do caráter fetichista do dinheiro reverbera como uma consequência do fetichismo encontrado na própria mercadoria.

O poder do dinheiro nada mais é do que o poder da mercadoria sobre os homens. As forças produtivas da sociedade encontram-se divididas desde as comunidades, quando a forma de trabalho predominante era a artesanal e camponesa em geral. A capacidade de trabalho em tal contexto social não é propriamente uma mercadoria, e os pequenos produtores aparecem como proprietários dos meios de produção utilizados na fabricação dos produtos.

1.5. A transitoriedade do dinheiro na divindade capital

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para o surgimento da indústria moderna, que inicia a fase máquino-fatureira com o surgimento do proletariado moderno.

O dinheiro como uma medida de valor é um símbolo que vem a representar no transcorrer das relações sociais um reflexo transitório, segundo Rubín, da metamorfose das mercadorias que absorve o signo dinheiro de sua existência funcional para a sua efetividade material, expressando uma manifestação de medida imanente à mercadoria.

O preço apresenta uma característica social que expressa o valor da mercadoria, e sua forma de vir ao mundo é constituída a partir da própria equiparação realizada entre dispêndio social de trabalho abstrato socialmente comparado. Não podemos deixar de analisar que nem tudo o que apresenta valor tem necessariamente preço. É o que o próprio Marx demonstra: áreas de preservação ambiental não apresentam valor de troca, não estão sujeitas às permutas do mercado.

A grandeza de valor é transformada em preço, desenvolvendo consequentemente uma forma monetária exterior à mercadoria. Tal incongruência constitui Münze5 e cabe-nos analisar que moeda é diferente de dinheiro. A forma monetária é externa e independente da mercadoria alienável.

A metamorfose global de uma mercadoria implica, em sua forma mais simples, quatro extremos e três personae dramatis. Primeiro, o dinheiro defronta-se à mercadoria como sua figura de valor, que no outro lado, no bolso alheio, possui realidade reificadamente contundente. Assim, ao possuidor de mercadorias se defronta um possuidor de dinheiro. Tão logo a mercadoria se transforma em dinheiro, torna-se este último a forma equivalente transitória dela, cujo valor ou conteúdo de uso existe desse lado, nos corpos das outras mercadorias (MARX, 1996, p. 234).

A transformação da mercadoria em sua forma dinheiro implica a necessidade do valor de uso entre o proprietário da mercadoria e o seu comprador, que vai ao mercado com certa quantidade de dinheiro. Na relação existente entre a venda e a compra, o dinheiro é a forma cristalizada da mercadoria que cumpre a função de trocá-las entre duas mãos.

A metamorfose da mercadoria implica sua transformação em mercadoria dinheiro, através da transitoriedade que constitui elemento de fundamental importância para uma compreensão perspicaz da incorporação do dinheiro ao capital.

No mercado, todo o dia acontecem processos de venda e compra de mercadorias. O desenvolvimento dessa forma frenética promove a existência de metamorfoses unilaterais que

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têm os seus preços comparados por determinadas quantias de dinheiro imaginário. O meio circulante das mercadorias em sua forma simples sofre oscilações que aumentam e diminuem a velocidade, do dinheiro diminuindo ou aumentando a massa das mercadorias.

Assim, o Estado assume a responsabilidade de padronização da forma monetária através do símbolo ouro como meio circulante, assumindo existência funcional do dinheiro. A efetivação da moeda, segundo Jean-Pierre Vernant, é a consolidação da significação moral, intelectual e social que institucionalizou entre os gregos os intercâmbios de bens. Com isso, o padrão monetário ouro é absorvido historicamente por sua razão material. Coisas triviais ou sem valor podem, desse modo, funcionar como moeda. É o caso das atuais senhas de papel que assumem a funcionalidade de moeda.

A forma unilateral de circulação simples repete um processo constante no mercado entre vendedores e compradores que submetem o valor de uso da mercadoria em sua primeira metamorfose ao valor de troca dessa mesma mercadoria, transformando-a em dinheiro ou em medida de valor do meio circulante, a depender do valor monetário utilizado. Neste caso, devemos realizar uma distinção entre dinheiro e moeda.

O dinheiro surge do valor relativo da mercadoria, podendo ser representado por uma forma monetária. O ouro e a prata são exemplos do valor monetário que vão sendo substituídos por instrumentos que tenham cada vez menos valor, mas que sirvam de meio de circulação. Se o próprio curso do dinheiro impõe uma dissociação do conteúdo metálico pelo seu conteúdo simbólico da moeda, o dinheiro de crédito, como relação ainda desconhecida na circulação simples, tem um fundamento nos meios de pagamentos possivelmente úteis.

No circuito da mercadoria apenas se pode comprar, afirma Marx, se já tenha sido realizado o ato da venda antes. O ouro ou a prata, assumindo a forma símbolo da mercadoria, é signo do entesouramento e da capacidade de representar riqueza acumulada. O fetichismo da mercadoria é sacrificado como os prazeres da carne, o entesouramento constitui prática de reter o caráter quantitativo da mercadoria dinheiro não realizando o ato da compra.

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Os capitalistas que aparecem como possuidores da mercadoria realizam o ato da venda presumindo lucro, originando um sistema de crédito capaz de fazer o valor de uso ser desfrutado antes mesmo de a mercadoria ser paga.

No processo de circulação simples, temos a primeira metamorfose da mercadoria: venda M-D que é convertida para a sua segunda fase de realização com a compra D-M. No processo de transformação do dinheiro em capital, a realização do processo torna-se, segundo concepção de Marx, um verdadeiro absurdo, no qual o circuito se inicia com a compra D-M e termina com a venda do produto M-D.

O valor monetário na forma simples muda duas vezes de posição, sai das mãos do vendedor para o comprador, e ocorre um processo inverso no circuito do capital D-M-D. É a mercadoria que realiza o percurso mercantil se deslocando das mãos do comprador para o vendedor.

O algodão comprado por 100 libras esterlinas é, por exemplo, revendido a 100 + 10 libras esterlinas, ou 110 libras esterlinas. A forma completa desse processo é, portanto, D M —D’, em que D’ = D+ ∆D, ou seja, igual à soma de dinheiro originalmente Adiantado mais um incremento. Esse incremento, ou o excedente sobre o valor original, chamo de mais-valia (surplus value). O valor originalmente adiantado não só se mantém na circulação, mas altera nela a sua grandeza de valor, acrescenta mais-valia ou se valoriza. E esse movimento transforma-o em capital. (MARX, 1996, p. 271).

No processo que consuma a compra e a venda da mercadoria, o começo e o final da operação têm como “telos” o dinheiro, que apresenta seu valor de troca diferenciado pela existência de um acréscimo D –D’. A consideração realizada por Marx é que a metamorfose da mercadoria não altera suas qualidades ou a utilidade da mercadoria. Como possuidor de dinheiro, o capitalista realiza a valorização do valor, tendo seu lucro extraordinário como ponto de partida e o término da realização da riqueza abstrata.

O valor de uso não é a meta final do capitalista. O dinheiro não tem uma existência contrária à mercadoria. Todavia, o capital que provêm do valor de troca se valoriza, sendo a circulação simples a expressão da compra realizada pelo consumidor.

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1.6. O capital e a produção de mais-valia

A partir desse percurso, o dinheiro se transforma em capital e encontra fora do processo de circulação uma mercadoria que é capaz de criar valor. A capacidade de trabalho é uma mercadoria da qual seu possuidor aparece como um proprietário livre que dispõe através de uma relação jurídica, como pessoa igual ao capitalista, com tempo diário para produzir mercadorias. O comprador da força de trabalho tem certa quantidade de dinheiro que utiliza não como um simples entesourador, mas como investidor capitalista que incorpora o seu dinheiro ao capital.

O proprietário da capacidade de trabalho deve vender sua mercadoria ao capitalista e através do dinheiro realizar a objetivação do trabalho. Os meios de produção das mercadorias, os instrumentos de trabalho, o couro utilizado na produção dos sapatos, devem pertencer ao capitalista. Os proprietários de mercadorias produzem um valor social e vão para o mercado de forma equiparada.

A produção do valor ou da substância que produz valor é, segundo Rubin, o trabalho. A preocupação pelos aspectos quantitativos da produção é o que de fato interessa ao investidor capitalista que retira do trabalho humano o excedente da produção.

Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e a abelha envergonha mais de um arquiteto humano com a construção dos favos de suas colmeias. Mas o que distingue, de antemão, o pior arquiteto da melhor abelha é que ele construiu o favo em sua cabeça, antes de construí-lo em cera. No fim do processo de trabalho obtém-se um resultado que já no início deste existiu na imaginação do trabalhador, e, portanto idealmente. Ele não apenas efetua uma transformação da forma da matéria natural; realiza, ao mesmo tempo, na matéria natural seu objetivo, que ele sabe que determina como lei, a espécie e o modo de sua atividade e ao qual tem de subordinar sua vontade (MARX, 1996, p. 298).

O trabalho humano como atividade orientada é diferenciado das operações de uma abelha por ser produto do planejamento humano. A força de trabalho é uma mercadoria como as demais. Nesse sentido, a força de trabalho é o único valor capaz de produzir mais valor. O trabalhador é posto diante dos meios de produção, subordinando sua vontade e ao mesmo tempo transformando a natureza.

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Os instrumentos de trabalho utilizados pelo produtor transferem o valor de uso da matéria-prima para a mercadoria e os meios de produção utilizados são uma propriedade do capitalista.

Considerações finais

O capitalista, ao realizar o percurso de transitoriedade do dinheiro em mercadoria, promove a incessante valorização do valor, incorpora força de trabalho vivo à objetividade, transforma trabalho morto em capital. O produtor assemelha-se a um “monstro animado” que produz ininterruptamente. O processo que consome valor de uso da matéria-prima com a intenção de produzir novo valor de uso, utiliza a força de trabalho como um “demiurgo” capaz de conservar o valor dos meios de produção e transferir novo valor ao produto.

Os meios de produção de um lado e a força de trabalho do outro representam a decomposição do capital originário em dinheiro para assumir a forma da grandeza tanto dos instrumentos de produção, os quais Marx denomina capital constante, quanto da força de trabalho, que é a parte do capital variável da produção. Uma investigação sobre o fetichismo do dinheiro e sua transitoriedade no percurso da valorização do valor requer uma análise atenciosa da venda da força de trabalho.

O capital C, que despende uma parte do dinheiro com meios de produção, denomina-se c. Já os gastos resultantes da força de trabalho aparecem como v. O que encontramos originariamente desse processo é C = c+v. A relação entre a parte constante e variável resulta na composição da mais-valia, que no fim do processo é constituído por C = c + v + m.

O que podemos encontrar dessa relação de trabalho é a transferência do valor dos meios de produção para a mercadoria, na qual a intenção do capitalista está em promover um acréscimo a seu capital C + C’, sendo a força de trabalho a verdadeira porção responsável pela alteração do valor da sua parte variável. O processo que realiza o fetichismo do dinheiro apresenta a mais-valia como seu fundamento, incorporando a forma dinheiro ao processo de valorizar valor.

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O salário, como representante do valor da força de trabalho, representa, segundo Ruy Fausto, na obra Marx: Lógica e política, uma inércia de seu próprio valor, tornando-se uma antinomia que oculta sua verdadeira essência. O preço da força de trabalho oculta através do fetichismo do dinheiro o seu verdadeiro valor. O valor da capacidade de trabalho é pago, segundo Marx, apenas pelo seu tempo necessário, o operário produz um excedente de trabalho não pago representado pelo salário.

A lei geral que determina o preço do salário apresenta um valor moral e histórico que se reporta ao nível de civilização existente em cada país, no contexto de engajamento que os operários se envolvem em busca da melhoria das condições salariais: lutando, portanto, no contexto do século XIX, pela substituição do salário por peça pelo salário por tempo, pela diminuição da jornada de trabalho para 10 horas, e diminuição da insalubridade das fábricas e do trabalho doméstico executado por mulheres e crianças.

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Referências

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