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A PROPOSTA PEDAGÓGICA DO ESTÁGIO DE VIVÊNCIA NA ESCOLA FAMÍLIA AGRÍCOLA DE SANTA CRUZ DO SUL: UMA ALTERNATIVA DE APRENDIZAGEM.

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A PROPOSTA PEDAGÓGICA DO ESTÁGIO DE VIVÊNCIA NA ESCOLA FAMÍLIA AGRÍCOLA DE SANTA CRUZ DO SUL: UMA ALTERNATIVA DE

APRENDIZAGEM

Cristina Luisa Bencke Vergutz1 - EFASC João Paulo Reis Costa2 - UNISC – PPGDR – EFASC

GE: Memórias, Trajetórias e Experiências na Educação.

Resumo

O presente trabalho busca percorrer os caminhos do Estágio de Vivência desenvolvido na

Escola Família Agrícola de Santa Cruz do Sul – EFASC tendo como enfoque a diversidade de aprendizagens possibilitadas no transcorrer da práxis desse instrumento pedagógico. Compreende a proposta pedagógica do Estágio de Vivência como ação-reflexão inerente ao processo de ensino e aprendizagem da Pedagogia da Alternância na EFASC tendo como referência a Educação do Campo na perspectiva de uma educação no, do e com os sujeitos do campo identificando as relações imbricadas e potencializadas na operacionalização dessa

ação, tais como as relações de gênero e relações geracionais. O trabalho é fruto de

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Monitora EFASC – Escola Família Agrícola de Santa Cruz do Sul, Pedagoga e Mestre em Educação-UNISC.

cristina.vergutz@gmail.com

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Monitor EFASC – Escola Família Agrícola de Santa Cruz do Sul, Historiador, Especialista em História do Brasil, Mestre em Desenvolvimento Regional - UNISC, 2012 e Doutorando em Desenvolvimento Regional – PPGDR, UNISC. joaopauloreiscosta@gmail.com

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observações na experiência empírica da atuação junto à Escola Família Agrícola de Santa Cruz do Sul – EFASC e nas avaliações e socializações do estágio de vivência desde seu início, ou seja, 2013, 2014 e 2015. Nesta perspectiva, o Estágio de Vivência na Pedagogia da Alternância da EFASC se constitui como uma ação educativa para além de uma mera integração, mas sim como uma alternativa de aprendizagem na ação do próprio viver, tendo o diálogo, a troca, a partilha de saberes (FREIRE,1987) como possibilidade de um processo educativo emancipatório frente a questões pertinentes às relações de gênero e também de conflitos geracionais muitas vezes não presentes ou debatidas no espaço escolar.

Palavras-chave: Estágio de Vivência, Escola Família Agrícola, Aprendizagem.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho se apresenta como uma necessidade de reflexão sobre uma ação pedagógica existente na Escola Família Agrícola de Santa Cruz do Sul - EFASC denominada Estágio de Vivência, tendo como recorte reflexivo a questão da aprendizagem nas diversas possibilidades que esta apresenta dentro do processo de ensino e aprendizagem na/da Pedagogia da Alternância da referida escola.

Para compreender as aprendizagens na Pedagogia da Alternância, em especial, na Escola Família Agrícola de Santa Cruz do Sul caminhamos por conceitos educacionais que nos fazem compreender a educação na Pedagogia da Alternância para além de uma proposta didática metodológica preocupada em oportunizar espaços e tempos diferenciados, mas sim

como um processo educacional que diagnostica, problematiza, reflete, dialoga, planeja e age

através do coletivo, pois “é o sujeito que aprende através da experiência. Não é um coletivo que aprende. Mas é no coletivo que se aprende. Eu dialogo com a realidade, com os autores, com meus pares, com a diferença” (GADOTTI, 2003, p.48).

Este coletivo de aprendizagens contextualizadas estão embargadas nos conceitos e articulações em torno da luta por uma Educação do Campo problematizando o campo, políticas públicas educacionais que nele se instalam e a concepção de educação que nele se encontra. A proposta de ensino e aprendizagem da EFASC está embasada na Pedagogia da Alternância e fundamentada na concepção da Educação do Campo, portanto se caracteriza educacionalmente como espaço de formação dos sujeitos do campo visando o desenvolvimento das pessoas e do meio mediado pela Pedagogia da Alternância na qual os estudantes alternam semanas entre sessão familiar e sessão escolar buscando partilhar e compartilhar saberes empíricos e científicos.

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A materialidade do Estágio de Vivência na EFASC enquanto uma ação pedagógica que propõe o intercâmbio entre estudantes da EFASC objetivando tornar ainda mais ativa a troca de saberes tendo a alternância de espaços e tempos entre famílias e estudantes como potencializadora, pois são formadas duplas de estudantes intercambistas que permutam entre si, ou seja, uma semana de vivência em cada família, vivenciando e experimentando as diferenças, as proximidades e as singularidades de cada espaço, de cada família, de cada comunidade, se apresenta para além de uma ação integradora ou socializadora mas sim como uma práxis que possibilita aprendizagens na própria ação do viver, problematizando e conflitando diversas situações, como as relações de gênero e também as geracionais a partir do diálogo consciente e compromissado como ação libertadora (FREIRE, 2005, 1994, 1987).

Pensar assim pressupõe compreender a educação e, de modo mais específico, o currículo escolar como composto por sujeitos que, historicamente, foram colocados de fora das reflexões e das ações educativas (ARROYO, 2011). Neste sentido o oportunizar de mais um instrumento pedagógico na Pedagogia da Alternância exercida pela EFASC, ou seja, o Estágio de Vivência se apresenta como um articulador de problematizações acerca de debates sobre as vivências e as relações estabelecidas e invisibilizadas por sujeitos imersos nas diversidades existentes na/da formação humana. São as aprendizagens nas experiências partilhadas nos diálogos materializados nas relações sociais existentes na diversidade de classe, etnia, raça, gênero, campo, cidade, de trabalho, de produção, de geração e de compreensão de mundo e de relações com esse mundo.

Assim com o intuito de refletir sobre como se dão as aprendizagens imersas na diversidade da formação humana durante o transcorrer do Estágio de Vivência como proposta pedagógica inovadora no ambiente escolar e da própria Pedagogia da Alternância, traremos os apontamentos da experiência empírica na atuação junta à Escola Família Agrícola de Santa Cruz do Sul – EFASC e nas avaliações e socializações dos e das estudantes e de suas famílias que participaram dos estágio de vivências nos anos de 2013, 2014 e 2015.

Assim, inicialmente, apresentaremos a Escola Família Agrícola de Santa Cruz do Sul – EFASC dentro da região de sua abrangência, ou seja, o Vale do Rio Pardo e a Pedagogia da Alternância como concepção educacional imbricada historicamente na Educação do Campo. Posteriormente abordaremos a história da ação pedagógica Estágio de Vivência da EFASC entrelaçando questões relativas às aprendizagens, em especial, nas interconexões com as relações de gênero e geracional que permearam e ainda permeiam a proposta do Estágio de Vivência na EFASC.

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ESCOLA FAMÍLIA AGRÍCOLA DE SANTA CRUZ DO SUL – EFASC E A PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA

A concepção de Pedagogia da Alternância trabalhada na Escola Família Agrícola de Santa Cruz do Sul - EFASC tem seus primeiros ensaios em terras francesas nos anos de 1930, a partir da negação de um jovem, filho de um agricultor do vilarejo de Serignal-Péboldol no interior da França, em dar continuidade aos seus estudos alegando a falta de uma educação contextualizada com o campo, com as questões da vida na agricultura.

Assim, alguns agricultores em parceria com o pároco do vilarejo, estruturam uma proposta educativa que possibilite aos jovens filhos de agricultores a continuarem seus estudos e, também, estarem aproximando as realidades da vida na/da agricultura com os saberes escolares historicamente construídos pela humanidade.

A este processo denomina-se Pedagogia da Alternância que com o passar dos tempos vai se organizando na forma de associação das famílias dos e das jovens filhos e filhas de agricultores e agricultores de uma determinada região em prol de uma educação contextualizada com as questões do campo. Assim essa associação se apresenta como espaço de participação das famílias na gestão dos processos educativos e administrativos. É um espaço de diálogo, de partilha de opiniões e de poder, “a associação é um lugar de palavras, de expressão e, às vezes, de revelação de si. (...) ela representa um espaço de promoção das pessoas e um instrumento de participação na ação social e no desenvolvimento local” (GIMONET, 2007, p.96).

Assim surgem a nível mundial3, as experiências de educação a partir da Pedagogia da Alternância, de várias organizações, que formam os Centros Educativos Familiares de Formação em Alternância – CEFFAs, que congregam Escolas Famílias Agrícolas - EFAs, Casas Familiares Rurais - CFRs, Escolas Comunidades Rurais – ECORs e uma série de entidades, que organizam sua prática pedagógica na Pedagogia da Alternância e mantém os pilares comuns de todas essas experiências: Associação Local, Pedagogia da Alternância, Formação Integral e Desenvolvimento do Meio.

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Tendo suas origens em terras francesas, a proposta educacional da Pedagogia da Alternância disseminou-se pela Itália, com a criação das Scuole Famiglie Rurali (Escolas Famílias Agrícolas) e depois pela Espanha. Em território americano, chegou inicialmente ao Brasil e à Argentina nos anos 60 e espalhou-se por todo o continente sendo mais presente nas Américas Central e Latina (GARCÍA-MARIRRODRIGA e PUIG-CALVÓ, 2010). Existem, atualmente, mais de mil instituições em 40 países na África, América, Ásia, Europa e Oceania, de acordo com a AIMFR – Associação Internacional das Maisons Familiales Rurales - http://www.aimfr.org – acesso em março/2016.

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No Brasil, a primeira experiência com Pedagogia da Alternância foi com a implantação de uma Escola Família Agrícola – EFA no Estado do Espírito Santo, em 1968, em Olivânia no município de Anchieta4. No sul do Brasil, a Escola Família Agrícola de Santa Cruz do Sul – EFASC surge no ano de 2009, na cidade de Santa Cruz do Sul, região do Vale do Rio Pardo, denominada Escola Família Agrícola de Santa Cruz do Sul – EFASC, ligada a sua mantenedora a Associação Gaúcha Pró-Escolas Famílias Agrícolas – AGEFA.

Em território brasileiro a Pedagogia da Alternância se estabelece em comunhão com as lutas por um Educação do Campo. Educação do Campo, enquanto expressão e conceito, fruto de lutas e problematizações dos movimentos sociais na busca por políticas públicas que reconheçam os sujeitos do campo e suas especificidades abandonando as marcas de uma educação da cidade, que não valoriza o campo e nem seu povo (CALDART, 2009), tendo o paradigma da questão agrária no seu escopo (FERNANDES, 2012). Dessa forma, a Pedagogia da Alternância e a Educação do Campo fundamentam-se no comprometimento, no compromisso e no envolvimento com o movimento, suas concepções, reflexões e utopias que nascem da prática e que buscam transformar. É a busca pela valorização das singularidades, das experiências vivenciadas num contexto específico, ou seja, o campo.

A EFASC, enquanto associação de famílias envolvidas com a agricultura e com o objeto de ofertar uma educação contextualizada com campo dessa região, atende jovens das populações do campo oriundos da agricultura familiar, filhos e filhas de agricultores e agricultoras da região do Vale do Rio Pardo5, com idade entre 13 a 23 anos, egressos de escolas públicas inseridas no meio rural e aptos a frequentar o ensino médio e ensino técnico em agricultura6. Estas famílias trabalham na agricultura, envolvendo na produção agrícola todos os membros desta, sendo o cultivo do tabaco a produção predominante nas propriedades. São jovens agricultores e agricultoras que buscam nesta escola uma formação escolar dupla (ensino médio e técnico) como também uma proposta educacional voltada à família e à agricultura. (COSTA, 2012, VERGUTZ, 2013).

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No Brasil as EFAs, atualmente se encontram nas cinco grandes regiões do Brasil, em 17 estados, totalizando 147 Escolas Famílias Agrícolas onde estudam mais de 10 mil filhos de agricultores (as) familiares.

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A regionalização adotada neste trabalho segue a convenção dos Conselhos Regionais de Desenvolvimento – COREDES, que foram criados pela Lei nº 10.283, de 17 de outubro de 1994. (www.fee.tche.br – Acesso em nov./2012). É constituída por 23 municípios em uma extensão de 13.255,7Km2 com uma população total, em 2011, de 419.609 habitantes, segundo dados da Fundação de Economia e Estatística – FEE.

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A Escola Família Agrícola de Santa Cruz do Sul possui autorização e credenciamento para oferta de Curso de Ensino Médio conforme Parecer do Conselho Estadual de Educação – CEED/RS nº 142 de 29 de janeiro de 2009, e oferta de Curso Técnico de nível Médio em Agricultura – Eixo Tecnológico Recursos Naturais conforme Parecer do CEED nº 692 de 10 de novembro de 2010.

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A EFASC surge no cenário da região do Vale do Rio Pardo com o objetivo de problematizar a situação atual dos agricultores. Ou seja, dialogar com as famílias agricultoras envolvidas, em sua maioria, na prática agrícola da monocultura do tabaco, apresentada como a principal cultura agrícola que se caracteriza pela presença na região de um conglomerado de multinacionais7 deste setor, fazendo desta região a maior produtora de tabaco do Brasil. Com o desafio de problematizar este contexto regional, seus arranjos produtivos, sua organização histórica, social e econômica através de um olhar introspectivo da realidade de vida dos sujeitos deste processo, a EFASC e, por consequência, a Pedagogia da Alternância, se apresenta como possibilidade de compreensão da realidade no recorte da produção e do trabalho, mas também no viver e conviver dos sujeitos envolvidos, numa visão de partilha de saberes, numa “outra maneira de aprender, de se formar, associando teoria e prática, ação e reflexão, o empreender e o aprender dentro do mesmo processo (...) colocando assim a experiência antes do conceito” (GIMONET, 1999, p.44-45).

O ESTÁGIO DE VIVÊNCIA NA EFASC

A Pedagogia da Alternância tem sua organização pedagógica na triangulação ação-pesquisa-formação permanente (GIMONET, 2007). Dessa forma, a práxis, na singularidade da EFASC, está no movimento de estar uma semana na sessão familiar, em casa junto à família/comunidade e após estar uma semana na sessão escolar, na escola junto aos colegas e monitores.

A Pedagogia da Alternância se apresenta, portanto, como uma proposta educacional revolucionária por ter o seu processo de ensino e aprendizagem baseado na ação e reflexão, compreendendo a ação como sua dimensão constitutiva, articulando-se na relação teoria e prática, visando a transformação da realidade, “dentro de um planejamento minuciosamente estabelecido, mas flexível e aberto às adequações que a evolução tecnológica do muno contemporâneo impõe” (DE BURGHGRAVE, 2011, p.190). Neste sentido o aprender se dá no movimento da ação e da reflexão, que faz interagir diferentes saberes e experiências através da alternância marcada pelo distanciamento e consequente aproximação dos objetos cognoscíveis proporcionando o conhecer crítico e a conscientização.

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A organização educativa da Pedagogia da Alternância está construída nos instrumentos pedagógicos8 que historicamente foram elaborados. Os instrumentos pedagógicos além de assumirem a característica de registros das alternâncias se estruturam potencializado a pesquisa, a interrogação, o diálogo, a experimentação, a troca, a expressão, a sistematização através de relações com o viver, com o trabalho, com o distanciamento e com respeito aos diferentes saberes e relações existentes na humanidade.

A Pedagogia da Alternância na EFASC, é compreendida na perspectiva de um processo de ensinar e aprender estruturado essencialmente numa relação educativa dialógica que se fundamenta no respeito aos sujeitos na relação educativa vivenciada, sem dominados e dominantes, mas sim alimentada na humildade e no fortalecimento do espaço para “dizer a sua palavra” (FREIRE, 1994). É a operacionalização dos instrumentos pedagógicos, que potencializam estes diálogos pautados na partilha das experiências e saberes caminhando para o refletir e, dessa forma, o participar e o agir criticamente.

Neste sentido, compreendendo a organicidade dos instrumentos pedagógicos, fortalecidos pelas peculiaridades pertinentes a cada vivência da Pedagogia da Alternância, surge no ano de 2013 a proposta do Estágio de Vivência na EFASC, que caracteriza-se como uma ferramenta pedagógica da Pedagogia da Alternância que busca proporcionar ao e a estudante da EFASC trocar saberes, partilhar experiências e práticas, intercambiar costumes e relações familiares, comunitárias e, principalmente, de vivência e identificação com o elo que liga a todos os estudantes e as famílias participantes do Estágio de Vivência, ou seja, a EFASC.

Com o Estágio de Vivência é possível perceber e problematizar a regionalidade presente na EFASC, ou seja, que ela seja conhecida e reconhecida, com toda a sua riqueza de diversidade social, econômica, cultural e humana tendo também a ênfase nas interações com os diferentes contextos, experiências e vivências ressaltadas através do viver uma semana na realidade de outro ou outra estudante da EFASC e de sua família.

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São instrumentos pedagógicos da Pedagogia da Alternância das EFASC: Plano de Formação (organização do conjunto de componentes de dispositivo pedagógico), Plano de Estudo (pesquisa participativa com a família a com a comunidade, conversação, diálogo); Colocação Comum (apresentação oral do Plano de Estudos); Caderno da Realidade (registro da vida do aluno); Caderno de Acompanhamento (elo de ligação família e escola); visitas às famílias (conhecimento da realidade do aluno e estreitamento da relação escola-família); visita de estudos (confronto e comparação de experiências); tutoria (acompanhamento contínuo da aprendizagem em alternância do/da estudante por um/uma monitor/monitora) Projeto Profissional do Jovem - PPJ (desenvolvimento do projeto profissional vinculado a propriedade familiar ou comunidade) e avaliação geral de todo o processo formativo.

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A operacionalização do Estágio de Vivência ocorre com a formação de duplas de estudantes intercambistas que permutam entre si, ou seja, uma semana de vivência por família (totalizando duas semanas), tendo como encaminhamento pedagógico, as vivências da experiência da vida, do grupo de pessoas formadoras da família do e da colega estudante da EFASC. Para a sistematização da ação há o registro diário das percepções vivenciadas, como memória das vivências e das trajetórias percebidas durante o estágio.

A ação pedagógica de Estágio de Vivência foi aprovada e legitimada em reunião da Associação das Famílias da Escola Família Agrícola de Santa Cruz do Sul e após em Assembleia Geral ocorrida em dezembro de 2013 estabeleceu-se o Estágio de Vivência como instrumento pedagógico do processo formativo da EFASC. Assim todos os anos seguintes operacionalizou-se esse instrumento pedagógico com todos os estudantes matriculados na EFASC.

O ESTÁGIO DE VIVÊNCIA NA EFASC E AS APRENDIZAGENS NAS DIVERSIDADES

A Pedagogia da Alternância pela sua organização educacional fundamentada em diferentes ações, isto é, em instrumentos pedagógicos e associada ao movimento de aprendizagem alternado caracterizado na partida “da experiência da vida cotidiana (familiar, profissional, social) para ir em direção à teoria, aos saberes dos programas acadêmicos, para, em seguida, voltar à experiência, e assim sucessivamente” (GIMONET, 2007, p. 16), oportunizando tempos e espaços para a vivência e a convivência no ambiente escolar e no ambiente familiar e comunitário, ela por si só, já oportuniza trocas, buscas, inquietações, perturbações, soluções, interações, diferenciações e/ou associações com os saberes da família e os saberes da escola, possibilita que, haja tempo e espaço para experimentar de maneira mais observadora-pesquisadora o contexto sócio-profissional-familiar e o contexto escolar, bem como apontar propostas de temáticas e alternativas a serem trabalhadas na ação educativa.

Entretanto o Estágio de Vivência na EFASC surge com a finalidade de proporcionar, ainda mais, a característica fundamente da Pedagogia da Alternância, ou seja, a vivência concreta com a diversidade existente nas relações humanas através da partilha dialogada. E, neste sentido, o Estágio de Vivência, desde sua origem na EFASC, apresenta momentos e situações de tensões, em especial, nas questões envolvendo relações de gênero e geracional mesmo tendo sido legitimada pela assembleia das famílias da EFASC.

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As situações de resistência quanto as questões de gênero aparecem já no iniciar da ação quando algumas famílias das jovens externalizam o receio do intercâmbio com colegas do sexo masculino. O receio das famílias perpassava, em grande parte, na conotação sexual, em possíveis situações de violência ou de julgamentos externos e também na associação à incapacidade das mulheres em comparação com os homens, em especial, no seu conhecimento técnico-científico.

Neste sentido, as percepções das famílias e das jovens refletem o imaginário sócio-cultural construído historicamente pela humanidade sobre as mulheres. Ou seja, a mulher compreendida apenas no aspecto biológico e fisiológico, na perspectiva sexual, com comportamentos predestinados e naturalizados a partir de uma condição moral. O que indica e reforça a delimitação histórica do espaço e do papel social e econômico da mulher estruturalizado no ambiente privado do lar, ou seja, naturalizando o tripé mulher-mãe-dona de casa.

A naturalização dos papéis e das relações de gênero faz parte de uma ideologia que tenta fazer crer que esta realidade é fruto da biologia, de uma essência masculina e feminina, como se homens e mulheres já nascessem assim. Ora, o que é ser mulher e ser homem não é fruto da natureza, mas da forma como as pessoas vão aprendendo a ser, em uma determinada sociedade, em um determinado momento histórico. Por isso, desnaturalizar e explicar os mecanismos que conformam esses papeis é fundamental para compreender as relações entre homens e mulheres, e também seu papel na construção do conjunto das relações sociais. (FARIA e NOBRE 2007, p. 3).

Outro aspecto é a desvalorização do trabalho feminino, no contexto da agricultura e da sua sabedoria, que é invisibilizada pela conotação do trabalho feminino como “ocupação” ou como complementaridade, menos valorizados socialmente para o mercado e sendo, portanto, caracterizado como ajuda já que o conceito de trabalho socialmente relaciona-se aos aspectos da produção, com geração direta de renda e, dessa forma, os cuidados da vida humana, de pequenos animais, de plantas medicinais, entre outros aparecem pela aparência da ajuda, do apoio.

Situações envolvendo as questões geracionais aparecem de forma mais subliminar no transcorrer do Estágio de Vivência e, claro, também em outros momentos da formação na EFASC. São momentos em que há a compreensão de que a condição juvenil9 pressupõe a imaturidade em todas as situações, em especial, na partilha com relação as vivências na

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Segundo Weisheimer (2009) citado por Pozzebon (2015, p. 133) os jovens são definidos como: “[…] ‘agentes’, isto é, como indivíduos socialmente constituídos na totalidade de suas determinações e dotados de poder de produzir impactos significativos na ordem social, quanto como ‘atores’, ou seja, aqueles que desempenham papeis específicos e pré-estabelecidos”.

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agricultura na particularidade da gestão. Dessa forma, as trocas das experiências ficam no recorte apenas das ações cotidianas, que, na maioria das vezes, não denotam de responsabilidade e, neste sentido, não oportunizam reflexões mais acentuadas sobre a questão da agricultura, da sucessão familiar, da tomada de decisões na gestão da propriedade.

Trabalhar com a questão da juventude e provocar o diálogo sobre a sua condição tanto na amplitude da sociedade civil como na particularidade das famílias é desafiador e perpassa pela questão da compreensão da necessidade de buscar mecanismos que possibilitem a reflexão sobre esse momento da vida “cujas trajetórias implicam a transição da condição social de criança à vida adulta” (WEISHEIMER, 2009 apud POZZEBON, 2015, p. 133). Neste aspecto, o Estágio de Vivência se apresenta como mais um mecanismo dentro do currículo da EFASC que ultrapassa o sentido de juventude (jovens e adolescentes) como a incorporação de transgressões, provocações e contestações, mas sim como uma ação pedagógica que deixa de lado o moralismo e proporciona espaços para pensar a juventude no que acompanha todo o processo conflituoso que borbulha em suas relações e que afeta seus desejos, opções, corporeidade, sofrimentos, violências e anseios (ARROYO, 2011).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Compreendemos que o Estágio de Vivência da EFASC apresenta os sujeitos como agentes de sua aprendizagem imbricada nas diversidades, pois tendo a Pedagogia da Alternância como âncora, ele possibilita vivências de aprender e conhecer trabalhadas na perspectiva da horizontalidade dos saberes imersos na diversidade sociais, étnico-raciais, de gênero, de espaços (campo/cidade/periferia), de geração e, através disso, materializa o diálogo de saberes, a troca de experiências, as vivências de novas memórias e trajetórias como alternativa de um processo educativo emancipatório.

Acreditamos que isto se fortalece ainda mais pois o Estágio de Vivência da EFASC se apresenta reforçado e vinculado a Pedagogia da Alternância e a Educação do Campo que, historicamente se fundamentam no reconhecimento dos sujeitos e na diversidade de seus saberes, tendo uma práxis enraizada no sentido vivencial dos homens e das mulheres pertencentes ao campo e que também se apresentam imbuídas de questões sociais e políticas que empoderam estes sujeitos como conhecedores de sua história e capazes de se tornarem agentes de uma coletividade. Ou seja, fortalecem a continuidade da luta por relações humanas capazes de reconhecer toda a diversidade.

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Neste sentido, reforçamos ser este o papel de uma escola na concepção de uma educação libertadora, ou seja, possibilitar espaços pedagógicos que possibilitem reflexões sobre as diversas relações humanas e sociais existentes na sociedade historicamente. Negar esse papel é reproduzir e reafirmar relações sociais que fortalecem à ideologia de opressão e reduzir o papel da escola à mera reprodutora social e não a perceber como espaço de problematização sobre o reconhecimento dos sujeitos e da diversidade de seus saberes, apostando na compreensão de que o “ensinar e aprender são assim momentos de um processo maior – o de conhecer, que implica em re-conhecer" (FREIRE, 1994, p.47).

REFERÊNCIAS

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