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REVISTA IBERO-AMERICANA DE DIREITO PÚBLICO

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COORDENADORES

IVES GANDRA DA SILVA MARTINS

MAURO ROBERTO GOMES DE MATTOS

REVISTA IBERO-AMERICANA DE

DIREITO PÚBLICO

2005

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OS PRECATÓRIOS E O MITO DE SÍSIFO

Sidnei Agostinho Beneti

Desembargador do Tlibtll2al de J".rtif'a de .1'''0 Pa,,/o, Pmidetlle da U IM - Uni"o Intemacional de Magi..-tradOJ; Doutor em Di1~ito Proces,ftIal pela E/midade de Direito da UJp, Projé.rJor Titu/elr dei

Facu/dade de DiHito de .\'''0 Benzem/o do Campo, t.1embro do In"litllto Bra,,jleiro, do Imtittlto Ibero-AmencellZo e da A,rJoáa,,,o Intemadona/ de Direito Pro.'esstlal. Jóúo Colaborador do Instituto

dos Ad/'Ogados de S"o Patllo, Con.relheilYJ CoofYimador de /l.fJunto.r IntemadonaÍJ da E.l,·ola Pau/ÍJta da Magirtratllra, Ex-f)li~tor Pmidente da Jjsmla National da Ma.~útrattlra-AMB,

Ex-Integrante das COII'IÍJJ'ões de l<el'o1771a do Cód{~o de I'rOir,(fO Ciá/ e do Crjd(~o de Proce.uo Penal do Ministério daJustica e do In.rliltito /3m,l'ileiro de Ditúlo Proce,ulla/ (ComiurJe,l'pmidida,rpor

J'cílzio de 1 ii,glleit~do Tei:\'eim e/Ida I'dl,gl1fli G,1flOIU).

À Ministra Ellen Gracie N orthfleet, com admiração e amizade,

« E ele disse: « Uma outra vitória como esta e estamos perdidos» (J oyce, "Ulisses", Trad. Antonio Houaiss. São Paulo, 1980, p,33),

SUMÁRIO: 1. Informação internacional. 2. Congruência sistemática na divisão dos Poderes. 3. Visão antagônica de jurisdição e administração. 4.

Involução legislativa e demora da execução. 5. Legislação de

retardamento processual. 6. Requisitórios automaticamente reajustáveis. 7. Código de Processo Civil de 1973. 8. Constituição de 1988. 9. Nova citação da Fazenda Pública. 10. Supressão da liquidação por cálculo do contador. 11. Embargos à execução. 12. Precatórios alimentares e de pequeno valor. 13. Repercussão recíproca entre verbas. 14. Liberdade de imposição da demora incidental. 15. Reflexo judiciário de alterações futuras. 16.-O "Mito de Sísifo".

1. Informação internacional.- Em recente reunião com JUizes inte-grantes da 4a Comissão de Estudos da União Internacional de Magistrados, que se

reúnem anualmente para estudo de temas de Direito Público,l perguntei qual o procedimento em seus países para a execução das condenações judiciais para pa-gamento pela Fazenda Pública, Perplexos, juízes alemães, norte-americanos, ca-nadenses, ingleses e ibéricos nem mesmo entendiam a pergunta, pois a questão simplesmente não lhes integrava as preocupações profissionais, Tive de explicar melhor: "- Se o Governo é condenado a pagar, por exemplo, devido a desapro-priação, ou a servidores cujos vencimentos venha pagando a menor, ou no caso de indenização por dano decorrente de acidente de veiculo, como executar a sen-tença judicial?" Explicaram-me que a hipótese era desconhecida, pois, se a Admi-nistração era condenada a pagar, ao tomar conhecimento da sentença simplesmente pagava. Insisti: " - Pois bem, imaginemos a hipótese, por absurdo, de que o Governo não pague; o que ocorre?". Nesse caso, responderam, a mídia interviria, haveria movimentos da opinião pública, o Governo cairia no descrédi-to, o governante teria de renunciar e seria banido da vida pública,,,

As quatro Comissõe~ de Estudos ua IAJ-UIM rcúncm-~c anualmente desde a fundação da UIM, em 1953, em Salzburgo, Austria. Vcr relatórios anuai~ no site da UIl\L

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Ninguém imaginou que o credor e o Judiciário tivessem de se digladiar com a Administração, para obter o pagamento. E, sobretudo, não ocorreu a nin-guém aquele instrumento de horrível nome e pior efeito, o "precatório", previsto, entre nós, no art. 100 da Constituição Federal de 19882 e no art. 730,1,3 do Código

de Processo Civil.

2. Congruência sistemática na divisão dos Poderes.- O cumpri-mento voluntário das condenações judiciais da Fazenda Pública devia sempre se-guir-se à sentença, pois, afinal de contas, a atividade jurisdicional do Estado, por intermédio do organismo estatal que é o Poder Judiciário, é uma atividade substi-tutiva da atividade das partes, quando estas nào chegam à adequada solução de seus conflitos de interesse, ainda que uma das partes seja o próprio Estado, por meio de outro de seus organismos, a Administração.

A característica substitutiva da vontade das partes pela atividade estatal, via Judiciário, não se altera, na higidez da doutrina da separação dos Poderes, no caso de uma das partes, a vencida, ser o próprio Estado, em outra função, quando, como parte, não soluciona diretamente a lide em que se envolve, com a parte con-trária. O Judiciário, que, repita-se, é o próprio Estado, soluciona a lide com o jul-gamento, isto é, o próprio Estado, por intermédio do Judiciário, promove, definitivamente, o extermínio da lide em que se envolve, ou seja, aniquila aquele "germe da desagregação social", de que falava Carnellutti. Em suma: se o Estado, pela voz do Judiciário, manda pagar, só resta, na conseqüencialidade da normação Constitucional do Estado de Direito, ao próprio Estado, via Administração, pa-gar.

3.- Visão antagônica de jurisdição e administração.- Não é isso, contudo, o que ocorre na prática do comportamento administrativo em todos os entes da Federação e suas entidades paraestatais.

O não-pagamento divide o Estado, pondo de um lado a Administração inadimplente e, de outro, o Judiciário, a exigir-lhe o pagamento, como se se tratas-se de uma querela entre particulares recalcitrantes. Vem a execução e, nela, o siste-ma jurídico outorga a todos os entes estatais e paraestatais devedores o direito de,

ad nutum, pela só interposição de recursos sem dispêndio, sem caucionamento e

sem nenhuma sanção, procrastinar longamente o pagamento, por intermédio da resistência ferrenha no processo de conhecimento, fazendo o processo subir a montanha recursal até os Tribunais Superiores da Federação, para o reconheci-mento do que, tantas vezes já se patenteava evidente, mesmo aos representantes dos órgãos estatais e paraestatais, ao primeiro enunciado da pretensão administra-tiva, e tomado muito claro à simples leitura da petição inicial do processo judicial.

2 CF, art. 100 - "A exceção uos cr.:uitos ue natureza alimentícia, os pagamentos ueviuos pela Fazenda Fe-deral, Estadual ou l',,!urucipal, em virtude ue sentença jueliciúria, far-se-ão exclusivamente na orelem cro-nológica ele apresent~çiio uos precatórios e à contl UOS cr.:uitos respectivos, proibiua a uesi!,'11ação de casos ou pessoas nas dotações orçütnentárias e nos créJitos arucionais abertos para esse tltn". 3 CPC, art. 730 - "Na execução por ljuantia certa contra a Fazenda Pública, citar-sc-á a devedora para

opor embargos em 10 (dez) dias; se esta não os opuser, no prazo legal, obscrvar-se-ão as segulntes rcbrrüs: L o juiz requisitará o pagamento por intermédio do presidente do tribunal competente".

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371 E, vencido no julgamento do processo de conhecimento, muitas vezes depois de subir até o Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal, recalcitram, o Estado e suas entidades paraestatais no cumprimento da decisão do processo de conhecimento, exigindo o início de novo processo, o de execução, em que tudo recomeça com os inclusive incontáveis recursos, subindo novamen-te aos Tribunais Superiores da Federação e não raro dando início a outro proces-so, o de pedido de intervenção estadual ou federal, que pode, novamente, chegar ao Tribunal Supremo.

O resultado do sistema é fmstrante e desanimador: a longa luta pelo di-reito, afmal reconhecido com trânsito em julgado, termina com o perecimento do direito na inexecução, atribuída esta ao Poder Judiciário, que passa longos anos a consumir energias com processo verdadeiramente fadado a terminar lTmito tem-po após o temtem-po de vida do titular do Direito violado.'!

4. Involução legislativa e demora da execução. A legislação referen-te ao processo de execução por quantia certa contra a Fazenda Pública osreferen-tenta, entre nós, clara característica de progressiva marcha no sentido do incentivo à procrastinação processual, ainda quando, muitas vezes, disfarçado esse sentido em falsos instrumentos de aceleração de alguns pagamentos, mesmo em alguns casos, que, em certos aspectos, apresentam pontos positivos, como os de créditos relativos aos chamados precatórios de pequeno valor (CF /88, art. 100, §3°, acres-centado pela EC n° 30/00, de 13.9.20005), os cluais começam a desencadear o des-membramento de execuções em litisconsórcio facultativo, pulverizando e complicando as execuções.

Leis de ordem pública, na atualidade, obrigam à demora processual na execução contra a Fazenda Pública. Nesse ponto é oportuno consignar o absoluto sem sentido da frase tantas vezes repetida de que "as leis são boas, só faltando aplicá-las": aqui, como em tantas outras situações, ao contrário, muitas leis são, em verdade, péssimas e o resultado procrastinatório péssimo é apenas conseqüên-cia da opção consciente da legislação pela forma procrastinatória.

5. Legislação de retardamento processual.- Pode-se detectar, clara-mente, nos tempos recentes, a luarcha procrastinante.

As condenações executavam-se mediante pagamento por intermédio do que à época simplesmente se denominava na prática, 'oficio requisitório',ó embora se soubesse de sua natureza constitucional de precatório, termo que, contudo, não freqüentava a vida processual, mas se reservava às normas orçamentárias de re-gência da Administração.

4 A parte lesada evidentemente nâo poderá jan1ais aceitar nenhU111<1 justificativa da ucnl0ra, de maneira que inevitável o imenso desgaste da própria efetividade da Justiça.

S CF, art. 100, § 3° - o disposto no <'tIPIl! deste artigo, relativamente à expedição de precatórios, nào se apli-ca aos paaamentos de obrigações definidas em lei como de pellueno valor que a Fazenda Federal, Esta-dual, Disfrital ou Municipa'l deva fazer em virtude sentença juwcial transitada em julgado".

6 A expressão "oficio requisitório" ajustava-se aos termos do art. 91 H, § ún., do Cód. de Proc. Civil de 1939: "Os pagamentos devidos, em virtude de sentença pela Fazenda Pública, far-se-ào na ordem em que fo-rem apresentadas as fl'l]\.lisiçõcs c à conta dos créditos respectivos vedada a desib:rnação ~e casos ou 1?cs-soas nas verbas orçanlcntárias ou créditos dc~tinaJo~ ~tlJuclc fim. As Ycrba~ orçamcntána~ c O~ crédito~ votados para os pagamentos devidos, ~m virt,lIde de sentença, pela F~zenda l?ública;, serão consignados ao Poder ]udtctáno, recolhendo-se as tmportanclas ao cofre dos deposttos publtcos .

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A condenação do então INPS e FUNRURAL ao Pagamento de Indeni-zações Acidentárias do Trabalho dava-se mediante simples intimação do Instituto devedor, por mandado ou por intermédio do seu procurador, para depositar dire-tamente nos autos, o que era feito quase que de imediato, apenas demorando o necessário ao processamento administrativo de liberação do dinheiro, em prazo que, em verdade, todos compreendiam como justificável ante a necessidade de tramitação administrativa. Assim se fazia desde os tempos da antiga lei de aciden-tes do trabalho, ao tempo do seguro privado, ou seja, o histórico Decreto-Lei nO 7.036, de 10.11.1944, com a incorporação do seguro de acidentes do trabalho à se-guridade social, as Leis nOs 5.316, de 14.9.1967 e o Decreto-Lei n° 893, de 26.9.1969, prosseguiu o sistema de depósito direto, mediante intimação judicial por mandado, e inimaginável o precatório, para casos em que, afinal de contas, o dano físico significa despojamento do patrimônio laborativo essencial do ser hu-mano, que é parte de seu corpo - matéria em que qualquer procrastinação sabe, ao menos, à mais insensível cmeldade.

Nesse âmbito dos oficios requisitórios, tinha-se, no geral, a satisfação do credor da Fazenda Pública em curto espaço de tempo, geralmente dentro do ano do exercicio fiscal seguinte, de maneira que quem possuía crédito judicial a rece-ber da Administração sabia que o depósito ingressaria nos autos no ano subse-qüente à 1° de julho, data fatal para o ingresso dos, relembre-se "oficios requisitórios". Os tribunais, nesse sistema, controlavam precipuamente a ordem cronológica, postos à parte raros casos em que o depósito a grandes condenações se retardavam (no Estado de São Paulo, históricos os casos de depósito da conde-nação decorrente da encampação da Companhia Paulista das Estradas de Ferro, da criação da FEPASA e uma histórica desapropriação de área de terras de gran-des dimensões do Município de Pahnital).

6. Requisitórios automaticamente reajustáveis.-Em vllwde da

agu-dização do fenômeno inflacionário, começaram os problemas de requisições complementares, à luz de novos cálculos, de maneira que, realizado o depósito, surgia a necessidade de elaboração de nova conta e de expedição, posteriormente à sua homologação, do chamado requisitório complementar.?

Esses requisitórios complementares, ante o acúmulo de correção da in-flação no decorrer do ano exigido para o depósito, passaram a constituir o inicio do problema da chamada eternização das execuções contra a Fazenda Pública.

7 O termo requisitório complementar é, na ótica das presentes considerações, adequado, ao passo yue

im-própria a expressão precatório complementar, visto l]ue o precatório, coniO alerta à a<..hnitÚstração para reservar verba no orçamento para rUbrar, é único, pois a reserva deve ser do valor efetivo, gue abrange a correção, a qual, relctnbre-sc a frase clássica, não é UtTl p!tu, que se acrescente ao valor, tuas o próprio va-lor recomposto diante da desvava-lori:mção inflacionária, de maneira que, a rigor, o precatório é cxpedido

no valor tOL'lI, incluindo correção, para yue se faça o depósito intc~,'ra\, corrigido à data do d~l'ósito, e

donde se segue que, se não realizauo o dcpósito no valor corrigido, não é depósito intcgral, sendo, por-tanto, necessária a requisição cOmplC1TICl1tar, para satisfação do precatório apenas parcialmente adimpli-do, e não cabendo falar em um assistclnático pretenso "precatório cOlnplcrncntae'.

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Nesse contexto é que surgiu, então, a orientação jurispmdencial de re-quisição automaticamente reajustável8, pela qual, ao realizar o depósito, a Fazenda Pública o fazia em valor atualizado à data do depósito, segundo critérios claros es-tabelecidos pelos tribunais e constantes mesmo, de formulários impressos,9 para que, à moda do que ocorre com o recolhimento de tributos, uma vez pago atuali-zado o valor da condenação, pudesse o Judiciário julgar extintos os processos de execução pela satisfação da condenação (art. 794, I do CPC), arquivando - o que hoje em dia é impensável- o processo, ou, permita-se a metáfora, sepultando-o,

para não mais ressuscitar!

7. Código de Processo Civil de 1973.- O Código de Processo Civil de 1973, levando a doutrina de Liebman a extremos talvez nem mesmo imaginados pelo grande doutrinador, e na ânsia de submeter o processo de execução a único sistema padronizado - sem consideração, data lJenia, da diferente etiologia que dis-tingue as execuções por título extra judicial e por título judicial e, nestas, das diver-sas exigências instrumentais entre as execuções contra particulares e execuções contra o Poder Público - igualou o início do processo de execução por quantia certa contra a Fazenda Pública à execução por quantia certa contra particulares e, diferentemente do que constava do artigo do Código de Processo de 1939, dispôs que nessa execução "citar-se-á" (sü) "a devedora", isto é, a Fazenda Pública já an-tes citada e que, relembre-se, já é o mesmo Estado, como o é o Juízo, e, pior, "para opor embargos em 10 (dez) dias", nem mesmo dizendo que, primeiramen-te, "para pagar" e só embargar no caso de contrariedade ao débito!

O art. 730 do Código de Processo Civil e, posteriormente, o art. 100 da Constituição Federal desfizeram a congmência das relações entre os poderes do Estado decorrentes da teoria da separação interdependente dos poderes, pela qual ao Estado, enquanto Administração, não se resenrava espaço para protelar a exe-cução do julgado pelo próprio Estado, enquanto jurisdição, em atividade substitu-tiva. E daí para a frente desencadeou-se, incontrolavelmente, a repercussão recíproca de conseqüências paralisantes da satisfação do credor da Fazenda Públi-ca, repercussão essa derivada da combinação de normas processuais já individual-mente geradoras da demora e com outras produtoras de incontável número de decisões judiciais incidentais recorríveis. Quer dizer, geradoras de recursos, todos paralisantes ante a suspensividade prática de efeitos, da longa caminhada que hoje em dia vai da condenação da Fazenda Pública a pagar até o depósito - que, reme-more-se, sempre será parcial, seja porque a correção monetária faz deixar resto para outros requisitórios, seja ante o parcelamento constitucional por oito anos (CF, ADCT, art. 33), seguido de outro parcelamento também constitucional por

8 Sobre precatório automaticamente fcajustávcl, ver, <.lo autor deste trabalho, "Requisições

i\utomatica-mente Reajustáveis à Fa%enda Pública", HJ(WSP 84/15, RF 290/479 e "O Estado de S. Paulo", 22.6.80. 9 Em São Paulo, os formulários, (lue se vem ainda em alguns processos, foram elaborados, com o Departa-mento de Precatórios do Tribunal, pelo Des. Sabino Neto e pelo autor deste escrito. Tinham a imensa

vantagem de tornar transparente o sistctTlu UC contas c de repercussão das verbas componentes ela

conde-nação, facilitando o julgamento e a uetecção ue erros antes ocorrentes, muitas vezes em detrimento do Poder Público. Com o surgimento da informática, seria facílimo, e utilissimo, na atualidade, regrar a

ma-téria, padronizando cálculos C1n nível nacional, com o que se esvaziaria grande parte da dissensão a

respe-ito das contas vindas nas plúrimas memórias uc cálculo e suas imput,'l1ações (no sistema do atual art. G04 do CPC).

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10 anos (CF, ADCT, art. 78) aberta, incontrolavelmente, a discussão processual incidental de verbas de precatórios já em execuçãolll!

8. Constituição de 1988.- A Constituição de 1988 dispôs sobre a maté-ria, definitivizou o sistema complicado de financiamento e inaugurou o expedien-te litigiogênico de parcelamentos, que vem a tornar praticamenexpedien-te inextinguível a execução contra a Fazenda Pública.

A Constituição de 1988, dispondo para execuções futuras, passou a exi-gir o precatório judicial em todos os casos, sem exceções (CF /88, art. 100), atin-gindo, inclusive, os casos de acidentes de trabalho. E, atingindo os casos passados, isto é, débitos de condenações já proferidas contra a Fazenda Pública, inaugurou o sistema do pagamento em prestações anuais (CF /88- ADCT, art. 33) lI.

9. Nova citação da Fazenda pública.- A exigência do precatório, sem distinguir entre requisição inicial e requisição complementar, prestigiou o vicejar de interpretação processual mais estrita e, entretanto, absolutamente paralisante do disposto na lei processual (art. 730 do CPC), passando-se a exigir a citação for-mal da Fazenda Pública para o processo de execução, como ocorria antes com o devedor particular, levada ao paroxismo a clássica teorização da ciência processu-al peninsular, extraída da pureza da execução no processo longobardo, tão distan-te de nossas tradições processuais, no sentido de que, sendo o processo de execução autônomo, diferente e separado do processo de conhecimento, nova re-la<;-ão jurídica processual, teria de instaurar-se com nova citação da Fazenda Públi-ca, dando-lhe direito de defender-se por embargos de devedor.

Daí à eliminação da execução por cálculo do contador, que, postas de lado demoras de Contadores Judiciais que uma boa corregedoria cartorária sem-pre resolveu, gerou, contudo, na prática, numerosos problemas para a fluidez pro-cessual e para a satisfação do credor da Fazenda Pública, pois o que antes se resumia nos cálculos do contador, impugnação da conta e homologação, para ex-pedição do requisitório, passou a exigir a apresentação da memória de cálculo pela parte e, no caso de discordância, um novo processo, o de Embargos à Execução,

reiniciando-se a caminhada recursal. .

10. Supressão da liquidação por cálculo do contador.- Com efeito, aprofunda-se a complexização do sistema ante a alteração do art. 604 do CPC, realizada pela reforma processual de 199412

10 Veja-se o texto do art. 7R do ADCT CF/19HH, com a redação da Emenda Constitucional n" 30/2000: "Ressalvados os créditos definidos CI11 lei C01l10 de pequeno valor, os <..lL: natureza alitTlcntíclí1, os de que trata o art. 33 ueste Ato das Disposiçôcs Constitucionais 'l;ran::;itúrias c Sllas cOlnplctncntaç1 OCR c os llllC já tiverenl os seus respectivos libcrauos nu ucpnsitauos Ctn juí%o, os prccatúrios pcnucntcs na uata de promulgação desta Emenda e os 'lue decorreram de aç"es iniciais ajui%adas até 31 de de%embro dei 999 serão liquiuados pelo seu valor real, C1l11110eUa corrente, acrcsciJo uc juros legais, <":111 prcstaçôcs anuais,

iguais c sucessivas, no prü%o tnáxill10 ~l' ue% anos, pcrlTlltida a cessão um; créJitos".

11 CF!1988, art. 33: "Ressalvados os cr~ditos de natureza alimentar, o valor dos precatórios judiciais pen-dentes de pagamento na data da promulgação da Constituição, incluído o remanescente de juros e corre-ção monetária, poderá Ser pago Ctn tnoeda corrente, (otn atualização, C111 prc.staçücs anuais, iguais c sucessivas, no pra%o máximo de oito anos, a partir de 1" de julho de 19H9, por decisão editada pelo Poder Executivo até cento c oitenta dias da promulgação da Constituição. Parágrafo único - Poderão as entida-des deveuoras, para o cumprilncnto uo disposto neste artigo, ctnitir, em cada ano, no exato 1110ntantc do dispêndio, títulos de dívida pública não computáveis para efeito do limite global de endividamento", A par uos efeitos nocivos sobre os processos juwciais, prolongauos por, pelo 111cn05, oito anos, uccorrcntcs do capu! do dispositi\'o, um típico efeito perverso da boa intmçào resultou do par:tgrafo, consistente no episódio conhecido C01no "l~scândalo dos l\-ecatóri()s",

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Como se disse, desaparecendo a liquidação por cálculo do contador, dei-xaram as contas de ser feitas pelo contador judicial, em procedimento simples e padronizável pelos tribunais,13 passando a ser realizadas por memória de cálculo oferecida pelo exeqüente e não padronizável pelo tribunal porque ao gosto de cada exeqüente, do escritório de advocacia ou do assessoramento contábil contra-tado.

Tornou-se muito mais difícil o controle dessas contas, inclusive do pon-to de vista de visualização, de detecção ido ocu!i de incorreções. Aumentou, sem

dúvida, a dificuldade de análise pelo julgador e acentuou-se o risco de erro no jul-gamento dos valores envolvidos, com o temor do erro a assombrar as mesas de trabalho dos juízes - e a levar, em alguns casos, por previsível lei da escolha, em um mar de processos, à primazia de processos menos complexos, restando, por-tanto, as grandes dissensões sobre contas para momentos ulteriores, incentivada a inevitável demora.

11. Embargos à execução .- Ademais, em função da extinção da liqui-dação por cálculo do contador, em prol da execução mediante memória do cálcu-lo elaborado pecálcu-lo credor, implantou-se a bipartição dos autos, mediante o surgimento dos novos autos de Embargos da Fazenda devedora, formando apen-so, ou seja, produzindo-se o um milagre nefasto, a contrapor-se aos benfazejos milagres clássicos, ou seja, o milagre da multiplicação dos autos, que passaram a ser dois, quando, em verdade, um só já era bastante, porque, afinal de contas, uma, e apenas uma, a pretensão de cobrança deduzida na petição inicial.

Dessa multiplicação dos autos por intermédio da geração endoproces-sual espontânea de embargos do devedor decorreu, inclusive, significativa conse-qüência entrópica para o sistema de trabalho, isto é, a dificuldade de harmonizar na mente dos leitores dos autos - juízes, advogados e funcionários - os dados ex-traídos de dois processos, perdida, ademais, a regra simples do intelecto humano que é a ordem cronológica dos maços de papéis que são os cadernos dos autos -porque passou a ser necessário ler e examinar a todo tempo dois processos saltan-do de um para o outro, alternadamente, com maior possibilidade de erro.

12. Precatórios alimentares e de pequeno valor.- Seguiram-se, ainda, outros fatores de complexização da execução da Fazenda Pública, esses outros decorrentes de alterações relativamente recentes nas normas constitucionais (in-trodução dos conceitos de precatório alimentar e de precatório de pequeno va-10r14 e alteração da Lei das Desapropriações,15 especialmente no tocante à

inci-dência e percentual de juros compensatórios e moratórios, com o possível, mas hipotético, porque apenas no caso de o depósito realizar-se dentro do ano, o que não é da prática do precatório, congelamento até o exercício seguinte,16 e

limita-13 A padronização por formulários processuais é comum no direito estrangeiro, instituída em alguns casos

em caráter nacional como, por exemplo, a petição i,úcial do processo monitório alemão (l\1ahnverfah-ren), para o qual foi introduzido o processamento mecânico, mediante formulário elaborado pelo oticial

(§ 703c do Zivilprozellordnung t1Út).

14 Par. 1° e 3" do art. 100 da CF/HH, com a redação da Emenda Constitucional n" 20/2000 15 Decreto-Lei n" 3.365/41, de 21.6.1941

16 Decreto-Lei n° 3.365/41, de 21.6.1941, arts. 15-A, c 15-H, acrescentados pela Medida Provisória 2.183-56/01, de 24.8.2001

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ção a honorários a 5%, com o máximo de R$ 151.000.00 e atualização a 10 de ja-neiro de cada anol?).

Essas alterações tiveram o efeito de fornecer argumentos para a redis-cussão de valores que já se encontravam absolutamente consolidados nos preca-tórios em cumprimento, espalhando dissensões pelas requisições complementa-res, as quais, pela repercussão recíproca das questões atinentes às verbas, vieram a formar denso campo de questionamento, em que cada decisão encerra, realmente, um grande risco de erro.

E quanto aos parcelamentos constitucionais já referidos,18 além da qua-se eternização das execuções, a tornar comum a sucessão do exeqüente por her-deiros, pois numerosos os credores, na faixa etária da litigância contra o Estado atingidos por alongamentos de oito e de dez anos, tem-se que o renascer da opor-tunidade de questionamento a cada parcelamento, diante das demais alterações referidas (atinentes a correção, juros, honorátios e suas repercussões recíprocas), gera, no processo, que é o que nos interessa, algo à moda do clássico motu perpetuo, em que as questões incidentais se alimentam das questões incidentais e seus recur-sos, com longa procrastinação do fato para o qual o processo começou, que é o recebimento pelo credor da Fazenda Pública.

13. Repercussão recíproca das verbas.- Consignem-se, apenas para enunciar o caráter absolutamente dispersivo e incontrolável da repercussão inter-dependente de teses jurídicas atinentes a cada uma das verbas concorrentes de verdadeiro feixe de direitos contido em cada precatório judicial e nas infindáveis requisições complementares as seguintes questões e provas: a) definição dos índi-ces de correção monetária; b) fluência ou não de juros compensatórios; c) per-centual dos juros compensatórios, caso existentes; d) fluência de juros moratórios e de juros compensatórios após o parcelamento do parcelamento da EC n° 30, de 13.9.2000; e) limitação do valor dos honorários advocatícios e sua incidência sobre as verbas anteriores; f) ocorrência de prescrição ante a demora do depósito no caso de o credor, de boa-fé, aguardar que a Fazenda realize o de-pósito; g) discussão a respeito de a repercussão das verbas entre si significar ou não anatocismo ou incidência de juros compostos; h) parcelamento dos precató-rios em débitos de pequeno valor, que dão prosseguimento, agora à já referida ati-vidade milagreira de multiplicação dos processos, porque em casos, digamos, de um único processo de trinta autores em litisconsórcio facultativo, o que é comum em se tratando de ações movidas por servidores públicos, desmembram-se eles em 30 precatórios, ante o privilégio do pequeno valor, com 30 contas e repercus-sões internas da verbas; i) parcelamento dos precatórios ante a pretensão ao re-cebimento privilegiado de honorátios advocatícios, dada a natuteza alimentar da verba.

14. Liberdade de imposição da demora incidental.- Um

importan-tíssimo aspecto nessa matéria, como, de testo, em todo sistema processual, deve ser, como se vê, enfatizado. A demora resulta muitas vezes da criação de questões incidentais, que exigem solução motivada e petmitem interposição de recursos

in-17 Decreto-Lei n" 3.365/41, de 21.6.1941, art. 27, §§ 1" e 4", com a redação da Medida Provisória n" 2.183-56/01, de 24.8.2001.

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Revista Ibero-Americana de Direito Público

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cidentais, que vão até os Tribunais Superiores do Sistema Federativo em Brasília. A Administração usa largamente dessa faculdade de impor, por sua exclusiva

de-cisão unilateral sem ônus, a demora, ante a orientação de recorrer sempre, inclusi-ve diante de teses já tornadas pacíficas em seu detrimento.

Essa demora incidental desempenha papel importantíssimo na demora do sistema judiciário brasileiro, bastando ver que, ainda que se saiba que a parte, que cria o incidente de retardamento, vá perder, desencadeia ela a necessidade de mais um julgamento, formalizado da mesma forma que o seria se ganhasse, obri-gando à movimentação de processos, intimaçoes, produção de escritos, registros e esgotamento de recursos.

É ilusório, nesse ponto, dizer que as questoes sejam simples, porque idênticas ou semelhantes, visto que, para a formalização do julgamento de ques-tões simples é necessário o mesmo trabalho material que para o julgamento de questões complexas - e, por vezes, até é mais dificultoso o trabalho, ante o perigo maior da decisão de questoes semelhantes, que facilmente levam à confusão e ao erro, devido a detalhes acessórios, mormente datas, correção monetária, juros e honorários - detalhes que, como se viu acima, também sofrem, cada um, da dis-persão despadronizadora gerada pela constante mudança legislativa.

15. Reflexo judiciário de alterações futuras.- As presentes considera-ções restringem-se ao aspecto processual da execução por quantia certa contra a Fazenda Pública, nessa sofrida fase do império dos precatórios inadimplidos.

Não se ignora que a geração de muitos dos problemas processuais ora apontados deve-se, em grande parte, à insuficiência de recursos financeiros por parte da Fazenda Pública devedora, fato que influencia a legislação no sentido da criação de expedientes procrastinatórios.19

Compreenda-se que este escrito, apontando a nocividade do sistema constitucional processual, apenas realiza constataçoes. Não busca indicar solu-çoes para a questão de recursos financeiros, limitando-se exclusivamente aos as-pectos processuais e visando apenas à demonstração de que, por medidas legislativas altamente negativas para a fluidez dos processos, tornou-se verdadei-ramente inviabilizado o sistema processual de execução por quantia certa contra a Fazenda Pública.

Consigne-se, contudo, que, no âmbito puramente processual, há vários caminhos para melhorar, e muito, o sistema, alimpando a execução contra a Fa-zenda Pública de incidentes inúteis e construindo sistema de grande efetividade, e, portanto, de maior justiça. A experiência nacional e internacional têm muito a re-comendar nessa matéria. Mas esse é assunto para outro escrito e para intensa ativi-dade concreta de campo - se o futuro o permitir.20

1 <) O exemplo da procrastinação legal está nos parcelamentos, reali%ada sob a alta llib~lidadc constitucional (ADCT CF/1988, arts. 33 e 78). Curioso, nesse ponto, o fcnt>tncno do wrecionamento da cdaca à

"dc-1110ra judiciária") tIue, nesse caso) significa pura c sinlplcs observância

ue

textos expressos da

Constitui-ção Federal, que o mais célere dos Juí%os é obrigado a respeitar.

20 Este escrito é produzido em momento em 'lue () autor acaba de receber como Relator a distribuição ex-traordinária de mais cerca de 1.30(J processos, '-luc aguardal'am distribuição na Secretaria do Tribunal,

sem prejuízo do recebimento normal ue ClTca ue uma centena ue processos novos (01nO Relator por mês!

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Seja qual for o sistema que se venha a tentar, será importante que conte-nha disposição que poconte-nha ponto final nos processos, ou seja, que o sistema esta-beleça forma pela qual um dia se liquidem valores atualizados ao dia do depósito, paraque o Juízo ~ossa por fim ao processo de execução,21 determinando a ida do processo ao arqU1vo, e para sempre.

16. O "Mito de Sísifo".-Visa este escrito a alertar no sentido de que a busca de soluções para a questão financeira não deve passar pela mal disfarçada procrastinação da satisfaçào de direitos via geração de dificuldades processuais que levem à demora judiciária como forma de adiamento de pagamento de divi-das. Que as tentativas de solução futuras nào venham a repetir experiências gra-vosas para o Poder Judiciário, ou, por outras palavras, que nào se resolva a insolvência administrativa transferindo-a ao já extremamente sobrecarregado Ju-diciário.

Porque, no sistema atual dos precatórios, em que tanto trabalho se exige das partes, advogados, juízes e senTidores da Justiça, pode-se ver a representação de Sísifo, condenado por Hades à tarefa de carregar pesada pedra ao cume da montanha para, em seguida, vê-la deslizar ao vale, de onde novamente obrigado a transportá-la ao alto, em inútil lavor de eterno suplício.

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