Patologia inflamatória e infecciosa do tubo
digestivo e vias biliares
Caso 1
Homem de 40 anos com história de dor abdominal recorrente. Foi submetido a uma endoscopia digestiva alta com colheita de biópsia gástrica.
- A Fig. 1 ilustra o aspecto histológico do fragmento de mucosa gástrica recolhido durante a endoscopia. Descreva os aspectos que observa.
Mucosa de tipo gástrico com epitélio foveolar típico observam-se células colunares, com muco no pólo apical, típicas da mucosa gástrica.
Não se observa metaplasia intestinal (porque não se vêem células caliciformes).
A mucosa apresenta, no entanto, a superfície mais irregular do que o normal, evidenciando alguma displasia (epitélio com alterações).
Alterações:
• Inflamação (gastrite) com infiltrado do córion constituído por linfócitos e plasmócitos (crónica). Em algumas glândulas vêem-se ainda neutrófilos intra-epiteliais (sinais de actividade).
- Como classifica a lesão?
Gastrite Crónica com sinais de actividade (por presença de PMNs).
- Qual o agente etiológico que está na origem destas lesões e que pode ser observado pelas colorações de Giemsa modificado (Fig. 2) e de impregnação argêntica (Warthin-Starry, Fig. 3)?
Fig.2 Fig. 3
Helicobacter pylori
NOTA: Infecção por H. Pylori
- 50% da população mundial;
- 80 a 90% da população adulta portuguesa; - 50% da população pediátrica portuguesa;
- A que outros métodos poderia recorrer para diagnosticar a infecção?
Métodos:
Não-invasivos
o Serologia/ELISA
a presença de anticorpos apenas significa um contacto passado ou presente do doente com o microorganismo, não sendo por isso prova de infecção actual.
o Teste Respiratório
consiste na ingestão pelo paciente de uma refeição que contenha carbono marcado. Se a H. Pylori estiver presente no estômago, vai levar a que a urease da H. Pylori (enzima presente no citoplasmada da H. Pylori que decompõe a ureia) actue sobre a ureia e seja libertado CO2 com carbono marcado na expiração. Os gases expirados são colectados para um tubo associado a um aparelho que detecta o carbono marcado. Isto tem algumas vantagens sobre testes imunológicos porque ao sermos infectados por um microrganismo, vai haver produção de anticorpos contra esse agente e alguns anticorpos remanescem, suscitando uma resposta positiva mesmo que a infecção já tenha sido debelada. O teste respiratório, se positivo, acusa sempre uma infecção actual.
Invasivos (subentendem endoscopia e biópsia) o cultura microbiológica;
o métodos moleculares / PCR (Gene 16S é comum a todas as estirpes de Helicobacter pylori);
o Histologia;
• vacA (vacuolating cytotoxin gene)
Todas as estirpes de H. Pylori têm o gene vacA, mas apenas algumas produzem uma citotoxina com capacidade vacuolizante. Esta capacidade depende principalmente das diferentes variantes alélicas nas regiões s e m do gene vacA.
• cagA (cytotoxin associated antigen)
Resumindo: nem todas as estirpes de H. Pylori são iguais. Há umas mais virulentas e outras menos. Sabe-se hoje que os genes que conferem virulência à bactéria são os genes vacA e cagA.
O gene vacA produz uma citotoxina que provoca erosão e destruição da camada de muco, e uma vez no interior das células do epitélio, induz a formação de vacúolos (vac de vacuolizante). E, como podemos prever, a vacuolização das células, em grandes proporções, provoca destruição das células e cria condições para ulceração. Também o gene cagA tem aqui um papel importante, nomeadamente através da sua capacidade de induzir a produção de citocinas e de desorganizar o citoesqueleto.
A bactéria desloca-se deste modo até ao polo apical da célula, adere a este polo, desorganiza o citoesqueleto; de seguida injecta no citoplasma o gene cagA, que vai induzir a expressão de uma citocina pró-inflamatória, neste caso a IL-8.
Estirpes mais e menos virulentas
Genótipos Virulência
vacA s1m1, cagA + Acentuada vacA s2m2, cagA - Ligeira/Ausente
Relação entre os genótipos de H. Pylori e o risco de carcinoma gástrico Genótipo
Helicobacter pylori
Gastrite crónica Carcinoma gástrico
OR (95%)
vacAs1 39% 92% 17 (7,8-38%)
cagA+ 40% 91% 15 (7,4-29%)
J. Natl Cancer Inst 94: 1688-2002
- A que doenças se pode associar o referido agente etiológico?
A patologia infecciosa do intestino delgado e do cólon manifesta-se geralmente por um quadro clínico que inclui diarreia e pode ser causada por vírus, bactérias, fungos e parasitas.
- Diga o nome de duas das bactérias que mais frequentemente originam enterocolites.
- Quais são os dois principais mecanismos através dos quais as infecções bacterianas condicionam um quadro de diarreia?
1 - ingestão de toxina pré-formada (presente em alimentos);
2 – infecção por organismos toxinogénicos (que proliferam no lúmen intestinal e produzem enterotoxinas);
Caso 2
Homem de 45 anos, emagrecido, com episódios intermitentes de diarreia, febre, dor abdominal e poliartrite migratória. Nos exames analíticos detectou-se anemia e presença de sangue oculto nas fezes.
- A Fig. 4 ilustra o aspecto macroscópico do tubo digestivo de um indivíduo com o mesmo quadro clínico. Descreva a lesão (nota: a área com lesão encontra-se entre as setas).
- espessamento e rigidez da parede intestinal; - estreitamento do lúmen intestinal;
- limite nítido entre os segmentos afectados e os segmentos não afectados (envolvimento segmentar);
- Na Fig. 5 documenta-se um aspecto particular da mucosa. Descreva o
que observa. Como se designa este aspecto?
- Ulcerações aftosas profundas (focais);
- Edema, congestão, perda da textura normal da mucosa;
- A Fig. 6 ilustra o aspecto histológico da lesão. Identifique as camadas referenciadas com as letras A, B e C. Quais as camadas atingidas pelo processo inflamatório? Descreva a área apontada pela seta. Quais são as estruturas apontadas pelas pontas de seta?
A – mucosa e submucosa; B – muscular;
C – serosa;
Todas as camadas (transmural); Seta - Úlcera;
Ponta de seta – granulomas não caseosos;
- Na Fig. 7 pode observar em maior ampliação as estruturas apontadas pelas pontas de seta na Fig. 6. Como se designam as células apontadas pelas setas? Que células estão assinaladas pela estrela?
- Em área restrita identificou-se a lesão da Fig. 8. Como se designa? Que consequências podem resultar dessa lesão?
- Fissura – “solução de continuidade na parede, que não a atravessa na totalidade”.
- As fissuras podem evoluir para fístulas (para outras ansas intestinais, bexiga urinária, vagina, pele peri-anal ou abcessos peritoneais). Podem originar ainda adesões de ansas intestinais e serosite.
- Qual o diagnóstico mais provável? Doença de Crohn.
NOTA: Marcador imunológico da Doença de Crohn – ASCAs (anti sacaromyces cerevisiae antibodies).
- Que região (regiões) do tubo digestivo pode(m) ser atingida(s)? Todas (mas principalmente jejuno, íleo e cólon).
- Que manifestações extra-intestinais, para além da poliartrite migratória, podem apresentar os doentes com esta doença?
A Fig. 9 documenta outra expressão de doença inflamatória intestinal. Descreva os aspectos que observa.
- Observa-se o apêndice (ajuda a localizarmos a peça);
- Superfície da mucosa com hemorragia e congestão muito acentuada (ulceração com pseudopolipos nodosos);
- Achatamento e apagamento das pregas da superfície da mucosa; - Existe um envolvimento contínuo.
- Como se designam e o que são as estruturas apontadas pelas setas na Fig. 10?
- A Fig. 11 documenta o aspecto histológico de lesões observadas nas Fig. 9 e Fig. 10. Quais são as lesões apontadas pelas setas? Em que difere o processo inflamatório neste caso, quando comparado com o da Fig. 6?
1 – epitélio do pseudopólipo; 2 – úlcera;
3 – Infiltrado inflamatório de neutrófilos / agregado linfóide;
Neste caso:
o a inflamação estende-se proximalmente a partir do recto, de forma uniforme;
o a inflamação envolve só a mucosa e submucosa (normalmente); o ausência de granulomas;
o a fibrose é pouco evidente.
- Na Fig. 12 documenta-se um aspecto particular de algumas glândulas. Descreva o que observa. Quais são as células acumuladas no lúmen da glândula? Como se designa esta lesão?
- Observa-se um infiltrado inflamatório (PMNs) na camada epitelial que pode agrupar-se no lúmen das crptas intestinais;
- Qual o diagnóstico mais provável? Colite Ulcerosa.
NOTA: Marcador imunológico da Colite Ulcerosa – p-ANCAs (anti neutrophil cytoplasmic antibodies).
Caso 3
Mulher de 45 anos com dor abdominal, cólicas, vómitos e febre. Nos últimos seis meses sentiu dor epigástrica em cinco ocasiões, tendo o último episódio persistido mais de um dia. Foi realizada uma colecistectomia de urgência (remoção da vesícula).
- Descreva o aspecto da vesícula biliar desta doente (Fig. 13).
- mucosa hiperemiada;
- Na Fig. 14 documenta-se o aspecto histológico da parede da vesícula biliar. Descreva o que observa.
- Fibrose de toda a parede ;
- Congestão, focos de hemorragia (indícios de inflamação).
Poderiam ainda observar-se “Seios de Rokitansky-Aschoff” - prolongamentos do epitélio de revestimento que penetram entre os feixes de fibras musculares lisas – são um marcador morfológico de colecistite crónica.
- Qual o diagnóstico mais provável?
- Como se designam as estruturas apontadas nas Fig. 15 a), b) e c)?
a) cálculo de colesterol b) cálculo misto
c) cálculo de pigmento
A. Colesterol (doente possivelmente com Anemia Hemolítica), Mucosa com aspecto granular; cálculos ovóides, por vezes facetados, e de coloração amarelada; são constituídos por cristais de colesterol e podem não ser detectados no exame imagiológico de rotina, a não ser que possuam fosfatos e carbonatos de cálcio associados.
B. Cálculos Mistos causas: alterações metabólicas, mulher com diabetes, obesidade, emagrecimento súbito;
C. Cálculos de pigmento; (doente com hemólise disseminada); Infecção mais frequente – por E. Coli (acumulação de macrófagos no citoplasma); cálculos negros e mais arredondados que os colesterínicos; são
constituídos por pigmento biliar que se condensa à volta de uma matriz de natureza proteica, para além de ácidos e sais.
NOTA: nesta lista não estão TODOS os termos do glossário que se relacionam com este seminário, apenas os que achamos mais importantes.
MICROORGANISMOS/OUTROS AGENTES AGRESSORES
• Helicobacter pylori • Escherichia coli • Shigella • Yersinia enterocolitica • Vibrio cholerae • Clostridium difficile • Clostridium perfringens • Mycobacterium tuberculosis
MECANISMOS/LESÕES/MEDIADORES DOS PROCESSOS DEGENERATIVOS, INFLAMATÓRIOS E NEOPLÁSICOS
• Auto-anticorpos anti-neutrofílicos (ANCAs) • Granuloma
• Ulceração
GENES/PRODUTOS DE GENES/BLOQUEADORES DE GENES/MARCADORES CELULARES E EXTRACELULARES
• CagA (Cytotoxin associated gene) • VacA (Vacuolating cytotoxin)