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Direitos humanos e acessibilidade: processos de inclusão/exclusão das pessoas com deficiência

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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL - UNIJUÍ

SHEILA MARIA DE OLIVEIRA

DIREITOS HUMANOS E ACESSIBILIDADE: PROCESSOS DE INCLUSÃO/EXCLUSÃO DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

Ijuí (RS) 2017

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SHEILA MARIA DE OLIVEIRA

DIREITOS HUMANOS E ACESSIBILIDADE: PROCESSOS DE INCLUSÃO/EXCLUSÃO DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Direitos Humanos da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul - UNIJUÍ, como requisito parcial à obtenção do Título de Mestre em Direito.

Orientador: Prof. Dr. Ivo dos Santos Canabarro

Ijuí (RS) 2017

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Catalogação na Publicação

Gislaine Nunes dos Santos CRB10/1845 O48d Oliveira, Sheila Maria de.

Direitos humanos e acessibilidade: processos de inclusão/exclusão das pessoas com deficiência / Sheila Maria de Oliveira. – Ijuí, 2017. – 102 f. ; 30 cm.

Dissertação (mestrado) – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Campus Ijuí). Direitos Humanos.

“Orientador: Ivo dos Santos Canabarro”.

1. Direitos humanos. 2. Pessoas com deficiência. 3. Acessibilidade. 4. Processos de inclusão/exclusão. I. Canabarro, Ivo dos Santos. II. Título. III. Título: Processos de inclusão/exclusão das pessoas com deficiência.

CDU: 342.7 364-056.26

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UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul Programa de Pós-Graduação em Direito

Curso de Mestrado em Direitos Humanos

A Banca Examinadora, abaixo assinada, aprova a Dissertação

DIREITOS HUMANOS E ACESSIBILIDADE: PROCESSOS DE INCLUSÃO/EXCLUSÃO DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

elaborada por

SHEILA MARIA DE OLIVEIRA

como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Direito

Banca Examinadora:

Prof. Dr. Ivo dos Santos Canabarro (UNIJUÍ): ___________________________________

Prof. Dr. Ivann Carlos Lago (UFFS): ___________________________________________

Profª. Drª. Janaína Machado Sturza (UNIJUÍ): ____________________________________

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Jorge, a você que é Amor nos anos vividos juntos, luz nos dias tristes, riso nos momentos felizes, parceiro de sonhos, de viagens, de busca do saber, dedico este trabalho, compartilhando mais uma vez a alegria do caminho trilhado!

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AGRADECIMENTOS

AGRADECER não é só uma palavra que expressa reconhecimento, admiração, carinho, mas uma forma de dizer o quanto foi importante a partilha de conhecimentos, a oportunidade de voltar à universidade, o suporte nas fases árduas da jornada, a motivação nos momentos de desânimo, a alegria da convivência na UNIJUÍ. Por isso,

- ao professor orientador, Ivo dos Santos Canabarro, - aos professores da banca de qualificação do projeto, - aos professores da banca de defesa da dissertação,

- aos professores do Programa de Pós-Graduação em Direito, - aos funcionários da Universidade,

- aos colegas do curso de Mestrado em Direitos Humanos, - às escolas e universidades informantes da pesquisa, - à minha família, amigos e colegas da UFFS,

- e, de forma muito especial, ao meu marido, muitíssimo obrigada!

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“De muitas maneiras, ainda estamos aprendendo a lidar com as implicações da demanda por igualdade e universalidade de direitos.”

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RESUMO

Este estudo se propõe a refletir sobre o direito fundamental à acessibilidade das pessoas com deficiência, sob o paradigma dos direitos humanos, considerando os processos de inclusão/exclusão desse segmento populacional que constitui a maior das minorias, e cuja trajetória pelo reconhecimento da diferença tem como característica marcante a superação da invisibilidade. Para a efetivação dos direitos das pessoas com deficiência, um dos pilares mais importantes é a acessibilidade. Assim, os significativos avanços do aparato legal que assegura a inclusão social e a promoção da acessibilidade são focalizados, com ênfase na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU e seu Protocolo Facultativo, de 2007, ratificados pelo Brasil em 2009; na Constituição Federal de 1988; na legislação infraconstitucional; na NBR 9050 da ANBT; e na Lei Brasileira de Inclusão, de 2015, que marca o início de um novo tempo para os 45 milhões de brasileiros com algum grau de deficiência ou mobilidade reduzida, mudando a visão sobre o conceito de deficiência, antes vista como um atributo da pessoa e hoje como o resultado da falta de oferta de acessibilidade por parte da sociedade e do Estado. No âmbito educacional, a inclusão das pessoas com deficiência perpassa a eliminação de obstáculos e barreiras físicas, sistêmicas e culturais/sociais, a fim de viabilizar o desenvolvimento de suas potencialidades com autonomia e participação. As instituições de ensino constituem-se como lugares naturais de aplicação, consolidação e expansão dos direitos humanos; nesse sentido, precisam tratar a acessibilidade como prática de inclusão social, adaptando-se às necessidades de seus alunos, para que se tornem escolas inclusivas. Dessa forma, a pesquisa busca investigar as formas de acessibilidade implantadas nas redes de ensino (escolas municipais, estaduais, particulares e universidades) do município de Cerro Largo/RS, analisando a acessibilidade das pessoas com deficiência desde o ponto de vista da relação entre a aplicabilidade da lei e o desenvolvimento de hábitos e atitudes institucionais de inclusão.

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ABSTRACT

This study proposes to reflect on the fundamental right to the accessibility of people with disabilities, under the human rights paradigm, considering the processes of inclusion/exclusion of this segment of population that constitutes the largest of the minorities, and whose trajectory for the recognition of the difference has as a remarkable characteristic the overcoming of invisibility. For the realization of the rights of people with disabilities, one of the most important pillars is accessibility. Thus, the significant advances of the legal apparatus that ensures social inclusion and the promotion of accessibility are focused, with emphasis on the UN Convention on the Rights of Persons with Disabilities and its Optional Protocol of 2007, ratified by Brazil in 2009; in the Federal Constitution of 1988; in infra-constitutional legislation; in the ANBT NBR 9050; and in the Brazilian Inclusion Law of 2015, which marks the beginning of a new time for the 45 million Brazilians with some degree of disability or reduced mobility, changing the view of the concept of disability, previously seen as an attribute of the person and today as the result of the lack of accessibility offered by society and the State. In the educational field, the inclusion of people with disabilities involves the elimination of physical, systemic and cultural/social obstacles and barriers, in order to enable the development of their potentialities with autonomy and participation. The educational institutions constitute as natural places of application, consolidation and expansion of the human rights; in this sense, they must treat accessibility as a practice of social inclusion, adapting to the needs of their students, so that they become inclusive schools. In this way, the research seeks to investigate the forms of accessibility implanted in educational networks (municipal, state, private and university schools) of the municipality of Cerro Largo/RS, analyzing the accessibility of people with disabilities from the point of view of the relationship between applicability of the law and the development of institutional habits and attitudes of inclusion.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Inovações da Lei Brasileira de Inclusão ... 43

Figura 2 – Símbolo Internacional de Acesso ... 45

Figura 3 – Terminal de consulta (vista lateral) ... 51

Figura 4 – Estantes em bibliotecas (vista frontal) ... 52

Figura 5 – Portas com sensores ... 54

Figura 6 – Computador adaptado ... 54

Figura 7 – Indicação de sanitários ... 55

Figura 8 – Comunicação: símbolos e letras em relevo e braille ... 55

Figura 9 – Elevadores com sensores ... 56

Figura 10 – Terminal de consulta (vista lateral) ... 56

Figura 11 – Banheiros com dimensões adequadas ... 57

Figura 12 – Alunos matriculados nas classes comuns do ensino regular ... 70

Figura 13 - Alunos com deficiência nas escolas de Cerro Largo ... 74

Figura 14 – Acessibilidade nas escolas de Cerro Largo/RS ... 75

Figura 15 – Acessos de escolas com rampas e escadarias ... 76

Figura 16 – Plataforma de Acesso ... 79

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Pessoas com Deficiência no Brasil ... 23

Quadro 2 – Legislação Federal sobre Acessibilidade para Pessoas com Deficiência ... 34

Quadro 3 – Normas Técnicas da ABNT ... 37

Quadro 4 – Tipos de Deficiência ... 47

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 11

1 DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA E ACESSIBILIDADE NOS PROCESSOS DE INCLUSÃO E EXCLUSÃO ... 14

1.1 Percurso Histórico dos Direitos das Pessoas com Deficiência ... 15

1.2 Desconstrução do Conceito de Deficiência ... 24

1.3 Normatividade dos Direitos das Pessoas com Deficiência e Acessibilidade ... 28

1.3.1 A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência ... 30

1.3.2 Acessibilidade no Ordenamento Jurídico Brasileiro ... 33

1.3.3 A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência ... 41

2 DIREITO À ACESSIBILIDADE COMO FATOR DE INCLUSÃO ... 45

2.1 Estrutura física: espaços de acessibilidade ... 49

2.1.2 O Desenho Universal ... 53

2.2 Barreiras sistêmicas: serviços assistivos ... 56

2.2.1 Tecnologia Assistiva ... 59

2.3 Barreiras culturais: preconceitos... 61

3 ACESSIBILIDADE NAS ESCOLAS ... 65

3.1 Políticas públicas de acessibilidade ... 66

3.1.1 Políticas educacionais de acessibilidade ... 69

3.2 Acessibilidade e sua aplicabilidade prática ... 73

3.2.1 Resultado da Pesquisa ... 73

3.2.2 O caso da UFFS ... 81

3.3 Educação inclusiva das pessoas com deficiência: mobilidade e interação social ... 84

CONCLUSÃO ... 86

REFERÊNCIAS ... 89

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INTRODUÇÃO

A proposta deste trabalho é refletir sobre o direito fundamental à acessibilidade das pessoas com deficiência, sob o paradigma dos direitos humanos, tendo em vista os processos de inclusão/exclusão desse segmento populacional que constitui a maior das minorias, cuja trajetória pelo reconhecimento da diferença percorre o caminho da marginalização à inclusão.

A sociedade contemporânea vem discutindo a acessibilidade como política de inclusão social das pessoas com deficiência, afirmada pela adoção de medidas que permitam mobilidade, comunicação, convivência e acesso educacional. Nessa perspectiva, o princípio da acessibilidade não se limita às formas arquitetônicas, sendo essencial para a inclusão das pessoas com deficiência que elas sejam objeto do planejamento escolar, com a eliminação de obstáculos e barreiras físicas, sistêmicas e culturais/sociais (simbólicas), no sentido de viabilizar o desenvolvimento de suas potencialidades com autonomia e participação.

As instituições de ensino constituem-se como lugares naturais de aplicação, consolidação e expansão dos direitos humanos. Nessa direção, é importante estudar a acessibilidade como prática da inclusão social, pois o sistema educacional precisa se adaptar às necessidades de seus alunos, para que as escolas se tornem inclusivas.

Na prática, a legislação se desdobra na construção de espaços de acessibilidade e na mudança das atitudes discriminatórias. Nesse sentido, a Lei Brasileira de Inclusão prevê mudanças em diversas áreas, em especial na educacional, determinando que as instituições públicas e privadas realizem as adaptações necessárias para garantir a igualdade e a inclusão dos alunos com deficiência. A escola, enquanto espaço social, mesmo quando apresenta condições de acessibilidade a todos no que diz respeito às adaptações físico-espaciais, incluindo as pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida, precisa transformar a situação de exclusão e promover uma cultura inclusiva.

A discussão do assunto da pesquisa é estabelecida a partir de uma base teórica, com foco no reconhecimento do direito à acessibilidade para as pessoas com deficiência. Depois da pesquisa bibliográfica realiza-se a pesquisa de campo, visando atingir os objetivos propostos. A coleta dos dados ocorre por meio entrevistas semiestruturadas (levantamento das especificidades do ambiente físico, observação de percurso, ações afirmativas) realizadas nas dezessete instituições de ensino participantes, apontando-se as principais questões que gestores e professores levantam em relação às políticas e práticas de inclusão escolar, bem como os resultados dessa investigação.

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A partir do estudo da previsão normativa brasileira e da abordagem da acessibilidade como diretriz para a inclusão social das pessoas com deficiência na área da educação, busca-se investigar as formas de acessibilidade implantadas nas redes de ensino (escolas municipais, estaduais, particulares e universidades) do município de Cerro Largo/RS, os instrumentos disponibilizados para integrar os alunos com deficiência, a eliminação de barreiras de acesso permitindo a circulação e o atendimento de suas necessidades espaciais, bem como as ações afirmativas para a promoção da igualdade e inclusão dos alunos na chamada sociedade da informação e do conhecimento.

Dessa forma, o objetivo geral deste estudo é analisar o direito à acessibilidade das pessoas com deficiência desde o ponto de vista da relação entre a aplicabilidade da lei e o desenvolvimento de hábitos e atitudes institucionais de inclusão, verificando a relação entre a adequação normativa e o impacto nas atitudes e no discurso dos não deficientes.

O primeiro capítulo focaliza o percurso histórico dos direitos das pessoas com deficiência, no intuito de compreender como se desenrolou o longo processo de discriminação, considerando a invisibilidade desse grupo populacional durante muitos séculos e a sua luta pela conquista de direitos, oportunidades iguais, participação social plena e efetivação da cidadania. Para tanto, aborda-se a desconstrução do conceito de deficiência, tendo em vista a trajetória de segregação desses indivíduos, a elaboração social do conceito de normalidade/anormalidade, a questão relativa à terminologia adequada e o redimensionamento conceitual necessário para que a sociedade quebre o paradigma da exclusão, reconhecendo a diferença.

Nesse capítulo também é abordado o consistente aparato legal que assegura a inclusão social e a promoção da acessibilidade das pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida, com ênfase na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007, e ratificados pelo Brasil em 2009; na Constituição Federal de 1988; na legislação infraconstitucional; na NBR 9050 da ANBT - Acessibilidade a Edificações, Mobiliários, Espaços e Equipamentos Urbanos; e na recente Lei Brasileira de Inclusão, que marca o início de um novo tempo para milhões de brasileiros com algum grau de deficiência ou mobilidade reduzida, mudando a visão sobre o conceito de deficiência – antes vista como um atributo da pessoa e hoje como o resultado da falta de oferta de acessibilidade por parte da sociedade e do Estado – e visando sua inclusão social e sua cidadania.

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com deficiência nas escolas, enfocando a eliminação das barreiras físicas, sistêmicas e culturais. Nesse sentido, são abordados os espaços físicos, considerados acessíveis quando podem ser utilizados e vivenciados pelos alunos com deficiência ou mobilidade reduzida, seguindo os parâmetros do desenho universal; as barreiras sistêmicas, que se configuram quando não há políticas formais e informais de oferta de serviços assistivos, excluindo esses alunos; e as barreiras culturais, que se referem às atitudes discriminatórias em relação às pessoas com deficiência, na forma de estigmatização e preconceito.

O terceiro capítulo intenta o enfrentamento da questão dos direitos das pessoas com deficiência no que diz respeito às políticas públicas e educacionais de acessibilidade, com reflexos nos processos de inclusão e exclusão das instituições de ensino pesquisadas. Nesse contexto, verifica-se a aplicabilidade prática da acessibilidade nos espaços escolares, segundo os aspectos legais e as políticas educacionais, apresentando-se os resultados da pesquisa.

Esse capítulo também aborda o caso específico da política de acesso e permanência dos alunos com deficiência no Campus Cerro Largo da Universidade Federal da Fronteira Sul - UFFS, verificando as ações afirmativas propostas pelo Núcleo de Acessibilidade para implantar a acessibilidade plena, com vistas à inclusão acadêmica. O capítulo é concluído com a reflexão sobre mobilidade e interação social como pressupostos para a educação inclusiva, buscando assegurar a dignidade e o exercício da cidadania por parte das pessoas com deficiência, bem como promover uma cultura inclusiva, que transforme as instituições escolares em lugares de pertencimento.

Destaca-se a importância deste estudo em face de o direito à acessibilidade ser um tema social relevante e em debate atualmente. Com o reconhecimento da diferença e a valorização da convivência com a diversidade, as normas legais que orientam os projetos de acessibilidade consideram a importância da garantia do acesso, para todas as pessoas, às áreas de seu convívio. Essas áreas estão relacionadas aos espaços, mobiliários, equipamentos urbanos, sistemas e meios de comunicação e informação. Ademais, as questões que envolvem a inclusão social das pessoas com deficiência são pertinentes ante a constatação de que o preconceito e a exclusão acompanham sua trajetória até os dias atuais.

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1 DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA E DIREITO À ACESSIBILIDADE NOS PROCESSOS DE INCLUSÃO E EXCLUSÃO

O reconhecimento dos direitos das pessoas com deficiência percorreu o caminho da marginalização à inclusão. A característica marcante da luta pela sobrevivência e pela cidadania desse grupo populacional que constitui a maior das minorias é a superação da invisibilidade.

O processo de exclusão social das pessoas com deficiência, com alguma necessidade especial ou com mobilidade reduzida remonta ao início da socialização do homem. Atualmente, o processo de inclusão considera como base da sociedade inclusiva o reconhecimento da diferença e a promoção dos direitos das pessoas com deficiência, pois é no atendimento das suas necessidades que se efetiva a cidadania. Diante desse quadro, eis o desafio:

A riqueza da diferença poderá ser capaz de produzir novos encontros e diálogos, de estabelecer novas narrativas e formar novos espaços e racionalidades de reconhecimento recíproco. Contra as velhas e constantes modalidades de injustiça social, devem ser estimulados novos processos políticos, econômicos e sociais que tenham a potência de reinventar as instituições, fortalecendo sua missão democrática e dando sentido à vida do homem em seu cotidiano de experiências possíveis, diferentes e livres de julgamento negativos de valor. Reconhecer e redistribuir para libertar. (SANTOS e LUCAS, 2015).

Segundo Bobbio (1992), a partir do século XX as pessoas com deficiência passam a ser vistos como cidadãos com direitos e deveres de participação na sociedade. Nesse sentido, Comparato (2010) diz que a Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada unanimemente pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, norteou o reconhecimento da diferença ao proclamar, em seu Artigo VI, que todo homem tem direito de ser, em todos os lugares, reconhecido como pessoa.

Sarlet (2009), abordando as dimensões da dignidade humana, refere que a dignidade “é inerente a toda e qualquer pessoa humana”, independentemente das circunstâncias, bastando ostentar a condição de pessoa. Na esteira desse entendimento, Nussbaum (2013), em sua abordagem das capacidades, afirma que se todas as pessoas têm direito às capacidades, as pessoas com deficiência não podem ser uma exceção, sendo que uma sociedade justa deve atendê-las segundo suas necessidades diversas, seja de emprego, de assistência, de educação e de autoestima. E ainda menciona que na maioria das vezes o que transforma uma pessoa com impedimentos em uma pessoa com deficiência, ou que impede que produza ou coopere com a sociedade, são as barreiras que a própria sociedade lhes impõe.

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Segundo o Manual para Parlamentares1 (ONU, 2007), as pessoas com deficiência veem habitualmente serem-lhes negados estes direitos básicos:

- receber educação;

- movimentar-se livremente;

- viver com independência na comunidade;

- obter emprego, mesmo quando muito qualificadas; - aceder à informação;

- obter cuidados de saúde adequados; - exercer direitos políticos, como votar; - tomar as suas próprias decisões.

Dessa forma, o manual preconiza que “os direitos humanos das pessoas com deficiência devem ser promovidos pela mesma razão que os de todas as outras pessoas: pela dignidade e igual valor de cada ser humano”.

Para que melhor se compreenda a dimensão das diferenças individuais, impende reportar-se à trajetória das pessoas com deficiência ao longo da História, focalizando os modelos antigos de atendimento a esses sujeitos, o retrato negativo de valor que culturalmente a sociedade estabeleceu para eles e o lento processo de inclusão construído na era contemporânea.

1.1 Percurso Histórico dos Direitos das Pessoas com Deficiência

O percurso histórico no qual, gradativamente, pessoas com limitações físicas, sensoriais ou cognitivas foram sendo incorporadas ao tecido social é um processo errático, não linear e marcado, invariavelmente, por trajetórias individuais. Não ocorreu um movimento contínuo e homogêneo de integração, pois os sentimentos e a maneira pela qual a sociedade enxergava as pessoas com deficiência variavam também de um país para outro num mesmo período. Assim, é necessário observar as mudanças na percepção social relativa a esse segmento da população.

Durante o século XX, por exemplo, pessoas com deficiência foram submetidas a “experiências científicas” na Alemanha nazista de Hitler. Ao mesmo tempo, mutilados de

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guerra eram considerados heróis em países como os EUA, recebendo honrarias e tratamento em instituições do governo.

No período da História Antiga e Medieval, as pessoas com deficiência receberam dois tipos de tratamento: a rejeição e eliminação sumária, de um lado, e a proteção assistencialista e piedosa, de outro. Na Roma Antiga, tanto os nobres como os plebeus tinham permissão para sacrificar os filhos que nasciam com algum tipo de deficiência. Da mesma forma, em Esparta, os bebês e as pessoas que adquiriam alguma deficiência eram lançados ao mar ou em precipícios. Já em Atenas, influenciados por Aristóteles – que definiu a premissa jurídica até hoje aceita de que “tratar os desiguais de maneira igual constitui-se em injustiça” – os deficientes eram amparados e protegidos pela sociedade.

Sempre existiram na História indivíduos com algum tipo de limitação física, sensorial ou cognitiva. Durante muitos séculos, a existência dessas pessoas foi ignorada, por um sentimento de indiferença e preconceito nas mais diversas sociedades e culturas; mas elas, de uma forma ou de outra, sobreviveram.

A partir de 2.500 a.C., com o aparecimento da escrita no Egito Antigo, há indicativos mais seguros quanto à existência e às formas de sobrevivência de indivíduos com deficiência. A Escola de Anatomia da cidade de Alexandria, que existiu no período de 300 a.C. deixou registros da medicina egípcia utilizada para o tratamento de males que afetavam os ossos e os olhos das pessoas adultas.

Na Grécia Antiga, particularmente em Esparta, cidade-estado cuja marca principal era o militarismo, as amputações traumáticas das mãos, braços e pernas ocorriam com frequência no campo de batalha. Dessa forma, identifica-se facilmente um grupo de pessoas que adquiriu uma deficiência e permaneceu vivo. Por outro lado, o costume espartano de lançar crianças com deficiência em um precipício tornou-se amplamente conhecido por aqueles que estudaram este tema numa perspectiva histórica.

De acordo com registros existentes, o pai de qualquer recém-nascido das famílias conhecidas como homoio (ou seja, “os iguais”) deveria apresentar seu filho a um Conselho de Espartanos, independentemente da deficiência ou não. Se esta comissão de sábios avaliasse que o bebê era normal e forte, ele era devolvido ao pai, que tinha a obrigação de cuidá-lo até os sete anos; depois, o Estado tomava para si esta responsabilidade e dirigia a educação da criança para a arte de guerrear.

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No entanto, se a criança parecia “feia, disforme e franzina”, indicando algum tipo de limitação física, os anciãos ficavam com a criança e, em nome do Estado, a levavam para um local conhecido como Apothetai (que significa “depósitos”). Tratava-se de um abismo onde a criança era jogada, “pois tinham a opinião de que não era bom nem para a criança nem para a república que ela vivesse, visto que, desde o nascimento, não se mostrava bem constituída para ser forte, sã e rija durante toda a vida” (LICURGO DE PLUTARCO apud SILVA, 1987).

Essa prática deve ser entendida, naturalmente, de acordo com a realidade histórica e social da época. Hoje parece algo repugnante e cruel, mas na cidade-estado de Esparta, no ano de 400 a.C., tal conduta “justificava-se” para o bem da própria criança e para a sobrevivência da república, onde a maioria dos cidadãos deveriam se tornar guerreiros. Em outros estratos sociais esse tipo de restrição não ocorria, podendo haver a sobrevivência de uma criança “defeituosa”, como no caso dos periecos, dedicados aos trabalhos da lavoura e do gado.

Diferentemente da Grécia Antiga e do Egito, no que diz respeito a pessoas com deficiência, não há referências precisas ao tema na Roma Antiga. O que existe são citações, textos jurídicos e obras de arte que aludem a essa população. Assim como ocorria em Esparta, o direito Romano não reconhecia a vitalidade de bebês nascidos precocemente ou com características “defeituosas”. Entretanto, o costume não se voltava, necessariamente, para a execução sumária da criança, embora isso também ocorresse. De acordo com o poder paterno vigente entre as famílias nobres romanas, havia uma alternativa para os pais: deixar as crianças nas margens dos rios ou locais sagrados, onde eventualmente pudessem ser acolhidas por famílias da plebe (escravos ou pessoas empobrecidas).

A utilização comercial de pessoas com deficiência para fins de prostituição ou entretenimento das pessoas ricas manifesta-se, talvez pela primeira vez, na Roma Antiga. Segundo Silva (1987):

(...) cegos, surdos, deficientes mentais, deficientes físicos e outros tipos de pessoas nascidos com má formação eram também, de quando em quando, ligados a casas comerciais, tavernas e bordéis; bem como a atividades dos circos romanos, para serviços simples e às vezes humilhantes.

O advento do Cristianismo significou, em diferentes aspectos, uma mudança na forma pela qual as pessoas com deficiência eram vistas e tratadas pela sociedade em geral, devido ao próprio conteúdo da doutrina cristã, que foi sendo difundida a partir de um pequeno grupo de homens simples, num momento em que o Império Romano estava com seu poderio militar e geopolítico consolidado. Entretanto, Silva (1987) chama atenção para o “lamentável estado

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moral da sociedade romana”, especialmente da nobreza, que não se preocupava com a proliferação de doenças e o crescimento da pobreza e da miséria dentre boa parte da população. Nesse contexto, ganha força o conteúdo da doutrina cristã, voltado para a caridade, humildade, amor ao próximo, perdão das ofensas, valorização e compreensão da pobreza e da simplicidade da vida. Esses princípios encontraram respaldo na vida de uma população marginalizada e desfavorecida, da qual faziam parte aqueles que eram vítimas de doenças crônicas, de defeitos físicos ou de problemas mentais.

A influência cristã e seus princípios de caridade e amor ao próximo contribuíram, em particular a partir do século IV, para a criação de hospitais voltados para o atendimento dos pobres e marginalizados, dentre os quais indivíduos com algum tipo de deficiência. No século seguinte, o concílio da Calcedônia (em 451) aprovou a diretriz que determinava expressamente aos bispos e outros párocos a responsabilidade de organizar e prestar assistência aos pobres e enfermos das suas comunidades. Dessa forma, foram criadas instituições de caridade e auxílio em diferentes regiões, como o hospital para pobres e incapazes na cidade de Lyon, construído pelo rei franco Childebert, no ano de 542 (SILVA, 1987).

Interessante observar que, ao mesmo tempo em que avança um tratamento, ao menos caridoso em relação aos deficientes, a Igreja Católica continuava reafirmando a impossibilidade de que eles atuassem como padres. Segundo historiadores, “já nos chamados Cânones Apostolorum, cuja antiguidade exata todos desconhecem e que, no entanto, foram elaborados no correr dos três primeiros séculos da Era Cristã, existem restrições claras ao sacerdócio para aqueles candidatos que tinham certas mutilações ou deformidades” (SILVA, 1987). Gelásio I, papa que reinou entre 492 a 496, reafirmou a orientação contrária à aceitação de sacerdotes com deficiência, ao afirmar que os postulantes não poderiam ser analfabetos nem ter “alguma parte do corpo incompleta ou imperfeita”.

Em síntese, nos primeiros séculos da Era Cristã houve, pelos registros históricos, mesmo com as restrições acima, uma mudança no olhar em relação não só aos deficientes, mas também às populações humildes e mais pobres. Os hospitais e centros de atendimento aos carentes e necessitados continuaram a crescer, impulsionados muitas vezes pelo trabalho dos bispos e das freiras nos mosteiros.

O período conhecido como Idade Média, entre os séculos V e XV, traz algumas informações e registros preocupantes sobre pessoas com deficiência. Continuaram a existir, na maioria das vezes controlados e mantidos por senhores feudais, locais para o atendimento de

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doentes e deficientes. As referências históricas enfatizam, porém, o predomínio de concepções místicas, mágicas e misteriosas sobre a população com deficiência. Além disso, o crescimento dos aglomerados urbanos ao longo desse período criou dificuldades para a manutenção de patamares aceitáveis de higiene e saúde. Durante muitos séculos, os habitantes das cidades medievais viveram sob a permanente ameaça das epidemias ou doenças mais sérias.

As incapacidades físicas, os sérios problemas mentais e as malformações congênitas eram considerados, quase sempre, como sinais da ira divina, taxados como “castigo de Deus”. A própria Igreja Católica adota comportamentos discriminatórios e de perseguição, substituindo a caridade pela rejeição àqueles que fugiam de um “padrão de normalidade”, seja pelo aspecto físico ou por defenderem crenças alternativas, em particular no período da Inquisição, nos séculos XI e XII. Hanseníase, peste bubônica, difteria e outros males, muitas vezes incapacitantes, disseminaram-se pela Europa Medieval. Muitas pessoas que conseguiram sobreviver, mas com sérias sequelas, passaram o resto dos seus dias em situações de extrema privação e quase que na absoluta marginalidade.

No final do século XV, a questão das pessoas com deficiência estava completamente integrada ao contexto de pobreza e marginalidade em que se encontrava grande parte da população. Apesar dos exemplos de caridade e solidariedade para com os deficientes, as referências gerais da Idade Média dão conta de pessoas com deformidades físicas, sensoriais ou mentais na camada de excluídos, pobres, enfermos ou mendigos.

O período conhecido como “Renascimento” não resolveu essa situação de maneira satisfatória, embora tenha marcado uma fase mais esclarecida da humanidade e das sociedades em geral, com o advento de direitos reconhecidos como universais, a partir de uma filosofia humanista e com o avanço da ciência.

Entre os séculos XV e XVII, no mundo europeu cristão ocorreu uma paulatina e inquestionável mudança sociocultural, cujas marcas principais foram o reconhecimento do valor humano, o avanço da ciência e a libertação quanto a dogmas e crendices típicas da Idade Média. De certa forma, o homem deixou de ser um escravo dos “poderes naturais” ou da ira divina. Esse novo modo de pensar, revolucionário sob muitos aspectos, “alteraria a vida do homem menos privilegiado também, ou seja, a imensa legião de pobres, dos enfermos, enfim, dos marginalizados. E dentre eles, sempre e sem sombra de dúvidas, os portadores de problemas físicos, sensoriais ou mentais” (SILVA, 1987).

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A partir desse momento, fortaleceu-se a ideia de que o grupo de pessoas com deficiência deveria ter uma atenção própria, não sendo relegado apenas à condição de uma parte integrante da massa de pobres ou marginalizados. No século XVI, foram dados passos decisivos na melhoria do atendimento às pessoas portadoras de deficiência auditiva que, até então eram consideradas como “ineducáveis”, ou possuídas por maus espíritos.

Ao longo dos séculos XVI e XVII, em diferentes países europeus, foram sendo construídos locais de atendimento específico para pessoas com deficiência, fora dos tradicionais abrigos ou asilos para pobres e velhos. A despeito das malformações físicas ou limitações sensoriais, essas pessoas, de maneira esporádica e ainda tímida, começaram a ser valorizadas enquanto seres humanos. Entretanto, além de outras práticas discriminatórias, mantinha-se o bloqueio ao sacerdócio desses indivíduos pela Igreja Católica.

Chegando ao século XIX, é interessante registrar a forma como o tema das pessoas com deficiência era tratado nos EUA. Nesse país, já em 1811, foram tomadas providências para garantir moradia e alimentação a marinheiros ou fuzileiros navais que viessem a adquirir limitações físicas. Assim, desde cedo, estabeleceu-se uma atenção específica para pessoas com deficiência nos EUA, em especial para os “veteranos” de guerras ou outros conflitos militares. Depois da Guerra Civil norte-americana, foi construído, na Filadélfia, em 1867, o Lar Nacional para Soldados Voluntários Deficientes, que posteriormente teria outras unidades.

No século XX, a assistência e a qualidade do tratamento dado não só para pessoas com deficiência como para população em geral tiveram um substancial avanço ao longo do século XX. No caso das pessoas com deficiência, o contato direto com elevados contingentes de indivíduos com sequelas de guerra exigiu uma gama variada de medidas. A atenção às crianças com deficiência também aumentou, com o desenvolvimento de especialidades e programas de reabilitação específicos.

Destaca-se ainda que, no período entre guerras é característica comum nos países europeus – Grã-Bretanha e França, principalmente, e também nos EUA – o desenvolvimento de programas, centros de treinamento e assistência para veteranos de guerra. Na Inglaterra, por exemplo, já em 1919, foi criada a Comissão Central da Grã-Bretanha para o Cuidado do Deficiente. Depois da II Guerra, esse movimento se intensificou com as mudanças promovidas nas políticas públicas pelo Welfare State. Considerando o elevado contingente de amputados, cegos e outros deficientes físicos e mentais, o tema também ganha relevância política internacionalmente, no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU). A saga das pessoas com deficiência passa então a ser objeto do debate público e das ações políticas.

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Este panorama histórico resgata elementos para uma visão geral acerca da temática das pessoas com deficiência. Da execução sumária ao tratamento humanitário passaram-se séculos de história, numa trajetória irregular e heterogênea entre os países, e entre as próprias pessoas com deficiência. Apesar disso, é possível visualizar uma tendência de humanização desse grupo populacional. Em que pese existirem, ainda nos dias de hoje, exemplos de discriminação e/ou maus-tratos, o avanço dos temas ligados à cidadania e aos direitos humanos, bem como o reconhecimento da diferença provocaram um novo olhar em relação às pessoas com deficiência.

Segundo Piovesan (2011), a história da construção dos direitos humanos das pessoas com deficiência compreende quatro fases:

a) uma fase de intolerância em relação às pessoas com deficiência, em que a deficiência simbolizava impureza, pecado, ou mesmo, castigo divino; b) uma fase marcada pela invisibilidade das pessoas com deficiência; c) uma terceira fase orientada por uma ótica assistencialista, pautada na perspectiva médica e biológica de que a deficiência era uma “doença a ser curada”, sendo o foco centrado no indivíduo “portador da enfermidade”; e d) finalmente uma quarta fase orientada pelo paradigma dos direitos humanos, em que emergem os direitos à inclusão social, com ênfase na relação da pessoa com deficiência e do meio em que ela se insere, bem como na necessidade de eliminar obstáculos e barreiras superáveis, sejam elas culturais, físicas ou sociais, que impeçam o pleno exercício de direitos humanos.

Cabe ressaltar que “nessa quarta fase, o problema passa a ser a relação do indivíduo e do meio, este assumido como uma construção coletiva”. Dessa forma, “essa mudança paradigmática aponta aos deveres do Estado para remover e eliminar os obstáculos que impeçam o pleno exercício de direitos das pessoas com deficiência, viabilizando o desenvolvimento de suas potencialidades, com autonomia e participação” (PIOVESAN, 2011). No Brasil, os arquivos da História registram referências variadas a “aleijados”, “enjeitados”, “mancos”, “cegos” ou “surdos-mudos”. No entanto, assim como ocorria no continente europeu, essas informações ou comentários estão ligados pobre e miserável. Ou seja, também no Brasil a pessoa deficiente foi incluída, por vários séculos, dentro da categoria mais ampla dos “miseráveis”, talvez o mais pobre entre os pobres (SILVA, 1987).

É importante observar que, ao longo da História do Brasil, assim como ocorreu em outros países, a deficiência foi tratada em ambientes hospitalares e assistenciais. Ao estudar o assunto, os médicos tornavam-se os grandes especialistas nessa seara e passavam a influenciar, por exemplo, a questão educacional das pessoas com deficiência, tendo atuação direta como

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diretores ou mesmo professores das primeiras instituições brasileiras voltadas para essa população.

No período do Brasil Colônia não houve uma política de atendimento às pessoas com deficiência, registrando-se o seu início na época do Império. Segundo Mazzotta (1996):

No Brasil, o atendimento às pessoas com deficiência teve início na época do Império, com a criação de duas instituições: o Imperial Instituto dos Meninos Cegos, em 1854, atual Instituto Benjamin Constant - IBC, e o Colégio Nacional para Surdos-Mudos, em 1857, hoje denominado Instituto Nacional de Educação de Surdos - INES, ambos no Rio de Janeiro. No início do século XX é fundado o Instituto Pestalozzi (1926), instituição especializada no atendimento às pessoas com deficiência mental; em 1954, é fundada a primeira Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais - APAE; e, em 1945, é criado o primeiro atendimento educacional especializado às pessoas com superdotação na Sociedade Pestalozzi, por Helena Antipoff.

Assim, só muito lentamente as pessoas com deficiência passam a trilhar o caminho da inclusão, deixando de ser “objeto” de políticas assistencialistas e de tratamentos médicos, e passando a ser concebidas como verdadeiros sujeitos titulares de direito. Nesse sentido, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência vem proporcionar aos Estados um instrumento jurídico eficaz para pôr fim à injustiça, à discriminação e à violação dos seus direitos.

Segundo dados da OMS, aproximadamente 10% da população mundial vive com uma deficiência – a maior minoria do mundo. Este número aumenta devido ao crescimento demográfico, aos avanços da medicina e ao processo de envelhecimento. No Brasil, a última pesquisa feita pelo IBGE, em 2010, aponta a existência de 45.623.910 milhões de pessoas que possuem algum tipo de deficiência (Quadro 1), o que corresponde a 23,9% da população.

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Fonte: LBI - Conferência Municipal de Educação - Teresina/Piauí, 2010.

Esses dados mostram a relevância do tema, a importância do estudo dos direitos das pessoas com deficiência, em especial o direito à acessibilidade, o qual promove a inclusão social na medida em que elimina obstáculos e barreiras físicas ou sociais, inserindo-as no meio onde vivem, efetivando a equiparação de oportunidades para todos e, adicionalmente, contribuindo com o processo de construção de uma cultura de inclusão.

Nesse sentido, a Lei Brasileira de Inclusão das Pessoas com Deficiência vem suprir as lacunas existentes na legislação brasileira, para que se efetive o combate à discriminação com base na deficiência. A nova lei tem foco na acessibilidade e assegura, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais pelas pessoas com deficiência.

1.2 Desconstrução do Conceito de Deficiência

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processo é necessário e inevitável, frente aos novos paradigmas sociais contemporâneos. A sua teoria da Desconstrução abalou as Ciências Humanas, promovendo a decomposição e a reconfiguração dos discursos, de dentro e de fora, propondo inverter a hierarquia tradicionalmente estabelecida entre um conceito e seu oposto correlato. O autor considera a preocupação com a alteridade e ensina a "recolocar, a cada vez, tudo em jogo, de acabar para recomeçar, de acabar por recomeçar. Não no sentido de esquecer o já sabido, de reinventar o mesmo, mas de se colocar a tarefa de redefinir as tonalidades do acontecimento" (SISCAR, 2005).

Analisando o termo “conceito” sob a ótica de Derrida, pode-se dizer que “a formação do conceito é o resultado de um processo longo de conhecimento, o resumo de determinada etapa, a expressão concentrada de um conhecimento anteriormente adquirido”. E ainda que “o conceito manifesta-se não como momento básico do conhecimento, mas como resultado deste” (VIEIRA, 2005).

Nesse sentido, a desconstrução de um conceito refere-se às relações antagônicas originadas na oposição binária entre o dentro e o fora do centro numa estrutura, com a preponderância de um termo em detrimento de outro, configurando a opressão sofrida por um dos polos, a qual sempre implica um ato de violência.

Segundo Derrida (2001),

[...] marcar o afastamento entre, de um lado, a inversão que coloca na posição inferior aquilo que estava na posição superior, que desconstrói a genealogia sublimante e idealizante da oposição em questão e, de outro, a emergência repentina de um novo ‘conceito’, um conceito que não se deixa mais - que nunca se deixou - compreender no regime anterior.

Assim, as oposições binárias, no presente estudo, apresentam-se como: normalidade/anormalidade, igualdade/desigualdade, capacidade/incapacidade, exclusão/inclusão, significando a desconstrução do conceito de deficiência um movimento em que o “novo” se torna possível, pois desconstruir é reorganizar o discurso, neste caso seguindo os princípios da dignidade humana e da não discriminação.

Considerando que o acesso ao direito, nas sociedades primitivas, era muito reduzido, pois a questão do direito está atrelada a usos e costumes, cabe destacar os equívocos contundentes que a História e a Filosofia apontam na construção do conceito de deficiência, tendo em vista a trajetória da segregação de indivíduos, sem o reconhecimento da diferença.

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Ademais, o conceito de normalidade/anormalidade é uma elaboração construída socialmente, tanto nos aspectos qualitativos (tipos característicos) quanto nos aspectos quantitativos (graus da diferença). Nesse sentido, esses dois aspectos revelam a questão do status social, da cidadania e do redimensionamento conceitual necessário para que a sociedade quebre o paradigma da exclusão, em face dos direitos humanos das pessoas com deficiência.

Segundo Figueira (2008), “as questões que envolvem as pessoas com deficiência no Brasil – por exemplo, mecanismos de exclusão, políticas de assistencialismo, caridade, inferioridade, oportunismo, dentre outras – foram construídas culturalmente”. Assim, considerando que questões culturais demoram a ser revertidas, este é o movimento que tem sido priorizado pelas pessoas com deficiência nas últimas décadas.

As pessoas com deficiência foram vistas, historicamente, sob a ótica do modelo médico, segundo o qual elas eram doentes que precisavam ser tratadas, curadas, reabilitadas, etc., a fim de se adequarem à sociedade como ela é, sem maiores modificações (Sassaki, 1997). Segundo Bartalotti (2006), é desse modelo que deriva a maioria dos tradicionais trabalhos de reabilitação que, fundamentalmente, investem na tentativa de “minimizar” a diferença para que essas pessoas possam ser aceitas na sociedade.

Contrariamente, o modelo social da deficiência, também definido pela OMS (2001), considera o fenômeno fundamentalmente como um problema de origem social e principalmente como um assunto centrado na completa integração das pessoas na sociedade. A deficiência não é um atributo da pessoa, mas um complicado conjunto de condições, muitas das quais são criadas pelo contexto/entorno social. Segundo Bartalotti (2006):

Pelo modelo social da deficiência, os problemas das pessoas com deficiência não estão nela tanto quanto estão na sociedade. Assim, a sociedade é chamada a ver que ela cria problemas para as pessoas com deficiência, causando-lhes incapacidade e/ou desvantagem no desempenho de papéis sociais.

Nesse mesmo sentido, Sassaki (1997) traz em seu texto uma afirmação de Ture Jonsson (1994), que reafirma a necessidade de se focalizar os esforços não mais em adaptar as pessoas à sociedade e sim adaptar a sociedade às pessoas, definindo a ‘sociedade para todos’ como “uma sociedade que se empenha para acolher as diferenças de todos os seus membros”.

No que tange à terminologia adequada para se fazer referência às pessoas com deficiência, os termos utilizados variaram muito ao longo do processo histórico da humanidade, e em cada período a expressão em voga continha o sentido e o valor literal daquela pessoa para

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a sociedade. Sassaki (1997) refere como importante percorrer a trajetória histórica da variação do termo, por entender que “os conceitos são fundamentais para o entendimento das práticas sociais, pois eles moldam nossas ações e nos permitem analisar nossos programas, serviços e políticas sociais, pois os conceitos acompanham a evolução de certos valores éticos”.

Sassaki (2003) também aponta, em um estudo dedicado ao chamamento das pessoas com deficiência, que ao longo da história já foi utilizada a terminologia “os inválidos”, “os incapacitados”, “os defeituosos”, “os excepcionais”, “pessoas com necessidades especiais”, “portadores de necessidades especiais”, dentre outros.

A concepção do termo “pessoa portadora de deficiência” e o seu conceito tiveram origem na Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes2, na qual ficou

estabelecido:

O termo "pessoas deficientes" refere-se a qualquer pessoa incapaz de assegurar por si mesma, total ou parcialmente, as necessidades de uma vida individual ou social normal, em decorrência de uma deficiência, congênita ou não, em suas capacidades físicas ou mentais. (ONU, 1975).

O termo genérico “pessoa deficiente” se refere a toda a pessoa que apresenta alguma limitação, independentemente das características da deficiência. Em função disso, o termo “pessoa portadora de deficiência” foi primeiramente considerado o mais adequado, tendo sido incorporado pelo Direito Constitucional vigente, visando caracterizar que a deficiência é um aspecto, mas não o todo, da pessoa. Ocorre que, em 2007, com a assinatura da Convenção Internacional das Pessoas com Deficiência, a expressão “portadora” deixou de ser utilizada, fazendo parte somente de textos anteriores ao tratado de 2007, o qual recebeu, em 2008, status de emenda à Constituição, por meio do Decreto Legislativo 186/2008.

Assim, é importante mencionar que a expressão “pessoa com deficiência” é utilizada com o objetivo de ressaltar que a pessoa com deficiência é, antes de tudo, uma pessoa, com direitos fundamentais e deveres, e sua deficiência é uma característica que deve ser considerada, mas que não lhe diminui como pessoa.

Essa nova denominação: Pessoa(s) com Deficiência, ou sua abreviação: PcD, é fruto de movimentos organizados mundialmente por pessoas com deficiência, incluindo os do Brasil, que convencionaram a forma como preferem ser chamados. Nesse sentido, há uma mobilização

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da sociedade civil organizada na luta para eliminar as barreiras do preconceito em relação a esse grupo populacional, tendo em vista o preconceito que os acompanhou desde os tempos mais remotos da história da humanidade.

Araújo (2001) argumenta que a ideia de carência, falta, falha, quando se fala de pessoas com deficiência, não se situa nos indivíduos, mas em seu relacionamento com a sociedade. Para o autor, é o relacionamento com a sociedade que define se a pessoa é ou não deficiente. Portanto, se a deficiência que a pessoa apresenta não impede que ela se relacione com a sociedade, ela não será vista como deficiente. Então é necessário que sejam criadas condições para que as pessoas com deficiência se relacionem com a sociedade de forma plena e independente, eliminando-se as barreiras e diminuindo-se os obstáculos entre elas e o mundo.

Atualmente, o conceito mais moderno de pessoas com deficiência encontra-se na Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência, assinada em Nova York, no dia 30 de março de 2007:

Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas.

No entanto, a própria convenção reconhece que a deficiência é “um conceito em construção, que resulta da interação de pessoas com restrições e barreiras que impedem a plena e efetiva participação da sociedade em igualdade com os demais” (PIOVESAN, 2011).

Nesse sentido, a norma técnica da ABNT – NBR 9050 – também define deficiência como a redução, limitação ou inexistência das condições de percepção das características do ambiente ou de mobilidade e de utilização de edificações, espaço, mobiliário, equipamento urbano e elementos, em caráter temporário ou permanente (ABNT, 2004).

1.3 Normatividade dos Direitos das Pessoas com Deficiência e Acessibilidade

Percorrendo os caminhos do reconhecimento dos direitos das pessoas com deficiência, encontra-se o marco histórico que estabelece, pela primeira vez, a proteção universal dos direitos humanos. Trata-se da Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada pela ONU em 1948. Composta por trinta artigos, que visam assegurar o respeito à dignidade da

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pessoa humana, é considerada a mais importante das declarações das Nações Unidas, servindo de base para a promoção e a proteção dos direitos humanos e das liberdades fundamentais (ONU, 1948).

Na esteira da defesa dos direitos humanos, seguem-se várias declarações, até ser assinada, em 1975, por meio da Resolução ONU 2542, a Declaração dos Direitos da Pessoa Deficiente, visando garantir o exercício do direito à dignidade humana desse grupo populacional, como atendimento médico, psicológico, integração na sociedade, implantação de mecanismos arquitetônicos, jurídicos, sociais e educacionais, a fim de possibilitar a máxima autonomia das pessoas com deficiência (ONU, 1975).

No Brasil, a referência às pessoas com deficiência surge a partir da Emenda Nº 01 à Constituição de 1967, promulgada em 17 de outubro de 1969, com a expressão “educação dos excepcionais”, que é considerada a primeira referência à pessoa com deficiência no Direito Brasileiro. Posteriormente, a Emenda Nº 12 à mesma Constituição de 1967 estabeleceu que as pessoas com deficiência devem ter assegurada a melhoria de sua condição social e econômica, especialmente mediante: educação especial e gratuita; assistência, reabilitação e reinserção na vida econômica e social do País; proibição de discriminação, inclusive quanto à admissão ao trabalho ou ao serviço público e a salários; possibilidade de acesso a edifícios e logradouros públicos. (JAQUES, 2013).

Merece destaque a Lei Nº 7.853, de 24 de outubro de 1989, importante diploma legal regulamentado pelo Decreto 3.298/99, que teve o ineditismo de atribuir ao Ministério Público a defesa dos interesses difusos e coletivos das pessoas com deficiência, além de tratar sobre diversas matérias pertinentes à promoção de uma melhor qualidade de vida a essas pessoas, como saúde, educação e trabalho, além de trazer um dispositivo (Artigo 8º) que criminalizou a conduta de discriminar a pessoa com deficiência em escola, trabalho, estabelecimento hospitalar ou em concurso público. Ademais, essa lei regulamentou dispositivo constitucional disciplinando a acessibilidade em relação às edificações de acesso ao público.

O percurso histórico das pessoas com deficiência no Brasil, que eram “ignoradas” ou “caminhavam em silêncio”, toma o rumo do reconhecimento dos seus direitos no ano de 1981, declarado pela ONU como Ano Internacional da Pessoa Deficiente (AIPD). De acordo com Figueira (2008):

Se até aqui a pessoa com deficiência caminhou em silêncio, excluída ou segregada em entidades, a partir de 1981 – Ano Internacional da Pessoa Deficiente – tomando consciência de si, passou a se organizar politicamente. E, como

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consequência, a ser notada na sociedade, atingindo significativas conquistas em pouco mais de 25 anos de militância.

Nesse sentido, o grande balizador para a questão da organização política das pessoas com deficiência é o lema “Nada sobre nós, sem nós!”, que acompanhou o movimento desde as primeiras inquietações e manifestações, sendo amplamente referenciado por autores que trabalham e pesquisam a temática da deficiência e seus desdobramentos. A partir do ano de 1981, consagrado como o Ano Internacional das Pessoas Deficientes, esse público intensificou a luta pela conquista de direitos e oportunidades iguais, com a garantia também do direito à participação social, ou participação plena, como Sassaki (2007) defende.

Cabe destacar que o Brasil ratificou duas normas internacionais, conferindo-lhes o status de leis nacionais: a Convenção Nº 159/83 da OIT e a Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Pessoas Portadoras de Deficiência, também conhecida como Convenção da Guatemala, que foi promulgada pelo Decreto Nº 3.956, de 8 de outubro de 2001. As duas leis conceituam deficiência, para fins de proteção legal, como uma limitação física, mental, sensorial ou múltipla, que incapacite a pessoa para o exercício de atividades normais da vida e que, em razão dessa incapacitação, a pessoa tenha dificuldades de inserção social.

Sob o paradigma da inclusão, entretanto, foi a Constituição Federal de 1988 que introduziu mudanças significativas no ordenamento jurídico pátrio, pois assegurou à pessoa portadora de deficiência proteção no mercado de trabalho, reserva de vagas em concursos públicos, assistência social, educação, dignidade humana e cidadania. A partir do texto constitucional brasileiro, várias normas infraconstitucionais e internacionais foram elaboradas no sentido de buscar a efetividade dos direitos fundamentais da pessoa com deficiência, entre eles um dos mais importantes, que é o direito à acessibilidade.

Cumpre ressaltar que a Carta Constitucional de 1988 inclui entre os fundamentos do Estado brasileiro a cidadania e a dignidade da pessoa humana, estabelecendo como objetivo primordial a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, além de comprometer-se com o desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza, a redução das desigualdades sociais e regionais e a promoção do bem-estar de todos, sem preconceitos ou discriminação de qualquer tipo, determinando ao país pautar suas relações internacionais pela prevalência dos Direitos Humanos.

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A promulgação da Constituição Federal de 1988 desencadeou uma profícua articulação entre sociedade civil, parlamentares e organizações internacionais, resultando na aprovação de leis históricas: o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, o Sistema Único de Saúde - SUS, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação - LDB, entre outras, que vieram ao encontro da concretização dos direitos humanos.

A partir de 1996, ano de lançamento do primeiro Programa Nacional de Direitos Humanos – PNDH foram sendo desenvolvidas as diretrizes nacionais que orientam a atuação do poder público no âmbito dos Direitos Humanos. O Programa foi revisado e atualizado em 2002, sendo ampliado com a incorporação dos direitos econômicos, sociais e culturais. A terceira versão do Programa Nacional de Direitos Humanos – PNDH-3, de 2010, representa um grande passo no processo histórico de consolidação das orientações para efetivar a promoção dos Direitos Humanos no Brasil. Entre seus avanços destaca-se a transversalidade e interministerialidade de suas diretrizes, de seus objetivos estratégicos e de suas ações programáticas, na perspectiva da universalidade, indivisibilidade e interdependência dos direitos (Secretaria Especial de Direitos Humanos - Ministério da Justiça e Cidadania).

Cabe destacar que o Brasil ratificou a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, e seu Protocolo Facultativo (Decreto Legislativo 186/2008 e Decreto Nº 6.949/2009), com equivalência de Emenda Constitucional.

1.3.1 A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência

Em 13 de dezembro de 2006, a ONU adotou a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, a qual passou a vigorar em 03 de maio de 2008, sendo promulgada no Brasil pelo Decreto Nº 6.949, de 25 de agosto de 2009. No início do seu Artigo 1º apresenta o propósito de “promover, proteger e assegurar o exercício pleno e equitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua dignidade inerente”. Segundo Piovesan (2011):

A Convenção surge como resposta da comunidade internacional à longa história de discriminação, exclusão e desumanização das pessoas com deficiência. É inovadora em muitos aspectos, tendo sido o tratado de direitos humanos mais rapidamente negociado e o primeiro do século XXI. Incorpora uma mudança de perspectiva, sendo um relevante instrumento para a alteração da percepção da deficiência, reconhecendo que todas as pessoas devem ter a oportunidade de alcançar de forma plena o seu potencial.

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No preâmbulo da Convenção os Estados Partes reconhecem a importância da acessibilidade aos meios físico, social, econômico e cultural, à saúde, à educação e à informação e comunicação, para possibilitar às pessoas com deficiência o pleno desfrute de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais. Cabe, então, aos Estados adotar ajustes, adaptações ou modificações razoáveis e apropriadas para assegurar às pessoas com deficiência o exercício dos direitos humanos em igualdade de condições com as demais (PIOVESAN, 2011).

Nessa mesma linha, dentre os oito princípios inspiradores da Convenção, destaca-se a acessibilidade. As definições do Artigo 2º apontam para a efetivação dos seus objetivos em relação às pessoas com deficiência:

- “Discriminação por motivo de deficiência” significa qualquer diferenciação, exclusão ou restrição baseada em deficiência, com o propósito ou efeito de impedir ou impossibilitar o reconhecimento, o desfrute ou o exercício, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais nas esferas política, econômica, social, cultural, civil ou qualquer outra.

Abrange todas as formas de discriminação, inclusive a recusa de adaptação razoável. (grifamos)

- “Ajustamento razoável” significa a modificação necessária e adequada e os ajustes que não acarretem um ônus desproporcional ou indevido, quando necessários em cada caso, a fim de assegurar que as pessoas com deficiência possam desfrutar ou exercitar, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, todos os direitos humanos e liberdades fundamentais (ONU, 2006).

Destaca-se que o objetivo humanista da Convenção contempla uma visão jurídica inovadora a respeito da pessoa com deficiência, pois a deficiência não se justifica mais pelas limitações pessoais decorrentes de uma patologia, sendo substituído o chamado “modelo médico”, que objetiva reabilitar a pessoa anormal para se adequar à sociedade, por um “modelo social humanitário”, cujo escopo é reabilitar a sociedade para eliminar os entraves e os muros de exclusão, garantindo-lhe uma vida independente e a possibilidade de ser inserido em comunidade. Nesse sentido, o preâmbulo da Convenção dispôs que a deficiência é um “conceito em evolução” e que a deficiência “resulta da interação entre pessoas com deficiência e as barreiras devidas às atitudes e ao ambiente que impedem a plena e efetiva participação dessas pessoas na sociedade em igualdade de oportunidades com as demais pessoas” (ONU, 2006).

Na obra A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência Comentada, elaborada pela CORDE3, são focadas as tecnologias assistivas que, adequadas às pessoas com deficiência visual ou auditiva, proporcionam a sua participação em conferências que tenham

3 Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, órgão integrante da Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência da Presidência da República.

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vídeos, palestras somente faladas ou com qualquer outro tipo de barreira de comunicação. A utilização do braile, da língua brasileira de sinais, da audiodescrição, da legenda oculta ou não, do sistema DAISY para livros em formatos acessíveis, e muitas outras formas de adequação da informação às pessoas com deficiência estão atualmente disponíveis, apesar de muito pouco ou nada utilizadas pelas emissoras de televisão, editoras de livros, companhias telefônicas, conferencistas, etc., pois permanecem desconhecidas pelas pessoas em geral.

Ainda, de acordo com essa publicação informativa, a internet oferece serviços de utilidade pública, comerciais e de entretenimento, que ajudam a todos. Parece ser natural que as pessoas que tenham mais dificuldades de mobilidade para irem a um banco, supermercado, lojas de compras, de verificarem andamento de processos, lerem jornais e outros serviços que demandariam locomoção ou ajuda de outras pessoas para serem realizados, sejam nela incluídas, proporcionando-lhes liberdade de ação, comunicação e obtenção de informações (CORDE, 2008).

Nesse sentido, todas as iniciativas em termos de políticas públicas devem buscar neutralizar ou minimizar os efeitos negativos da desvantagem no deslocamento das pessoas com mobilidade reduzida, causados pela existência de barreiras físicas, considerando que esses processos garantem os princípios de independência, autonomia e dignidade, de forma individual e coletiva. Adicionalmente, ao garantir o ir e vir das pessoas com deficiência criam-se situações de conforto e segurança para toda a população. (CORDE, 2008)

O direito à acessibilidade das pessoas com deficiência é tratado especificamente no Artigo 9º da Convenção:

A fim de possibilitar às pessoas com deficiência viver com autonomia e participar plenamente de todos os aspectos da vida, os Estados Partes deverão tomar

as medidas apropriadas para assegurar-lhes o acesso, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, ao meio físico, ao transporte, à informação e comunicação, inclusive aos sistemas e tecnologias da informação e comunicação, bem como a outros serviços e instalações abertos ou propiciados ao público, tanto na zona urbana como na rural. Estas medidas, que deverão incluir a identificação e a eliminação de obstáculos e barreiras à acessibilidade,

deverão ser aplicadas, entre outros, a:

a. Edifícios, rodovias, meios de transporte e outras instalações internas e externas, inclusive escolas, moradia, instalações médicas e local de trabalho; e

b. Informações, comunicações e outros serviços, inclusive serviços eletrônicos e serviços de emergência. (grifamos)

Assim, a acessibilidade é estabelecida como ferramenta para que as pessoas com deficiência possam concretizar sua autonomia na vida em sociedade em todos os aspectos, não só em relação à acessibilidade ao meio físico, considerando o acesso universal ao espaço, sem

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barreiras; mas também no que tange aos meios de informação e comunicação, com utilização de tecnologia específica, para que o acesso seja pleno e possível. Cite-se, por exemplo, a tecnologia que existe, atualmente, para a comunicação por telefone com uma pessoa surda, apesar de esse meio de comunicação ser prioritariamente auditivo; da mesma forma, a pessoa cega ou com limitação física severa pode se comunicar via internet, escrever, ler e navegar por suas páginas; já é possível assistir televisão, filmes e noticiários, sem que alguém tenha que ajudar a descrever as cenas mudas para um assistente cego ou narrar, por meio de sinais, os diálogos televisivos para uma pessoa surda.

Cabe ressaltar que a acessibilidade destacada na Convenção se refere essencialmente aos ajustes que precisam ser feitos como condição de promoção da efetiva igualdade e de eliminação da discriminação em relação às pessoas com deficiência. Para tanto, os Estados que a adotam se comprometem a providenciar as medidas eficazes que promovam a acessibilidade, entendida como um fator de qualidade de vida, e a garantir os instrumentos administrativos, legais e de prática cotidiana norteados na Convenção para a inclusão das pessoas com deficiência.

1.3.2 Acessibilidade no Ordenamento Jurídico Brasileiro

Nos últimos anos, o direito fundamental à acessibilidade tem sido o centro das discussões quando se trata do processo de inclusão social, não só pela relevância do tema, como pelas muitas inovações jurídicas implementadas no ordenamento jurídico brasileiro. A Constituição Federal da República Federativa do Brasil, promulgada em 05 de outubro de 1988, abriu as portas para que o país se tornasse reconhecido mundialmente pela mudança de paradigma nas questões relativas às pessoas com deficiência.

A partir do marco legal introduzido com a Constituição Federal e a legislação infraconstitucional, que ensejaram a ascensão da promoção e garantia dos direitos individuais e coletivos, a trajetória da inclusão social começou a se efetivar no âmbito maior dos direitos humanos, conforme pode ser observado no Quadro 2, que focaliza a legislação federal sobre acessibilidade para pessoas com deficiência. É importante ressaltar que, para além das mudanças legislativas, o Estado brasileiro também passou a desenvolver ações afirmativas, entre elas as políticas de acessibilidade, com a pretensão de transformar o modelo assistencialista, tradicionalmente limitante, em condições que possibilitem às pessoas com

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