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A dança como uma expressão da subjetividade

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – UNIJUÍ

DHE - DEPARTAMENTO DE HUMANIDADES E EDUCAÇÃO CURSO DE PSICOLOGIA

FABIÉLI MACIEL RODRIGUES

A DANÇA COMO UMA EXPRESSÃO DA SUBJETIVIDADE

SANTA ROSA 2018

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FABIÉLI MACIEL RODRIGUES

A DANÇA COMO UMA EXPRESSÃO DA SUBJETIVIDADE

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Psicologia da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ, como requisito parcial para obtenção do grau Bacharel em Psicologia.

Orientadora: Me. Flávia Flach

SANTA ROSA 2018

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente agradeço à minha família pelo incentivo e amor dedicado durante esse longo percurso de formação, onde sempre se mantiveram presentes demonstrando força e coragem para prosseguir e continuar dia após dia. A vocês toda minha admiração, amor e respeito.

À minha orientadora, Mestre Flávia Flach, pelo auxílio e dedicação demonstrados durante as orientações, todo o suporte teórico e trocas de experiências decorridas das discussões, e pela confiança e paciência depositada nessa pesquisa.

À Mestre Carolina Baldissera Gross, pelo carinho e sensibilidade, por ter contribuído em minha formação e me incentivado na escrita do tema, onde por meio de conversas me possibilitou refletir e manter o desejo de escrita.

À Mestre Simoni Antunes Fernandes, pela contribuição tão especial em minha formação, me auxiliando enquanto supervisora de estágio básico e de ênfase em Processos Clínicos, no qual tive a oportunidade de dividir experiências.

À Mestre Kenia Spolti Freire, pelo aprendizado decorrido do estágio de ênfase em Processos Sociais, no qual me acompanhou como supervisora fazendo sempre pertinentes colocações e contribuições.

Aos meus amigos e também aos colegas de graduação pela amizade, convívio e momentos especiais que a vida nos permitiu dividir.

As minhas alunas e colegas de balé pelos momentos especiais que compartilhamos através da dança.

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RESUMO

A presente pesquisa tem como objetivo apresentar um estudo sobre a dança contemporânea, procurando encontrar e compreender as relações existentes entre ela e a psicanálise, para assim poder analisá-la como uma forma de expressão subjetiva.Com base na pesquisa bibliográfica iniciaremos relatando a respeito da história da dança, trazendo aspectos importantes para pensar o seu surgimento e desdobramentos na cultura da humanidade. Compreendendo que o corpo é o principal objeto da dança, lugar de representações e vivências, sendo muito investigado e discutido no campo da ciência, serão realizadas reflexões que permitem pensá-lo e entendê-lo, dentro de algumas áreas específicas, como a filosofia e a medicina, para podermos analisá-lo posteriormente através da psicanálise. Outro aspecto a ser refletido para compreender melhor o tema estimado será encontrar as relações existentes entre dança contemporânea e a teoria psicanalítica, a qual nos permite perceber que ela é um instrumento que possibilita a sublimação das pulsões e fantasias, onde a subjetividade é demonstrada por meio dos movimentos corporais. Para finalização pretende-se que esse trabalho proporcione ao âmbito da psicologia observar as diferentes formas de escutar o sujeito, ou seja, nesse contexto, entender a escuta do corpo que dança.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 5 1. HISTÓRIA DA DANÇA ... 7 2. ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE O CORPO ... 17 3. O CORPO NA DANÇA CONTEMPORÂNEA E SUA RELAÇÃO COM A PSICANÁLISE ... 27 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 32 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 35

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INTRODUÇÃO

A presente pesquisa se deu em torno de um estudo referente à dança contemporânea, procurando compreender as relações existentes entre ela e a psicanálise, para entendê-la como uma expressão da subjetividade.

Desta forma, a escolha deste tema surgiu devido ao contato próximo que mantenho com a psicologia através de minha formação e por meio de experiências vivenciadas enquanto professora de balé. Cabe mencionar que meu interesse na dança sempre foi de entender e compreender o fato dela poder expressar o ser humano de forma mais natural, ou seja, permitindo que este se colocasse a revelar seus sentimentos interiores.

Ao iniciar a graduação passei a entender aspectos subjetivos psíquicos, compreendendo que o ser humano é muito mais que apenas um corpo, somos sujeitos constituídos psiquicamente envoltos em significantes desde que nascemos. Foi a descoberta do inconsciente que me fez questionar a mim mesma acerca da arte. O que teria Freud, por meio da sua teoria, para nos auxiliar na reflexão sobre a dança?

Portanto, acredita-se que esse tema é muito relevante, por ser um assunto pouco conhecido e pesquisado no campo da psicologia. Então, por meio dessa reflexão, pretende-se que seja possível aprimorar ideias e pensamentos que possibilitem a melhor compreensão e ampliação do assunto. Já que a dança faz parte da cultura, estando presente no âmbito social, onde também se encontra o trabalho da psicologia, entende-se que é pertinente para o psicólogo observar o que a dança pode proporcionar para entender e escutar o sujeito.

A metodologia escolhida foi a pesquisa qualitativa exploratória. Esse trabalho de conclusão de curso se baseia teoricamente em autores e pesquisadores conhecedores do referido tema, assim como outros que nos permitem pensar o corpo dentro da filosofia e medicina, e também da psicanálise. Utilizando-se de contribuições teóricas em livros, artigos acadêmicos publicados em revistas e/ou pela internet, fazendo uso de sites de pesquisa científica com base no referencial psicanalítico.

Visando uma melhor compreensão, está produção será dividida em três capítulos, sendo o primeiro uma contextualização sobre a história da dança, considerando sua

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importância na cultura e no meio social, pois esta esteve presente já nos primórdios da humanidade e foi se adaptando em cada época. Será destacado como surgiu a metodologia do balé clássico e sua influência no meio artístico, e em sequência os rompimentos causados nesta modalidade através da dança contemporânea.

No segundo capítulo, considerando que a dança faz total utilização do corpo, e este é explicado pela ciência de diversas formas, será realizada uma série de reflexões que permitem pensá-lo dentro do campo da filosofia e medicina, para após isso, compreendê-lo na psicanálise. Primeiramente será relatado como a filosofia percebe o corpo, através da separação deste com a alma e a inserção da racionalidade humana. Já por via da medicina o corpo se torna um objeto de investigação, considerado na sua condição organicista e fisiológica, por meio de diagnósticos, experimentos e medicações, as quais passam a significar e especificar esse corpo mecanicamente. Por fim, me deterei a dizer como a psicanálise contribui com suas concepções para a compreensão do corpo além de sua forma material, fundamentado na subjetividade.

E para finalizar, no terceiro capítulo, pretende-se dar continuidade ao tema estimado, através de uma análise da compreensão do corpo na dança contemporânea por intermédio de uma leitura psicanalítica.

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1. HISTÓRIA DA DANÇA

Ao propor uma pesquisa sobre a dança se faz necessário pensar e refletir acerca da história da mesma. Sabe-se que a dança está fortemente ligada a períodos sociais, culturais e políticos estabelecidos em cada época. Surge, assim como toda a arte, com o propósito de transmitir uma mensagem a partir dos movimentos e maneiras de expressão corporal. Realizaremos, nesse primeiro capítulo, algumas descrições acerca do período histórico do surgimento da dança, relatando as modificações que ocorreram através de novos estilos, em especial ao percurso que se deu pela travessia do balé clássico para a dança moderna e contemporânea.

A dança faz parte da história, origem e surgimento do homem. É interessante pensar que, desde os primórdios da humanidade, o homem foi se apropriando de diferentes linguagens para comunicar o que estava sentindo, inclusive através de movimentos, entre eles a dança. Dessa forma, Hass e Garcia (2006, p. 65) mencionam que “desde que existe o homem, existe a dança”. A arte tem forte influência no meio social, trazendo a diversidade cultural existente entre os povos em cada época, sendo passado de geração a geração, e por estas modificadas, com o intuito de estabelecer este diálogo comunicativo entre o corpo e o outro que o vê. A reflexão de Anderson (1978, p. 7) relata que:

Não admira, pois, que uma das artes mais antigas seja a do movimento – a dança. Assumindo expressões diversas, floresceu em toda a parte. As suas origens remontam a um passado pré-histórico, pois que, muito antes da dança se tornar uma arte complexa, já o homem primitivo tinha gosto de se mover, girar, andar e bater o pé ritmadamente, tal como as crianças fazem hoje em dia. Consciente da ação das poderosas forças da natureza, o homem primitivo submeteu os seus gestos a uma expressão determinada, na esperança de apaziguar tais forças ou de assim, as dominar.

Dessa forma, o homem foi encontrando maneiras de sobrevivência em meio aos desafios presentes na era primitiva. Dançava-se para ter contato com as forças da natureza. Celebrava-se para pedir que houvesse chuva e sol, para receber proteção e conservação da sua espécie. Inclusive, houve danças como forma de preparação para

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caça e luta, para contemplação do fogo, comemorações festivas, celebração de casamentos, colheitas, nascimentos e mortes. Nesse período, originou-se a dança pantomima1, que cultuava os animais que seriam sacrificados para as refeições.

Da Antiguidade até o decorrer da Idade Média se estabeleceram as danças milenares, voltadas à mitologia, e que estavam atreladas a rituais que envolviam a crença em deuses, havendo um contato com a religião e o sagrado. O objetivo do homem era se comunicar com os deuses que possibilitariam a ele seus desejos. No Egito, se dançava para a alma dos mortos em funerais, crendo que receberiam vida eterna para os seus faraós e reis. Houve a dança do ventre que era realizada pelas mulheres nos templos, a qual era ligada à fertilidade (HASS e GARCIA, 2006).

Na Grécia, durante os rituais, se acreditava que deveriam ser adorados e invocados deuses pelos movimentos de dança. Hass e Garcia (2006, p. 71) revelam que, “no festival dedicado ao culto de Dionísio, o deus da primavera e do vinho, um coro de homens vestidos de sátiros ou homens-bodes cantavam e dançavam em torno de um altar, representando várias partes do coral lírico que contava a vida do deus”. Este festival deu origem ao nascimento da arte ocidental. Podemos perceber então que a semelhança entre a Grécia e o Egito está na forma com que estes se dedicavam na crença aos deuses, pois a dança havia se tornado uma forma de ter acesso a eles.

Já em Roma, devido ao fato da organização cívica ser muito rigorosa, a dança era diferente das atribuídas à Grécia e ao Egito, ela estava fundamentada na sociedade seguindo a rigidez da cultura estabelecida. Não se teve contato com o teatro, mitologia e religião, pois se buscava fazer uma padronização da dança, e assim, só era admirada como uma forma de espetáculo. Hass e Garcia (2006, p. 73) destacam que, “Rômulo, o criador de Roma, criou bellicrepa, dança que simbolizava o rapto das sabinas”. A dança, em Roma, deveria contar histórias atreladas ao império, monarquia e seu povo, representando toda a racionalidade envolvida na sua identidade.

Com a chegada da Idade Média, devido ao cristianismo, a igreja considerava a dança como sagrada, rejeitando as danças populares existentes, pois se acreditava que estavam associadas ao paganismo e a maldições. Desta forma, a dança perde sua

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Representação teatral em que os atores se expressam por gestos e expressões fisionômicas, sem fazer uso da palavra (LUFT, 2000, p. 500).

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integridade no meio social e passa a ser executada para fins de distração e divertimento entre o povo.

No século XV surge o Renascimento, movimento que iniciou na Itália avançando por toda a Europa. Uma nova sociedade renasceu e com ela vieram as modificações na vida do povo, de acordo com as mudanças daquele tempo. Conforme Anderson (1978, p. 12) “a própria palavra Ballet tem origem Italiana, e deriva do verbo ballare, que quer dizer dançar”. A dança se define e nascem os Balés da Corte, apreciados pelas elites.

A primeira dança foi realizada no baile denominado como Ballet Comunique de la

Reine, criado por um coreógrafo importante chamado Baldassarino2, para a rainha Catarina de Médicis, o qual teve duração de cinco horas, tornando-se uma influência na arte (HASS e GARCIA, 2006). Ela desejava que esse evento fosse muito precioso, se admirou muito da peça e espalhou notícias entre a sociedade, contando sobre sua satisfação. Porém, através de Luiz XIV, surgem mudanças e apropriações dentro do balé. Para complementar esta ideia, Hass e Garcia (2006, p. 76), abordam que:

Após a criação da Academia Real da Dança, em 1661, na França, por Luiz XlV, a dança clássica recebeu um forte impulso evolutivo, o que fez o balé se desenvolver com mais virtuosismo, estética e com princípios coreográficos, passos e movimentos definidos.

Através disso, o balé passa a se unir à dança, à música, aos poemas, e à mitologia, ligando-se também ao teatro, e saindo dos palácios e da corte. O bailarino Novérre, considerado um inovador do balé clássico, procurou também, nesse momento, unir a dança com outras artes. As transformações ocorreram devido a sua audácia em propor e expor ao público suas criações. Mendes (1987, p. 31) retrata que, “em 1755 já estava vitorioso em sua terra e se tornara mestre-de-baile da Ópera de Paris, com seus balés muito bem recebidos pelo público”.

Surgem técnicas e movimentos padronizados e de forma sincronizada, tendo início, com isso, a metodologia da dança, Hass e Garcia (2006, p. 78) destacam que:

Pierre Beauchamps foi o profissional que construiu a base do academicismo e as inovações da técnica da elevação (considerando das famosas cinco posições de

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Foi um mestre da dança, com conhecimento de música, era amigo da rainha Catarina (ANDERSON, 1978, p. 68).

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pés e braços); e os balés do final do século XVll eram compostos de três partes: abertura, entrada e grande balé.

Segundo as autoras, considerado um mestre, Pierre Beauchamps foi também professor de Luís XIV no ensino das técnicas e performances. As posições dos pés e braços3 construídas por ele deram estruturação aos procedimentos inovadores na dança. Todos esses acontecimentos se deram dentro do balé entre os séculos XV e XVIII, mas com a chegada do século XIX acontece então uma reforma do balé clássico para o balé romântico, deixam-se alguns costumes estipulados na dança clássica e volta-se ao mundo das fantasias e histórias encantadas. A França passa a reformular a nomenclatura utilizada no balé, criando nomes técnicos franceses, adequados para as posições e movimentos4. Nesse contexto, dando ainda mais visibilidade ao balé, surgem as sapatilhas de ponta. As autoras Hass e Garcia (2006, p. 79) destacam que:

A figura da bailarina que encarnava a perfeição, capaz de dançar sobre pontas dos pés, flutuar com leveza de um pássaro e gesticular suavemente foi o auge do balé clássico no período romântico especialmente quando surge, em 1827, em Paris a bailarina Maria Taglioni, dançando na ponta dos pés com sapatilhas especiais (esse fato representou um impacto no balé, sobretudo no aspecto relacionado aos exercícios nas pontas dos pés para as bailarinas clássicas, marcando a sua importância no balé).

Como percebemos no romantismo, as famosas sapatilhas de ponta permitiam à bailarina dançar com uma postura corporal envolvendo estética, beleza e perfeição, através delas, ela demonstrava poder e controle sobre o corpo. Surgiram os repertórios e danças como Sífiles5 e Giselle6, esta última é considerada de valor inestimável no balé

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As posições de pés e braços foram as primeiras técnicas criadas no balé para uso de movimentos de elevação, divididos em cinco posições, os pés sempre ficam posicionados para fora (endehors), e os braços os complementam sequencialmente, ao qual permitiram a preparação para as demais posições que surgiram ao longo do balé (HASS e GARCIA, 2006, p. 35).

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Pierre Beauchamps criou os nomes de cada posição de movimento executado no balé. Os Allongé (alongado), Arrabesque (apoio em uma perna), Attitude (apoio em uma perna só e a outra elevada), Battementes (Batida, batimento), Changements (trocas), Chassé (caçado, perseguido), Croisé (cruzado), Début (estréia), Developpé (desenvolvimento), Devant (na frente), Derriére (para trás), EnDehors (para fora), Glissade de Bourré (passo do século XXVlll; seu nome é em homenagem ao seu criador), Pirouette (rodopio ou giro rápido), Plié (flexão dos joellhos), Sauté (Saltado), Pointe (ponta), Relevé (meia ponta ou ponta dos pés), entre outros... (HASS e GARCIA, 2006, p. 82).

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A história contava sobre o romance de Sífiles por James, que era uma mortal. Sífiles foi enfeitiçada por uma bruxa. Devido a essa paixão, que transmitia o desejo que se tinha pelo inatingível e pela ilusão dos contos (HASS e GARCIA, 2006, p. 89).

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romântico, coreografia realizada pela bailarina Carlota Grissi, que foi apresentada em 1841, na Ópera de Paris. Houveram também outras peças criadas, como Copélia, Romeu e Julieta, entre outras. Percebemos então que, no romantismo, as coreografias estabelecidas estiveram vinculadas a histórias de amor, bruxas, fadas, vampiros, feiticeiras, poderes sobrenaturais, e que são de fato, até hoje, consideradas de grande importância em Academias de Balé e espetáculos, sendo levadas a outros países, além da França. Porém, como mencionam Hass e Garcia (2006, p. 83),

O período romântico no Balé, após um tempo, empobreceu na Europa, causando o seu declínio. Nessa época, final do século XlX, o centro da dança considerado França (Paris) transferiu-se para Rússia, devido ao fato de os Czares da Rússia serem entusiásticos patrocinadores dessa arte.

Conforme destacado pelas autoras, com o início de novos tempos, no século XVIII, o balé da Rússia serviu de grande influência para o mundo todo. Como o balé vem sob a orientação estrangeira, ao entrar na Rússia passa a ser modificado conforme o contato com o povo e com a época, homens e mulheres passaram a dançar juntos, o que não era permitido nas reuniões. Deu-se a abertura de importantes espaços para se estudar e praticar os balés, como a Academia de Dança, conduzida por Jean Baptiste Landé, de origem francesa, o qual foi fundador da escola em Sampetersburgo. Nesse dado momento surgiu um mestre inovador, chamado Marius Petita, que trabalhou por longos anos com o teatro. Procurando revolucionar os estilos, foi criador do pás de deux7, e repertórios como, A Bela Adormecida8 e o Quebra-Nozes9, sendo o último concluído por

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Esse repertório conta a história de uma jovem que se apaixonara por Loys, (um ser mortal), o qual seu verdadeiro nome era Albrecht, mas ele a enganava, pois também estava apaixonado por ela. Giselle tinha um antigo namorado chamado Hilladion, que ao descobrir a verdade sobre a farsa, acaba contando a ela, a qual morre de tristeza e decepção. Sua alma vai para o mundo dos espíritos, lugar onde ficam os que morrem por amor. Hilary vai visitar seu túmulo, lá está uma rainha que diz ao espírito de Giselle para dançar até que ele seja enfeitiçado e morra, ela assim faz, provocando sua morte. Após, Albrecht vai ao túmulo de sua amada, ela também deveria matá-lo, porém por amá-lo tanto, se recusa a dançar, e seu amor por ele faz com que seja liberta da morte (HASS e GARCIA, 2006, p. 102).

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Considerada dança de dois, ou dupla. No balé, é sempre realizada entre um casal (HASS e GARCIA, 2006, p. 35; ANDERSON, 1978, p. 64).

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No repertório romântico de Bela Adormecida, observa-se que, Petita, retrata o crescimento de uma mulher desde a infância até a maturidade. Na festa de seu aniversário, Aurora é uma menina inocente cortejada por quatro cavaleiros no famoso Adágio da Rosa. Este trecho exige que a bailarina mantenha equilíbrios difíceis sem mostrar esforço visível, enquanto os pretendentes lhe vão oferecendo rosas. Mais do que uma proeza, este adágio é uma cerimônia de cortesia, em que Aurora é objeto de adoração. Mais tarde, na cena da visão, a princesa aparece ao príncipe como se fosse uma encarnação do indefinível ideal

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Lev Ivanov, seu colaborador em criações de coreografias. O Lago dos Cisnes10 também teve forte influência. Porém, apesar de todas as novas construções e do balé na Rússia ter influenciado mundialmente, por sua preeminência na técnica e performance, o mesmo ainda se via enlaçado ao romantismo. Com o crescimento do processo de industrialização a Europa Ocidental e a Rússia se tornavam cada vez mais próximas e a França passava a pensar em novas possibilidades de mudanças para a arte.

Em decorrência disso, começou a se instaurar em muitos mestres da dança, sentimentos de revolta e desgosto, pelas representações coreográficas e teatrais da arte. Surge a necessidade então de expor algo novo, mais perto do humano, que foi chamado de Dança Moderna.

A dança moderna é considerada como um produto do século XX; nasceu como uma reação contra a forma acadêmica e convencional do balé clássico; como necessidade de ser uma arte que promovesse e provocasse a liberdade e a exploração total do corpo a partir de temas abstratos ou concretos; com o despertar do homem para sua própria natureza, diversificando novas técnicas corporais e linhas coreográficas que iam ao encontro das necessidades de expressar acontecimentos de sua época, seus próprios sentimentos e não apenas de personagens fictícios (HASS e GARCIA, 2006, p. 101).

Conforme citado acima, Isadora Duncan, americana, nascida em 1878, foi considerada uma inovadora e pioneira da dança moderna. Ela revelava, no ato de dançar, sua insatisfação com o momento cultural da arte ao qual se deparava. Mesmo havendo praticado balé clássico, ela não se adequava ao seu método, acreditava que a dança não poderia ser ensinada, era o corpo que deveria descobri-la. Por isso o rejeitou, seguindo com seu estilo. Em suas criações, estabeleceu uma leitura contemporânea da

romântico. Mas quando se interrompe o sono, ela é já uma mulher perfeitamente humana, desperta para o amor (ANDERSON, 1978, p. 68).

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Considerado um repertório de dança muito famoso nesse período e nos dias de hoje, Quebra- Nozes traz a representação das festas natalinas (ANDERSON, 1978, p. 68).

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Repertório de balé produzido no Bolshoi de Moscovo, conta a história de um príncipe chamado Siegfried que, indo um dia à caça num lago enevoado, encontra a bela rainha dos cisnes, Odette. Esta lhe conta que está sob o feitiço de um mágico e que esse feitiço só poderá ser quebrado se um homem lhe for fiel. Siegfried jura sê-lo, mas eis que conhece, num baile, Odile, a filha do mágico, disfarçada de Odette e promete-lhe casamento. Desconhecendo o logro em que cairá, o príncipe volta ao lago para estar junto de Odette. A partir daqui as diversas encenações diferem: em algumas, Siegfried vence o mágico em combate, enquanto noutras os amantes mergulham no lago, ficando unidos para a eternidade no outro mundo. Em todo caso o amor triunfa sobre a decepção. Já o pás de deux do Cisne Negro retrata que, Odile tenta persuadir Siegfried de que ela é Odette. Odile seduz Siegfried com 32 piruetas em círculos, chamadas fouettés (ANDERSON, 1978, p. 72).

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sociedade, como desejo de expressar liberdade, pensando o ser humano (HASS e GARCIA, 2006).

A concepção de Siqueira (2006, p. 75) é de que “no momento em que a dança moderna começou a ocupar parcelas do espaço da dança clássica, os críticos tradicionais (como os de pintura diante do impressionismo e, depois, do cubismo) proclamaram a morte da arte”. A grande resistência à mudança estava implicada na dança, os tradicionalistas se recusavam a pensar em um novo modo de fazer a arte. Os bailarinos, nessa modalidade, dançavam no chão, descalços, e não se importavam com figurinos, se despiram totalmente do que era proposto anteriormente, e isso causou um grande estranhamento, devido à simplicidade que traziam nas criações e movimentos.

Outros grandes mestres da dança moderna que contribuíram para que ela encontrasse seu espaço social foram Ruth St. Denis, fundadora da famosa escola

Denishaw, a qual diversos bailarinos frequentaram. Também foi aluna da escola de

François Delsarte11. Ruth trabalhava com movimentos espontâneos nas suas criações, considerando algumas formas técnicas do balé, como por exemplo, a ordenança realizada de um gesto a outro. Porém, o principal objetivo não era fazer perfeitamente e com rigidez como se exigia no balé, mas sim, utilizá-los para trazer mais beleza à coreografia. Ao conhecer Ted Shawn, este que foi considerado pioneiro da dança moderna livre, passam a trabalhar juntos, ambos se apaixonam e se casam em 1914. Porém, esse relacionamento não se prolongou por muito tempo, o casal se divorcia, dando fim a escola (HASS e GARCIA, 2006).

Após esse fato, ele segue em carreira solo, fazendo aberturada escola All Male

Dance Group, a qual, de acordo com Hass e Garcia (2006, p. 91), “contribuiu para tentar

extinguir preconceitos além de dar ênfase à dança dos índios. Acreditava que a dança era um verdadeiro instrumento de expressão viril do homem”. Como característica específica desta escola, o ensino era destinado somente para homens.

Mary Wigman, “em 1920 fundou em Dresden sua escola, mas foi obrigada pelo regime nazista a fechá-la e, apenas em 1945, consegue reabri-la após o término da guerra” (HASS e GARCIA, 2006, p. 92). Sua arte encarnava muito as danças primitivas,

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Considerado um precursor da dança moderna, pois se deteve também a estudos relacionados às leis do movimento (HASS e GARCIA, 2006, p. 92).

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ela usava máscaras nas suas apresentações porque acreditava que enquanto dançava seu corpo era possesso por forças sobrenaturais. Ela foi vista como uma grande encorajadora de seus bailarinos, pois os intimava a não copiar movimentos, mas sentir o seu corpo em cada gesto, deixando-se levar pela emoção. Foi também considerada uma influente intérprete e representante na dança expressionista alemã.

Rudolph Laban, dançarino e coreógrafo da ópera de Berlim, também frequentou a ópera de Paris, além de ser considerado um pioneiro da dança moderna. Para ele, “a dança é essencialmente uma poética dos movimentos do corpo no espaço, sendo o espaço concebido a partir do corpo do bailarino e de seus limites” (SIQUEIRA, 2006, p. 77). Formado em Arquitetura, carregava o olhar da geometria e do espaço em sua linguagem coreográfica. Chamou o seu conhecimento de Arte e Movimento, seus bailarinos dançavam muitas vezes utilizando formas geométricas em suas peças, unindo assim, a ciência à dança. Mantendo-se focado no corpo em movimento, Laban realizava momentos em suas aulas em que dizia aos bailarinos para dançarem sem utilizar música, utilizando-se somente de falas. Esse método chamou de Dança-Tom-Palavra (TRAVI, 2011). Para ele, a fala estava no movimento do corpo, independente de qual modalidade de dança estivesse instaurada, havia possibilidade de linguagem.

Kurt Jooss foi um aluno de grande importância para a carreira de Laban, o qual se tornou muito influente profissionalmente, trabalhando como dançarino, professor, diretor e coreógrafo. Seguia o seu método de ensino, sendo referência na dança moderna, sendo considerado um precursor da dança cênica, fundando o Ballet Jooss e também a escola Folkwang Hochschulle, em 1926 (HASS e GARCIA, 2006).

Considerada um grande ícone da dança moderna, Martha Graham aprimorou e estabeleceu ainda mais importância a essa arte, fundando a escola Martha Graham

Dance Company em 1926. Assim, Hass e Garcia (2006, p. 93) propõem que “sua técnica

fundamentava-se nas mudanças físicas do corpo, no momento da inspiração e expiração, desenvolvida a partir dos princípios de contração e relaxamento”.

Graham buscava uma composição coreográfica para sua dança, focada no que o corpo poderia sentir em cada movimento muscular executado. Também se utilizou da dramatização e respiração em suas coreografias, diferenciando-se do balé clássico que procurava trazer a ilusão de movimentos leves e harmoniosos. Desejou que sua dança

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demonstrasse a tensão do corpo e o esforço realizado durante os gestos. Para ela, a expressão estava no interior do bailarino e essa era a maior responsabilidade dele, trazer para fora essa verdade de forma intensa, possibilitando ao apreciador o contato com suas emoções interiores.

Em conformidade com Travi (2011), Pina Bausch criou a Dança-Teatro Alemã, e fez uso de sua técnica para expressar o contexto político e social, trazendo uma dimensão maior para dança contemporânea. Em 1973, se torna diretora da companhia

Wuppertal Tanz Theatre, aonde construiu coreografias que foram levadas a Ópera de

Paris. Foi considerada uma grande observadora, com muita sensibilidade. Suas coreografias tinham como característica a desconstrução de tudo que havia sido implantado anteriormente em relação à técnica e a estética, inclusive dançava de pés descalços e com roupas que não eram consideradas glamorosas para espetáculos. Gostava de conhecer seus bailarinos, instigando-os a expressar suas vivências, aprendizados e memórias de suas vidas na dança.

Compreende-se que a dança de Pina Bausch era, muitas vezes, vista como algo indefinido, pois estava atrelada à singularidade da demonstração de cada bailarino, ao se expressar em gestos, ela desejava que sentissem a paixão pela arte, não se detendo em passos técnicos e bem ensaiados. Desejava que o corpo dançante realmente fosse como um livro, ao qual o amador pudesse ler enquanto este estivesse em movimento.

Refletindo acerca de todos esses períodos destacados, a respeito dos fatos históricos da conceituação da dança e da maneira como ela foi se inserindo no âmbito social, sendo diferenciada em cada cultura e padronizada a diversas modalidades e técnicas específicas, permitimo-nos pensar de acordo com Siqueira (2006, p. 95) o qual menciona que “a dança contemporânea constitui-se em um conjunto de danças de diversas orientações, interpretadas por dançarinos de formações variadas e criadas por coreógrafos que têm objetivos diferentes ao usar o corpo para expressar alguma coisa”.

Muitas coreografias contemporâneas são realizadas a partir do conjunto de diversas modalidades, usam-se passos de Street Dance (dança de rua) e Jazz12, junto

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Essa dança teve origem africana, em solo norte americano, a partir da segunda metade do século XVll, quando chegaram os primeiros navios negreiros no sul dos Estados Unidos. Os primeiros dançarinos de Jazz foram os negros que deram seus primeiros passos em praças públicas, num movimento de libertação.

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com gestos de balé clássico e outros estilos. É devido a essas misturas de movimentos que a dança contemporânea ainda encontra dificuldades para ser especificada e definida, pois ela possibilitou pensar o corpo como sendo o objeto que traz forma a dança e não o contrário.

Dessa forma, finaliza-se esse primeiro capítulo, entendendo a importância que a arte da dança representa na história da humanidade, presente desde a época primitiva, se adequando com o passar do tempo e se diferenciando nas culturas como forma de comunicação. Em decorrência disso, o segundo capítulo será dedicado ao estudo do corpo, principal instrumento da dança, fonte de representações, sensações e experiências.

Pintaram os rostos de branco, deixaram a sensualidade da raça fluir naturalmente, nos movimentos. Aos poucos foram se expressando em palcos espalhados pelos Estados Unidos (ANDERSON, 1978, p. 128).

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2. ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE O CORPO

Encontram-se muitas pesquisas e estudos referentes ao corpo; diversas áreas do conhecimento buscaram conceituá-lo e defini-lo a partir de suas acepções. Mas pensar esse corpo que se movimenta a todo tempo nessa interação com o outro e com o mundo, produzindo história e cultura, que está atrelado a ações que constituem nele representações e significados, é se deparar com pluralidades de explicações, pois são muito amplas as compreensões designadas. Dessa forma, nesse segundo capítulo, abordaremos algumas reflexões atribuídas pelas áreas da ciência, como a filosofia e a medicina, as quais possibilitaram formas de entender o corpo dentro de suas especificidades, para assim, nos determos em pensá-lo no campo da psicanálise elencado como foco principal neste momento.

Através da filosofia, conceitos foram estabelecidos, de que o corpo seria constituído de alma e matéria, ou seja, soma e psique, onde mesmo sendo aspectos diferentes estariam organizados em um único conjunto. Platão refletiu sobre dois mundos que caracterizavam a existência do ser humano, um deles o inteligível da alma, que foi explicado através de três argumentos, sendo eles, da reminiscência13, do verdadeiro conhecimento14 e da contingência15. Essas concepções permitiram pensar a perspectiva de que a alma era eterna, imutável, preciosa, existindo antes da formação do corpo e exercendo função de organizá-lo e conduzi-lo ao saber.

Mesmo com a decomposição da matéria orgânica, pelo fator da morte, a alma continuaria a existir em um lugar eterno, sem fim, encontrando assim a sua plenitude. Neste sentido, a razão teria de auxiliá-la em fazer as escolhas corretas enquanto permanecesse nessa vida material. Platão compreendia que o mundo das ideias estava

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O argumento da reminiscência: temos a ideia de verdade, de bondade, desigualdade, a ideia universal de homem, etc. Ora, estas ideias nós não as tiramos da experiência; logo o conhecimento atual é recordação de uma intuição que se deu em outra vida (MONDIN, 1981, p. 60).

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Não existe ciência a não ser do verdadeiro; ora, a verdade exige correspondência entre o conhecimento e a realidade; mas o único conhecimento humano que merece o nome de ciência é o que diz respeito aos conceitos universais. Logo deve existir um mundo inteligível, universal (MONDIN, 1981, p. 60).

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totalmente impregnado em uma realidade imaterial, o qual não se explicaria concretamente.

O outro mundo instituído por Platão foi o do sensível do corpo, que se referia ao entendimento do que é material, real, o que se pode tocar e sentir. A alma teria a intuição e percepção do meio e daria o significado da existência ao corpo. Então o mundo sensível seria responsável pela existência do inteligível, pois se estabelece junto a este. Segundo Mondin (1981, p. 68) ele dividiu a alma em três formas:

[...] a alma racional, a alma irascível e a alma concupiscível. Elas se encontram, respectivamente, na cabeça, no peito e no ventre. A alma racional é como o cocheiro, as outras são dois cavalos que puxam o coche, guiado pelo cocheiro. Ora, um dos cavalos é bom e belo (a alma irascível), o outro é mau e feio (a alma concupiscível); o cavalo bom é obediente ao cocheiro, o outro é rebelde e dá muito trabalho ao companheiro de jugo e ao cocheiro.

Nesse contexto, o autor enfatiza o fato de que a alma racional tem como objetivo permitir os saberes e as compreensões sensatas sobre a vida, enquanto a irascível seria responsável pelas emoções, e a concupiscível em satisfazer os desejos sexuais. Platão pensava que não se poderia viver neste mundo concreto sem pensar no eterno, e que o homem deveria buscar a eternidade, pois só encontraria a plena realização da felicidade nela. Mas para que isso se concretizasse, essa alma precisaria ser totalmente correta, pura, sem erros, caso contrário não alcançaria a eternidade.

Aristóteles também estabeleceu suas concepções de pensar o corpo. Pelo seu caráter objetivo e realista rejeitou e rompeu com a teoria proposta por Platão, conforme Lara (1989, p. 131), “não existe o mundo das ideias. O que existe é o mundo do concreto, dos indivíduos”. Ele manteve um pensamento sistemático e metafísico, refletindo o homem como sendo um ser racional, político e animal. Não acreditava em uma vida eterna, onde a alma viveria a plenitude da felicidade desejada, que não se encontrou neste mundo material, confiava na ciência como sendo mais validado que sensações e sentimentos, além de entender que as coisas só eram reais se fossem concretas, palpáveis e visíveis aos olhos, então caracterizou a alma como o fator que proferia vida ao corpo, ou seja, ela servia-o em suas necessidades. Exemplo disso seria o que chamou

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de hilemorfismo16, que estava caracterizado na explicação de que o corpo é uma substância que se movimenta pela sua concepção física.

Para ampliar este pensamento, Mondin (1981, p. 99) expressa que:

Segundo Aristóteles, o homem, como todos os seres que têm matéria, é constituído de matéria e forma. No caso do homem, a matéria chama-se corpo e a forma, alma. Com esta teoria, dada a profunda união entre a matéria e forma, Aristóteles consegue superar de um salto o dualismo de Platão. Por causa de sua íntima união com o corpo, a alma humana não pode preexistir ao corpo como ensinava Platão, mas constitui com o corpo a “pessoa” humana em sua unidade substancial. Ela não pode nem mesmo identificar-se com elementos dos quais é composta a matéria orgânica, porque é irredutível e inconfundível com eles e com a sua soma. A alma não é produto das condições fisiológicas, mas a forma do corpo, o qual recebe dela o ser e o operar.

Conforme o autor, o ser humano é racional segundo Aristóteles, e se diferencia dos demais seres pelas atividades que executam cotidianamente. A alma foi qualificada por ele como tendo três utilidades: função vegetativa, sensitiva e intelectiva17. Todas elas estariam entrelaçadas ao homem como fundamentos específicos na capacidade de pensar, raciocínio lógico e intelectual, possibilitando ao ser humano a construção da moralidade, inteligência e a busca pela satisfação de prazeres e desejos. A alma, em sua definição, é caracterizada como a própria vida, enquanto ela existe o corpo existe, quando ele chega a finitude, ela tem fim.

Assim, podemos dizer que os filósofos clássicos contribuíram com importantes colocações em seus estudos para entender o ser humano. Do dualismo Platônico para o idealismo Aristotélico, estabeleceram-se diferenciações na forma de perceber o corpo. Passou-se da concepção de homem com uma alma eterna e divinizada, para um homem racional que agrega conhecimento pela razão e inteligência, que são fatores buscados durante a vida em seus aprendizados e relacionamentos com o outro. Ambos tornaram-se influentes na filosofia por meio de suas colocações.

Já no ramo da medicina o corpo foi visto em sua forma biológica, fisiológica e anatômica. O saber científico tratou de especificá-lo como sendo um instrumento de

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Essa doutrina de Aristóteles foi chamada de hilemorfismo, por causa das duas palavras gregas: hylé=matéria; morphé=forma (LARA, 1989, p. 132).

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A função vegetativa tem como finalidade a nutrição e a conservação do corpo espécie. Já a função Sensitiva, é exercida de dois modos: pelo conhecimento (cinco sentidos externos e três internos: sentido comum, memória e fantasia) e pelo apetite (irascível e concupiscível). E a função Intelectiva é exercida de três modos: pela abstração, pelo juízo e pela argumentação (MONDIN, 1981, p. 100).

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investigações. Ao longo da história da medicina percebe-se que esse corpo foi estudado em sua condição organicista para se encontrar tratamentos e soluções de doenças. Tornou-se objeto de pesquisa e passou a servir para experimentações medicamentosas, tecnológicas, entre outras.

Com a influência do Renascentismo surgiram novos experimentos, como os exames corporais e cirúrgicos que possibilitaram ver o corpo como anatômico, este que é demonstrado através da dor e revelado pelas doenças e seus sintomas, de acordo com Ferreira e Castro-Arantes (2014, p. 41) “a anatomia estava atrelada à fisiologia em sua origem, ou seja, em torno do entendimento da funcionalidade desse aparelho orgânico”. A esse corpo foi atribuído diagnósticos que passaram a explicar e significar as doenças.

Barreto (2014) relata que o corpo foi visto como mecanizado, semelhante a uma máquina, onde o saber médico se voltou para as patologias, procurando deter a dor do paciente através da prescrição de tratamentos possibilitadores da cura. Seguindo nessa compreensão, percebe-se que o médico se tornou um técnico, sua intervenção sobre o corpo passou a ser objetiva e minuciosa, reescrevendo-o e reinserindo-o ao social, por meio dos processos tecnológicos existentes na medicina, trazendo transformações para a vida dos indivíduos. Sua finalidade enquanto profissional não é escutar as causas que acarretaram os sintomas, pois mesmo com a implantação da clínica médica que possibilitou ao paciente falar da perspectiva de sua doença, a fim de ser examinado e avaliado mais detalhadamente, não houve mudanças na forma de ver o corpo, o mesmo continuou a ser visto como um objeto, onde o diagnóstico o específica dentro de uma classificação, determinando-o.

Por esse motivo, a partir desse momento nos dedicaremos a trabalhar o corpo sobre o olhar da psicanálise. Com a criação da teoria psicanalítica o conceito de corpo é revolucionado por Sigmund Freud, médico e neurologista, considerado pai e fundador da psicanálise. Em sua abordagem, a compreensão de corpo não é limitada e reduzida às questões biológicas ou orgânicas, sua concepção é explicada e constituída através da ligação que se tem com o psiquismo.

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inconsciente18, a partir de observações em suas pacientes que sofriam de paralisias no corpo, onde os sintomas apresentados por elas não se remetiam a causas orgânicas. Em seu texto, Fragmentos da Análise de um Caso de Histeria (1901/1905, p. 19), ele mencionou que “os sintomas histéricos são a expressão de seus mais secretos desejos recalcados, a elucidação completa de um caso de histeria estará fadada a revelar essas intimidades e denunciar esses segredos”.

Ainda segundo o autor o corpo começou a ser visto como cenário responsável por dar sentido e significar os sintomas, então este corpo, como instrumento representativo, colocava-se a falar de algo que estava atrelado ao inconsciente e que não poderia ser dito verbalmente pelas pacientes. Esse movimento foi nomeado de conversão histérica, pois era através disso que o corpo sintomatizava dando existência ao que estava recalcado.

Levin (1995, p. 238) refere-se a histeria, destacando que “para a histérica não é a legalidade anatômica a que tem primazia, já que sua paralisia está ligada à representação, ao desejo, e não à anatomia ou à máquina muscular”. Compreendendo o que o autor relata, se entende que o corpo necessita ser representado psiquicamente, é assim que ele ganha existência, se diferenciando das demais concepções estabelecidas pela ciência e também do corpo de um animal, pois é possuidor de um universo simbólico19.

O autor ainda traz contribuições em outro texto, O Gesto e o Outro: O Visível e o

Invisível (1990, p. 69) acrescentando que, "o discurso corporal é parte então da

linguagem, tomado como estrutura, de onde opera o inconsciente do sujeito", ou seja, para ele o corpo fala e o inconsciente não fica separado da matéria orgânica, pois o

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O inconsciente denota assim tudo que não é consciente para um sujeito, tudo o que escapa à sua consciência espontânea e refletida. Ao propor a hipótese de um lugar psíquico especificamente referido a uma espécie de “consciência inconsciente”, Freud não inventa um conceito propriamente falando. No máximo deu a um termo já existente um sentido novo, que empenharia em legitimar com base em suas investigações pessoais, isto é, a observação do que tropeça, do que escapa, cambaleia, falha em todo mundo, quebrando, de uma maneira incompreensível, a continuidade lógica do pensamento e dos comportamentos da vida cotidiana: lapsos, atos falhos, sonhos, esquecimentos e, de modo mais geral, os sintomas compulsivos dos neuróticos, cuja significação paradoxal ele descobre na clínica da histeria (KAUFMANN, 1996, p. 158).

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Termo extraído da antropologia e empregado como substantivo masculino por Jacques Lacan, a partir de 1936, para designar um sistema de representação baseado na linguagem, isto é, em signos e significações que determinam o sujeito à sua revelia, permitindo-lhe referir-se a ele, consciente e inconscientemente, ao exercer sua faculdade e simbolização (ROUDINESCO e PLON, 1998, p. 714).

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sujeito20 e o corpo são uma interface. É através da inserção da linguagem que nos tornamos sujeitos imersos em um corpo, e não sendo somente um corpo, a isso está atrelada toda a cadeia discursiva e a simbolização marcada pelo Outro21.

No decorrer de seu trabalho através da clínica psicomotora, o autor, mediante suas análises, retratou que o discurso linguístico é estruturante, aprimorando-se desse corpo, e que a linguagem não o separa do inconsciente e da consciência, mas que o sujeito é constituído corporalmente por meio de ambos, para complemento da ideia. Levin (1990, p. 81) menciona que “o corpo é efeito da linguagem e não ao contrário, sustenta-se enquanto tal pela linguagem, suas leis que o sustentam, o atravessam e o regem. É a linguagem que cria um sujeito e, com ele, o seu corpo”.

Dessa forma o corpo torna-se uma constituição, não estando pronto ou sendo pré-determinado pela sua condição biológica. Ele passa a ser lugar de vivências, histórias e representações, sendo existente também no inconsciente através da linguagem. Conforme Ferreira e Castro-Arantes (2014, p. 45) é importante destacar e lembrar que “ao nascer, o bebê não possui um corpo estruturado, mas um pedaço de carne amorfo, sem que não tendo um corpo constituído a priori, vive a partir dos cuidados da mãe”. Em concordância com as autoras, constituímo-nos psiquicamente desde o nascimento até a finitude da vida. O bebê, com seu corpo material, passa a ter sua existência significada a partir dos cuidados e do investimento do Outro materno, que através dos significantes22 estabelece sua relação com o mundo.

Antes mesmo de seu nascimento, passa a ter esse corpo inserido por meio das funções parentais, que lhe designam palavras de carinho e importância, tornando-o um corpo de representações. Mesmo não estando propriamente formado organicamente, já

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Em psicanálise, Sigmund Freud empregou o termo, mas somente Jacques Lacan, entre 1950 e 1965, conceituou a noção lógica e filosófica do sujeito no âmbito de sua teoria do significante, transformando o sujeito da consciência num sujeito inconsciente da ciência e do desejo (ROUDINESCO e PLON, 1998, p. 742).

21 Outro é um termo utilizado por Jacques Lacan para designar um lugar simbólico – o significante, a lei, a

linguagem, o inconsciente, ou, ainda, Deus – que determina o sujeito, ora de maneira externa a ele, ora de maneira intra-subjetiva em sua relação com o desejo (ROUDINESCO e PLON, 1998, p. 558).

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Termo introduzido por Ferdinand de Saussure (1857-1913), no quadro de sua teoria estrutural da língua, para designar a parte do signo linguístico que remete à representação psíquica do som (ou imagem acústica), em oposição à outra parte, ou significado que remete ao conceito. Retomado por Jacques Lacan como um conceito central em seu sistema de pensamento, o significante transformou-se em psicanálise, no elemento significativo do discurso (consciente ou inconsciente) que determina os atos, as palavras, e o destino do sujeito, à revelia e à maneira de uma nomeação simbólica (ROUDINESCO e PLON, 1998, p. 708).

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existe para os pais em seus desejos. Quando estes lançam sobre o bebê caracterizações a respeito de como ele será, por exemplo, a cor dos cabelos, olhos e pele, ou com qual familiar se parecerá, já estão determinando a pré-existência de um sujeito. Levin (1990, p. 54) acrescenta, “o corpo é um significante, o que não quer dizer que não seja material: pelo contrário, é um material visível e audível. Tudo o que pertence à ordem do corporal está regido e incluído na cadeia simbólica”.

Neste sentido, ao pensarmos no bebê e em sua constituição psíquica ao nascer, se sabe que no primeiro momento de vida ele possui uma extrema dependência da função materna, pois esta empresta seu corpo para que este se insira tanto no círculo familiar, como no meio social. Quando sente fome, é preciso que alguém escute e interprete sua necessidade. Para que isso aconteça, essa mãe deve ter em si uma capacidade libidinal23 de investimento sobre esse corpo do bebê.

Levin (1990, p. 69-70) acrescenta que “quando este corpo é metaforizado pelo desejo, a palavra, a demanda do Outro, se produz uma diferença, uma oposição, uma falta pela qual esse puro “corpo-coisa” cai, se perde, dando lugar ao corpo desejante de um sujeito”, conforme vai se dando a metaforização e construção do desejo pela inscrição do Outro, esse bebê vai sendo estruturado singularmente enquanto sujeito subjetivado, e é através disso que ele vai se conhecendo e percebendo seu corpo, no decorrer de seu desenvolvimento.

Freud (1905), em Três Ensaios sobre a Sexualidade, vai especificar o corpo na infância, permeado a sexualidade, relatando que todo o cuidado e investimento da mãe sobre este corpo geram nele prazeres de ordem sexual, por isso ele vai dizer que o bebê se satisfaz através do sugar do seio materno, pois é suprindo sua fome que se instaura a primeira experiência de satisfação, esta que é o prazer que a mãe possibilita a ele vivenciar. Nesse momento ela ativa no bebê a circulação pulsional, tornando esse corpo erotizado, e precipitando a inserção de um sujeito subjetivado. Dessa forma, a boca se torna a primeira zona erógena, pois, através dela, o bebê tem o primeiro contato com o

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Libido é explicada como termo latino (libido = desejo), inicialmente utilizado por Moriz Benedikt e, mais tarde, pelos fundadores da sexologia (Albert Moll e Richard Von Krafft-Ebing), para designar uma energia própria do instinto sexual, ou libido sexuais. Sigmund Freud retomou o termo numa acepção inteiramente distinta, para designar a manifestação da pulsão sexual na vida psíquica e, por extensão, a sexualidade humana em geral e a infantil em particular, entendida como causalidade psíquica (neurose), disposição polimorfa (perversão), e amor-próprio (narcisismo) e sublimação (ROUDINESCO e PLON, 1998, p. 471).

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seio, que é o objeto do qual ele obtém o alimento que precisa, pois neste momento a sexualidade, para Freud, está entrelaçada às questões das necessidades fisiológicas do homem.

Nesse período do desenvolvimento infantil, não é determinado um objeto específico para se redirecionar ao prazer sexual, a criança o sacia por intermédio das pulsões parciais24, que são importantes no auxílio da sua constituição psíquica. Essas pulsões podem estar focadas nos órgãos do corpo e os prazeres serem retirados deles, como acontece ao chupar o próprio dedo, por exemplo, pois essa ação irá provocar na criança o desejo de repetição, e por conta disso se dará o escoamento da pulsão, é especificado por Freud como sendo a fase autoerótica. Nessa via de entendimento, o corpo é marcado por uma falta, a qual acontece ao deixar o seio e se reportar a outras fontes. A pulsão então, sempre estará em uma posição de alternância, conforme acontecer a alternância do objeto. Por isso, o corpo da psicanálise é carregado de sexualidade, está à procura de satisfação de prazeres já no início da estruturação subjetiva (FREUD, 1905).

Novamente Freud (1915, p. 159), no texto Os Instintos e suas Vicissitudes, resgata o conceito de pulsão (Trieb), associando-a às fontes somáticas do corpo, propondo conceituá-la como:

Por “pulsão” podemos entender, a princípio, apenas o representante psíquico de uma fonte endossomática de estimulação que flui continuamente, para diferenciá-la do “estímulo”, que é produzido por excitações isoladas vindas de fora. Pulsão, portanto, é um conceito da delimitação entre anímico e o físico.

A partir deste instante, a pulsão é entendida como um limite existente entre o somático e o psíquico, ou seja, através dela se estabelece uma ligação do corpo com o psiquismo, diferentemente dos estímulos, que são caracterizados por meio da fisiologia como sendo parte do mundo exterior. Estes atingem o corpo como uma estimulação

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As pulsões parciais eram, portanto, os elementos últimos a que se podia chegar na análise da sexualidade e não partes da pulsão sexual, considerada como uma totalidade. Não é a pulsão sexual, considerada como um todo, que ao se fragmentar produz as pulsões parciais, mas ao contrário, estas é que são elementos primeiros a partir dos quais se vão constituir as organizações da libido. As pulsões parciais começam a funcionar num estado anárquico, inorganizado, que caracteriza o autoerotismo; enquanto umas estão ligadas a uma zona erógena determinada, outras são independentes e definidas pelo seu alvo (GARCIA-ROZA, 2009, p. 101).

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externa, que vem de fora, quando se apresentam ao aparelho neural, o arco reflexo realiza, por meio de uma resposta motora do corpo, mecanismos de fuga que são estabelecidos no sentido de livrar-se desses estímulos. No entanto compreende-se que o sistema nervoso central é responsável pela função de dar conta e manter uma harmonia entre os estímulos externos que surgem. A pulsão, dessa forma, tem como significado a ideia de impulso interno, que acontece constantemente no corpo, podendo ser exemplificada pela mucosa do estômago que ocorre internamente, não havendo formas de fuga ou dimensão (FREUD, 1915).

Um instinto, por outro lado, jamais atua como força que imprime um impacto momentâneo, mas sempre como um impacto constante. Além disso, visto que ele incide não a partir de fora, mas de dentro do organismo, não há como fugir dele. O melhor para caracterizar um estímulo instintual seria „necessidade‟. O que elimina uma necessidade é a „satisfação‟. Isso pode ser alcançado apenas por uma alteração apropriada („adequada‟) da fonte interna de estimulação (FREUD, 1915, p. 124).

Ainda nesse texto, o autor reintroduz os termos que explicam mais detalhadamente os caminhos que a pulsão possui no seu funcionamento. Sendo estes, pressão [Drang], finalidade [Ziel], objeto [Objekt] e fonte [Quelle]. Através do termo pressão, entende-se que a pulsão age como força constante, buscando sempre a satisfação, que é nomeada e determinada como finalidade. O objeto é especificado como algo que se busca mediante o desejo, e para que este seja alcançado a pulsão se manterá pressionando até que o obtenha. E a fonte pode ser entendida como o organismo, pois é o local onde se originam as pulsões. Pelos conceitos determinados pela psicanálise, através de Freud, sobre o corpo, por meio da pulsão, compreende-se que ela exerce função de liberação de descarga e encontro da satisfação que é procurada pelo sujeito (FREUD, 1915).

O autor também se reporta a uma vicissitude específica da pulsão, sendo a sublimação ao qual, de acordo com Roudinesco e Plon (1998, p. 734), é exposto que ao conceituar o termo, Freud direciona-a “para dar conta de um tipo particular de atividade humana (criação literária, artística, intelectual) que não tem nenhuma relação aparente com a sexualidade, mas que extrai sua força da pulsão sexual”. A sublimação entra como uma função norteadora da pulsão sexual, onde desencadeia a libido a um objeto que não

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é sexual, por exemplo, em tarefas executadas no cotidiano, como para a criança a aprendizagem e o trabalho para o adulto, onde, sobre essa atividade, é lançada toda a força e energia como desejo de aprender.

Dessa forma, compreende-se que o corpo na psicanálise é como um livro onde se inscreve e se reporta a história do sujeito. Ele tem a função de fala, pois é atravessado pela linguagem que permite a enunciação da palavra, sendo expresso em corporalidade e marcado como o espaço que se efetivam e registram-se memórias.

É um corpo atrelado ao desejo, que vem devido à necessidade de buscar um reencontro com a primeira experiência de satisfação. Essa busca se torna constante a cada momento, pois o sujeito depara-se em uma relação com o seu próprio corpo distante, ou seja, por isso espera no Outro o endereçamento da palavra. O desejo fica então, em um estado de insatisfação, fundamentado na busca do objeto perdido.

Por intermédio dessas reflexões sobre o corpo se conclui o segundo capítulo, compreendendo as relações e percepções designadas a ele. Seguindo na escrita, se percebe a importância de relatar no terceiro capítulo, através de uma amarragem do corpo na dança, pelo contexto trazido pela psicanálise.

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3. O CORPO NA DANÇA CONTEMPORÂNEA E SUA RELAÇÃO COM A PSICANÁLISE

Partindo de todas as contribuições teóricas realizadas nos capítulos anteriores, as quais permitiram compreensão acerca do assunto estimado, segue-se nesse terceiro capítulo a reflexão sobre o corpo dançante na modalidade contemporânea dentro das contribuições da teoria psicanalítica.

A dança contemporânea, como descrita no primeiro capítulo desta pesquisa, permite ao dançarino sair dos padrões que eram determinados pela técnica do balé clássico. Isso permite que o dançarino se desprenda da rigidez da exigência de um corpo estético, enraizado no perfeccionismo, onde o grande objetivo era a idealização performática.

Quando na dança foi introduzido o estilo contemporâneo, o corpo passou a desafiar-se, pois os movimentos já não eram mais determinados por uma técnica específica que o conduzia. Paludo (2007, p. 10) relata em seu texto, A Dança como um

Movimento em Direção ao Outro, que:

Penso a dança, - e aí preciso falar na primeira pessoa – realmente como uma emergência da carne, como meio de expressão. Na forma mais bruta, e paradoxalmente, mais sutil, de expressão. A expressão em sua configuração primeira, onde o empenho de corpo todo era pressuposto para que os significados expressivos se constituíssem.

O dançarino contemporâneo é remetido a influências e interferências do meio social e de si mesmo. Dessa forma, surge um novo corpo carregado de novos recortes e história. Pode-se dizer que esse novo corpo vem marcado pela liberdade de movimentos, que muitas vezes acontecem de forma espontânea, onde existe uma ansiedade instaurada a ser o de se permitir encontrar a forma mais íntima, a excessiva busca pela expressão. De acordo com Paludo (2007), pode-se pensar que o corpo é semelhante a um palco de mistérios a serem descobertos e expostos na dança.

Freud (1923/1925, p. 28), a partir da teoria psicanalítica, passa a mencionar ainda mais a importância do inconsciente, por estudar e analisar a estrutura histérica, como já explicado no segundo capítulo. Ele relata que obtemos esse conceito a partir da teoria da

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repressão, onde “o reprimido é, para nós, o protótipo do inconsciente”. Por meio da descoberta do sujeito do inconsciente e da construção de um corpo sustentado pela representação e atravessado pela linguagem, pode se associar a dança a uma atividade motora que se inscreve no corpo, estando implicada na subjetividade do dançarino, pois quando se movimenta, seu corpo responde por ele.

Pode-se dizer ainda que, semelhante ao método da associação livre, que permite ao sujeito simbolizar, por intermédio da fala, conteúdos que estiveram recalcados. O dançarino, através dos seus movimentos, se reporta a memórias que estão para além do seu alcance. Assim, acontecem projeções para esse corpo, as quais não vemos, pois são do âmbito do invisível, do não dito verbalmente, do impalpável. Mas quando remetidas ao corpo são exteriorizadas, ganhando forma e sendo trazidas ao estado da realidade. Carregados de traços, impressões e lembranças, nascem os movimentos e gestos, “assim o inconsciente está também no corpo que dança” (SOLDANO, 1992, p. 42).

Levin (1995, p. 74) trabalha sobre o gesto como significante, explicando que o corpo humano recebe significação destes por ser estabelecido na linguagem. Dessa forma, “um movimento se transforma em gesto, tanto quanto e enquanto haja um Outro que capte neste movimento uma significação”. A partir disso, pode-se pensar que toda dança acontece por meio do que o corpo consegue expressar e criar. Porém, esse corpo, quando dança, vai recebendo significação dos gestos através do olhar do Outro, que dá sentido ao movimento, permeando esse corpo de um gozo. Por meio do investimento desse olhar, ele se estabelece simbolicamente nesse contexto, observando-o como um corpo linguístico, sendo possível refletir que os movimentos se tornam significantes para o dançarino.

Seguindo de acordo com a lógica mencionada anteriormente, percebe-se que as diversas construções e modificações de movimentos que acontecem na dança, não são dimensionadas ou determinadas pelo dançarino. Este permanece em um estado de disponibilidade, ele está pronto para se movimentar corporalmente, mas muitas vezes não é possível visualizar o que o próprio corpo faz, consegue apenas sentir a dança através das sensações e experiências. É o Outro, o espectador que assiste a performance, e que, através da significação desta, desenha imagens corporais projetadas pela dança no corpo do dançarino, Paludo (2007, p. 12) coloca que:

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A dança é uma forma efêmera, que existe no momento em que o corpo do dançarino está a realizar a performance. E os corpos dos espectadores, em tempo simultâneo, estão a interagir com suas respectivas recepções do ato que está sendo feito. É ali que existe a dança.

É nessa dialética que a dança acontece, nas entrelinhas, um corpo respondendo ao outro simultaneamente, por via do olhar que se corresponde ou das reações que se presenciam. Não é somente o corpo que interpreta o que está em questão, é também aquele que o aprecia visualmente, pois este é capturado por emoções que fazem com que esse corpo reaja. São experiências trocadas corporalmente, sem que o intérprete ou o amador necessitem dizer uma única palavra um ao outro. É o corpo da experiência, do silêncio, da vivência, dotado de linguagem.

Na obra Escritores Criativos e Devaneio, Freud (1907/1908, p. 135) se voltou à arte, e se questionou sobre a criatividade do artista, buscando investigar e descobrir de onde ela surge, reflete que, “[...] de que fontes esse estranho ser, o escritor criativo, retira seu material, e como consegue impressionar-nos com o mesmo e despertar-nos emoções das quais talvez nem nos julgássemos capazes [...]”.

Através da sua curiosidade o autor analisa essa situação, comparando o artista à criança, pois vai referir que ela cria para si um mundo imaginário por intermédio do brincar, onde são expressas suas fantasias inconscientes. Dessa forma, Freud (1907/1908, p. 137) vai dizer que o escritor cria para ele um mundo repleto de fantasias, e que isso é um fator importante, pois neste ele investe seus sentimentos mais profundos. Mesmo que o artista faça separação da realidade com esse mundo irreal, ele necessita deste para sustentar a sua arte, possibilitando transformar desprazeres em prazeres por via da fantasia, e acrescenta que, “as forças motivadoras das fantasias são os desejos insatisfeitos, e toda fantasia é a realização de um desejo, uma correção da realidade insatisfatória”.

É em concordância com o pensamento desse autor que se pode pensar que o dançarino está constantemente impregnado nas suas fantasias. Quando interpreta a dança, expõe no corpo, por meio de movimentos, gestos e expressões faciais, como se estivesse de fato vivendo concretamente o que está transmitindo. Pois é, o corpo em sua totalidade física e imaterial, acessando as fantasias, que se voltam às recordações

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geradoras de prazeres, estas que são perdidas no decorrer da vida e que eram originárias na infância. Nesse viés Freud (1907/1908, p. 136) vai dizer que:

Contudo quem compreende a mente humana sabe que nada é tão difícil para o homem quanto abdicar de um prazer que já experimentou. Na realidade, nunca renunciamos a nada; apenas trocamos uma coisa por outra. O que parece ser uma renúncia é, na verdade, a formação de um substituto ou sub-rogado.

É nesse sentido que o mundo imaginativo do artista torna-se o ponto de origem de sua criatividade, onde acontece, por decorrência da sublimação, um desvio de investimento pulsional para a arte. Podendo assim, direcionar o sofrimento, a angústia e a busca da realização de prazer, para as criações coreográficas. É através delas que o dançarino compartilha seus desejos inconscientes com o público, onde estes também possuem seus próprios desejos, e através do que assistem podem se remeter a estes.

Como já dito anteriormente, a pulsão, em Freud (1915), está ligada ao desempenho energético do corpo. Ela é também, um representante psíquico, que é responsável por transformar e determinar os caminhos do que é sentido, como uma pressão em descarga. Então a pressão, como parte do corpo somático, é entrelaçada ao desejo, sendo entendido como algo que falta e que precisa ser encontrado, deixando uma condição de insatisfação no sujeito.

Segundo Alves (2009, p. 346), “se o sujeito do desejo é movido por uma falta intangível que o mobiliza na tentativa de dar conta desta falta, a dança, por sua vez, acontece em resposta à necessidade humana de criar linguagens que atendam a essa falta pulsante”. De acordo com esse autor, o corpo se utiliza da dança como instrumento fonte de descarga pulsional. Na dança, esse corpo sempre é impulsionado no sentido de desejar mais e mais dançar, de querer um novo movimento a cada instante. É nessa insatisfação, que surge a falta instaurada no desejo, impulsionando o dançarino a criar e recriar seu corpo dançando, pois ele procura sempre um retorno da última experiência de satisfação para ir ao encontro de novas, então se satisfaz gozando de seu próprio corpo. Paludo (2007, p. 11) relata uma experiência marcante em um solo que realizou, onde menciona que, um dia após o término da apresentação, sentia como se estivesse ainda dançando “posso perceber o resto da sensação do movimento, como se minhas células todas dançassem, ainda”. Acompanhando a colocação da autora, é notável a

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energia que percorre o corpo do dançarino, não podendo ser dimensionada ou limitada. Transmitindo o que interiormente está pulsando, revelando segredos. É o corpo dançando em suas dimensões que estão além do orgânico, pois este também está remetido ao inconsciente. É a subjetividade do sujeito sendo expressada.

Referências

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