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Assédio moral: uma questão atual do trabalhador do SUS da Macrorregião Missioneira/RS

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Academic year: 2021

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UNIJUÍ – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

DCVida – DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS DA VIDA

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM SAÚDE MENTAL

ASSÉDIO MORAL: UMA QUESTÃO ATUAL DO TRABALHADOR DO

SUS DA MACRORREGIÃO MISSIONEIRA/RS

PATRÍCIA FELDEN TORMA

Ijuí – RS 2013

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PATRÍCIA FELDEN TORMA

ASSÉDIO MORAL: UMA QUESTÃO ATUAL DO TRABALHADOR DO

SUS DA MACRORREGIÃO MISSIONEIRA/RS

Trabalho de Conclusão de Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Saúde Mental para obtenção do título de Especialista em Saúde Mental da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ.

Orientador: Prof. Nilson Heidemann

Ijuí – RS 2013

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UNIJUÍ – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

DCVida – DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS DA VIDA

ASSÉDIO MORAL: UMA QUESTÃO ATUAL DO TRABALHADOR DO

SUS DA MACRORREGIÃO MISSIONEIRA/RS

elaborada por

PATRÍCIA FELDEN TORMA

como requisito parcial para obtenção do título de Especialista em Saúde Mental

Banca Examinadora:

Prof. Nilson Heidemann (UNIJUÍ): ________________________________________ Profª Solange Maria Schmidt Piovesan (UNIJUÍ): ____________________________

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Aos profissionais da saúde do SUS que já enfrentaram o assédio moral no seu trabalho.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço ao orientador Nilson Heidemann, por aceitar a causa e ser parceiro nesta investigação, colaborando com seu conhecimento e contendo minhas angústias e ansiedades.

Aos responsáveis pela Política de Saúde do Trabalhador dos municípios que contribuíram no contato com os trabalhadores, oportunizando a realização das entrevistas.

Aos trabalhadores entrevistados que prontamente se dispuseram a participar e confiaram neste processo, trazendo valiosas contribuições para a conclusão desta pesquisa.

Aos amigos e colegas que contribuíram, de forma direta e indireta, com a troca de ideias e experiências.

Aos familiares que tiveram paciência com a minha ausência, apoiando e incentivando para a realização deste trabalho.

Em especial ao marido Francisco Torma, que ouviu minhas angústias, participou de debates acerca do tema, estimulou a me dedicar ao máximo em todo processo e me fez acreditar que daria certo.

E ao meu bebê, que do ventre acompanhou todo processo e suportou junto o cansaço, as poucas horas de sono e a indisposição, mantendo-me a persistência para dar conta da conclusão desta monografia.

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RESUMO

Este estudo tem como principal objetivo identificar os fatores desencadeantes do assédio moral nas relações de trabalho do trabalhador do SUS da Macrorregião Missioneira/RS. Sustenta-se na revisão bibliográfica e nas entrevistas realizadas com trabalhadores do SUS que foram vítimas de assédio moral e que receberam atendimento psicológico no CEREST no período de Julho de 2008 a Novembro de 2011. O contato com os trabalhadores foi realizado pelos responsáveis pela Política de Saúde do Trabalhador dos municípios e as entrevistas foram realizadas pela pesquisadora, sendo gravadas e transcritas neste trabalho. A análise do material coletado foi realizada com apoio da bibliografia consultada. Com a conclusão da investigação foi possível perceber que as condições de trabalho precárias, as interferências da política partidária e a problemática do poder estão entre os principais fatores degradantes das relações de trabalho e causadores de assédio moral entre os trabalhadores do SUS da Macrorregião Missioneira e ações preventivas podem e devem ser realizadas a partir destas constatações.

Palavras-chave: Assédio Moral, Saúde do Trabalhador, Sistema Único de Saúde

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ABSTRACT

This study's main objective is to identify the triggers of bullying in relations with the employee of the SUS Macroregion Missioner / RS. It is argued in the literature review and interviews with workers in the SUS who were victims of bullying and receiving psychological care CEREST in the period July 2008 to November 2011. The contact was made by the workers responsible for Occupational Health Policy municipalities and the interviews were conducted by the researcher, being recorded and transcribed this work. The analysis of the material collected was carried out with support from the literature. With the completion of the investigation it was revealed that the poor working conditions, the interference of partisan politics and the problem of power are among the main factors degrading labor relations and causes of bullying among workers in the SUS Macroregion Missioner and preventive actions can and should be made from these findings.

Keywords: Moral Harassment, Occupational Health, National Health System (SUS),

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO ... 9 1 CONTEXTUALIZAÇÃO DO ESTUDO ... 11 1.1 JUSTIFICATIVA ... 11 1.2 PROBLEMA ... 13 1.3 OBJETIVOS ... 13 1.3.1 Objetivo Geral ... 13 1.3.2 Objetivos Específicos ... 13 1.4 PRESSUPOSTO ... 14 2 REVISÃO DA LITERATURA ... 15

2.1 O MUNDO ATUAL DO TRABALHO: CAMPO PREDISPONÍVEL PARA O ASSÉDIO MORAL ... 15

2.2 O SETOR PÚBLICO ... 17

2.3 ASSÉDIO MORAL E ASSÉDIO ORGANIZACIONAL ... 19

2.3.1 Assédio Moral ... 19

2.3.2 Assédio Moral Organizacional ... 26

2.4 A RELAÇÃO DE ASSÉDIO ... 28

2.5 O PODER, A AUTORIDADE E A DECISÃO ... 32

2.5.1 Poder ... 32

2.5.2 Autoridade ... 35

2.5.3 Decisão ... 37

3 PERCURSO METODOLÓGICO ... 40

3.1 TIPO DE PESQUISA ... 40

3.2 CARACTERIZAÇÃO DO ATENDIMENTO PSICOLÓGICO NA INSTITUIÇÃO ... 40

3.3 SUJEITOS DO ESTUDO ... 42

3.3.1 Obtenção do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ... 43

3.3.2 Critérios de Inclusão e Exclusão dos Sujeitos ... 43

3.4 PROCEDIMENTOS ... 43

3.5 RISCOS E BENEFÍCIOS ... 45

3.6 TRATAMENTO DOS DADOS ... 45

4 ANÁLISE E DESCRIÇÃO DOS DADOS ... 47

4.1 O OLHAR ACERCA DAS CAUSAS DO ASSÉDIO MORAL ... 47

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CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 59

REFERÊNCIAS ... 62

APÊNDICES ... 66

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INTRODUÇÃO

A presente monografia apresenta uma reflexão acerca da problemática do assédio moral nas relações de trabalho do Sistema Único de Saúde (SUS), uma questão atual dos trabalhadores do Sistema. O interesse de pesquisar esse tema se deve à experiência de trabalho da pesquisadora como psicóloga no Centro Regional de Referência em Saúde do Trabalhador – Macrorregião Missioneira, com sede em Ijuí/RS, cujas ações a colocam em contato com as inquietações acerca da temática do assédio moral no âmbito do trabalho do SUS.

O processo de trabalho em saúde apresenta diversos riscos à saúde dos trabalhadores, sejam eles físicos, químicos, biológicos, mecânicos e de acidentes, ergonômicos e psicossociais. Entre os riscos psicossociais, identificamos o assédio moral, que degrada as relações de trabalho e pode trazer muitos danos à saúde do trabalhador.

Partindo da questão de como se configura o assédio moral nas relações de trabalho do SUS, a justificativa aborda as razões que impulsionam a pesquisa e a atenção da Organização Mundial da Saúde e do Ministério da Saúde em melhorar as condições de trabalho dos seus trabalhadores da saúde. Pressupondo que algumas causas do assédio moral possam estar relacionadas às formas de configuração das relações de trabalho e que ao identificá-las é possível prevenir e intervir na sua ocorrência, esta pesquisa objetiva identificar os fatores que possam atuar na ocorrência do assédio moral, buscando contribuir para a construção de ações preventivas.

No percurso metodológico, com apoio da literatura consultada, são abordadas questões do mundo atual do trabalho, particularidades do setor público e finalidades da administração pública, a conceituação de assédio moral e assédio

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organizacional, a relação de assédio e algumas questões acerca do poder, da autoridade e da decisão.

Trata-se de uma pesquisa qualitativa por meio de entrevista com questões abertas aos trabalhadores do SUS da Macrorregião Missioneira que foram vítimas de assédio moral no trabalho. A amostra foi constituída através de levantamento de prontuários de trabalhadores do SUS atendidos no CEREST no período de Julho de 2008 a Novembro de 2011. Os trabalhadores foram contatados pelos responsáveis pela Política de Saúde do Trabalhador dos seus municípios de referência.

Os trabalhadores foram entrevistados pela pesquisadora e apresentaram sua opinião acerca dos fatores do assédio moral vivenciado. O olhar dos profissionais da saúde acerca desta questão atual aponta para possíveis causas para a ocorrência do assédio moral em seus locais de trabalho e para alguns movimentos realizados a partir do tratamento no CEREST. Apontamentos que podem contribuir para a análise do contexto e das condições de trabalho e para a construção de ações preventivas.

A presente monografia está organizada em capítulos que abordam a contextualização do estudo, a revisão da literatura, o percurso metodológico, a análise e descrição dos casos, as considerações finais e as referências.

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1 CONTEXTUALIZAÇÃO DO ESTUDO

1.1 JUSTIFICATIVA

Por trabalho entendemos a aplicação da atividade humana para alcançar um determinado fim, um determinado resultado e o trabalho na saúde, portanto, também atende a esta meta de produzir algo, porém com suas particularidades. Segundo Machado (2012, p.36), “o trabalho em saúde como prestação de serviços traz a característica especial da presença humana em todos os componentes do processo, isto é, o ser humano e suas necessidades” e atua como “objetos de intervenção” com a finalidade de produzir saúde. Mas o processo de trabalho em saúde, assim como os trabalhos de outros setores, apresenta diversos riscos à saúde dos trabalhadores, entre eles os riscos físicos, químicos, biológicos, mecânicos e de acidentes, ergonômicos e psicossociais. Os riscos psicossociais, segundo Brasil (2001, p.29) “decorrem da organização e gestão do trabalho” e incluem-se nas “exigências de produtividade, relações de trabalho autoritárias, falhas no treinamento e supervisão dos trabalhadores”. É neste grupo que se encontra o assédio moral, como um fator de risco para a saúde e segurança dos trabalhadores da saúde do Sistema Único de Saúde (SUS).

O assédio moral é tão antigo quanto o próprio trabalho, no entanto é mais recentemente que se começou a identificar no assédio moral fatores que degradam as relações de trabalho e prejudicam a saúde dos trabalhadores, tornando-o objeto de pesquisa, tema para debates e conferências, aumento dos adoecimentos, motivo para processos judiciais, denúncias para averiguação das condições de trabalho, multas e Termos de Ajustes de Conduta junto ao Ministério Público do Trabalho. Segundo Hirigoyen (2007), somente no começo desta década o assédio moral foi identificado como “fenômeno destruidor do ambiente de trabalho”, provocando desgastes psicológicos e com isto diminuindo a produtividade e favorecendo o absenteísmo.

O assédio moral nas relações de trabalho é caracterizado pela submissão do trabalhador a situações constrangedoras no ambiente de trabalho e no desempenho de suas funções, degradando as relações de trabalho e muitas vezes a saúde do trabalhador. A ocorrência do assédio, aliado a fatores do tempo, intensidade e caracterização, pode ocasionar danos psíquicos, físicos e sociais ao trabalhador,

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levar ao desemprego ou a desistência do sujeito de investir no seu trabalho e na sua própria vida.

O Ministério da Saúde (2009, p.06) reconhece o assédio moral como “toda e qualquer conduta abusiva (gesto, palavra, comportamento, atitude) que atente, por sua repetição ou sistematização, contra a dignidade ou a integridade psíquica ou física de uma pessoa, ameaçando seu emprego ou degradando o clima de trabalho”.

Assim como é recente a identificação do assédio moral como fator degradante das relações de trabalho, também é recente a preocupação do Ministério da Saúde com a saúde dos trabalhadores da saúde. O decênio de 2006-2016 foi eleito pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como “a década de valorização do trabalho e dos trabalhadores de saúde” (ASSUNÇÃO; BELISÁRIO, 2007 apud BROTTO; DALBELLO-ARAUJO, 2012, p.291), assim, pelo menos teoricamente, o SUS estaria mais atento, mais aberto a investigar e refletir acerca do seu próprio funcionamento e a realizar melhorias no sistema (idem, ibidem).

Atualmente com a instalação de Mesas de Negociação Permanente do SUS, implantadas a partir do Protocolo 004/2005 (disponível em: <http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/protocoloproceducativo.pdf>, acesso em: 25/10/2012), para abordar os conflitos existentes e com a instituição da Política Nacional de Promoção da Saúde do Trabalhador do Sistema Único de Saúde – SUS, implantada a partir do Protocolo 008/2011 (disponível em: <http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/protocolo008_saudedotrabalhador1.pd f>, acesso em: 25/10/2012) e o aumento de pesquisas na área da saúde do trabalhador do SUS, se percebe uma ampliação do olhar sobre os adoecimentos e a precarização das condições de trabalho deste setor. À causa dos agravos, inclui-se a problemática do assédio moral, que degrada as relações de trabalho e favorece os adoecimentos, tornando-se um tema que demanda pesquisa específica.

A experiência de trabalho no Centro Regional de Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST) da Macrorregião Missioneira/RS, em contato com trabalhadores da saúde nas ações de educação em saúde e atendimento ao trabalhador adoecido, tem mostrado um aumento das queixas de profissionais da saúde do SUS em relação ao assédio moral. Entre os casos atendidos, após avaliação criteriosa, alguns são diagnosticados como assédio moral e outros, que não tiveram sua avaliação conclusiva, deixam em aberto o parecer. O aumento não só das queixas, mas também do reconhecimento de casos aponta algumas questões

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que precisam ser analisadas, entre elas o que, nas relações de trabalho, está promovendo o assédio moral entre os trabalhadores do SUS?

Partindo desta questão pontual, com base na Política Nacional de Promoção da Saúde do Trabalhador do Sistema Único de Saúde – SUS que prima pelas melhores condições de trabalho, e considerando a raridade de pesquisas nesta área específica, apresenta-se a relevância de pesquisar a ocorrência do assédio moral no trabalho dos trabalhadores da saúde.

Entendendo a importância de envolver o trabalhador na pesquisa com seu saber acerca do seu processo de trabalho, investigou-se junto às vítimas como identificaram nas relações de trabalho motivos para terem sofrido assédio, para que, considerando os depoimentos e buscando fundamentação teórica na bibliografia disponível, esta pesquisa possa contribuir cientificamente ao meio acadêmico, social, à saúde pública e às ações do CEREST para a construção de estratégias de prevenção do assédio moral no campo da saúde do trabalhador da saúde do SUS.

1.2 PROBLEMA

Como se configura o assédio moral nas relações de trabalho do SUS?

1.3 OBJETIVOS

1.3.1 Objetivo Geral

Identificar nas relações de trabalho dos trabalhadores da saúde do SUS fatores que possam atuar na ocorrência do assédio moral.

1.3.2 Objetivos Específicos

- Relatar casos de assédio moral entre trabalhadores da saúde do SUS. - Identificar nas condições de trabalho dos trabalhadores da saúde do SUS

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1.4 PRESSUPOSTO

Partindo do pressuposto que algumas causas do assédio moral possam estar relacionadas às formas de configuração das relações de trabalho, ao identificá-las acredita-se que é possível prevenir e intervir na sua ocorrência.

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2 REVISÃO DA LITERATURA

2.1 O MUNDO ATUAL DO TRABALHO: CAMPO PREDISPONÍVEL PARA O ASSÉDIO MORAL

O mundo do trabalho tem uma estreita relação com a saúde mental, sendo em nossa sociedade “mediador de integração social, seja por seu valor econômico (subsistência), seja pelo aspecto cultural (simbólico)” e tem “importância fundamental na constituição da subjetividade, no modo de vida e, portanto, na saúde física e mental das pessoas” (BRASIL, 2001, p.161). Atualmente, vivenciamos um aumento das patologias mentais no campo do trabalho no Brasil. Segundo Dejours (2012), esse aumento se deve a avaliação individual das performances e a introdução de programas de qualidade total nas empresas (informação verbal).1

O sistema capitalista, fomentado pela Revolução Industrial, preza pela produção em massa e isso interfere na saúde dos trabalhadores. O investimento em programas de qualidade total que visam à melhoria dos sistemas de produção e a qualidade do produto, sem considerar o trabalhador, apresentam o custo de condições de trabalho muitas vezes precárias. A competitividade gerada pelo capitalismo coloca os trabalhadores mais suscetíveis ao assédio moral e as dificuldades em identificá-lo são um agravante desta situação, desencadeando muitos adoecimentos.

No serviço público, por estar voltado para o bem público, segundo Brasil (2009, p. 10), “os abusos que ocorrem na administração parecem chamar mais a atenção. Estudos demonstram que geralmente o assédio não está relacionado à produtividade, mas às disputas de poder”. Essas disputas podem ocorrer entre os pares, ou seja, entre colegas que competem entre si e em nome dessa competição podem criar obstáculos para prejudicar e interferir no trabalho do outro.

(...) mesmo quando o trabalhador sabe o que deve fazer, não pode fazê-lo porque o impedem as pressões sociais do trabalho. Colegas criam-lhe obstáculos, o ambiente social é péssimo, cada qual trabalha por si, enquanto todos sonegam informações, prejudicando assim a cooperação etc. Nas tarefas ditas de execução sobeja esse tipo de contradições em que o trabalhador se vê de algum modo impedido de fazer corretamente seu

1

DEJOURS, C. Organização do trabalho e qualidade de vida. In: Seminário Internacional Saúde do

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trabalho, constrangido por métodos e regulamentos incompatíveis entre si. (DEJOURS, 1991 apud Dejours, 2006 p. 31)

Considerando as relações de trabalho em que os colegas competem entre si, na tentativa de ganhar destaque e manter seu emprego, encontramos um campo favorável ao desencadeamento do assédio moral, que visa desestabilizar o trabalhador colocando em risco as relações de trabalho e geralmente o seu emprego. A ocorrência reincidente de assédio moral entre trabalhadores da saúde do setor público e o fato de haver um aumento das patologias mentais no campo do trabalho no Brasil instiga a pesquisa.

O trabalho pode ser um meio favorável para a promoção da saúde mental ou do sofrimento, no entanto as diversas queixas de assédio moral nas relações de trabalho dos trabalhadores da saúde do SUS têm colocado o trabalho a favor dos adoecimentos. O aumento dos adoecimentos mentais no campo do trabalho no Brasil e o aumento das queixas de assédio moral dos trabalhadores do SUS da Macrorregião Missioneira apontam talvez para a mesma direção.

Em relação à saúde mental, “trabalhar pode promover o equilíbrio psíquico, a identificação com aquilo que se faz, a realização de si pode também dotar de sentido a vida, ou, ao contrário, gerar sofrimento patogênico e ser fonte de desequilíbrio, doenças físicas e mentais” (DEJOURS, 2004 apud LANCMAN et al., 2011, p. 111).

O assédio moral, quando instalado no ambiente de trabalho do SUS, pode ser uma importante fonte de desequilíbrio psíquico aos trabalhadores, pois deteriora as relações de trabalho e oportuniza o desencadeamento de agravos à saúde do trabalhador.

A deterioração das relações de trabalho, evidenciada no aumento de conflitos e de violência entre pares, chefias ou mesmo usuários do serviço, pode interferir em sua execução, em sua qualificação e na construção de projetos profissionais, desencadeando sentimento de menos valia e crises de identidade. Essas situações podem provocar prejuízo psíquico e influenciar a saúde mental dos trabalhadores (SOBOLL, 2008 apud LANCMAN et al., 2011, p. 112).

Atualmente observa-se um aumento dos índices de violência no trabalho, podendo ser entendido o assédio moral como uma delas. O fato de o trabalho tornar-se muitas vezes palco de violências pode estar reproduzindo a dinâmica da

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violência social, segundo Lancman et al. (idem). Pesquisas realizadas em países da União Européia apontam que o setor saúde está entre os ambientes de trabalho com maior risco de violência, acompanhado dos setores de transporte, comércio varejista e educação, segundo Ilo (2002, apud Lancman et al., 2011, p.113), estando, portanto, os trabalhadores da saúde incluídos na relação dos trabalhadores considerados mais expostos à violência.

No Brasil, um estudo realizado em um serviço de urgência da cidade de Londrina no Paraná revelou a violência psicológica como fator preocupante também nos hospitais. Entre 33 trabalhadores da equipe de enfermagem e 14 médicos participantes da pesquisa, os resultados indicam que “33% relataram os assédios moral e sexual como a violência mais cometida, sendo que a agressão verbal foi lembrada por 95,2% dos participantes” (CEZAR, 2006 apud Thofehrn et al., 2008, p. 597).

O conceito de “violência no trabalho” inclui a relação com os pares, com chefias, com clientes e público, segundo Lancman et al. (2011, p. 114), sendo classificado como violência externa, quando o violentador não possui relação com o trabalhador e violência interna quando existe algum tipo de vínculo ou ligação com o local de trabalho ou com o trabalhador, podendo ser o seu colega, chefe ou subalterno. Serão abordadas aqui as questões pertinentes à violência interna, específica do ambiente de trabalho, caracterizada como assédio moral no trabalho do trabalhador da saúde do SUS.

2.2 O SETOR PÚBLICO

O campo de pesquisa deste trabalho trata-se do assédio moral no setor público, o campo da ação, como Arendt (2007) definiu. A autora apresenta em sua obra três condições humanas fundamentais: o labor, o trabalho e a ação, sendo que o labor e o trabalho pertencem à esfera privada, e a ação à esfera pública. Arendt propõe também uma distinção entre labor e trabalho (idem, ibidem, p.90). O labor, como substantivo nunca significa o produto final e está historicamente no campo das necessidades da vida ao passo que o trabalho representa o resultado do ato de laborar, trata-se da produção, do produto final. Laborar e trabalhar, embora distintos, pertencem à mesma esfera privada. A ação, que pertence exclusivamente à esfera pública, segundo Arendt (idem) é a atividade entre os homens, é a atividade política

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por excelência. Os homens agem e interagem entre si no interior de uma vida política em sociedade, afirma.

Enquanto o privado pertence ao reino da necessidade, o público, por sua vez, pertence ao reino da liberdade, afirma ela. “Tudo o que vem a público pode ser visto e ouvido por todos e tem a maior divulgação possível” (idem, ibidem, p.59), sendo que “a presença de outros que vêem o que vemos e ouvem o que ouvimos garante-nos a realidade do mundo e de nós mesmos” (idem, ibidem, p.60), por outro lado “o termo público significa o próprio mundo, na medida em que é comum a todos nós e diferente do lugar que nos cabe dentro dele” (idem, ibidem, p.60).

A palavra “público”, em suas primeiras ocorrências em inglês, por volta de 1470, segundo Sennett (1998, p.30), identifica “o bem comum em sociedade”. Setenta anos mais tarde, acrescentou-se ao significado de público “aquilo que é manifesto e está aberto à observação geral (...) de qualquer pessoa, enquanto „privado‟ significa uma região protegida da vida, definida pela família e pelos amigos” (idem, ibidem, p.30).

As esferas do público e do privado foram se modificando com o passar do tempo. Sennett destaca o século XVIII como de enfraquecimento da vida pública no meio urbano, graças à homogeneização dos produtos através da Revolução Industrial. “O capitalismo industrial, como sabemos, divorcia o homem que trabalha do trabalho que ele realiza, porque ele não controla o próprio trabalho e, ao invés disso, precisa vendê-lo” (p.359). O capitalismo transformou as relações comerciais entre as pessoas e privatizou a vida burguesa, tornando a vida pública vista como um lugar de desordem e caos. No entanto, a forma como a vida urbana se expandiu possibilitou certo equilíbrio entre vida pública e privada, segundo o autor, dando entrada à personalidade no domínio público, criando uma sociedade “intimista” e “incivilizada” (p. 414).

Na sociedade intimista, sabe-se sobre a vida dos outros, visto que nada se esconde mais, pois constantemente fala-se sobre o que cada um está vivenciando. Em nossa sociedade atual e na saúde pública fala-se muito sobre o assédio moral, sobre como cada trabalhador se sentiu vítima, mas é importante considerar que nem todas as situações que se relata, trata-se efetivamente de assédio. “Fala-se muito, e até excessivamente, de algo, mas frequentemente não se sabe muito bem o que se diz” (BIRMAN, 2006, p.233).

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Quanto à administração pública, Minassa (2012) aponta que seus fins encontram-se na “garantia da satisfação das necessidades coletivas de segurança, cultura e bem-estar econômico e social” (p.25). “Servir ao povo” é o que usualmente escutamos enquanto função do funcionário público. No entanto, o autor alerta que essa finalidade de garantir o bem-estar da população não deve fazer com que se menosprezem as necessidades dos próprios trabalhadores do setor público: “Não se pode por à margem o respeito pessoal e moral (físico e psíquico) de convivência entre os agentes públicos – subordinados e superiores – quando se dá o exercício de suas atribuições” (p.24). Segundo o autor, ainda, “o apaziguamento da coletividade depende imanentemente de um convívio harmonioso e salutar entre referidos agentes” (idem, ibidem), podendo o bem-estar físico e psíquico do trabalhador do setor público contribuir para a garantia de uma melhor qualidade dos serviços prestados.

2.3 ASSÉDIO MORAL E ASSÉDIO ORGANIZACIONAL

2.3.1 Assédio Moral

A palavra assédio, segundo Birman, possui atualmente grande notoriedade pública, sendo que “o significante assédio foi inflacionado no imaginário contemporâneo” (BIRMAN, 2006, p.233). O termo não é novo, embora o seu uso seja mais recente. Segundo ele, a palavra tem origem latina, inserindo-se na tradição portuguesa entre o final da Idade Média e início da Idade Moderna:

é preciso evocar inicialmente que a palavra assédio não é absolutamente nova no vocabulário do Ocidente, como se pode verificar facilmente pela leitura superficial de alguns dicionários. O Nouveau Le Petit Robert, dicionário da língua francesa, nos informa que o verbo “harceler” existe desde 1493 e que o substantivo “harcèlement” desde 1632. O Dicionário

Houaiss da Língua Portuguesa afirma que a palavra surgiu no português no

século XIII, proveniente do latim vulgar (BIRMAN, 2006, p. 235).

Apesar de antiga, é recente o lugar de destaque que a palavra ocupa no imaginário contemporâneo, seja pelo uso da mídia, das produções teóricas, no espaço jurídico, social, da psicopatologia e da psicanálise, transformando seu campo semântico e produzindo novas significações (idem, ibidem). “Em decorrência disso,

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foram forjados novos jogos de linguagem e de verdade sobre a palavra assédio” (idem, ibidem).

No dicionário online Michaelis (disponível em: <www.michaelis.uol.com.br>, acesso em: 21/01/13), a palavra assédio significa “Impertinência, importunação, insistência junto de alguém, para conseguir alguma coisa”. No Dicionário do Aurélio Online (disponível em: <www.dicionariodoaurelio.com>, acesso em: 21/01/13), a palavra moral significa “a parte da filosofia que trata dos costumes, deveres e modo de proceder dos homens nas relações com seus semelhantes; ética”.

Anteriormente ao conceito de assédio moral, quando se falava em assédio, se referia ao registro sexual, mas nos últimos anos foi se alterando seu campo de significação. O assédio sexual se referia especialmente às mulheres ao se sentirem expostas ao discurso sexual e indecente dos homens que as humilhavam por as fazerem se sentir “reduzidas à condição de objeto sexual” (BIRMAN, 2006, p. 235). Com a mudança do seu campo de significação, “o assédio sexual foi reinterpretado e inscrito num outro contexto discursivo” (idem, ibidem, p.236).

O que se enuncia hoje como fundamental é a existência do assédio moral, no qual alguém é solapado na sua segurança identitária e esvaziado nas suas potencialidades sociais e psíquicas de ser. Tudo isso acontece em diversos contextos sociais, dentre os quais se destaca largamente o espaço social do trabalho. O assédio sexual seria, enfim, um caso particular do assédio moral (idem, ibidem, p. 236).

No assédio sexual, é comum aos assediadores um perfil de dominação e atitudes negativas em relação às vítimas. Segundo Hirigoyen (2007), é comum o assediador não aceitar que a assediada diga não, “se ela o faz, sofre em revide humilhações e agressões” (p.81). Para Barreto (2006), “o assédio sexual caminha para o assédio moral quando o agressor não atinge seus objetivos, ou seja, quando a vítima de assédio sexual não corresponde às investidas do seu assediador, esta violência pode se reverter em assédio moral” (p.200).

Em nossa sociedade, quando falamos em assédio moral, percebemos muitas vezes confusões conceituais da população, que por vezes ainda o compreende como se tratando do mesmo conceito do assédio sexual, mais conhecido popularmente. Embora assédio moral e assédio sexual sejam duas violências diferentes que podem acometer as relações de trabalho, consideramos que ambas podem se relacionar tanto pela história do uso do conceito quanto pela

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particularidade de quando o assédio sexual se converte em assédio moral, nos casos em que o assediador sexual não encontra êxito em suas investidas e passa a assediar moralmente a vítima como certo tipo de castigo ou para provocá-la a desistir do trabalho.

Na história do conceito de assédio moral, o evento passou a eliminar o caráter sexual com o termo harassment utilizado por Brodsky, em 1976 (apud SOARES, 2012, p.284). O termo foi emprestado do conceito de assédio sexual (sexual harassment) e eliminou a palavra sexual, passando a identificar apenas com a palavra que significa em português assédio (idem, ibidem). Em 1989, Leymann se utiliza da palavra mobbing na publicação do seu primeiro livro, em sueco, sem tradução, e posteriormente, em 1993 publica o livro em alemão Mobbing:

psychoterror am arbeitsplantz, traduzido em francês em 1996 como Mobbing: La persécution au travail (Mobbing: a perseguição no trabalho) (idem, ibidem). O autor

sugere “guardar a palavra bullying para atividades entre crianças e adolescentes na escola e reservar a palavra mobbing para o comportamento adulto” (LEYMANN, 1996b, p.167 apud SOARES, 2012, p.284). Em 1998, com a publicação de Marie-France Hirigoyen Harcèlement moral: la violence perverse au quotidien, através do relato de histórias de seus pacientes, a autora introduz o conceito de assédio moral (SOARES, 2012, p.285). A obra ganha grande notoriedade pública e política e no ano seguinte a França cria uma lei criminalizando a prática do assédio moral (idem, ibidem).

Atualmente se observa uma convergência conceitual de toda essa nomenclatura e uma utilização cada vez mais frequente do termo bullying em língua inglesa. Em francês, harcèlement moral; em português assédio

moral; e em espanhol, acoso moral. Todos os termos denotando o mesmo

fenômeno, como nos indicam Einarsen et al. (2003), segundo os quais a diferença na sua utilização é uma questão muito mais cultural do que conceitual (SOARES, 2012, p.285).

No Brasil, a primeira pesquisa sobre o tema é da médica do trabalho Margarida Barreto, em sua dissertação de mestrado em Psicologia Social no ano de 2000, que deu origem ao livro Violência, saúde e trabalho: uma jornada de

humilhações, publicado em 2006. Após, muitas outras pesquisas foram publicadas,

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O assédio moral, para Barreto (2000 apud <www.assediomoral.org> acesso em: 10/10/12), “é a exposição dos trabalhadores e trabalhadoras a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções”. Hirigoyen (2007) conceitua o assédio moral no local de trabalho como:

toda e qualquer conduta abusiva manifestando-se sobretudo por comportamentos, palavras, atos, gestos, escritos que possam trazer dano à personalidade, à dignidade ou à integridade física ou psíquica de uma pessoa, pôr em perigo seu emprego ou degradar o ambiente de trabalho (p.65).

Ele é mais comum nas relações hierárquicas, assimétricas e autoritárias, segundo Barreto (2000), “desestabilizando a relação da vítima com o ambiente de trabalho e a organização, forçando-a a desistir do emprego” (apud <www.assediomoral.org>, acesso em 10/10/12). Para Birman, ao fazer uso de sua hierarquia funcional, “um superior qualquer se vale de sua posição institucional para atingir e prejudicar um funcionário subalterno, que é minado então nas suas prerrogativas. Este é solapado em suas atribuições e na posição institucional” (2006, p.236). Ainda, segundo o autor, é comum a participação de colegas da vítima no processo de assédio desencadeado pelos superiores, “que se associam a estes no esvaziamento da potencialidade institucional da figura do atingido” (idem, ibidem, p.236). Neste sentido, o processo de assédio pode se desenvolver também nas relações de trabalho horizontais e não apenas nas verticais.

Assim, o assédio moral pode se constituir no escalão superior de uma organização social, nas disputas de poder entre iguais que se valem de táticas escusas para a invalidação do oponente. Da mesma forma, os funcionários subalternos de uma dada organização podem solapar a posição de um colega, pela desestabilização ostensiva de suas condições sociais de trabalho (BIRMAN, 2006, p. 236).

Entre as diferentes situações de assédio, os efeitos psíquicos aos trabalhadores apresentam similaridades, segundo Birman, e são marcados “pela presença do horror” (idem, ibidem). Implicam, em todos os casos, na desestabilização da identidade e “perda dos signos de segurança do personagem em questão” (idem, ibidem). Com isso, “produz-se uma transformação crucial na economia psíquica do narcisimo do personagem atingido, que conduz

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frequentemente a depressões severas e à destruição de sua imagem” (idem, ibidem).

Os efeitos do assédio moral para o trabalhador, segundo Brasil (2009, p. 9), vão desde a queda da auto-estima até a manifestação de problemas na sua saúde, entre eles a depressão, o cansaço exagerado, a irritação constante, alterações no sono, peso e pressão arterial, tremores, palpitação, distúrbios digestivos, diminuição da capacidade de concentração, isolamento e mudança de personalidade podendo reproduzir as condutas de violência moral ou passar a praticar violência na família.

Segundo Soares e Oliveira (2012), as consequências do assédio moral para a saúde do trabalhador são devastadoras (p.197).

O assédio moral tem sido considerado como um dos mais importantes estressores nas organizações contemporâneas. Hoel e Cooper (2000) mostram que as vítimas de assédio moral possuem uma degradação em termos de saúde física e mental quando comparadas com as testemunhas ou os colegas que nunca foram o alvo de assédio moral. (...) Hansen et al. (2006) encontraram em sua pesquisa que as vítimas de assédio moral tinham um maior nível de sintomas de depressão, de ansiedade, de afetividade negativa comparativamente as não vítimas de assédio. (...) Em um estudo longitudinal, Vartia (2003) indica também uma correlação entre o assédio moral e a incidência de doença cardiovascular e de depressão. (...) Quine (2001), estudando enfermeiras no Reino Unido, também verificou sintomas de depressão assim como uma baixa satisfação profissional associados ao assédio moral no trabalho. Niedhammer, David e Degioanni (2006), na França, também estabelecem que, quanto maior a exposição ao assédio moral, maior o risco de sintomas depressivos (SOARES; OLIVEIRA, 2012, p. 197).

Em pesquisa qualitativa realizada em 2007 e 2008, através de estudo exploratório de 13 casos de trabalhadores que sofreram assédio moral, atendidos em um serviço de saúde de São Paulo, constatou-se que “cem por cento dos trabalhadores apresentaram repercussões à saúde, resultando em afastamentos de 6 meses a 5 anos”, destes, “apenas 50% tiveram o nexo com o trabalho reconhecido, ou seja, o assédio moral no trabalho contribuindo para o problema de saúde” (GLINA, 2010, p.93). As principais atividades de 85% destes trabalhadores no período de afastamento foram: “realização de tratamentos de saúde”, “permanência em casa” e “tarefas domésticas” (idem, ibidem).

Segundo alguns estudos, entre as consequências do assédio moral apontadas, encontram-se a presença de sintomas relacionados ao estresse pós-traumático (SOARES; OLIVEIRA, 2012, p.198). Um estudo realizado com 165

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profissionais da área da saúde mostrou que 40% dos profissionais haviam vivenciado o assédio moral nos últimos dois anos, e 44% destes apresentavam sintomas compatíveis com estresse pós-traumático (TEHRANI, 2004 apud SOARES; OLIVEIRA, 2012, p.198). O Transtorno de Estresse Pós-Traumático é caracterizado pelo DSM-VI-TR (2002) como a “revivência de um evento extremamente traumático, acompanhada por sintomas de excitação aumentada e esquiva de estímulos associados com o trauma” (p.419). Na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (OMS, 2000, p.336) recebe o registro de “Estado de Stress Pós-Traumático - CID-10 F43.1”. Ainda, esse transtorno encontra-se listado entre as doenças reconhecidas pelo Ministério da Saúde que podem ter relação como o trabalho (BRASIL, 2001), sendo caracterizada “como uma resposta tardia e/ou protraída a um evento ou situação estressante (de curta ou longa duração) de natureza excepcionalmente ameaçadora ou catastrófica” (p.181).

Outras consequências do assédio moral se referem às interferências na vida familiar e social, por ocasionar mudanças no comportamento da vítima e muitas vezes, sintomas de adoecimento psíquico.

As consequências são nocivas para todos os trabalhadores porquanto causam conflitos em suas vidas, alteram valores, transtornam as emoções e corróem o caráter individual, contribuindo para a fragmentação das biografias laborais e destruição dos laços de amizade no coletivo. A este quadro se acrescenta o incremento de atos de violência nas relações laborais, associado ao estímulo à competitividade e à instalação da indiferença com o sofrimento do outro (BARRETO, 2010, p. 7).

Durante a ocorrência do assédio é comum acontecer o que Birman (2006) chama de “silenciamento da solidariedade como valor” (p.237), sendo que enquanto os superiores assediam os subordinados, os demais subalternos de alguma forma colaboram na condução desse processo. Esse é um reflexo não só da alta competição existente no mercado, avalia o autor, mas também da presença do medo nas organizações, no que se refere à possibilidade de perda do emprego.

Essa nova realidade do mundo do trabalho precarizado, flexível, fragmentado e produtor de desemprego, usa frequentemente a micropolítica das humilhações cotidianas e sistemáticas como instrumento de controle da biopolítica, que desestrutura emocionalmente os trabalhadores, podendo levá-los a desistir do emprego frente às ameaças cotidianas e o olhar silencioso dos pares que assistem e testemunham (BARRETO, 2010, p. 7).

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Ainda, segundo a autora, “o trabalho, enquanto atividade humana dá sentido à vida, fortalecendo a identidade e a dignidade do trabalhador” (idem, ibidem, p.6). Mas a mesma atividade que dá sentido à vida pode tornar-se motivo para a morte, aponta Barreto, sendo que o assédio moral, também pode levar ao suicídio do trabalhador. “Esse risco estaria associado ao desespero, à raiva e à impulsividade engendrados pelo assédio moral” (SOARES; OLIVEIRA, 2012, p. 198). Em estudo realizado com enfermeiras na Turquia, constatou-se que 10% dos participantes já haviam pensado em se suicidar (YILDIRIM; YILDIRIM, 2007 apud SOARES; OLIVEIRA, 2012, p. 198). Quando o assédio moral está presente nas relações de trabalho, o sofrimento vivenciado pode desencadear episódio depressivo grave, com risco de suicídio.

A partir de dois estudos realizados no Quebec, Soares (2011) indica que, quando o indivíduo vive o assédio moral, a ideação suicida está mais presente. A duração e a freqüência do assédio parecem influenciar na aparição dessa ideação (apud SOARES; OLIVEIRA, 2012, p. 198).

Para além do suicídio, existem importantes problemas no assédio: o trabalhador perde autonomia, criatividade, persistência e condições de saúde e de trabalho. “O assédio moral constitui um fator gerador de problemas de saúde física e mental nas organizações contemporâneas que merecem ser melhor compreendidas para que possamos agir de maneira mais proativa na sua prevenção” (SOARES; OLIVEIRA, 2012, p. 199). E, quando a vítima é um trabalhador da saúde, aquele profissional que deveria cuidar do outro, começa a adoecer e necessita também ser cuidado, olhado, considerado.

Cuidar dessas questões que ameaçam a saúde do trabalhador da saúde envolve aprofundamento do estudo e da análise das peculiaridades do trabalho no setor da saúde pública e das relações que se estabelecem nos grupos, para melhor compreender os fatores causadores do assédio moral. Atentar para os fatores envolvidos na ocorrência do assédio moral entre trabalhadores da saúde significa abrir caminhos para a promoção da saúde do trabalhador da saúde e a construção de ações que previnam esta violência que degrada as relações de trabalho, podendo também abordar o trabalho como possível fonte de prazer e não apenas de sofrimento.

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2.3.2 Assédio Moral Organizacional

Quando o assédio moral se institucionaliza, quando a estrutura organizacional assume uma política de violência, configura o que pode ser chamado de violência ou assédio organizacional (SOBOLL, 2008, p.81). O assédio organizacional possui “como principais formas de expressões as estratégias abusivas de gestão” incluindo a gestão por injúria, por estresse e por medo (idem, ibidem). “No assédio organizacional, o alvo das agressões não é definido, ou seja, todos os participantes do grupo/equipe são maltratados indistintamente” (idem, p. 82).

Na gestão por injúria, os trabalhadores são expostos de forma desnecessária e depreciativa, com ofensa à dignidade pessoal, à honra e à imagem. Incluem-se premiações negativas e uso de palavras que rebaixam no público ou em particular.

A exigência de que o grupo de trabalhadores com menor produção pague “prendas” nas reuniões mensais de trabalho, como por exemplo, realizem flexões de braço, vistam fantasias, dancem em cima de mesas, ou recebam um troféu depreciativo (troféu tartaruga, troféu abacaxi, troféu pig), caracteriza efetivamente situações de assédio moral organizacional em que as represálias se apresentam como um elemento do duplo sistema de gratificação-sanção. É importante destacar que na mesma reunião em que se “pagam as prendas” são distribuídos os prêmios aos mais produtivos, reforçando a identificação entre as duas figuras (ARAUJO, 2007, p. 212).

Em alguns casos ainda, segundo a autora, a repercussão da humilhação extrapola o ambiente de trabalho e atinge o meio familiar ou social, como no caso de empregados menos produtivos que foram obrigados a levar um bode para casa, alimentá-lo e mantê-lo vivo (idem, p.213).

Já na gestão por estresse busca-se melhorar o desempenho, a eficiência e a rapidez na execução das tarefas, sem objetivar destruir o trabalhador, embora as consequências para a sua saúde também possam ser severas.

Cobranças constantes, supervisão exagerada, comparações do desempenho dos trabalhadores, ranking de produtividade, metas muito exigentes de produtividade, e-mails de comparação de resultados, prazos inadequados às exigências das tarefas são situações comuns quando há predomínio de estratégias de gestão por estresse (SOBOLL, 2008, p.82).

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Na gestão por medo existe a ameaça implícita ou explícita como principal estímulo ao trabalhador para aderir aos objetivos organizacionais (idem, ibidem). Nesse sentido, o medo de perder o emprego, ou o cargo ocupado, faz com que o trabalhador se submeta às condições ofertadas no trabalho, ou seja, se submeta às pressões e atenda às demandas dos seus superiores, mesmo percebendo que as atitudes exigidas não correspondam aos seus princípios éticos e morais.

Por medo de ser incompetente, perder o cargo, não conseguir progredir na carreira, perder o emprego e tornar-se excluído da sociedade, o trabalhador ataca antes de ser atacado e acaba por adotar comportamentos hostis e antiéticos, deteriorando as relações de trabalho e o clima de trabalho (idem, ibidem).

Assim, para assegurar o cumprimento das metas inatingíveis e alcançar a adesão dos trabalhadores às normas instituídas na organização, “as empresas podem tomar como recursos práticas de humilhação, exposições exageradas, pressões intensas, constrangimentos, ameaças e o estímulo à competição para além da ética” (idem, ibidem). São formas de trabalho que estimulam a violência e as condutas agressivas na busca por manter os trabalhadores sob controle, submissos e aderidos à produção (idem, p.83).

A utilização da humilhação e do constrangimento como instrumentos de disciplina em escolas, fábricas, quartéis e nas prisões foi denunciada por Michel Foucault na obra Vigiar e Punir, chamando esse tipo de ação de sanção normalizadora:

Na oficina, na escola, no exército funciona como repressora toda uma micropenalidade do tempo (atrasos, ausências, interrupções das tarefas), da atividade (desatenção, negligência, falta de zelo), da maneira de ser (grosseira, desobediência), dos discursos (tagarelice, insolência), do corpo (atitudes <<incorretas>>, gestos não conformes, sujeira), da sexualidade (imodéstia, indecência). Ao mesmo tempo é utilizada, a título de punição, toda uma série de processos sutis, que vão do castigo físico leve a privações ligeiras e a pequenas humilhações. Trata-se ao mesmo tempo de tornar penalizáveis as frações mais tênues da conduta, e de dar uma função punitiva aos elementos aparentemente indiferentes do aparelho disciplinar: levando ao extremo, que tudo possa servir para punir a mínima coisa: que cada indivíduo se encontre preso numa universalidade punível-punidora (FOUCAULT, 1987, p. 159-160).

Na empresa contemporânea, segundo Araujo (2007), “essa prática abusiva tem sido utilizada de forma mais sofisticada e sutil como mais um dos instrumentos

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de controle da subjetividade dos trabalhadores” (p.11). Segundo ela, pelo medo de serem humilhados ou ficarem expostos ao ridículo, os trabalhadores produzem mais e se calam diante das irregularidades que percebem, incluindo aquelas que agridem seus direitos, como a falta de emissão de CAT (Comunicado de Acidente de Trabalho) e os desvios de função (idem, ibidem). “Essa prática resulta na ofensa aos direitos fundamentais dos trabalhadores, podendo inclusive resultar em danos morais, físicos e psíquicos” (idem, p.12). Os trabalhadores se calam porque temem perder seu emprego ou sofrer represálias no seu local de trabalho. E muitas vezes, lamentavelmente, sequer possuem conhecimento acerca de seus direitos básicos.

A identificação do assédio moral organizacional, em que o assédio individual nada mais é que uma expressão parcial, rompe o tratamento psicológico do problema e devolve a discussão sobre as condições de trabalho e os mecanismos de gestão de mão-de-obra aos espaços coletivos (idem, ibidem).

Então, quando o assédio institucionaliza e se torna assédio moral organizacional, percebemos que ao identificar o problema não vamos encontrar apenas um agente causador, ou seja, apenas um assediador. Vamos encontrar provavelmente condições de trabalho inadequadas, uma cultura institucional sustentada pela produtividade baseada na política da maior quantidade em menor tempo, das metas inatingíveis e baseada no estímulo da competitividade entre os pares. Vamos encontrar o assédio moral instituído como um sintoma organizacional.

2.4 A RELAÇÃO DE ASSÉDIO

Uma relação de assédio acontece em duas fases, segundo Hirigoyen (2007), “uma de sedução perversa, outra de violência manifesta” (p.107).

A primeira fase, segundo a autora, acontece nos primeiros tempos de relacionamento, através de um processo de sedução. Uma fase preparatória, em que a “vítima é desestabilizada e perde a confiança em si própria” (idem, ibidem). “Trata-se primeiro de seduzi-la, depois enredá-la, para, finalmente, pô-la sob controle, retirando-lhe qualquer parcela de liberdade” (idem, ibidem).

A sedução acontece sempre de forma indireta, silenciosa, “a fim de captar o desejo do outro, de um outro que o admira, que lhe retorna uma boa imagem de si” (idem, p. 108).

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A sedução perversa atua utilizando os instintos protetores do outro. Esta sedução é narcísica: trata-se de buscar no outro o objeto singular de sua fascinação, a saber, a imagem ideal de si. Por uma sedução em sentido único, o perverso narcisista busca fascinar sem se deixar prender. (idem, ibidem)

Diferenciando-se da sedução da paixão amorosa, na sedução narcísica a presença do outro é vista “como uma ameaça e não como um complemento” (idem, ibidem).

O enredamento consiste em, sem argumentar, levar alguém a pensar, decidir ou conduzir-se de maneira diferente do que teria feito espontaneamente. A pessoa que é alvo dessa influência não consente a

priori livremente. O processo de influência é pensado em função de sua

sensibilidade e seus pontos fracos, e se dá essencialmente pela sedução e pela manipulação. Como em toda manipulação, a primeira etapa consiste em fazer crer ao interlocutor que ele é livre, mesmo quando se trata de uma ação insidiosa que priva de liberdade quem a ela está submetido. Não se trata de argumentar-se de igual para igual, mas de impor, impedindo o outro de tomar consciência do processo, impedindo-o de discutir ou de resistir (HIRIGOYEN, 2007, p.108).

Nesse processo, “retira-se da vítima sua capacidade de defesa, retira-se dela todo senso crítico, eliminando assim qualquer possibilidade de rebelião” (idem, ibidem). Assim, pode acontecer a manipulação da vítima para participar de uma fraude, que quando percebida por esta, causa raiva e sobretudo vergonha de si mesmo. “Não se trata de um “roubo” material, e sim de um “roubo” moral” (idem, p.109).

O saber do sujeito perverso se apresenta como sendo o do mestre do gozo: aquele que se apresenta para o outro como tendo um saber sobre o que é seu bem, isto é, sobre como gozar sem falhas. Isso tende a surtir efeito, fazendo com que o outro caia nas armadilhas da promessa desse gozo (FLEIG, 2008, p. 47).

A relação que sustenta essa influência moral e intelectual é de dominação. “O poder leva o outro a segui-lo por dependência” (HIRIGOYEN, 2007, p.109). “Isso inclui eventualmente ameaças veladas ou intimidações, visando enfraquecer para melhor fazer passar as próprias ideias. Fazer aceitar qualquer coisa por pressão é confessar que não se reconhece no outro seu igual” (idem, ibidem).

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Como neutraliza o desejo do outro e faz abolir toda a sua especificidade, o enredamento comporta um inegável componente destrutivo. Pouco a pouco a vítima vê ceifadas sua resistência e suas possibilidades de oposição. Perde toda possibilidade de crítica. Impedida de reagir, literalmente “estupefata”, ela se torna cúmplice daquele que a oprime, o que não constitui de modo algum um consentimento: ela está “coisificada”, não consegue mais ter pensamento próprio, vê-se compelida a pensar como seu agressor, não é mais um outro à parte, não é mais um alter ego. Ela suporta tudo passivamente, sem consentir e até mesmo sem participar (idem, p. 109-110).

Todo enredo do assédio em geral não é visível aos olhos daqueles que estão próximos, mas externos à situação. “Mesmo diante de certas evidências, eles ficam cegos (...) é por ocasião desse estágio que se põe em ação um processo de isolamento” (idem, p. 111). Os colegas assistem tudo o que acontece sem compreender, visto que é uma violência velada, e muitas vezes participam do assédio sem saber, isolando a vítima. “Mesmo oculta, não-verbal, abafada, a violência transpira através dos não-ditos, dos subentendidos, das reticências, e exatamente por isso é um vetor de angústia” (idem, p. 112).

Segundo Hirigoyen, o perverso recusa a comunicação direta com o assediado. “Nada é nomeado, tudo é subentendido. Basta um alçar de ombros, um suspiro” (HIRIGOYEN, 2007, p.113). A vítima tenta compreender os fatos e se questiona, mas nada lhe é dito, nada lhe é explicado. Qualquer atitude sua pode ser objeto de reprovação (idem, ibidem).

Nesse sentido, nega-se por parte do agressor, o conflito e a censura. Essa recusa pela comunicação paralisa a vítima que não consegue entender o que está acontecendo. Se o conflito fosse aberto, seria possível discutir, debater, chegar a algum acordo, a uma solução.

Mas na mecânica da comunicação perversa é preciso, antes de tudo, impedir o outro de pensar, de compreender, de reagir. Subtrair-se ao diálogo é uma maneira hábil de agravar o conflito, imputando-o, porém, ao outro. O direito de ser ouvido é recusado à vítima. Sua versão dos fatos não interessa ao perverso, que se recusa a ouvi-la. A recusa ao diálogo é um modo de dizer, sem expressá-lo diretamente em palavras, que o outro não lhe interessa, ou até que não existe para ele. (HIRIGOYEN, 2007, p. 113)

A comunicação com o perverso assediador também é marcada pelo sarcasmo e pela agressão verbal. É comum a busca por ridicularizar o outro usando apelidos que causem riso aos demais, dando ênfase a certas características do trabalhador, sejam estas defeitos ou qualidades. Segundo Hirigoyen (2007, p.121),

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nessas zombarias existe certo jogo que consiste no prazer de provocar polêmica e levar o outro a opor-se. “O perverso narcisista (...) gosta de controvérsia. Ele é capaz de sustentar um ponto de vista num dia e de defender as ideias opostas no dia seguinte, só para fazer a discussão explodir, ou deliberadamente, para chocar” (HIRIGOYEN, 2007, p.121). Toda vez que a vítima não reage, ele é capaz de aumentar a provocação.

Para desestabilizar o outro, segundo diversos autores, o assediador pode assumir um comportamento de zombaria, de não dirigir mais a palavra, criticar a vítima publicamente, duvidar de suas capacidades, reduzir seus instrumentos e condições de trabalho, criticar suas escolhas políticas, criar metas maiores do que as possíveis de serem alcançadas, desqualificar, entre tantas outras atitudes. Importante salientar que os demais colegas de trabalho também são estimulados a assumir tal comportamento e, como a vítima está desestabilizada, muitos passam a colocar em dúvida suas potencialidades e a própria vítima pode começar a sentir-se culpada por tudo que está acontecendo.

Na segunda fase da relação de assédio, de violência manifesta, a estratégia perversa se mostra abertamente (HIRIGOYEN, 2007, p.131). É nesta fase que o ódio se torna visível, a violência chega ao ato e o outro é acuado.

É quando a vítima reage, tenta se impor, se colocar enquanto sujeito e recuperar um pouco da sua liberdade que a fase do ódio aparece (idem, ibidem). Quando a vítima se impõe e define um limite para as humilhações que vem sofrendo, o perverso assediador não suporta esse posicionamento e age de forma a impor a sua força, na tentativa de calar a vítima de vez.

É uma fase de ódio em estado puro, extremamente violenta, feita de golpes sujos e de injúrias, de palavras que rebaixam, humilham, atingem com seu escárnio tudo que pertence exclusivamente ao outro. Essa armadura de sarcasmo protege o perverso do que ele mais teme – a comunicação (HIRIGOYEN, 2007, p.132).

O ódio que aparece nessa fase sempre existiu, segundo Hirigoyen (idem, ibidem), mas estava mascarado, camuflado. Com a reação da vítima, ele aparece com toda força e o perverso, com suas ações, busca fazer a vítima se aquietar. A violência raramente é física, mas sutil e as ameaças são indiretas e veladas. Superficialmente, nada se vê.

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Trata-se de uma violência fria, feita de depreciação, de subentendidos, de falta de tolerância e de injúrias. O efeito destruidor vem dessa depreciação de agressões aparentemente inofensivas, mas contínuas, e que se sabe que não cessarão nunca. É uma agressão que não tem fim. Cada ofensa vem fazer eco a ofensas anteriores e impede de esquecê-las, como seria o desejo das vítimas, mas o agressor lhes recusa (HIRIGOYEN, 2007, p.134).

Por essa frieza e sutileza da violência, torna-se difícil a identificação de que se trata de um processo de assédio moral. Essa dificuldade acontece inclusive por parte da vítima e, principalmente, por parte dos colegas. Ao contrário de uma violência física, a violência moral raramente deixa testemunhas e provas, dificultando o entendimento de todos acerca do que está acontecendo e muitas vezes privando o agressor de ser responsabilizado.

O jogo do perverso narcísico é provocar a vítima para que esta se utilize da sua própria violência, causando a impressão, muitas vezes, aos demais, que é a vítima que está assediando. “Ele procura introjetar no outro o que há de mau nele” (idem, p.138). Se esse jogo não der certo, ao perverso isso representará um insucesso: “não conseguir levar os outros a usarem de violência é para o perverso um fracasso” (idem, p.138). No entanto, esse fracasso pode levar ao bloqueio do processo perverso (idem, ibidem).

2.5 O PODER, A AUTORIDADE E A DECISÃO

A problemática do assédio moral nas relações de trabalho perpassa pelas questões do poder, da autoridade e da decisão. Lebrun (2009) refere essas três palavras associadas aos registros de Lacan em relação ao ser falante: o Real, o Imaginário e o Simbólico. “Real: a decisão. Imaginário: o poder. Simbólico: a autoridade” (p.95).

2.5.1 Poder

O poder, segundo Lebrun (idem), se define a partir do momento que alguém consegue fazer com que outra pessoa faça coisas que sem a intervenção desta não teria feito.

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Se trata da questão de poder a partir do momento que alguém consiga fazer com que outro alguém faça o que este último não teria feito sem o primeiro (...) Quando falamos daqueles que tem o poder, isso designa sobretudo as vantagens que supomos naqueles que ocupam o lugar, muito mais do que a efetividade de sua capacidade para fazer com que se faça (idem, p.95-96).

Segundo Enriquez (2007), a primeira experiência do sujeito com o poder acontece primitivamente na relação do filho com a figura do pai, sendo este quem define o que é bom e o que é ruim, o que é permitido e o que é proibido, quem recompensa e quem sansiona – ele é a lei e determina os limites (p.14).

É a figura paterna que determina as regras e se faz respeitar pelo filho, impõe limites que serão internalizados pelo menor e moldarão sua personalidade.

O filho, totalmente dependente, vai internalizando os interditos parentais ao longo do desenvolvimento de sua personalidade. É assim que se forma o supereu. O complexo de Édipo exprimirá, numa extrema dramatização, a problemática do ser que se depara, na relação triangular, com seus limites e com seu desejo de transgressão, com o sagrado, a castração e a morte, além da possibilidade de viver (idem, ibidem).

No complexo de Édipo, o filho tem a mãe como seu primeiro amor e deseja tê-la como somente sua. Aos poucos, o filho percebe que a mãe pertence ao pai, que ela é proibida, e se dá o processo de castração. Se a castração é bem-resolvida, o filho aprende a lidar e a enfrentar as frustrações como parte da vida. “Aceitar perder a mãe é aceitar entrar na vida tal como ela é definida, é aceitar a frustração, confrontar-se com o mundo de adultos que renunciaram a seus desejos arcaicos” (idem, ibidem).

Com o entendimento que a mãe pertence ao pai, após essa renúncia de seu primeiro amor, o filho passa a se identificar com o pai, sua representação de poder, que se torna importante referência para ele.

O poder, na experiência primitiva, é apreendido ao mesmo tempo “como recusa e como referência”: a identificação com a pessoa do mesmo sexo, no final do complexo de Édipo, é a marca da referência a esta pessoa. O filho internaliza os valores parentais, o que lhe possibilita se definir como homem ou mulher. O caminho da socialização da personalidade passa necessariamente pela identificação (idem, p.27).

Segundo Enriquez, “o poder é totalitário” (idem, p.56). A tendência do poder é de ser exercido sobre a totalidade das atividades do sujeito. Por ser totalitário, não

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significa que ele não tenha seus limites. “Ele se pretende ilimitado, mas encontra em si mesmo suas próprias fronteiras. Sempre tem necessidade de ser reconhecido. (...) Todo indivíduo deseja o poder e luta para que seu poder sobre os outros seja reconhecido” (idem, ibidem).

O trabalho está diretamente ligado à noção de poder. Segundo o autor, é pelo trabalho que o homem “demonstra seu próprio poder sobre as coisas” (idem, p. 58). O trabalho tem essa característica de ação transformadora da natureza e é através dele que o homem constrói a realização de seus sonhos e desejos. No entanto, inexiste trabalho sem a cooperação, sem a ajuda dos outros. Segundo Dejours (2012), “o trabalho implica numa relação com o outro, a gente trabalha para alguém. Implica no coletivo, tendo ao seu centro a cooperação” (informação verbal).2 “Para haver trabalho, é preciso que haja ajuda dos outros, sua colaboração, ou pelo menos sua neutralidade. Trabalho e vida social caminham de mãos dadas” (ENRIQUEZ, 2007, p.58). O que acontece com o poder que os homens tem sobre a natureza é que ele se transformará em poder sobre os outros homens:

O poder dos homens sobre a natureza se transmutará em poder de determinados homens sobre outros homens, que, por sua vez, transformam a natureza; e em dominação, por parte dos que definem as regras de repartição do trabalho, de sua carga e de sua respectiva remuneração (idem, ibidem).

Ainda, segundo o autor, o poder é necessário na sua relação com o trabalho, pois é por meio dele que é possível construir regras, ordens e leis, organizando a vida em comum e, consequentemente, o bom funcionamento da organização social (idem, ibidem).

O poder também está ligado ao amor, à libido; trata-se do que Max Weber chamou de poder carismático (WEBER, apud ENRIQUEZ, 2007, p. 59). “Não há como falar de poder sem referência ao amor e a suas necessárias implicações narcísicas. Todo poder usa desse artifício, tanto para se estabelecer quanto para durar. Mas que amor é esse?” (ENRIQUEZ, 2007, p. 60)

Então, o poder, para se estabelecer, se utiliza da sedução narcísica, enredando o outro, envolvendo-o num outro aspecto do amor.

2

DEJOURS, C. Organização do trabalho e qualidade de vida. In: Seminário Internacional Saúde do

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Ao lado do amor assimilável a Eros, às pulsões de vida, à ligação, à criação de unidades cada vez maiores e mais diferenciadas, sempre há um outro aspecto do amor, que é aquele que remete ao fascínio, à perda de identidade, ao abandono, à vertigem e ao êxtase. Tudo isso está relacionado à pulsão de morte. Portanto, se considerarmos que no poder só há fascínio, então deveremos aceitar a ideia de que o poder nunca é pulsão de vida, mas que lança mão (admiravelmente) dessa máscara do amor para possibilitar o triunfo da morte. No entanto, caso haja uma parte maior de identificação (sem idealização), então será possível admitirmos que o poder não é feito só de repressão, mas também da instituição de formas vivas (idem, ibidem).

O poder tem a função de garantir a ordem e um estado de equilíbrio social nas instituições. O poder se situa no nível político e no nível do inconsciente, ou nas condutas sociais (ENRIQUEZ, 2007, p.61), já que coloca em questão a lei e suas modalidades de internalização. Ou seja, se coloca em questão quem vai defender a lei e de que forma ela será internalizada, se pelo amor, pela obrigação ou pela educação (idem, ibidem). Mas muitas instituições enfrentam um problema nessa relação do poder que é o da dominação: “dominação dos seres, da natureza, das coisas, do pensamento” (idem, ibidem).

2.5.2 Autoridade

A autoridade, que não deve ser confundida com o autoritarismo, lembra Lebrun (2009, p.96), pertence ao registro do simbólico, e se sustenta no reconhecimento de uma diferença de lugares. “Possui a autoridade aquele a quem se reconhece que, a partir do lugar que ele ocupa, o que diz não tem o mesmo valor que o que dizem aqueles que não ocupam este lugar” (idem, ibidem). A autoridade não está somente do lado do poder imaginário, explica Lebrum (ibidem), uma vez que ela se apresenta toda vez que alguém ocupa um lugar reconhecidamente diferente dos outros, no campo do simbólico. Assim, segundo o autor, ela não pertence somente ao diretor ou chefe de um determinado serviço, mas também ao trabalhador que higieniza o ambiente físico de trabalho dos demais, por exemplo. Nesse sentido, podemos compreender que a autoridade pertence àquele que detém o conhecimento de determinada tarefa. Então, o trabalhador, quando se especializa na execução de sua atividade, se torna autoridade naquele assunto e naquele setor.

Para Enriquez (2007), a autoridade está situada no nível organizacional (p.61). Sempre que um grupo necessita realizar uma obra, ou uma atividade, ele se

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