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Caracterização das violências contra gestantes a partir das notificações entre 2009 e 2016 no Sul do Brasil

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

DEPARTAMENTO DE SAÚDE PÚBLICA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE COLETIVA

Judizeli Baigorria

Caracterização das violências contra gestantes a partir das notificações entre 2009 e 2016 no Sul do Brasil

Florianópolis 2019

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Judizeli Baigorria

Caracterização das violências contra gestantes a partir das notificações entre 2009 e 2016 no Sul do Brasil

Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, da Universidade Federal de Santa Catarina para obtenção do título de Mestra em Saúde Coletiva.

Orientadora: Profa. Elza Berger Salema Coelho, Dra. Coorientadora: Carolina Carvalho Bolsoni, Dra.

Florianópolis 2019

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Judizeli Baigorria

Caracterização das violências contra gestantes a partir das notificações entre 2009 e 2016 no Sul do Brasil

O presente trabalho em nível de mestrado foi avaliado e aprovado por banca examinadora composta pelos seguintes membros:

Profa. Sheila Rúbia Lindner, Dra. Universidade Federal de Santa Catarina

Profa. Luciana Patrícia Zucco, Dra. Universidade Federal de Santa Catarina

Certificamos que esta é a versão original e final do trabalho de conclusão que foi julgado adequado para obtenção do título de mestra em Saúde Coletiva.

____________________________ Profa. Marta Inez Machado Verdi, Dra.

Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva

____________________________ Profa. Elza Berger Salema Coelho, Dra.

Orientadora

Florianópolis, 2019 Documento assinado digitalmente Elza Berger Salema Coelho Data: 20/12/2019 14:08:26-0300 CPF: 433.289.469-34 Marta Inez Machado Verdi:2893703100 0

Assinado de forma digital por Marta Inez Machado Verdi:28937031000 Dados: 2019.12.23 01:42:08 -03'00'

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Dedico esta escrita a todas as mulheres, na tentativa de

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente, às forças superiores, como eu gosto de chamá-las, por me darem o suporte necessário para atuar e estudar um tema tão difícil.

A meus pais, Édia e Miguel, que mesmo diante de todas as dificuldades, sempre incentivaram a mim e aos meus irmãos, a estudarmos e nos dedicarmos no que fazemos.

A meus irmãos, Maikel, Édine e Milene, por compreenderem minha ausência e meu caminho escolhido. À minha cunhada, Caroline, pelo apoio e atenção.

A meu companheiro, meu anjo, meu amor, Marcus. Agradeço pela compreensão, apoio e por embarcar comigo nestes desafios. Contigo sou mais forte!

À minha Orientadora, Profa. Elza, pelo apoio, dedicação, assertividade, confiança e paciência em minha caminhada. À minha Coorientadora, Carolina, por todo o incentivo, apoio, trocas e carinho recebidos. À Dra. Deise, pelo apoio, já histórico. Pela dedicada leitura e contribuições aportadas durante minha qualificação. Todas me acolheram desde a Especialização, acreditando em mim, o que tornou possível superar mais este desafio. Muito aprendi e só tenho a agradecer.

À Professora Sheila, pelo apoio, considerações de suma importância e contribuição para a confecção deste trabalho. Estendo assim, meus agradecimentos às/aos colegas do “Grupo de Pesquisa Violência e Saúde”, que contribuíram com observações para o trabalho.

À Professora Luciana, pelo apoio desde nossa vinculação via Residência Multiprofissional em Saúde da Mulher e Saúde da Criança. Nossas trocas e discussões acerca do Serviço Social e Saúde da Mulher muito me inspiraram. Estendo os agradecimentos às/aos colegas do Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas em Saúde, Sexualidade e Relações de Gênero, na pessoa da Professora Teresa Kleba Lisboa. Todas essas pessoas foram decisivas nesta minha caminhada.

A meus colegas de Mestrado, por nossas trocas e discussões. Em especial, à Gabriela, ainda que nas “correrias” do nosso cotidiano hospitalar, nossas trocas e afetos foram sempre de incentivo à continuidade deste projeto.

A meus amigos e colegas do Hospital Universitário, em especial àqueles da área de Saúde da Mulher e Saúde da Criança, além do(as) colegas Assistentes Sociais. Todos me incentivaram muito a tentar superar este desafio e continuar. O apoio de vocês no meu cotidiano, sem dúvida, foi e é, decisivo, para eu seguir, não só nos estudos; e vocês sabem bem disso. Cito, em especial, Maria e Mariana, que são as minhas colegas de trabalho e

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amigas mais próximas. Vocês são profissionais e um exemplo de dedicação. Agradeço pela amizade e carinho.

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RESUMO

As violências contra as mulheres se expressam das mais diferentes formas e em diferentes períodos de suas vidas. Muitas delas, quando a mulher está gestante. Desta forma, considerando a magnitude desta questão social e de saúde pública, evidencia-se a necessidade de aprofundamento de seu estudo. Pois, as Políticas Públicas referentes às mulheres, saúde das mulheres, gestação e violências, confirmam a importância do Estado como um dos pilares para o enfrentamento da questão. Neste sentido, o presente estudo, baseia-se nas notificações registradas no SINAM - Sistema de Informação de Agravos e Notificação do Ministério da Saúde (MS), e busca apresentar como se expressam as referidas violências no Sul do Brasil, destacando o período de 2009 a 2016. Onde após análise, foi possível saber que, de 133.916 notificações das violências contra as mulheres no Sul do Brasil, 9.083 referem-se às gestantes em situação de violência. Trata-se, portanto, de um estudo de abordagem quantitativa, descritivo, retrospectivo, com dados secundários, obtidos através dos dados nacionais do SINAN VIVA (Vigilância de Violência Interpessoal e Autoprovocada/MS). A população estudada foi a das gestantes, com idade maior que 10 anos. As variáveis utilizadas referem-se às características das mulheres em situação de violência (idade, raça/cor, escolaridade, situação conjugal, período gestacional, deficiência), às situações de violência (violência de repetição, tipo de violência, meio de agressão, consequências), e aos prováveis autores das violências (lesão autoprovocada, sexo, número, vínculo, uso de álcool), selecionadas com base nas fichas de notificação, revisão de literatura, disponibilidade no banco de dados e destaque das variáveis que respondem aos objetivos do estudo. Foi utilizado para análise estatística descritiva do estudo, o programa estatístico Stata 14.0, nos filtros de frequência simples e proporção (%), para calcular os percentuais e os intervalos de confiança (IC 95%). Além dele, legislação, estudos e literatura sobre violências e gênero dão suporte à evidência da temática. Ao final, de acordo com os resultados obtidos, a maioria das gestantes em situação de violências no Sul do Brasil é de mulheres brancas, solteiras, com apenas Ensino Fundamental completo e no primeiro trimestre gestacional; sofreram violências físicas, cujo meio de agressão foi força física/espancamento; e os prováveis autores são pessoas do sexo masculino, seus cônjuges ou pais. Desta forma, evidencia-se o necessário aprofundamento do estudo, sobretudo, com profissionais de saúde, além das mulheres em situação de violência, e população em geral, que possa contribuir para a discussão e compreensão da temática com urgente prevenção e combate das violências contra as mulheres. Considera-se que, com os dados colhidos realiza-se uma aproximação desta realidade, além de dar visibilidade à temática. Eis que, observando-os, será possível instrumentalizar os serviços de saúde, bem como, todo o aparato intersetorial para debater e atender as situações de violências, contribuindo assim, para a ampliação das discussões acerca da transversalidade de gênero nas políticas públicas que objetiva a equidade de gênero.

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ABSTRACT

Violence against women is expressed in different ways and at different times in their lives. Many of them when the woman is pregnant. Thus, considering the magnitude of this social and public health issue, the need for further study is evident. For, the Public Policies referring to women, women's health, pregnancy and violence, confirm the importance of the State as one of the pillars for facing the issue. In this sense, the present study is based on the notifications registered in the SINAM - Health and Notification Information System of the Ministry of Health (MS), and seeks to present how these violence are expressed in southern Brazil, highlighting the period of 2009. 2016. Where after analysis, it was possible to know that from 133,916 notifications of violence against women in Southern Brazil, 9,083 refer to pregnant women in situations of violence. Therefore, this is a quantitative, descriptive, retrospective study with secondary data obtained from the national data of SINAN VIVA (Interpersonal and Self-Provoked Violence Surveillance / MS). The population studied was pregnant women, aged over 10 years. The variables used refer to the characteristics of women in situations of violence (age, race / color, education, marital status, gestational period, disability), to situations of violence (recurrent violence, type of violence, means of aggression, consequences ), and the likely perpetrators of violence (self-harm, gender, number, attachment, alcohol use), selected based on notification forms, literature review, database availability, and highlighting of variables that respond to study objectives . For the descriptive statistical analysis of the study, the statistical program Stata 14.0 was used in the simple frequency and proportion (%) filters to calculate the percentages and confidence intervals (95% CI). In addition, legislation, studies and literature on violence and gender support the evidence of the theme. In the end, according to the results obtained, the majority of pregnant women in situations of violence in southern Brazil are white, single women, with only complete elementary school and in the first gestational trimester; suffered physical violence, whose aggression was physical force / beating; and the likely perpetrators are males, their spouses or parents. Thus, it is evident the necessary deepening of the study, especially with health professionals, in addition to women in situations of violence, and the general population, which can contribute to the discussion and understanding of the issue with urgent prevention and combat of violence against women. the women. It is considered that with the collected data an approximation of this reality is realized, besides giving visibility to the theme. Beholding them, it will be possible to instrumentalize health services, as well as the entire intersectoral apparatus to debate and address situations of violence, thus contributing to the broadening of discussions about gender mainstreaming in public policies aimed at gender equity.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Ameaças contra Mulheres. Rio Grande do Sul. Brasil. 2012-2016...33

Figura 2 - Lesões Corporais contra Mulheres. Rio Grande do Sul. Brasil. 2012-2016...34

Figura 3 - Estupros de Mulheres. Rio Grande do Sul. Brasil. 2012-2016...34

Figura 4 - Feminicídios. Rio Grande do Sul. Brasil. 2012-2016...35

Figura 5 - Linha do Tempo das Políticas de Saúde da Mulher. Ministério da Saúde. Brasil. 1970-2014...53

Figura 6 - Fluxograma do Resultado de Busca e Inclusão dos Estudos na Revisão sobre Prevalências e Fatores Associados a Violências contra Gestantes...60

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Variáveis relacionadas às mulheres gestantes em situação de violência………..78 Quadro 2 - Variáveis relacionadas às situações de violência………...79 Quadro 3 - Variáveis relacionadas aos prováveis autores de violência...………79

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Registros de Situações de Violências contra Mulheres. Secretaria de Segurança

Pública de Santa Catarina. 2010-2016...32

Tabela 2 - Características sociodemográficas. Sul do Brasil. 2019...76 Tabela 3 - Características dos serviços de saúde. Sul do Brasil. 2019...77 Artigo

Tabela 1 - Características sociodemográficas das mulheres gestantes em situação de

violências notificadas no SINAN. Região Sul. Brasil. 2009-2016...86

Tabela 2 - Características das violências sofridas por mulheres gestantes notificadas no

SINAN. Região Sul. Brasil. 2009-2016...87

Tabela 3 - Características relacionadas aos prováveis autores das violências contra gestantes

notificadas pelo SINAN. Região Sul. Brasil. 2009-2016...88

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LISTA DE GRÁFICOS

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AIDS - Acquired Immunodeficiency Syndrome - Síndrome da Imunodeficiência Adquirida ALESC - Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina

BA - Bahia

CAPS - Centro de Atenção Psicossocial CE - Ceará

CEDIM - Conselho Estadual de Direitos das Mulheres – Santa Catarina CNES - Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde

CNS - Conselho Nacional de Saúde

CRAM - Centro de Referência da Mulher – Paraná

DATASUS - Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde DEAM - Delegacia de Atendimento à Mulher

DECs - Descritores em Ciências da Saúde

DPCA - Delegacia de Proteção da Criança e do Adolescente DST - Doenças Sexualmente Transmissíveis

ESF - Estratégia Saúde da Família EUA - Estados Unidos da América

HIV - Human Immunodeficiency Virus - Vírus de Imunodeficiência Humana IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IDH - Índice de Desenvolvimento Humano IST – Infecção Sexualmente Transmissível

LILACS - Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde MA - Maranhão

MESH Terms - Medical Subject Headings Terms MJ - Ministério da Justiça

MS - Ministério da Saúde

NASF - Núcleo Ampliado de Saúde da Família OEA - Organização dos Estados Americanos OMS – Organização Mundial da Saúde ONG - Organização Não-Governamental ONU - Organização das Nações Unidas

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PNAISM - Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Mulheres PNPM - Plano Nacional de Políticas para as Mulheres

PNS - Pesquisa Nacional de Saúde PP - Políticas Públicas

PR - Paraná RR - Roraima

RS - Rio Grande do Sul

SAMU - Serviço de Atendimento Móvel de Urgência

SARE - Serviço de Responsabilização e Educação do Agressor SC - Santa Catarina

SCIELO - Scientific Electronic Library Online SIM - Sistema de Informações sobre Mortalidade

SINAN - Sistema de Informação de Agravos de Notificação SP - São Paulo

SUS - Sistema Único de Saúde

TABWIN - Tabulador de Dados e Informações em Saúde TO - Tocantins

UNWOMEN - United Nations Women USF - Unidade de Saúde da Família UTI - Unidade de Tratamento Intensivo VD – Violência doméstica

VIVA – Vigilância de Violência Interpessoal e Autoprovocada VPI - Violência por parceiro íntimo

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SUMÁRIO 1.INTRODUÇÃO ... 17 1.1. OBJETIVOS ... 20 1.1.1. Objetivo Geral... 20 1.1.2. Objetivos Específicos ... 21 2. REVISÃO DE LITERATURA ... 22

2.1. VIOLÊNCIAS CONTRA AS MULHERES ... 22

2.1.1. Definições de Violências ... 23

2.1.2. Gênero e Violência ... 25

2.1.3. Violências contra as Mulheres ... 28

2.1.4. Políticas Públicas ... 35

2.2. VIOLÊNCIAS NA GESTAÇÃO ... 47

2.2.1. Mulheres e Gestação ... 47

2.2.2. Prevalências das Violências na Gestação ... 59

2.2.3. Fatores Associados às Violências na Gestação ... 65

2.2.4. Autores das Violências contra as Gestantes ... 73

3. MÉTODO ... 76 3.1. DESENHO DO ESTUDO ... 76 3.2. LOCAL DO ESTUDO ... 76 3.3. POPULAÇÃO DO ESTUDO ... 77 3.4. VARIÁVEIS ... 78 3.5. SELEÇÃO DE DADOS ... 80

3.6. ANÁLISE DOS DADOS ... 80

3.7. LIMITAÇÕES ... 81

3.8 QUESTÕES ÉTICAS ... 81

4. RESULTADOS ... 82

4.1. ARTIGO – CARACTERIZAÇÃO DAS VIOLÊNCIAS SOFRIDAS PELAS MULHERES NA GRAVIDEZ A PARTIR DAS NOTIFICAÇÕES DO SUL DO BRASIL . 82 5. CONCLUSÃO ... 100

REFERÊNCIAS... 104

ANEXO A – Ficha de Notificação/Investigação Individual – Violência Doméstica, Sexual e/ou Outras Violências – 2008 ... 125

ANEXO B – Ficha de Notificação Individual – Violência Interpessoal/Autoprovocada – 2015 ... 127

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ANEXO C – Termo de Responsabilidade de Cessão das Bases de Dados dos Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes (VIVA), Gerenciados pela Secretaria de

Vigilância em Saúde (SVS) ... 129 ANEXO D – Instruções aos Autores – Periódico Ciência & Saúde Coletiva ... 130

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1.INTRODUÇÃO

Violência configura-se como o ato intencional de exercício de reafirmação das relações de força ou poder, dominação, ameaça, contra si, ou outrem, que possa resultar em lesão, morte, dano psicológico, ou deficiências. É a expressão de uma dominação de quem agride e de uma suposta submissão e subordinação de quem é atingido (MINAYO, 2013; KRUG, 2002).

Compreendida como um problema social, de segurança e de saúde pública, a violência provoca impactos na saúde dos indivíduos e nas relações sociais. Caracterizada de diferentes formas, referindo-se a quem a executa, tem-se a violência coletiva (em âmbitos macrossociais, políticos e econômicos, incluindo, a violência estrutural - produtora de desigualdades sociais); a autoviolência (comportamentos suicidas, autoabusos); a violência interpessoal: violência comunitária (atos aleatórios de violência no âmbito comunitário), incluindo a violência institucional (dentro de instituições e a partir de agentes institucionais); a violência intrafamiliar (ação ou omissão que prejudique o bem-estar, integridade física ou psicológica, liberdade, ou direito pleno de desenvolvimento de outro membro da família) (MINAYO, 2013; KRUG, 2002).

A violência cultural abrange formas de violências que são naturalizadas, através de valores, crenças e práticas, e que se confirmam sócio-historicamente, assim como as violências de gênero (aquelas que ocorrem a partir da diferenciação de gênero, expressando-se, principalmente, pela opressão do feminino pelo masculino) e doméstica (aquela ocorrida no ambiente familiar e doméstico), nas suas diversas expressões (MINAYO, 2013; ZUMA et al., 2013; BRASIL, 2006; KRUG, 2002).

E, quanto às repercussões à saúde da vítima, a violência pode gerar dentre outros traumas e doenças, incapacidades, óbitos e mudanças fisiológicas induzidas pelo estresse, uso de substâncias ou falta de controle sobre a fertilidade e autonomia pessoal. As mulheres que sofreram violência tem altas taxas de gravidez imprevista, aborto, desfechos neonatais e infantis adversos, infecções sexualmente transmissíveis, o que repercute, por consequência, na atenção em saúde (CAMPBELL, 2002).

Historicamente, as políticas brasileiras de atenção à saúde das mulheres eram associadas à atenção materno-infantil. Fato observado desde as primeiras iniciativas no

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governo militar, com a criação da Coordenação de Proteção Materno Infantil (1970), no âmbito do Ministério da Saúde (MS), passando pelas transições diante das demandas pelos direitos sexuais e direitos reprodutivos; e mais recentemente, com a implementação da Rede Cegonha (2011), pela Portaria 1.459, que pretende um novo modelo de atenção à saúde da mulher e da criança, com foco na atenção ao parto, ao nascimento, ao crescimento e ao desenvolvimento infantil.

A maternidade sempre foi vista como a contribuição das mulheres à sociedade, independente de ter sido sua escolha ou não. As seguidas gestações colocavam sua saúde em risco, a partir da mais tenra idade. Assim, seu destino natural era o ingresso nas atividades domésticas e a responsabilização pela criação dos filhos (TOLEDO, 2003).

Atualmente, a gestação e a maternidade são elementos do campo dos direitos sexuais e reprodutivos, e neste novo cenário respeita-se legalmente a autonomia das mulheres. Muito embora, na vida real, o contexto da gestação não as proteja de sofrer violências neste período, muito frequentemente praticadas pelos próprios parceiros íntimos (VPI). Há destaque também para as violências institucionais, obstétricas, além daquelas sofridas no trabalho; as violências são empregadas de forma naturalizada, como meio de manejo em muitas relações, inclusive conjugais; formas de confirmação e negação das violências tendem a culpabilizar, responsabilizar, desqualificar a mulher (SILVA, COELHO e NJAINE, 2014).

A aproximação e motivação da mestranda em relação à temática do estudo refere-se à sua atuação profissional como Assistente Social na área de Saúde da Mulher em hospital público há cerca de oito anos. Neste período, diante do próprio desafio de atuar na área, houve acompanhamento dos mais diversos atendimentos de casos de violências contra as mulheres. Situações estas que as acompanham por seus ciclos de vida, principalmente durante o da idade reprodutiva.

Os atendimentos de urgência em casos de violência sexual (VS), relatos das mulheres nas internações clínicas ou cirúrgicas, além do puerpério, internações de gestação de alto risco e pré-natal, são alguns dos exemplos dos espaços em que as violências contra as mulheres apresentam-se como demandas às/aos profissionais de saúde, sobretudo, aos do Serviço Social. Situações que, em parte, muito se assemelham àquelas atendidas pela mestranda quando da atuação nos CRAS - Centro de Referência de Assistência Social de um município no interior fluminense, por aproximadamente de um ano.

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Portanto, as violências de gênero, como questão social1, problemas de saúde pública e violação de direitos humanos, se apresentam como desafio às diferentes profissões e áreas de conhecimento. Para as mulheres, este desafio é diário e uma questão de vida.

Importa ressaltar um estudo realizado na Bélgica, Islândia, Dinamarca, Estônia, Noruega e Suécia, durante o período da pesquisa, onde predominou o abuso sexual em 0,4% dentre gestantes em pré-natal, o abuso físico em 2,2% e o abuso emocional em 2,7% (LUKASSE et al., 2014). E, muito embora o estudo se concentre no continente americano, os dados referentes à Ásia, e ao Irã apontam que 72,8% das mulheres relatam ter sofrido VPI durante a última gestação (HASSAN et al., 2014); e na África, e Quênia, prevalece a maior VPI geral, de 66,9% (OWAKA, NYANCHOKA e ATIELI, 2017).

O Mapa da Violência no Brasil apresenta os dados referentes às formas de violência ocorridas contra as mulheres. A violência física predomina com 48,7%, a psicológica, vem em seguida, com 23%, e a violência sexual por último, com 11,9%. A sexual se apresenta em maior número contra crianças e adolescentes femininas, sendo 29% e 24,3% respectivamente. De acordo com o referido documento, violência sexual contra a jovem acontece em 6,2% dos casos, e na mulher adulta, em 4,3%. As informações são referentes aos atendimentos via serviços prestados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), colhidos com base nas Fichas de Notificação do SINAN – Sistema Nacional de Informação de Agravos e Notificação – em 2014 (WAISELFISZ, 2015).

Dificuldades como parentalidade, acidentes, problemas relacionados à saúde mental, sexual e reprodutiva, além de repercutir negativamente na saúde do feto e da criança, podendo levá-los a óbito, são também alguns dos fatores associados às violências sofridas por mulheres em suas gestações (BERNARD et al, 2018; FERRARO et al., 2017; ISLAM et al., 2017a; KHAIRONISAK et al., 2016; UDO et al., 2016; AHMAD et al., 2015; IBRAHIM et.al., 2015; ROBBINS et al., 2015; ENO et al., 2014; HASSAN et al., 2014; DE CASTRO et al., 2014; KIRKAN et al., 2014; IZAGUIRRE e CALVETE, 2014). A legislação, e as Políticas Públicas (PP), em especial a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), preveem, além da atenção de diversas instituições às mulheres, ações

1 Desigualdades sociais potencializadas e naturalizadas no contexto capitalista: sociabilidade humana

subordinada às coisas, banalização do humano, indiferença, violências, radicalização da alienação, invisibilidade do trabalho social e sua apropriação privada, fragmentação e polarização social. Unidade de diversidades num mesmo movimento econômico, político, ideológico, histórico, descaracterizando a cidadania. Contexto no qual também se potencializam as lutas sociais (IAMAMOTO, 2011).

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punitivas para os autores de violências domésticas. Exige-se compreensão destas situações na condição de transversalidade de gênero, e da importância das ações do Estado e sociedade nesse contexto. Esse reconhecimento é fundamental para o enfrentamento às violências. Os estudos também evidenciam que os parceiros íntimos são, em maioria, os autores das violências contra as mulheres, inclusive durante a gestação (KHAIRONISAK

et al., 2018; ISLAM et al., 2017; AHMAD et al., 2015; IDOKO, 2015; ENO et al., 2014;

RODRIGUES et al., 2014).

Os dados do SINAN/MS fornecem elementos da realidade em relação às violências contra as gestantes, com a incorporação, registro e divulgação das informações referentes aos agravos e violências. Sua importância reside na compreensão destes dados, uma legítima oportunidade para discussão do problema, contribuindo, portanto, no aprimoramento das Políticas Públicas de atenção às pessoas em situação de violências.

As análises realizadas buscam a interpretação dos dados disponíveis, sinalizando correlações com a literatura referente às relações, desigualdades e violências de gênero. Considerando a complexidade da questão das violências às mulheres, inclusive, no período gestacional vivido por muitas delas, faz-se evidente a importância da apropriação das informações registradas para melhor aproximação da realidade, contribuição no seu enfrentamento e possibilidade de reversão da situação de violência para a da equidade de gênero. Há relevância em relação a esta temática, quando observa-se a gravidade e número de situações de violências vividas pelas gestantes, sobretudo, através das informações das notificações. Desta forma, aprofundar o conhecimento sobre as violências contra gestantes no Sul do Brasil, é ao mesmo tempo, contribuir para as Políticas Públicas destinadas às pessoas em situação de violência, principalmente na área da saúde e saúde das mulheres.

1.1. OBJETIVOS

1.1.1. Objetivo Geral

• Caracterizar as violências contra gestantes nos casos notificados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) no Sul do Brasil, no período de 2009 a 2016.

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1.1.2. Objetivos Específicos

- Destacar as violências sofridas pelas gestantes;

- Descrever características das mulheres gestantes em situação de violência; - Levantar as circunstâncias das violências vivenciadas pelas gestantes;

- Identificar características dos prováveis autores das violências contra as mulheres gestantes.

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2. REVISÃO DE LITERATURA

Neste item, realiza-se um levantamento bibliográfico do tema das violências contra as gestantes, apresentando o que existe de relevante na literatura mundial e nacional, a respeito das violências de gênero contra as mulheres e as gestantes.

Foram levantados textos normativos e publicações científicas, além da realização de revisão em bases de dados de artigos científicos que complementassem a compreensão da realidade das violências contra as gestantes, observando suas prevalências e fatores associados.

A revisão está organizada em dois grandes blocos. O primeiro aborda a violência contra as mulheres, relacionando-a com as políticas públicas existentes, além de pretender auxiliar na compreensão das violências de gênero, apresentando informações recentes sobre as violências que atingem as mulheres. O segundo bloco enfatiza as violências durante a gestação, trazendo referências quanto a este período vivenciado por muitas mulheres, e, também, apresentando prevalências e fatores associados, além das informações relacionadas aos autores das violências.

2.1. VIOLÊNCIAS CONTRA AS MULHERES

A violência contra as mulheres é algo tolerado culturalmente, através da naturalização do poder atribuído ao homem na sociedade. Há uma discrepância importante sobre como as mulheres relatam as graves violências sofridas, em relação às de fato cometidas e relatadas pelos homens, que apresentam verdadeiro discurso de legitimação (SILVA, COELHO e NJAINE, 2014). De fato, há forte iniquidade de gênero em relação às violências e comportamentos sexuais, pois, socialmente, são autorizados e incentivados aos homens e proibidos às mulheres (FRANCISCO et al., 2013). A seguir são apresentadas discussões acerca das violências e desigualdades de gênero. Os dados referentes à importantes pesquisas e bancos de dados estatais sobre as violências sofridas pelas mulheres, também são apresentados. As Políticas Públicas referentes à saúde das mulheres e enfrentamento das violências que sofrem, também recebem destaque.

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2.1.1. Definições de Violências

As violências são atos intencionais que visam prejudicar a outrem. Tomam caráter e proporções macrossociais quando evidenciadas suas repercussões para além do plano individual, considerando as consequências para a sociedade como um todo. Desta forma, para além dos impactos individuais causados, as violências configuram-se como problema social, de segurança e de saúde pública (BRASIL 2005a; KRUG et al., 2002).

A Organização Mundial da Saúde (OMS) define as violências em três grandes categorias: Violência autoinfligida; Violência interpessoal; Violência coletiva (KRUG et

al., 2002).

A violência autoinfligida refere-se aos comportamentos suicidas (pensamentos suicidas, tentativas de suicídio) e/ou autoabusos (automutilações), bem como, aos suicídios.

As violências interpessoais se expressam em:

- violência intrafamiliar ou VPI: ocorre no contexto familiar (como abuso infantil, e abuso contra os idosos) ou entre parceiros íntimos;

- violência comunitária: entre pessoas sem vínculo de parentesco, conhecidos ou não (violência juvenil, atos aleatórios de violência, violências sexuais por estranhos, violências institucionais);

As violências coletivas são as:

- violência social: segue uma determinada agenda social, incluindo crimes de ódio, atos terroristas e violência de multidões;

- violência política: guerras e conflitos violentos, violência do Estado e atos realizados por grupos;

- violência econômica: ataques de grandes grupos visando ganho econômico, como a interrupção de atividade econômica, de acesso a serviços essenciais, criação de segmentações e fragmentações econômicas.

Pela natureza dos atos violentos, que ocorrem em todas as categorias e subcategorias, exceto na violência autoinfligida, a OMS ainda define as violências:

- física: agressões como estapear, socar, chutar e surrar;

- sexual: atos, tentativas, comentários de caráter sexual indesejados, de tráfico sexual, ou que atentem à sexualidade da pessoa através de coação, independente da relação com a pessoa atingida, ou do cenário;

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- psicológica: quando ocorre dano psicológico, deficiência ou privação de comportamento ou desenvolvimento da personalidade; insultos; ameaças; intimidações, constante desvalorização e humilhação; agressões emocionais e/ou verbais; discriminação; injúria; difamação; sofrimento psicológico, crueldade mental.

- privação ou negligência: cuidados inadequados com a saúde, privação de alimentação, exposição a situações de perigo, abandono, supervisão inadequada, higiene precária, privação de educação, privação material.

- comportamentos controladores (VPI): isolar a pessoa de sua família e amigos, monitorar seus movimentos e restringir seu acesso às informações ou à assistência.

Considerando a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), que trata das violências domésticas contra as mulheres, ela também define as violências físicas, psicológicas e sexuais. E ainda, se refere a outras duas formas de violência: violência patrimonial, que consiste na retenção, destruição parcial ou total dos bens⁄pertences da mulher; e violência moral, que consiste na conduta ofensiva que configura calúnia, difamação ou injúria.

Complementando estas definições, existem as adotadas pelos Manuais do SINAN (BRASIL, 2016a), que indicam situações de violência interpessoal e autoprovocada, utilizando referenciais da OMS e da legislação brasileira que versem sobre violências:

- Violência Física (também denominada sevícia física, maus-tratos físicos ou abuso físico): atos intencionais com uso da força física, com o objetivo de ferir, lesar, provocar dor e sofrimento ou destruir a pessoa, podendo deixar ou não marcas evidentes no corpo. - Violência Psicológica/Moral: formas de rejeição, depreciação, discriminação, desrespeito, cobrança exagerada, punições humilhantes e utilização da pessoa para atender às necessidades psíquicas de outrem; ações, comportamentos, falas que prejudiquem a autoestima, identidade ou desenvolvimento da pessoa. Violência moral é toda ação destinada a caluniar, difamar ou injuriar a honra ou a reputação da pessoa.

- Tortura: emprego de força ou grave ameaça, causando sofrimento físico ou mental para obter informação, declaração ou confissão, provocar ação ou omissão de natureza criminosa, ou em razão de discriminação racial ou religiosa.

- Violência Sexual: ação coercitiva (através de uso de poder ou força, coerção, intimidação, influência psicológica) que constrange outra pessoa a participar de alguma maneira de interações sexuais ou a utilizar a sua sexualidade contra sua vontade. Também, incluem-se neste grupo, os atos que impeçam, limitem ou anulem em qualquer pessoa sua autonomia e o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos.

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- Tráfico de seres humanos: coação de outrem para exercer a prostituição, ou trabalho sem remuneração, incluindo o doméstico, escravo ou de servidão, casamento servil ou para a remoção e comercialização de seus órgãos.

- Violência Financeira/Econômica: exploração imprópria ou ilegal, ou uso não consentido de seus recursos financeiros e patrimoniais, também conhecida como, violência patrimonial.

- Negligência/Abandono: é a omissão pela qual se deixou de prover as necessidades e cuidados básicos para o desenvolvimento físico, emocional e social da pessoa.

- Trabalho Infantil: é o conjunto de ações e atividades, de caráter obrigatório, desempenhadas por crianças (com valor econômico direto ou indireto), inibindo-as de viver plenamente sua condição de infância e adolescência.

- Violência por Intervenção legal: trata-se da intervenção violenta por agente legal público.

As violências configuram-se, portanto, diferenciadas por, quem executa e, quem é atingido. Neste fato reside um recorte de gênero bem definido, convergindo para as autorias, espaços, formas e variadas consequências, que consistem nas violências a homens e mulheres, por exemplo.

2.1.2. Gênero e Violência

As violências atingem de forma diferenciada a homens e mulheres, sendo a consequência da formação social desigual, já na infância de meninos e meninas. A sociabilidade diferenciada, no espaço público (cultura) e incentivo dos meninos a práticas violentas desde sua infância, e das meninas ao recato, ao espaço de socialização privado, familiar, bem como, ao cuidado (natureza), forja papéis sociais de gênero, inclusive, no que tange às violências.

Desta forma, há a compreensão histórica de que as mulheres estão sob o poder dos homens, sendo elas, esposas ou filhas. Visualizando desta perspectiva, é possível identificar o poder nas relações de gênero, tal como ainda estão configuradas, ou seja, desiguais.

Logo, inequívoco que as violências contra as mulheres ocorrem dentro da formação de uma sociedade patriarcal hierárquica, como forma de poder e controle dos homens sobre

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as mulheres, dos seus corpos e sexualidade. Uma estrutura de poder baseada na ideologia e violência que repercute no direito civil e politicamente (SAFFIOTI, 2015). Assim, as relações de gênero se configuram como contexto que envolve o uso da violência.

Segundo a Organização das Nações Unidas Mulheres (ONU Mulheres, 2015), uma em cada três mulheres sofre violências do seu companheiro, ou esposo, o que prejudica sua saúde mental, física e sexual, ainda no contexto da família e comunidade, além do impacto econômico, que por sua vez, incide no desenvolvimento global.

As relações desiguais de gênero são reflexos de uma formação sociohistórica repleta de significativas nuances que forjam os comportamentos e de repercussões do que é ser homem e do que é ser mulher. “Gênero” é um conceito socialmente construído, na personalidade e no comportamento, e também por sua representação social e significados da diferença sexual. Há reconhecimento de ambos os gêneros, porém, pode variar entre os membros, sua identidade, ou, sua representatividade como mulher ou homem (NICHOLSON, 2000).

As diferenças de gênero estão perpassadas por inúmeros feixes de relações, sejam baseadas em questões ideológicas, religiosas, políticas, culturais ou sociais. É uma forma primária de significar a concepção e as relações de poder (SCOTT, 1989). As mulheres são subjugadas, sendo sua atuação na sociedade remetida ao plano biológico da reprodução (BEAUVOIR, 2009).

Através das religiões, a hierarquização antropocêntrica e androcêntrica se confirmam com centralização ideológica e espistemológica no patriarcado, condicionando desigualdades de gênero. Essa tradição considera as mulheres inferiores e as exclui do poder, limitando sua participação através de uma interpretação androcêntrica (BEAUVOIR, 2009; GEBARA, 1997). Neste contexto, as violências sofridas pelas mulheres são, muitas vezes, silenciadas, naturalizadas e legitimadas (SILVA, 2019; LETRA, 2013). Desta forma, há a migração das mulheres para outras religiões e formas de espiritualidade. A construção de novas interpretações e epistemologias dentro das religiões pelas mulheres contempla a ação e articulação das mulheres, evidenciando as violências contra as mulheres e seu enfrentamento (TOLDY e SANTOS, 2016).

A mercantilização e objetificação dos corpos e vidas das mulheres as coloca diante de questões como trabalho, mídia e controle dos corpos, pois, em regra, o ingresso nestas áreas é diferenciado e legitimado apenas aos homens, relacionando assim, as questões, opressão e funcionamento da economia (TORNQUIST e FLEISCHER, 2012). Por

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consequência, a inserção das mulheres no mercado de trabalho, por exemplo, apresenta obstáculos discriminatórios como, exigências desnecessárias aos processos seletivos, ou cargos pouco passíveis de promoção; como se não bastasse a total inobservância social do peso da jornada de trabalho doméstico, essencialmente atribuído às mulheres. Pois, os impactos à saúde são diferentes para homens e mulheres, enquanto mortalidade e morbidade, e, suporte institucional para recuperação e reinserção profissional (ANDRADE, 1997; GIANNASI, 1997).

Tem-se desta forma que, “(...) a desigualdade entre homens e mulheres é a chave da discriminação sexista e a origem de toda a violência de gênero” (LISBOA, 2014, p.39); violência que indica um contexto também de vulnerabilidade, conforme afirma Butler (2006). As vidas são desumanizadas, legitimando violências. O corpo, muitas vezes, é o meio de controle dos homens sobre as mulheres. Da manifestação das relações de poder desiguais entre homens e mulheres. A representação social desta diferença no imaginário social irá legitimar as desigualdades de gênero.

Portanto, as violências de gênero são violências que ocorrem baseadas ou como consequências das desigualdades sócio-históricas e/ou culturais entre mulheres e homens, bem como, do que é definido socialmente como adequado a cada papel a partir da diferenciação sexual e de gênero, das feminilidades e masculinidades forjadas. As violências podem ser fundantes da sociabilidade dos homens, embora a subjetividade coloque diferentes sentidos aos padrões de masculinidade, que convivem com a masculinidade hegemônica, relacionando, dominação e heterossexualidade (ZUMA et al., 2013).

Cabe destacar mais especificamente, a homofobia e a transfobia – caracterizadas como crimes desde jun/19 pelo Supremo Tribunal Federal – que criminalizam a discriminação e violências a pessoas cuja identidade de gênero ou orientação sexual não se caracterize na heteronormatividade (BRASIL, 2019). Portanto, trata-se também de uma violência baseada no gênero.

Logo, se violências de gênero são originadas por processos sócio-históricos e culturais. Cabe destacar os estudos com perspectiva de gênero na saúde, pois, contribuem e enriquecem a reflexão teórica, na área de saúde coletiva. Somando esforços intelectuais e políticos para a compreensão dos determinantes e busca por justiça social (AQUINO, 2006).

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violências de gênero, visando à aproximação desta realidade, segue abaixo, levantamento de pesquisas brasileiras e internacionais que trazem dados atualizados sobre a temática.

2.1.3. Violências contra as Mulheres

As violências vivenciadas pelas mulheres são expressões das violências de gênero, naturalizadas e reproduzidas no cotidiano, embora, atualmente existam aparatos legislativos e institucionais para seu enfrentamento. A seguir, destaca-se levantamento de indicadores recentes em relação a essas violências e, mais intensamente, em relação aos números de feminicídio2.

Em relação aos tipos de violência, segundo o Mapa da Violência, que reuniu dados referentes às notificações do SINAN de 2014, há uma maior concentração de violência física (48,7%), prevalecendo entre as adolescentes (40,9%), nas jovens (58,9%), nas adultas (57,1%) e nas idosas (38,2%). Há destaque também para a violência psicológica, presente em 23% dos atendimentos em todas as idades, com agravamento a partir dos 18 anos de idade. A violência sexual representa 11,9% das notificações, com maior incidência entre as crianças até 11 anos de idade (29% dos atendimentos) e nas adolescentes (24,3%) (WAISELFISZ, 2015). Logo, atenta-se para a gravidade das violências sofridas por meninas desde muito cedo, momento este da vida em que elas precisam contar com o apoio, ou responsabilidade familiar, institucional e social para acessar aos atendimentos específicos de tratamento e recuperação. Já no grupo das mulheres adultas também expostas às violências, muitas vezes, por dificuldade em sua identificação, não ocorre o atendimento médico, já que tomadas pelo medo de repercussões ou mais violência institucional, estas mulheres se recolhem ao sofrimento velado.

Cabe considerar que diante das situações de violência, na maioria das vezes, há sobreposição dos tipos de violências, por exemplo, a violência sexual inclui a violência física e a psicológica. Este fato contribui para o aumento das estatísticas, na tentativa de uma aproximação das reais situações e volume das violências, considerando que cerca de

2 Refere-se ao homicídio de mulheres, por razões de condições de sexo feminino, quando envolve violência

doméstica e familiar e/ou menosprezo e discriminação à condição de mulher. A Lei 13.104 de 9 de março de 2015 inclui esses no rol de crimes hediondos, prevendo aumento na pena no caso de gestantes ou puérperas, mulheres menores da 14 anos ou idosas, e na presença de descendente ou ascendente da família da mulher.

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apenas 35% dos casos de violência são notificados, e em torno de 10% das violências sexuais (FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA, 2015). A explicação para isso é que, existem dificuldades tanto de acesso aos serviços, como de capacitação dos profissionais de saúde para efetivarem, além do atendimento integral, o registro das informações em saúde, dando visibilidade à questão das violências contra as mulheres (ALCÂNTARA et al., 2016).

Dada à gravidade da situação, evidencia-se que as mulheres não têm buscado apoio em relação à violência sofrida, denotando naturalização das violências, inclusive, da relação sexual forçada na conjugalidade. Compreende-se, portanto, que a violência contra as mulheres é mais repetitiva, o que demanda a criação de Políticas Públicas de prevenção, por exemplo, ou, de promoção de formação social mais diversa, respeitosa, com vistas à equidade de gênero. Além da importante divulgação dos dados relativos às violências, a divulgação dos serviços e do que são essas violências possibilita impulsionar a discussão e conscientização, repercutindo numa mudança cultural enquanto equidade de gênero (CAVALCANTI et al., 2016).

Segundo a ONU, 35% das mulheres entre 15 e 49 anos vivenciam violência física e /ou sexual por parceiros ou não parceiros, na vida, com variações entre 15% (Japão) e 71% (Etiópia), variando entre 4% (Japão) e 54% (Etiópia) nos 12 meses anteriores dentre os demais países estudados (Maldivas, Namíbia, Brasil, Nova Zelândia, Samoa, Tailândia, Tanzânia, Bangladesh, Peru), em ordem crescente de prevalência de violências. E que, em 2012, quase metade das mulheres foram mortas por membros da família ou parceiros íntimos, enquanto, entre os homens, apenas 6% eram mortos por familiares. Em países como Austrália, Canadá, Israel, África do Sul e Estados Unidos, de 40% a 70% dos feminicídios foram cometidos pelos parceiros íntimos (OMS, 2011). Ainda, considerando as mulheres em idade entre 15 e 44 anos; portanto, em idade fértil, na qual muitas delas têm suas gestações; em 2004, 19,2% dos óbitos ocorreram por Human Immunodeficiency

Virus - Vírus de Imunodeficiência Humana/Acquired Immune Deficiency Syndrome -

Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (HIV/AIDS), e 14,6% por causas maternas (incluindo aborto inseguro), e por violências o percentual chegou a 1,7% dos óbitos.

Cabe destacar também, os casos de suicídio, compreendidos como violência autoinfligida/autoprovocada, e expressão mais grave de agravo à saúde mental das vítimas. É também, a sétima causa de óbito em mulheres entre 20 e 59 anos de idade, no mundo, e a segunda causa de óbito nos países de baixa e média renda da região do Pacífico Oeste

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(Oceania e Ásia). E a quinta principal causa de óbito em mulheres entre 20 e 44 anos de idade, na frente, até mesmo, dos acidentes de trânsito. No mundo, um em cada três suicídios ocorre em mulheres entre 25 e 44 anos (OMS, 2011).

Baseando-se no Sistema de Informações de Mortalidade do MS, que coleta informações através das Declarações de Óbito, em 1980, no Brasil, a taxa a cada 100 mil mulheres era de 2,3 mortas por homicídio, apresentando uma oscilação gradativa até a implementação da Lei Maria da Penha em 2006, com 4,2 óbitos de mulheres a cada 100 mil. O pico de mortes neste período, ocorreu em 1996, com 4,6. Nos anos seguintes à Lei, vê-se uma queda (3,9 em 2007), com posterior aumento (4,8 em 2013). No ordenamento mundial, o Brasil alcança a quinta colocação dos países com maiores taxas de feminicídio: ultrapassa, El Salvador, Colômbia, Guatemala (América Latina) e Rússia (Eurásia) (WAISELFISZ, 2015).

Considerando as violências e os registros dos atendimentos disponíveis, o Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2018) informa que, em 2017 ocorreram 221.238 registros de violência doméstica (lesão corporal dolosa), sendo 606 os casos diários; 60.018 de estupros registrados, o que representa um crescimento de 8,4% em relação à 2016; 4.539 homicídios de mulheres, com crescimento de 6,1% se comparado ao ano anterior; e 1.133 casos foram considerados como feminicídio (FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA, 2018). Especificamente os dados do Sul do Brasil, indicam que no RS, dos 280 homicídios de mulheres, 83 foram registrados como feminicídio; em SC, dos 110 homicídios de mulheres ocorridos em 2017, 48 deles foram registrados como feminicídio; já no PR, dos 180 homicídios de mulheres, apenas 21 foram reconhecidos como feminicídio (FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA, 2018a).

Segundo o Atlas da Violência 2018, ocorreram no Brasil em 2016, em média, 4,5 homicídios a cada 100 mil mulheres, expressando uma variação de 6,4% de 2006 a 2016, e de 1,6% entre 2015 e 2016. Apenas o estado de São Paulo apresentou uma queda naquela década, da ordem de 40,4%. A seguir, Gráfico que destaca alguns estados e suas taxas do ano de 2016.

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Gráfico 1. Taxas de Homicídios a cada 100mil mulheres. Brasil, 2016. 10 7 5,4 4,2 3,1 3 2,2 7,1 0 2 4 6 8 10 12 Roraima Goiás Pará

Rio Grande do Sul Paraná

Santa Catarina Piauí São Paulo

Fonte: IPEA e FBSP (2018).

A taxa de homicídios foi maior entre as mulheres negras (5,3 a cada 100 mil mulheres) do que entre as mulheres não negras (3,1 por 100 mil mulheres), apresentando uma diferença de 71%. Esta taxa representa um aumento de 15,4%, entre 2003 e 2013, enquanto que, entre as não negras houve queda de 8%. O estado de Goiás apresenta a maior taxa de homicídios de mulheres negras (8,5 a cada 100 mil mulheres), representando uma grande desigualdade, pois, a taxa entre as mulheres não negras é menor que a metade das primeiras (4,1 a cada 100 mil mulheres). O Pará tem a segunda taxa mais alta de homicídios de mulheres negras (8,3 a cada 100 mil mulheres) e tem também uma alta taxa para mulheres não negras (6,6 a cada 100 mil mulheres). Portanto, o homicídio de mulheres negras coloca os estados de Goiás e o do Pará entre aqueles com maiores índices de feminicídio.

No ordenamento do crescimento das taxas (a cada 100mil mulheres) dos crimes de feminicídio entre 2006 e 2013, período de implementação da Lei Maria da Penha, a cidade de Florianópolis, no Sul do Brasil, é a quarta capital (crescimento de 107,5%), atrás das capitais do Norte e Nordeste (Palmas/TO, 951,6%; Boa Vista/RR, 280,3%; e São Luís/MA, 116,5%). Considerando a sua taxa de 4,0 feminicídios a cada 100mil mulheres, em 2013, a cidade ainda demanda atenção, tendo em vista, o grande crescimento no período e a média nacional de 2,6%, com taxa de 5,5 feminicídios a cada 100mil mulheres. Em Santa Catarina, há disponibilizado, desde 2010, um banco de dados com as informações sobre os registros das violências contra mulheres, realizados pelos órgãos da Secretaria de Segurança Pública.

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Tabela 1. Registros de Situações de Violências contra Mulheres. Secretaria de Segurança Pública de Santa Catarina. 2010-2016.

Violências 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016

Roubo 2.542 3.643 3.757 4.022 5.288 6.276 6.916

Lesão Corporal Dolosa 19.644 21.273 22.229 20.320 20.588 19.194 19.131

Tentativas de Estupro 451 566 591 595 560 604 614

Estupro 1.658 1.912 2.216 2.305 2.393 2.256 2.603

Tentativa de Homicídio Doloso 225 253 262 154 166 150 144

Latrocínio 6 5 5 9 8 9 8

Lesão Corporal seguida de Morte _ 2 2 2 2 1 2

Homicídio doloso 113 78 99 103 119 96 117 Violências Domésticas Ameaça 16.822 19.195 21.094 20.887 22.698 22.237 23.040 Calúnia 430 496 490 284 266 307 450 Dano 1.152 1.268 1.451 1.302 1.416 1.422 1.404 Difamação 1.048 1.042 953 787 826 934 1.229 Injúria 3.742 4.412 5.318 4.987 5.637 5.729 6.724

Lesão Corporal Dolosa 9.422 10.606 11.217 10.968 11.916 11.430 11.463

Tentativa de Estupro 55 67 58 75 114 132 123

Estupro 135 152 198 301 452 459 504

Tentativa de Homicídio Doloso 99 100 129 111 105 105 103

Homicídio doloso 54 39 38 45 56 46 54

*casos de violência doméstica estão incluídos no total de casos.

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Na análise do gráfico é possível perceber, que em SC houve no período, um aumento no número de casos de violências contra mulheres atendidas pela Segurança Pública, com exceção dos crimes de lesão corporal dolosa e tentativa de homicídio doloso. Isto reflete, para além da identificação das violências, a necessidade de continuidade da formação dos profissionais para que ocorra a identificação dos crimes, o acolhimento destas mulheres e a orientação adequada para o enfrentamento das violências.

Já o estado do Rio Grande do Sul, em 2012, passou a levantar seus casos de violência contra mulher, via Rede de Atendimento da Secretaria de Segurança Pública para Enfrentamento à Violência Doméstica e Familiar e Observatório da Violência contra as Mulheres. Desta forma, apresentam-se a seguir, Figuras sobre os dados gaúchos disponíveis:

Figura 1. Ameaças contra Mulheres. Rio Grande do Sul. Brasil. 2012-2016.

Fonte: SSP/RS/SIP (2017).

Na Figura 1, estão os dados do crime de ameaça contra as mulheres no período de 2012 a 2016, que em geral, diminuíram, com exceção do ano de 2014 onde houve aumento.

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Figura 2. Lesões Corporais contra Mulheres. Rio Grande do Sul. Brasil. 2012-2016.

Fonte: SSP/RS/SIP (2017).

Conforme a Figura 2, entre 2012 e 2016, os registros de lesões corporais contra mulheres apresentaram queda.

Nos registros de estupros contra mulheres do referido período, houve queda até 2014 e, posterior aumento em 2015, representando uma constância dos casos, conforme demonstrado na Figura 3.

Figura 3. Estupros contra Mulheres. Rio Grande do Sul. Brasil. 2012-2016.

Fonte: SSP/RS/SIP (2017).

Os casos de feminicídio apresentaram queda até 2014, com aumento no número de casos no ano seguinte, e posterior queda em 2016, conforme figura a seguir:

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Figura 4. Feminicídios. Rio Grande do Sul. Brasil. 2012-2016.

Fonte: SSP/RS/SIP (2017).

Além dos dados disponíveis nos gráficos, há o destaque para o número de tentativas de feminicídio, que no ano de 2013 foi de 229 casos; em 2014, 286; em 2015, 311; e em 2016, 263 casos, representando uma queda de 15,4% entre os dois últimos anos. Esta oscilação deve-se à maior conscientização pelas orientações institucionais realizadas, com disponibilização de serviços de comunicação dos crimes, às mulheres em situação de violência. A estrutura de serviços e qualificação profissional foi responsável por adequar os serviços de recebimento e encaminhamento das demandas (RIO GRANDE DO SUL, 2017). Os dados gaúchos, em geral, referem queda no registro das violências. Esta diminuição pode ser associada à uma possível mudança cultural. Porém, pode também ser reflexo de dificuldades de acesso aos serviços ou à informação sobre o tema.

Diante dos dados mais recentes apresentados, e, considerando a gravidade das violências contra mulheres no âmbito nacional e internacional, convém conhecer a legislação vigente e quais Políticas Públicas dão suporte aos atendimentos e enfrentamento das violências, sobretudo, àquelas vividas pelas mulheres.

2.1.4. Políticas Públicas

Os números dos casos de violência de gênero no Brasil têm crescido. Na verdade, o fato é que atualmente eles têm maior visibilidade, devido ao conhecimento das Políticas Públicas especializadas existentes pelas mulheres. Conforme a legislação do tema, existe a determinação para que tais serviços se organizem no atendimento a este público, em termos de estrutura e formação de profissionais capacitados. Neste tópico, apresentam-se os aportes

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normativos que existem para consolidar a atenção às mulheres e às situações de violência por elas sofridas.

Considerando o contexto social e o das relações de gênero, configura-se historicamente uma naturalização da violência contra as mulheres em que há a culpabilização recorrente pelas próprias mulheres vítimas de agressão. Devido à isso, identifica-se que há pouca procura pelos serviços de atendimento nas situações de violências. Logo, existe a possibilidade de o número de casos ser ainda maior, o que provoca que estes casos fiquem abandonados, sem atenção por pura falta de informação, ou mesmo, pelo receio das vítimas em sofrer algum constrangimento, ou revitimização, além da preocupação com o sigilo sobre sua situação e o medo de sofrer ainda alguma violência institucional.

Os debates ocorridos sobre a temática da saúde da mulher na perspectiva de gênero, relacionados à saúde sexual e à saúde reprodutiva, são impulsionados pelos movimentos feministas que se estruturaram desde os movimentos sufragistas (séc. XIX) até as mais recentes ondas feministas do séc. XX. No Brasil, ao longo do processo, a luta das mulheres do movimento feminista, condicionou mudanças legislativas, sociais, e impulsionou a criação de PP. Uma luta pela busca da equidade de gênero, dos ideais de Direitos Humanos, pela eliminação das formas de discriminação, e pela ação nas práticas sociais.

Diante das variadas restrições históricas sofridas pelas mulheres, ao menos a que anulava seus direitos políticos foi retirada da Constituição Federal pátria, no ano de 1934. Enquanto direito civil, até 1962 a mulher casada era considerada incapaz, necessitando de autorizações do marido para poder exercer qualquer ato da vida civil. Até a Constituição de 1988, as mulheres eram consideradas colaboradoras do marido, cabendo a ele, a direção da sociedade conjugal. Já a restrição sobre os direitos trabalhistas femininos, perdurou até o final da década de 70, pois, com justificativa de proteção, a regra impedia que as mulheres ingressassem de forma mais ampla no mercado de trabalho. Complementa este histórico de avanços, no processo de elaboração da Constituição de 1988, em relação aos direitos e deveres atribuídos ao Estado, a inclusão de valores como igualdade na família e repúdio à violência doméstica, entre outros (BARSTED, 2001). Pois, é sabido que na história brasileira, existe a dificuldade do reconhecimento dos direitos individuais enquanto sexualidade e reprodução, expondo homens e mulheres, para além das diferenças sexuais e de gênero, à desigualdade de direitos (ARDAILLON, 2005).

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O movimento feminista e o movimento de mulheres (como diferencia Oliveira, 2005)3, tiveram maior impulso no contexto internacional, no pós-68, que se caracterizou por uma postura libertária, que inspirou o Brasil, a, em seguida, no final dos anos 70, diante das suas especificidades, também revolucionar. Evidenciando assim, as históricas conquistas do final do século XIX e início do XX no contexto público e privado. E assim, o feminismo, como categoria e ação produzida por e para mulheres, promoveu uma institucionalização na conquista de direitos, nas relações mais igualitárias entre os sexos, na força política e ideológica, impulsionando a transformação das relações de gênero e o debate sobre equidade entre os sexos (SCAVONE, 1996). Neste mesmo período, o feminismo influenciou também a academia, bem como, a perspectiva de abordagem referente à saúde das mulheres. Com a criação, nos anos 90, de grupos de pesquisa brasileiros, em gênero e saúde, institucionalizando a temática de gênero nas universidades. Destas pesquisas, a maioria das produções acadêmicas é de mulheres. (AQUINO, 2006).

Cabe salientar que, no Brasil, a articulação dos movimentos de mulheres e dos movimentos feministas contou com a ajuda dos profissionais de saúde, em um espaço político, de formulação de políticas públicas e controle social na saúde. E também de discussão dos diferentes movimentos feministas, como a Sempreviva Organização Feminista (1980). A exemplo, um destes órgãos era a Rede Feminsta de Saúde, fundada em 1991, que tinha como diretrizes a garantia de integralidade na assistência à mulher, o acompanhamento de projetos sobre a saúde da mulher e direitos reprodutivos no Legislativo; ações na mídia, etc. Estes movimentos possuem desde sua inserção nos processos reivindicativos, uma tendência política feminista, prezando pela autonomia das mulheres, justiça social e pela cidadania real.

Nos anos 80, estavam em discussão e na pauta das reivindicações, questões como, o saber médico, situação dos serviços de saúde e assistência, e, eficácia do funcionamento do sistema. Também os diretos reprodutivos, o que intensificava as discussões, em pautas como a relação conjugal, violências contra as mulheres, sexualidade x reprodução, contracepção, esterilização, aborto, concepção e assistência à saúde. O Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM, 1984) é implementado nesse contexto, pretendendo ser uma política pública que traduzisse conhecimentos e práticas geradas no espaço feminista,

3 A premissa do “nosso corpo nos pertence” é o divisor entre os dois movimentos historicamente: como a

discussão do direito ao aborto, como de livre escolha das mulheres ressoada no movimento feminista. Já o movimento de mulheres, abarca reivindicações mais amplas, estruturais, dos equipamentos sociais. (OLIVEIRA, 2005).

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considerando a dimensão social da construção da democracia (CAVALCANTI, 2016; OLIVEIRA, 2005; ROCHA, ARAÚJO e ÁVILA, 2001). Podem-se destacar como eventos relacionados a este momento: Encontro Feminista do Nordeste/1983/Natal; I Encontro Nacional de Saúde - Itapecerica da Serra/SP - 1984 - Carta de Itapecerica; II Encontro Internacional Mulher e Saúde - Amsterdã - internacionalização do conceito de direitos reprodutivos; I Conferência Nacional de Saúde e Direitos da Mulher – 1986; Seminário Nacional Feminista de Saúde e Direitos Reprodutivos - 1991 - Itapecerica da Serra/SP; VII Encontro Internacional Mulher e Saúde - Uganda – 1993; VIII Encontro Internacional Mulher e Saúde “Saúde na Mulher, Pobreza e Qualidade de Vida” - Rio – 1995; Red de Salud de las Mujeres Latinoamericanas y del Caribe - Rede Mundial (ROCHA, ARAÚJO e ÁVILA, 2001). E mais recentemente, em agosto de 2017, foi realizada a II Conferência Nacional de Saúde e Direitos da Mulher, 31 anos após a primeira conferência. O evento teve como eixos de discussão, conforme Resolução n.561, do CNS de 06/10/2017:

I - O papel do Estado no desenvolvimento socioeconômico e ambiental e seus reflexos na vida e na saúde das mulheres

II - O mundo do trabalho e suas consequências na vida e na saúde das mulheres

III - Vulnerabilidades nos ciclos de vida das mulheres na Política Nacional de Atenção Integral a Saúde das Mulheres

IV - Políticas Públicas para Mulheres e Participação Social

As propostas e diretrizes resultantes abordaram: água, alimentação, uso de agrotóxicos, agricultura familiar; recursos financeiros, insumos, investimento, financiamento, recursos humanos; reforma da previdência; controle social; defesa e fortalecimento do SUS; saneamento básico; formação, capacitação, qualificação, educação permanente dos profissionais de saúde e demais políticas - intersetorial; atenção às vulnerabilidades; assédio moral; assédio sexual; educação em saúde, também intersetorial; planejamento reprodutivo, planejamento familiar, atenção integral no pré-natal, parto humanizado, puerpério, abortamento, mortalidade materna, violências (gênero, étnico-racial, racismo institucional, obstétrica, doméstica, moral, sexual e outras), abordando a questão de gênero; notificações de agravos e violências; diversidade sexual; direitos trabalhistas; saúde mental; transversalidade na atenção à saúde da mulher; Práticas Integrativas e Complementares (PICs); terapia hormonal; atendimento móvel; tratamento de câncer no tempo previsto; aprimoramento do Sistema de Informação de Câncer; atenção intersetorial integral às mulheres em situação de violências e em situação de vulnerabilidades; consolidação e cumprimento da Lei Maria da

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Penha; fortalecimento da Rede Cegonha; direitos sexuais e direitos reprodutivos; tratamento integral em Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST) e HIV/AIDS; processo transexualizador; reprodução assistida; periodicidade das Conferências sobre Saúde das Mulheres (quatro anos); articulação entre os conselhos de direitos; fortalecimento da participação das mulheres nos espaços deliberativos e de controle social das Políticas Públicas; promoção da igualdade de gênero; assistência farmacêutica; reativar a Secretaria Especial de Política para Mulheres, bem como, as equivalentes locais. Já que todos esses elementos consideram as especificidades e pluralidades de realidades das mulheres, priorizando a execução dos serviços via SUS.

Foram etapas internacionais históricas, a construção da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948); Convenção Internacional sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (1968); Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação a Mulher (1979, primeiro instrumento internacional para a proteção das mulheres, através da I Conferência Mundial sobre a Mulher, México, 1975); Código de Conduta para Funcionários Encarregados de Fazer Cumprir a Lei (1979); II Conferência Mundial sobre a Mulher (Copenhagen, 1980); Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes (1984); III Conferência Mundial da Mulher (Nairóbi, 1985); as Conferências do Cairo (Internacional sobre População e Desenvolvimento) e Beijing (Mundial sobre a Mulher, Igualdade, Desenvolvimento e Paz), ocorridas nos anos de 1994 e 1995, ambas promovidas pela ONU.

Dentre outros aspectos, todos estes eventos trouxeram o entendimento de que o Estado deve se responsabilizar pela discussão e organização dos serviços especializados de saúde da mulher. Além da Declaração e Programa de Ação da Conferência Mundial dos Direitos Humanos, em Viena, 1993 (primeiro a abordar violências de gênero), a Convenção Interamericana (para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher) de Belém do Pará, de 1994, ratificada pelo Brasil em 1995, pela OEA; o Protocolo Facultativo à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (1999, promove a faculdade de recebimento de denúncias de violação de direitos humanos das mulheres) tratam da questão de gênero, das violências, e propõem estratégias ao seu enfrentamento, como responsabilidade dos Estados (ONU Brasil, 2013; BARSTED, 2001; CEPIA, 2001; OEA, 1994).

Em 1995, foi realizada uma manifestação em Quebec (Canadá), que reivindicava “pão e rosas”, simbolizando a luta contra a pobreza e violências contra as mulheres. Foi um meio

Referências

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