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Uma Política Científica Para Educação Física ou de Alice e a Toca do Coelho

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Academic year: 2021

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U M A P O L I T I C A C I E N T I F I C A P A R A A E D U C A Ç Ã O F Í S I C A O U D E A L I C E E A T O C A D O C O E L H O

ANA MÁRCIA SILVA* 2 0 0 3 - 2 0 0 5

N

este texto, buscamos discutir a constituição de uma política cien-tífica para a Educação Física brasileira, indicando alguns funda-mentos que nortearam as ações Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte (CBCE) em certo momento de sua história,1 assim como uma perspectiva mais pessoal sobre o tema. O título nos remete, também, à fábula de Alice no País das Maravilhas (CARROLL, 2002),2 e indica a busca por compreender essa aventura de crescimento com os vários percalços, enigmas e desafios, tal como a Educação Física parece se defrontar nos tempos atuais.

Parece que estamos muito próximos de amoldar a Educação Física às exigências institucionais, aos filões de mercado, ou à perspectiva de

1 Apesar de ser subscrito individualmente, em grande medida, este texto reflete a perspectiva de construção coletiva por parte da Diretoria Nacional do CBCE, sobretudo no biênio 2003-2005, mas, também da gestão anterior. Aos colegas da citada DN, Silvana Vilodre Goellner, Marco Paulo Stigger, Terezinha Petrúcia da Nóbrega, Silvia Cristina Franco Amaral, Pedro José Winterstein, assim como Lívia Tenório Brasileiro, Vicente Molina Neto, Jocimar Daolio e Carmen Lúcia Soares, o sincero agradecimento pelo trabalho, pela confiança e solidariedade então constituídos.

2 Do escritor inglês Charles Lutwidge Dodgson, de pseudônimo Lewis Carroll, publicado originalmente em 1865. Todas as observações nesse texto são referentes à edição de 2002 da Coleção Clássicos da Literatura em Libras/Português, Editora Arara Azul, com tradução de Clélia Regina Ramos.

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ciência convencional expressa pelas agências de fomento, estreitando as enormes possibilidades em termos de pesquisa e intervenção social; a pergunta que nos fica: Alice, para entrar na toca do coelho, deve dimi-nuir seu tamanho? Estamos longe de ser um país das maravilhas, é cer-to. E seria o caso de perguntar se há, de fato, algum país que o seja. O Brasil desses poucos séculos, cheio de mazelas e desigualdades sociais, é também um país de potencial inimaginável, pela força de seu povo e de seu território. Apesar das muitas ambigüidades e contradições, a me-táfora lindamente construída por Lewis Carroll no século XIX, ajuda-nos a pensar nessa aventura coletiva que ora vivenciamos.

Tal como o Brasil e Alice, a Educação Física recém está saindo de sua infância. Somos jovens, muito jovens, considerando o tempo de criação e consolidação de outros campos do conhecimento. Há algum tempo, desde a estruturação da pós-graduação estrito senso e a criação dessa entidade científica, ainda na década de 1970, assim como os des-dobramentos da ditadura militar em nosso país, vimos nos enveredando por caminhos traçados por outros, antes de nós e para nós. Talvez, caminho não seja a imagem mais adequada, dado que ali se poderia vis-lumbrar o que vem pela frente; seria mais como um túnel, uma toca por onde entra Alice, sem conhecer o exato destino para o qual se dirige.

Nascida com uma forte inclinação para o esporte, essa entidade traduziu, por mais de uma década, uma concepção de ciência coerente com aqueles tempos e com o entendimento daqueles que a constituí-ram. Naquele momento, a sociedade brasileira passava por um profundo processo de redemocratização, no qual a Educação Física desempenhou um papel ativo, assim como também o havia desempenhado em prol da ditadura militar. Sua participação ocorre na figura de professores, na atuação de alguns centros acadêmicos, em algumas de suas entidades e instituições. Desde então, a trajetória do CBCE tem sido marcada por um intenso processo de avaliação, rearticulação interna e renorteamento de sua organização.

A Educação Física, como um campo acadêmico não consolidado, teve seu estatuto científico, assim como a atividade de pesquisa de sua comunidade, desde o início, sob questionamentos. A esse dado po-demos acrescentar que, no processo de estruturação do CBCE, novas pesquisas de enfoque social foram ocorrendo em seu interior, motivadas por compromissos políticos que eclodem a partir daquele período com

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mais força e clareza, ampliando a perspectiva de cunho médico-despor-tivo que até entào predominava.

As palavras textuais da ata de fundação dessa entidade demonstram esses aspectos: a função primeira do CBCE é o incentivo à investigação cien-tífica nas áreas atuantes no campo médico-desportivo. Seus objetivos eram: a) promover e incrementar a investigação científica relacionada com o

efeito da atividade física sobre a saúde do ser humano em várias etapas da vida;

b) congregar os profissionais e estudantes que estejam atuando na área de ciências do esporte e atividade física;

C) promover, apoiar e integrar pesquisas para determinar os índices de aptidão física nas áreas biológica, psicológica e social da população brasileira; e,

d) zelar pela manutenção de um elevado padrão de ética na área de ciência do esporte (COLÉGIO..., 1978, p. 2).

Desde então, constituíram-se novas pesquisas vinculadas a outras perspectivas epistemológicas e a outras visões de mundo. Instituiu-se uma articulação, um tanto quanto tardia, com as humanidades - Filosofia, Educa-ção, Ciências Humanas e Sociais - apesar de terem sido essas as primeiras a ressaltarem a importância do corpo e do movimento corporal, assim como a contribuição da especificidade desse campo ao processo de formação hu-mana. São novos conhecimentos gerados em um momento de crise social. Nesse ínterim o CBCE vai desempenhando diferentes papéis, já melhor contados por outros (PAIVA, 1994; BRACHT, 1998; SILVA, 1998; SOARES, 2003; FERREIRA NETO, 2005). O processo de constituição des-sa entidade, nos vários momentos de sua história de quase trinta anos, constitui um marco que consideramos fundamental para compreender a dinâmica da Educação Física no Brasil; histórias que se confundem e se constituem reciprocamente. O processo de construção do CBCE incentivou a busca de um fazer científico de claro comprometimento social, consolidando-o como a maior entidade científica do campo da Educação Física, constituindo-se como uma referência, inclusive inter-nacional, de espaço democrático de discussão e reflexão de temáticas afetas ao seu âmbito de atuação. O CBCE constituiu-se, portanto, como um agente fundamental por suas diversas intervenções ao longo dessa história, muito mais do que por suas omissões.

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Compreendendo a entidade dessa maneira e valorizando seu po-tencial é que assumimos a sua direção nacional. Analisar a situação interna com profundidade, na busca de formas de sanear os problemas encontrados na estrutura da entidade e, ao mesmo, tempo, de indica-dores da situação do CBCE e da Educação Física em âmbito nacional e internacional, foram das primeiras medidas que tomamos. Essas me-didas foram essenciais para organizar nossas proposições de trabalho, dirigir as ações na intenção de construir uma política científica e, em outros casos, consolidar iniciativas que já haviam sido constituídas em gestões anteriores.

Esse é o caso da formulação das diretrizes curriculares para a graduação em Educação Física que se encontrava em curso e em um momento fundamental para seus desdobramentos finais. Trabalhamos em conjunto com outras entidades e setores sociais na construção de um texto alternativo que melhor espelhasse o acúmulo da discussão e pro-dução acadêmica da área e de uma avaliação ampliada da possibilidade de intervenção social da Educação Física.

O núcleo dessa perspectiva era articular as novas diretrizes, su-perando a perspectiva corporativista instalada em sua versão anterior e articulando-a com base em um único eixo de formação, centrando no ato pedagógico que melhor caracteriza a Educação Física, independen-temente do seu locus de intervenção social. Fazer isso, porém, sem dei-xar de levar em consideração os limites contextuais que se colocavam, tanto internos como externos à entidade e à Educação Física brasileira, resultando num texto3 aquém dos anseios coletivos, porém, em qualida-de superior ao que tínhamos anteriormente.

Avaliávamos que era preciso superar as mazelas de nossa forma-ção deficiente, de um processo que permanece precário. Ao olharmos a formação inicial em nível superior, observamos que ela ainda é marcada por um "saber fazer" em detrimento do "por que fazer", ao considerar o fundamento conceituai e ético desse fazer. Essa deficiência pode ser agravada pelo bacharelado, especialmente, em função de seus objetivos mais pragmáticos, que tendem a aproximá-lo mais de um domínio me-ramente técnico do que da amplitude e profundidade que deve caracte-rizar a formação universitária.

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Dessa forma, vivenciamos um processo de reflexão teórica e articula-ção política naquele momento que qualificou a entidade como importante interlocutor do campo.4 Mais do que isso, constituímos espaços fundamen-tais para uma construção mais autônoma e amadurecida, que nos habilitou a observar o texto do parecer e das diretrizes como apenas uma etapa do processo, passível de crítica e superação como todo fazer político.

Outra importante iniciativa no âmbito da política científica cons-tituída em direções nacionais anteriores diz respeito à associação do CBCE à Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).5 Em um primeiro momento, o contato com as outras entidades e a neces-sidade de participação no processo de construção da política científica brasileira em âmbito mais amplo causaram grande impacto, explicitando nossas limitações estruturais e dificuldades de intervenção política.

Naquele momento, talvez mais do que em outros, o que se vis-lumbrava era uma imagem social de Educação Física distante de sua compreensão como produtora de conhecimento e presa a um mero saber fazer; imagem proveniente tanto de outros campos disciplinares como da sociedade. Era um momento em que Alice sentia-se insigni-ficante dentro da toca onde se via. Sabemos, como a protagonista de nossa história, que não adianta fingir ser duas pessoas, como não nos ajudaram as dualidades "saúde ou educação", "biológica ou humana e social", no interior da SBPC, como nas demais esferas sociais. Nesse caso, se não constituímos uma identidade, somos mais do que mera-mente dois. Coloca-se aqui, uma questão fundamental para uma política científica, bem como para a aspiração da Educação Física ao status de disciplina científica.

Trabalhamos em conjunto com toda a SBPC no redimensionamen-to da política científica de nosso país, buscando defender a auredimensionamen-tonomia científica e tecnológica brasileira, cada vez mais ameaçada em tempos 4 No âmbito da graduação, ainda, outra importante iniciativa exigiu nossa intervenção coletiva,

possível apenas pela respeitabilidade construída pelo CBCE. Trata-se do Exame Nacional do Desempenho dos Estudantes (Enade), e da constituição da comissão assessora para elaboração de suas diretrizes por parte do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Questionamos a necessidade e adequação do exame e, em última instância, explicitamos a endogenia e falta de representatividade da comissão escolhida e indicamos um representante para constituí-la.

5 A SBPC alterou seu estatuto em 2004, na assembléia de sócios, ao final da 56a Reunião Anual, realizada em Cuiabá (MT), passando de "Sociedade", denominação exclusiva para o âmbito das instituições privadas, para "Associação", conforme prevê a nova legislação brasileira.

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nos quais o conhecimento assume uma função produtiva sem preceden-tes. Nesse movimento, a partir do ano de 2004, nos unimos à mobiliza-ção de entidades científicas da América Latina e do Caribe, buscando formas de resistir ao processo internacional de desmantelamento da capacidade de produção e socialização do conhecimento.

A interlocução com pesquisadores de outras áreas e de outros países de Terceiro Mundo mostra que os desafios sociais são comuns: precisamos nos colocar a responsabilidade política na formação huma-na de crianças, jovens, adultos e idosos; tratar com a importância e o respeito devidos o legado cultural sobre o qual se propõem políticas educativas, ambientais, científicas; superar as diferenças entre as classes sociais e a discrepância entre as diferentes regiões do País no acesso aos bens e serviços públicos em Educação Física, esporte e lazer; rever os conhecimentos, a ética e a estética de nossas práticas pedagógica em Educação Física escolar; contribuir de forma crítica, competente e justa para com as políticas públicas e sociais. Encaminhar-nos nesses e em outros desafios baseados nas especificidades da Educação Física. Não mais, não menos do que isso.

Assumimos como diretriz para uma política científica, a multidisci-plinaridade existente na construção da entidade e nas pesquisas e inter-venções sociais da Educação Física. Em não sendo uma disciplina cien-tífica, demarcada como tal pelos parâmetros vigentes, foi o modelo dos diferentes grupos de trabalho e as temáticas e disciplinas então desenvol-vidas pela comunidade acadêmica abrigada no CBCE que norteou nossa participação na SBPC e em diferentes instâncias sociais e estatais.

Com essa configuração multidisciplinar, participamos na constru-ção dos eventos e da programaconstru-ção de todas as reuniões anuais e das várias reuniões regionais da SBPC no período,6 bem como de todas as reuniões do conselho de entidades dos representantes das sociedades

6 Aqui nos referimos à organização e ao desenvolvimento de atividades específicas do CBCE junto às reuniões anuais de 2003, 2004 e 2005, realizadas respectivamente em Recife (PE), Cuiabá (MT) e Fortaleza (CE), e a 11 reuniões regionais realizadas no período, iniciando por Campina Grande (PB), de 7 a 12 nov. 2003; Fortaleza (CE), de 12 a 15 dez. 2003; Recife (PE), de 3 a 6 fev. 2004; São Luís (MA), de 23 a 26 mar. 2004; Teresina (PI), de 18 a 21 abr. 2004; Porto Alegre, Santa Maria e Canoas (RS), de 23 a 26 maio 2004; Belém (PA), de 25 a 28 ago. 2004; Manaus (AM), de 22 a 25 set. 2004; Feira de Santana (BA), de 29 nov. a 2 dez. 2004; Recife (PE), de 31 jan. a 3 fev 2005 e Manaus (AM), de 26 a 29 set. 2005.

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científicas com a diretoria daquela entidade.7 Essas atuações nos creden-ciaram, em meio às demais sociedades, a compor o grupo de trabalho do Projeto Ciência e Tecnologia para o Brasil,8 formulando diretrizes e propostas para uma política nacional do setor.

Naquele período, avaliamos que essa configuração dos grupos de trabalho com base em temáticas supradisciplinares havia sido um passo importante para a entidade, aproximando-a das problemáticas sociais, como no modelo das ciências aplicadas ou de perspectiva inter-disciplinar. A organização dos grupos de trabalho no congresso de 1997 era representativa de um desejo de superar aquela fronteira marcada pela fragmentação disciplinar e pelo afastamento das questões sociais concretas que estavam instaladas em nosso fazer científico. Essa forma de organização foi ganhando um debate interno bastante interessante, ajudando-nos a compreender as várias perspectivas da natureza científi-ca que se encontram abrigadas dentro e fora do CBCE.

Estávamos sensíveis, contudo, às demandas que se apresentavam à diretoria nacional pela criação de novos grupos temáticos, pelo des-dobramento e renomeação de alguns já existentes e pela criação de ou-tros de tipo disciplinar. Deflagramos, assim, um processo de discussão interna do caráter de cientificidade dos grupos e para o estabelecimento de critérios para avaliação e reorganização, entendendo esse processo como dinâmico9 e, portanto, requisitando crítica e auto-crítica perma-nentes.

A esse respeito, o que se pode avaliar é que o ritmo de crescimen-to de Alice é parte de seu processo de transformação, com as diferentes formas e tamanhos que vamos atingindo e as diferentes possibilidades que vão se estabelecendo. Podemos, então, como ela, nos tornar mais confiantes e dialogar com o mundo. O processo de avaliação e auto-ava-7 A participação efetiva com programação específica nessas várias reuniões da SBPC, tanto as

anuais como as regionais, possibilitou, entre outras coisas, reunir professores da Educação Física e ampliar o número de comissões e secretarias estaduais do CBCE. Foi possível, assim, atingir uma representatividade regional atuante e muito expressiva, para além da ampliação do número de sócios.

8 Projeto de iniciativa da SBPC desenvolvido nos anos de 2004 e 2005, sob a coordenação técnica da Profa. Dra. Fernanda Sobral (UnB), com financiamento Finep, cujo relatório está publicado nos Cadernos SBPC de números 25 e 26.

9 Nesse processo, foi constituído o grupo de trabalho Memória da Educação Física e Esporte e foram renomeados os grupos Corpo e Cultura, e Treinamento Esportivo.

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liação dos grupos de trabalho podem dar a conhecer as potencialidades presentes em nossa produção de conhecimento, assim como em nossa intervenção social. É nessa ótica que compreendemos que os grupos podem posicionar-se no âmbito da pesquisa básica, da pesquisa apli-cada, da junção de saberes temáticos, motivados por problemas sociais emergentes, sejam eventuais ou estruturais. As dinâmicas da sociedade e da produção acadêmica nem sempre coincidem e, freqüentemente, an-tecipam-se uma à outra. Uma associação científica em consonância com seu tempo social e acadêmico precisa, por isso, estar atenta e refazer-se continuamente, inclusive para melhor dialogar com o mundo e com a comunidade que a constitui; deve refletir o que somos e adaptar-se às necessidades do que somos e daquilo que podemos ser para o mundo, em cada momento histórico que assim o exigir.

Quando nos propomos a construir uma associação como o CBCE precisamos responder, em nossas ações no cotidiano da entidade e em nossa atuação como parte dessa comunidade acadêmica, a algumas ques-tões relacionadas com a natureza e com as formas de produção do conhe-cimento e suas possibilidades de contribuição para a vida em sociedade.

Precisamos nos perguntar: Quais as fronteiras do conhecimento científico e suas correlações com o cotidiano, com o movimento do real, com a vida? Quais as possibilidades de superarmos a fragmentação e o isolamento dos vários saberes que constituem o campo da Educação Física e de nossa atuação como professores e pesquisadores? Quais as possibilidades de avançarmos frente aos limites que temos em nossa formação acadêmica? Qual o rumo que a pós-graduação vem tomando e qual a nossa avaliação e interferência sobre ele?

Uma resposta possível: traçar uma fronteira científica, identificar os limites de uma contribuição social já implica, em alguma medida, ultrapassá-los. As fronteiras que observamos nesse momento são para-gens momentâneas para nossas condições atuais, mas já acenam uma possibilidade de ir além, pois demonstram que temos sensibilidade para perceber que poderia ser mais e melhor. A resposta inicia sua constru-ção ali onde se coloca a pergunta. As possibilidades de avançar indicam uma análise da trajetória percorrida em uma história do presente, como essa aqui materializada.

A organização coletiva representada pelo CBCE nos possibilita crescer, tal como o líquido da garrafa que Alice bebe no interior da toca

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em que se encontra. Crescer internamente, pelo encontro, pelo diálogo e pela socialização que ela permite no interior da própria comunida-de acadêmica. Permite crescer pela visibilidacomunida-de e construção interdis-ciplinar que pode estabelecer com pesquisadores de outros campos e associações como essa.10 Permite, ainda, crescer pela possibilidade de interlocução11 com o Estado e a sociedade civil, a partir da detecção de problemáticas sociais relevantes, pela produção de conhecimento e pela divulgação daquilo que pode ser útil na resolução ou antecipação des-sas problemáticas, apontando na direção da emancipação social.

Importante lembrar que não adianta crescer, considerando-se me-lhor ou mais do que outros campos do conhecimento. Não adianta, tam-bém, acreditar-se como uma panacéia para todos os males, porque não resolveremos os problemas do mundo. Apenas contribuiremos para isso a partir de nossa especificidade, vinculada às práticas corporais, ao cor-po e ao movimento humano no âmbito daquilo que vimos chamando de Educação Física. Importante refletir a esse respeito porque não são ações nos moldes do programa "amigos da escola" ou "mexa-se" que contribuiremos; pelo contrário, pois estaremos impedindo ou extraindo o dever do Estado e da sociedade civil de assumirem suas responsabi-lidades, além de criar um efeito ilusório de que temos capacidade para tal. Por estar cansada de ser pequena, subestimada ou insignificante, Alice não pode crescer demais ou ficará presa na toca do coelho, presa a promessas e convenções que não pode ou não deve corresponder.

10 Inscreve-se, aqui, entre outras coisas, a associação do CBCE à International Association for Sports Information (IASI). Essa iniciativa possibilita uma interlocução qualificada com outras associações científicas e grupos de pesquisa em âmbito internacional, além do acesso ao diretório eletrônico mundial de informação esportiva e de pesquisadores (http://www.directory-iasi.org), buscando trazer informações qualificadas à comunidade acadêmica brasileira. 11 Destacamos, aqui, algumas das funções desempenhadas nesse movimento de interlocução com

o poder público e a sociedade civil, como a de Membro Efetivo no Conselho Nacional dos Direitos do Idoso; Membro Efetivo no Conselho Nacional de Esporte, discutindo e auxiliando na construção da Política Nacional de Esportes e da legislação antidoping; na comissão organizadora do I e II Encontro Nacional de Gestores de Educação em Educação Física; no comitê nacional e nas etapas regionais, estaduais e nacional da I Conferencia Nacional de Esportes. Outra dessas importantes iniciativas diz respeito ao processo de estruturação dos Parâmetros Curriculares do Ensino Médio no ano de 2004, com elaboração de texto base para discussão, participação nos cinco seminários regionais ocorridos no País, bem como no seminário nacional e consolidação do texto final.

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Outro aspecto importante no crescimento que o CBCE nos permi-te é uma nova visão de mundo, para além dos horizonpermi-tes que o próprio contexto brasileiro impõe. Não se trata, nesse caso, de buscar outro "país das maravilhas", seja na Europa, na América do Norte ou em ou-tros continentes, de modo a importar modelos e práticas de pesquisa e intervenção social, tal como o fizemos muito no passado e talvez ainda hoje o façamos.

Com o CBCE, podemos ter uma visão ampliada, "uma possibi-lidade inimaginável de observação" como diria Alice, para além dos vínculos de nossa formação inicial ou pós-graduação. Crescer e poder olhar, sobretudo, para nossos vizinhos caribenhos e latino-americanos, com quem partilhamos uma história de colonização e desafios contextu-ais muito semelhantes em países periféricos e distantes dos padrões de desenvolvimento do chamado Primeiro Mundo. A idéia que fundamen-tou nossa atuação à época era propiciar condições para o desenvolvi-mento de pesquisas e experiências em conjunto, pelo reconhecidesenvolvi-mento dos pares nos diversos países, pelo estímulo a assinatura de convênios governamentais e institucionais que permitissem, entre outras coisas, a movimentação e o intercâmbio de conhecimento, de estudantes e pro-fessores de Educação Física.

Com essa intenção, várias iniciativas foram desenvolvidas visando à cooperação e ao intercâmbio internacional. Sem abrir mão do compro-misso social, a idéia de cooperação já se vinha desenhando na partici-pação do CBCE no Fórum Social Mundial desde sua primeira edição em 2001, na cidade de Porto Alegre. No ano seguinte, divulgamos o "Mani-festo em Defesa do Direito Social Inalienável de Acesso ao Universo das Práticas Corporais", realizando nos anos decorrentes oficinas e encontros nas edições do Fórum naquela cidade, explicitando nossa intenção.

Outro evento significativo nesse âmbito foi a participação e cons-trução de um programa específico de trabalho na Primeira Reunião In-ternacional SBPC e AAPC,12 realizada na Argentina. Essa atividade, além de permitir a reunião de colegas pesquisadores brasileiros e argentinos, buscava criar condições para o intercâmbio e a colaboração, tanto para formação como para a pesquisa e divulgação científica, compondo, a partir do campo específico, os germes de uma rede de cooperação inter-12 Realizada pela SBPC e pela Asociación Argentina para el Progreso de la Ciência (AAPC) de 1 a

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nacional. Aqui, a primeira preocupação era constituir mecanismos que viabilizassem, também, a divulgação e socialização dos conhecimentos e das experiências desenvolvidas, bem como dar visibilidade aos pro-fessores e pesquisadores desses países, responsáveis por âmbitos da pesquisa e intervenção social. Além disso, nossa preocupação naquele momento, como agora, era fazer com que houvesse um reconhecimen-to, por parte das políticas de Estado dos vários países, da Educação Físi-ca, do esporte e do lazer como direitos sociais e condições de cidadania. Esse, basicamente, era o teor da Carta de Buenos Aires, assinada pelos presentes, que faziam, por meio dela, a explicitação de sua vontade política a ser ampliada às instâncias e instituições em seus países e nos demais países do Caribe e da América Latina.

Caminhando nessa direção, outras ações13 já vinham sendo de-senvolvidas, mas merece destaque a organização e realização do I Con-gresso Internacional de Ciências do Esporte,14 que buscou construir um marco desse processo. Para além de trazer alguns protagonistas em di-ferentes temas ou campos de pesquisa brasileiros ou de outros países, a proposta era reunir para dar visibilidade e socializar os conhecimentos e as iniciativas desenvolvidas. Uma mostra internacional de pesquisas e experiências foi pensada como um espaço dentro do evento, por considerar as dificuldades e diferenças no sistema de formação inicial, pós-graduação e pesquisa dos países dessa região.13 Mais do que isso, indicar institucionalmente, a relevância que atribuíamos a essa dimen-são da política científica.

13 Importante lembrar aqui de outras ações que já vinham sendo desenvolvidas nessa direção: a oficina desenvolvida no Conbrace de 2003; a participação do CBCE no Fórum Interinstitucional Brasil-Argentina para o Desenvolvimento da Educação Física, Esporte e Lazer, realizado em 2004, com base na cooperação entre a Faculdade de Educação Física da Universidade Federal de Goiás (FEF/UFG) e o Instituto de Educación Física de Córdoba (Ipef/Córdoba), em andamento, com a participação do Instituto de Educación Física de Mendoza (IEF/Mendoza). Destaca-se, ainda, além da participação do CBCE, a iniciativa do Fórum das Licenciaturas que vinha sendo realizado há alguns anos pela Universidade do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí).

14 Desenvolvido junto com o XIV Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte, em Porto Alegre (RS), de 4 a 9 set. 2005. Por ter sido realizado no Sul do País, havia maiores possibilidades de reunir a comunidade acadêmica dos países vinculados ao Mercosul, em um primeiro momento. 15 Apesar de termos trabalhado para isso, a referida mostra de trabalhos não se consolidou naquele

evento, ainda que tivéssemos conseguido organizar reuniões ao longo do congresso para estabelecer alguns parâmetros de informação e troca de experiência em âmbito internacional.

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O diálogo internacional pode constituir-se como um importante caminho também na divulgação do conhecimento, com base em polí-ticas de ação mais solidárias. Possibilita, ainda, constituirmos pesquisas de base comparativa que nos permitam refletir melhor sobre nossos métodos investigativos e de intervenção. Entre outras possibilidades, o trânsito internacional de alunos e professores, assim como a constitui-ção de bancos de dados conjuntos, até a editoraconstitui-ção de periódicos para divulgação, são elementos fundamentais nesse projeto. Fundamentais, não apenas para fazer avançar a pesquisa, mas para, de fato, alterarmos a realidade social em curso em nossos países.

Para tanto, o CBCE pode ser um importante vetor, sensibilizando as universidades, as agências de pesquisa e o poder público brasileiro em um primeiro momento, de forma que linhas de financiamento de pesquisa sejam propostas nessa direção, assim como convênios interins-titucionais e governamentais sejam assinados. O trânsito de pessoas e informações é fundamental para a constituição dessa rede de coopera-ção internacional, e os impeditivos legais e institucionais devem ser mi-nimizados para que isso possa ocorrer e consigamos construir soluções que sejam adequadas aos nossos problemas e objetivos.

O crescimento do CBCE pode auxiliar induzindo a política cien-tífica nessa direção, por vislumbrar a importância da cooperação e as possibilidades solidárias daí decorrentes. Alice cresceu e teve uma visão inédita das alturas; viu as muitas diferenças e disparidades da Educação Física, como da realidade social. Olhando o horizonte desde cima, nos diz que a vida pode ser melhor, mesmo estranha como é; diríamos nós: encontrar os irmãos latinoamericanos e reencontrar nossas raízes histó-ricas comuns pode ser um feliz encontro, além de política e academica-mente significativo.

A exercitação do encontro, do intercâmbio e da cooperação pode nos auxiliar no marco da compreensão do que somos como Educação Física. Tal como Alice em conversa com uma lagarta que lhe pergunta quem ela é, podemos dizer que já mudamos uma porção de vezes e que agora não sabemos explicar. É certo, sim, que permanecemos sem conhecer nossa identidade e sem saber sequer se algum dia devemos ou teremos uma única; seja como ciência, ou ciências, da atividade física, do esporte ou da motricidade humana, da cinesiologia, da cultural cor-poral ou de movimento, constituindo uma Educação Física ou um

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gio de ciências do esporte. Paralisar nossas atividades até que tenhamos a definição do que somos não parece ser a melhor opção.

Há, contudo, algumas opções que são tão difíceis quanto neces-sárias. A toca de coelho da pós-graduação parece ser uma das mais dolorosas c o m a quais tenhamos nos defrontando. Nossa avaliação é que a Educação Física, tal como Alice, é muito grande para passar pela porta e adentrar o jardim. Grande como era, Alice pôde buscar a chave do tamanho certo para abrir a porta. Decidida, nesse espaço como em outros, amoldou-se às exigências da toca, feita por outros e para outros que ali chegaram antes dela. Não foi impossível entrar, como não foi impossível assumir uma certa e limitada liderança nesse espaço, inclusi-ve, correndo o risco de fazer que outros que ali chegarem depois dela, tenham de seguir as normas feitas por ela.

A pós-graduação pode constituir-se na toca do coelho mais exi-gente c o m a qual a Educação Física já se defrontou; não é, porém, a única. No Brasil, as pesquisas em nosso campo, como nos demais, ocorre e m sua esmagadora maioria no interior das universidades e, em especial, nos programas de pós-graduação. Por isso, a política científica dessa instância acaba por ser, e m muito, determinante para aquilo que se deve ser o u se pode fazer.

Não parece ser o caso de nos lamentarmos uma vez mais. Porém, não parece ser o caso de nos deixarmos encantar16 pelo modelo dessa

toca, acreditando que somos apenas isso que nos indica a política em curso.1" O que fizemos f o i acatar o modelo pré-configurado da

pós-gra-duação1 8 proposta pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal

1 6 O modelo da pós-graduação encantou a muitos, inclusive a alguns mais críticos, bem informados e atuantes, como é o caso do Prof. Doutor Amarílio Ferreira Neto, com quem tivemos a honra de partilhar uma gestão na Direção Nacional do CBCE (2001-2003) que propõe, inadequadamente ao nosso ver, que o próprio CBCE se transforme em uma associação nacional de pós-graduação em Educação Física (FERREIRA NETO, 2005, p. 21).

17 Desenvolvemos um importante debate na SBPC sobre o assunto e, ainda mais, no interior do CBCE, no grupo de trabalho com essa finalidade, assim como em instâncias mais gerais. Um exemplo das diretrizes então constituídas pode ser observado no documento encaminhado - por ofício n. 85 CBCE/DN, de 20 jul. 2004 - à Capes sobre Política de pós-graduação, atendendo a convite formulado pela presidência da comissão responsável pela elaboração do Plano Nacional de Pós-Graduaçào relativo ao período 2005-2010, instituída pela Portaria n. 46, de 19 maio 2004.

18 Importante texto sobre o assunto pode ser encontrado em Kokubun (2003), feito a partir dos levantamentos nos bancos de dados da Capes e do CNPq.

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de Nível Superior (CAPES), por ser o rumo que estava indicado pela política científica nacional mais ampla. Era u m dos caminhos políticos possíveis: participar do processo para buscar interferir nas regras d o jogo em curso. Decisão acertada em nossa perspectiva, porque o cam-po não reunia forças para resistir e constituir uma contra-corrente que propusesse outro modelo consistente o u perspectiva de ação. A o decidir entrar nessa toca, porém, é preciso nos mantermos atentos aos riscos de incorporar o modelo das Ciências Biomédicas e da Saúde, hoje chama-das Ciências da Vida, considerando tudo mais uma excrescência a essa sua identidade forjada.

Aqui, o CBCE joga u m papel fundamental, reconhecendo a força dessa instância social constituída na pós-graduação, trabalhando ativa-mente na articulação entre os programas e deles com o campo acadêmi-co.1 9 Deve, também, lembrar-nos que somos mais do que uma subárea

da saúde. Mais do que isso, deve constituir forças para interferir na política científica e m curso,2 0 para esse campo como para os demais,

permitindo avaliar não só a política em curso, como o próprio modelo arbóreo de ciência que já conta com alguns séculos de existência.2 1 A

associação de forças que constitui uma entidade científica, por sua natu-reza coletiva, temática e multidisciplinar nos ajuda a lembrar que somos maiores do que a toca do coelho.

Isso, porque a referência de todo trabalho científico, assim como pedagógico, deveria ser, em última instância, para que todos tenham uma condição de vida digna. Para tanto, devemos lembrar que a sociedade não cabe, toda ela, na toca do coelho; a complexidade de sua organização e o imbricamento de seus problemas exigem uma articulação de conheci-mentos e saberes disponíveis, para além do modelo científico em curso.

19 Várias iniciativas foram desenvolvidas nessa direção, desde a constituição do grupo de trabalho em pós-graduação contando com a participação de coordenadores de programas e representantes de área junto à CAPES e ao CNPq, até a realização de mesas temáticas em eventos.

20 Avaliamos que, em alguma medida, esse espírito também está presente na Direção Nacional do CBCE nesta gestão, com um grande investimento em iniciativas nesse âmbito da pós-graduação.

21 As pesquisas de Fensterseifer (2001), Nóbrega (2005) e Silva ( 2 0 0 6 ) são reflexões importantes para compreender tal problemática da ciência.

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Capítulo VI 53

Esse era u m dos marcos da política científica que procuramos constituir no momento e m que estávamos na direção desse movimento.

As tocas de coelho p o d e m ser várias, para além desse modelo da pós-graduação que discutíamos. Pode ser a normatividade ainda não totalmente explicitada do CNPq, o u os estreitos interesses político-par-tidários do Conselho Nacional de Esporte, o u ainda, o regramento con-servador do Conselho Nacional de Educação. Em cada uma dessas tocas e e m outras, podemos identificar as várias rainhas dominadoras, que nos ditam regras e impõem percalços. São espaços, porém, que apresentam algum grau de mobilidade e interferência, que p o d e m ser gradativamen-te conquistados. O que é necessário são avaliações coletivas, para saber-mos se reunisaber-mos conhecimentos e força suficientes para tal empreitada. Adentrar cada uma dessas tocas pode ser importante, pois elas fazem parte do jogo da vida, das cartas de baralho por yezes marcadas.

Para a Educação Física como para o CBCE, o jogo precisa, po-rém, ser jogado c o m competência acadêmica e pedagógica. Da parte do CBCE, além dessa competência e da otimização administrativa, o jogo requer também clareza política. Não se pode perder de vista que esse jogo é parte de outro maior, no qual o compromisso político e a res-ponsabilidade social e individual são fundamentais. Cada uma das tocas e suas rainhas têm lições a nos ensinar. Sobre nossa identidade, nossos desafios e nossas possibilidades de contribuição. Que não são peque-nas. Para além da panacéia apontada nos discursos oficiais, há, de fato, uma produção rica, consistente e diversificada no âmbito da Educação Física, que aponta para muitas outras ainda a serem exploradas.

Ao longo desse processo, uma série de outras questões nos acom-panha, assim como a todos os pesquisadores o u a todos aqueles que têm sua vinculação n o m u n d o do trabalho fundada na atividade cientí-fica. Cada u m de nós sente a dificuldade. Ela transparece, inclusive, no nosso estranhamento e m nos vermos como uma "comunidade acadê-mica". Essas questões p o d e m ser localizadas na contínua fragmentação do processo de construção do conhecimento e no distanciamento da atividade científica dos problemas concretos enfrentados na vida em sociedade; essas questões indicam o afastamento dos pesquisadores da reflexão ética, da consideração das subjetividades humanas e do com-promisso c o m as questões sociais.

Diante dessas dificuldades, vamos aprendendo a lidar com as d i ferentes metodologias de pesquisa e organizando diferentes formas i n

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-tervenção social dentro e fora dos ambientes escolares. O diálogo com outros campos do conhecimento, que marcou nossas formações na pós-graduação, agora nos habilita a compor grupos de pesquisa e de trabalho multidisciplinares o u de perspectiva interdisciplinar.

Uma amostra da riqueza da produção d o conhecimento com essas características que citamos está, sem dúvida, nos grupos de trabalho do CBCE nesses dez anos de sua existência. Os anais dos últimos cinco eventos, desde o ano de 1997, quando os grupos foram organizados mais formalmente até o ano de 2005, mostram-nos a riqueza dessa ca-pacidade produtiva, reconhecida inclusive por pesquisadores de outras áreas. As dificuldades não são poucas nem pequenas. Mas temos traba-lhado rapidamente para superá-las. É preciso, porém, que cada u m de nós, individual e coletivamente, cultivemos a humildade e a auto-crítica que nem sempre estão presentes nos diálogos acadêmicos.

U m outro desafio importante para o campo está na divulgação daquilo que fazemos. Socializar o conhecimento e ir constituindo uma nova cultura a partir disso, é tão fundamental quanto o processo de pesquisa. O CBCE tem feito uma parte importante e deve continuar a fazê-lo, investindo esforços continuamente na Revista Brasileira de

Ci-ências do Esporte (RBCE), mantendo sua periodicidade e aprimorando seu projeto editorial,2 2 que a qualificam como uma das melhores do País

e da América Latina. Para tanto, deve, sim, disputar financiamentos, so-bretudo públicos e de organizações não-governamentais.

O CBCE pode, também, reunir esforços c o m outras entidades para a constituição de convênios de médio e longo prazo que possibilitem concentrar a energia no trabalho editorial, argumentando e m função de sua credibilidade acadêmica e lisura administrativa ao longo dessas últimas décadas. A distribuição das verbas está diretamente vinculada à definição de prioridade, considerando que toda atividade econômica é, também, atividade política, como aprendemos a todo momento.

Outra possibilidade ainda pouco explorada na divulgação cien-tífica diz respeito ao universo virtual como mecanismo dinâmico, que

22 Importante para isso foram os convênios celebrados com o Ministério do Esporte naquele período em que estávamos à frente da DN para o financiamento da RBCE, do Conbrace e do Conice, além dos demais efetivados com o CNPq e a Unesco, um pouco mais instáveis ou momentâneos, na manutenção de uma tarefa que constitui um dos alicerces da entidade e da Educação Física brasileira.

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Capítulo VI 155

rapidamente se d i f u n d e .2 3 Para além das listas de discussão que

têm-se apretêm-sentado como limitadas nessa função,2 4 o uso desse recurso

pode ser fundamental para a constituição de uma política científica. A informação necessária à comunidade acadêmica também pode ser uma tarefa importante para o CBCE, disponibilizando e m seu portal na rede, listagem atualizada das agências, fontes e editais de financiamen-to mais correlafinanciamen-tos ao campo, assim como também dos grupos de pes-quisa integrados por seus associados. Ainda que de difícil consecução, constituiria u m esforço coletivo na direção de criar condições para u m diálogo interno na comunidade acadêmica brasileira e internacional, tornando disponíveis também para a sociedade e o poder público, possibilitando o reconhecimento daquilo que v e m sendo desenvolvido no interior d o campo.

A divulgação científica, porém, só será eficaz na criação de uma outra cultura, se feita e m outra linguagem. A divulgação científica deve ser constituída por uma linguagem pública, procurando atingir o maior número possível de pessoas, para além do restrito círculo daqueles que partilham o linguajar especializado das comunidades acadêmicas. Tal como a pesquisa, a divulgação também deve preocupar-se com as ques-tões éticas e m sua constituição e objetivos, dado que resulta do trabalho humano e volta-se na direção da promoção da vida. É preciso, portanto, que as considerações filosóficas estejam presentes ao longo de todo processo, para além das especializações características. O trabalho cole-tivo também nisso pode nos auxiliar, dado que nos alerta e complemen-ta naquilo que carecemos.

Esses elementos de reflexão indicam-nos que, hoje, não temos u m instrumento melhor para nos organizarmos, para nos comunicar-mos e intervircomunicar-mos socialmente que o CBCE, ainda que considerando todas as precariedades e limites que tem. E os limites não são o u

-23 A Rede Nacional de Educação e Pesquisa (RNP), vinculada ao Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT) e ao Ministério da Educação (MEC), pode ser um importante aliado na cooperação nacional e internacional, tanto para a pesquisa, como para a formação e divulgação científica. Lembrar que é através da RNP (http://www.rnp.br/) que as instituições públicas brasileiras, especialmente as universidades, estão coligadas à organização Cooperação Latino-Americana de Redes Avançadas (Clara), que interliga as redes acadêmicas de alta velocidade nos 13 países que atualmente a compõem (http://www.redclara.net/).

24 Investir em um boletim eletrônico de caráter mais informativo, mas também indicativo daquilo que se produz, pode ser um bom caminho nessa tarefa.

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tros que não os da própria comunidade acadêmica e d o campo que o constituem. O CBCE nos possibilita, tal como o líquido da garrafa de Alice, crescer e compreender a trama na qual estamos envolvidos, os caminhos que trilhamos e aqueles que se encontram a nossa frente. Só compreendendo o que podemos ser, vamos nos compreender no que somos e nos fazer melhores.

A vida intelectual, que justifica a existência e confere a especifi-cidade de uma entidade científica como o CBCE, ultrapassa a esfera da vida acadêmica. Nessa questão, como em outras, Hannah Arendt (1987, p. 71) nos ajuda a pensar no desafio desses "tempos sombrios"; para ela, a vida intelectual é uma "aventura no âmbito público", uma responsabi-lidade que não deve ser vista como u m peso, mas sim como u m prazer em tornar manifesto u m compromisso de vida. Em sua compreensão, o indivíduo, por si mesmo, não pode ser pensante; por isso o pensador, tal como o pesquisador e o professor, nunca está sozinho e nunca "deve" estar sozinho, devendo praticar a maravilhosa "faculdade do diálogo".

Eis o nosso desafio: construir no interior desse espaço de direito que se quer fazer o CBCE, assim como a sociedade, relações humanas emancipatórias e emancipadoras. O desafio de construir o CBCE nessa perspectiva é o desafio de todos nós e para todos nós.

NOTA SOBRE A AUTORA

* Mestre em Educação e Doutora em Ciências Humanas pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professora do Programa de Pós-gradu-ação em EducPós-gradu-ação Física da UFSC, autora de vários artigos e livros, entre eles Corpo, Ciência e Mercado, pela Autores Associados, Editora da UFSC (2001).

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