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Organização em movimento: 20 anos de confronto político do movimento cultural catarinense

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Academic year: 2021

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Clenia De Mattia

ORGANIZAÇÃO EM MOVIMENTO:

20 ANOS DE CONFRONTO POLÍTICO DO MOVIMENTO CULTURAL CATARINENSE

Tese submetida ao Programa de Pós Graduação em Administração da Universidade Federal de Santa Catarina para a obtenção do Grau de doutora em Administração. Orientadora: Prof. Dra. Eloise He-lena Livramento Dellagnelo

Florianópolis 2018

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Dedico esta tese a minha mãe, Lour-des. Sem seu apoio, não teria chegado até aqui como cheguei.

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AGRADECIMENTOS

É, chegou o momento. Terminando a tese, iniciam-se os agradecimentos. O contato com tanta arte e com tanto artista Embalou-me pra cima Motivou-me a escrever os agradecimentos Fazendo rima. Primeiramente, gostaria de agradecer aos membros da banca: Prof.ª. Paula, Prof. Renê, e a prof.ª. Sueli Que lá atrás permitiram Com minha pesquisa de doutorado seguir. Obrigada professores, vocês foram fundamentais

Mostrando-me o caminho Através de criticas, sugestões e tudo o mais.

Neste momento, estou nervosa E consigo imaginar os artistas Que ao expor suas obras Ficam apreensivos com as críticas. Mas ao mesmo tempo, consciente De que as críticas são essenciais para avançar Sem elas torna-se mais difícil, senão impossível Perceber o quanto é preciso melhorar. Não posso deixar de agradecer, aquela que é a rainha da paciência

Ex-plica, exEx-plica, implica e critica, mas foi quem me mostrou Os possíveis caminhos da ciência. Obrigada Prof. Eloise, por toda orientação. Devo admitir que foi um período conturbado E você conduziu com firmeza, mas também com coração. Conturbado não só pela construção da tese Mas porque junto com doutorado vieram dois filhos. O Enzo desejado e planejado. O Luigi, uma surpresa, mas passado o susto Foi um amor festejado. O Luigi é o “meu guri”, Chico Buarque vou adaptar: Quando, seu moço nasceu meu segundo rebento

Não era o momento dele rebentar. Já foi nascendo querendo atenção e eu nem tinha projeto pra qualificar...

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Mas tudo se ajeitou. Nada como ter a sorte, muita sorte De ter uma mãe cujos netos acolheu, criou e amou.

Como poderia te agradecer Mariazinha, Se sua ajuda não tem como mensurar? Só tenho a reconhecer todo apoio e pedir perdão Pelas vezes que fui ríspida com as palavras e com olhar.

Serei eternamente grata E pra sempre vou te amar. Amor também recebi, daquele que me criou curiosa. Obrigada “djeuri” (meu pai) por sempre me cuidar

Fazendo chá, sopa, chá, sopa, chá. Obrigada pela preocupação e por muito me apoiar.

Quero agradecer também às amigas Que quase não me viram nos últimos anos; Estava cuidando da casa Da carreira, do marido, dos filhos e Também dos neurônios. Só faltou cuidar de mim.

Mas nem preciso Porque as amizades que tenho São minha fortaleza sem fim. Gabi, minha best friend forever

Quero muito lhe agradecer Pelas figuras desta tese Que pedi pra você fazer. Obrigada Larice, pelas risadas e boa fé Diverti-me com teu app

Vão ficar na memória Nossos cafés. Flavia e Marina, quase não nos vimos Obrigada por compreender minhas ausências

Logo, logo poderemos nos ver E compartilhar momentos que curtimos Quero aqui também agradecer as parceiras de academia As colegas do Observa Que me acompanharam nas dores e alegrias. Especialmente aquelas três:

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Marina, Monique e Ketlle, ficarão na lembrança Os bons momentos com vocês. Agradeço a atriz Marisa Naspolini Por permitir o acesso ao seu arquivo pessoal

E também pela nossa primeira conversa. Para esta pesquisa O contato contigo foi fundamental. Importante também foi o contato com diversos agentes culturais Por Whatsapp, Facebook e e-mail. Obrigada queridos,

Foram contribuições essenciais. Agradeço também a eles que, incrédulos, não entendiam Como pode num sol lindo de domingo Eles na praia não me viam. Faz tanto tempo que estou enroscada com o doutorado Que eles até já não sabem, será que a tese

É uma desculpa pra não ir à praia? Ou é porque realmente é complicado?

Mas isso não importa Porque somos irmãos e continuaremos nos amando.

Foi assim que o pai e a mãe nos criaram Entre tapas e beijos, brincando e brigando. Obrigada Gleston, Iglia, Dinho e Grégori Obrigada todos vocês pela compreensão. Agradeço também à Solange, Daniel, Clara e Katia

Que são da família por extensão. Depois de meus filhos, há outros bebês Que amo e que Deus mandou pra mim. Gabriel, Gustavo, Vitória, Raoni e Bia Sobrinhos amados, que já nem são tão bebês assim. Um registro especial para Ketlyn, minha querida afilhada é linda como uma boneca, uma princesa. Você pra sempre, será por mim muito amada. Um beijo à Yasmin, outra princesa que acabou de nascer. Nos deu um susto indo para UTI, mas é nossa alemõa forte.

Já está pronta para crescer. Eu teria muito o que dizer, mas aí não vai rimar

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Estou escrevendo estes agradecimentos a noite ao seu lado E você não para de roncar. De tudo aquilo que passa pela minha cabeça agora (Toda ajuda, companheirismo e tua transformação num paizão), Vou resumir sua melhor contribuição: Obrigada por ter feito por mim algo fantástico, Assim como David Hume influenciou Immanuel Kant, Você me despertou do sono dogmático. Serás para todo o sempre, o melhor na interlocução.

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Continue se esforçando para não usar o “mé-todo das conclusões saltitantes”.

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RESUMO

Nesta tese, discuto a organização do movimento cultural catarinense para intervir na construção das políticas culturais do estado de Santa Catarina. Defendo que a organização não é uma entidade fixa e imutá-vel, mas está sempre em movimento. Valho-me da Teoria do Confronto Político para reconstituir 20 anos da histórica do movimento cultural catarinense. A fonte de dados utilizada foi, sobretudo, secundária, dados primários foram coletados para complementar informações. Para o tra-tamento dos dados, construí um catálogo de eventos (TILLY, 2002) que possibilitou a análise das múltiplas interações sociais e, a partir dele, apropriei-me dos conceitos de oportunidade política, repertório de con-fronto e frames para analisar a organização do movimento. Como resul-tado da pesquisa, observei que, no período analisado, prevaleceu o diag-nóstico de desmantelamento e descaso com a cultura no Estado. Distin-gui os repertórios em dois grupos, os quais chamei de repertório de re-sistência e repertório protocolar, observando em cada um deles como se deu a organização do movimento. Concluí que o movimento cultural catarinense se organizou caracterizando-se, de forma predominante, como uma organização horizontal, com ações autônomas e colaborativas por parte dos participantes.

Palavras-chave: Movimento cultural catarinense. Confronto Político. Organização.

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ABSTRACT

In this thesis I discuss the organization of the Santa Catarina cultural movement to intervene in the construction of the state’s cultural poli-cies. I argue that organization is not a fixed and immutable entity, but is in motion. I am using the Theory of Contentious politics to reconstitute 20 years of the historical of the cultural movement of Santa Catarina. The data source was mainly secondary, primary data were collected aiming to supplement information. For data processing, I creat-ed an event catalog (TILLY, 2002) which has allowcreat-ed multiple social interactions and from it, I appropriated the concepts of political oppor-tunity, repertoire of confrontation and frames to analyze the organization of the movement. As a result of the research, I observed that during the analyzed time period, it prevailed the diagnosis of dismantling and ne-glect of the Culture within the Estate. During this period in which the diagnosis of dismantling and neglect of culture prevailed in the State. In order to analyze multiple social interactions, I constructed event cata-logs. From which, I appropriated the concepts of political opportunity, repertoire of contention and frames to analyze the organization of the movement. I distinguished the repertoires in two types, which I called repertoire of resistance and protocol repertoire, observing in each of them how the organization of the movement occurred. I concluded that the cultural movement of Santa Catarina has organized itself mostly as a horizontal organization, with autonomous and collaborative actions from its participants

Keywords: Santa Catarina cultural movement. Contentious politics. Organization.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Ofício do Fórum de Artistas e Produtores Cultural de

Florianópolis... 89

Figura 2 - Carta enviada a autoridades do setor cultural ... 92

Figura 3 - Campanha 1% para Cultura ... 93

Figura 4 - Trecho do documento: Por onde vai a lei de incentivo ... 95

Figura 5 - Matérias publicadas no jornal sobre a lei de incentivo ... 95

Figura 6 - Panfleto SOS Cultura... 97

Figura 7 - Imagem do ato público "Enterro da Cultura" ... 98

Figura 8 - "Manifestação pela Cultura" - Capa do Jornal Diário Catarinense ... 99

Figura 9 - "A morte da cultura na telona" - Jornal Diário Catarinense 117 Figura 10 - Fotografia do “Manifesto de amor ao CIC” ... 129

Figura 11- Elementos do Sistema Nacional e Estadual de Cultura ... 131

Figura 12 - Cartaz encenação "Fuzilamento dos Artistas" ... 143

Figura 13 - Cartaz da escola de Samba que homenagearia Jorginho Mello ... 156

Figura 14 - Estruturas conectivas informais: Organização Guarda-chuva e unidades autônomas. ... 188

Figura 15 - Unidades autônomas formadas por outras unidades autônomas... 189

Figura 16 - Dinâmica das estruturas conectivas nos períodos de mobilização e desmobilização. ... 193

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LISTA DE QUADROS E BOX

Quadro 1- Fontes de dados documentais ... 83

Quadro 2 - Identificação dos entrevistados ... 84

Quadro 3 - Lista dos curtas-metragens que compõem o filme "Matou o Cinema e Foi ao Governador". ... 115

Quadro 4 - Mudanças da minuta do Sistema Estadual de Cultura ... 154

Quadro 5 - Lançamento do Prêmio Elisabete Anderle e do Prêmio Catarinense de Cinema no decorrer dos anos ... 168

Quadro 6 - Repertório de ação do movimento cultural catarinense. ... 170

Quadro 7 - Repertórios de resistência e repertórios protocolares. ... 171

Quadro 8 - Repertório da luta contra o Desmantelamento da cultura – Reformas administrativas e equipamentos culturais. ... 177

Quadro 9 - Repertório da luta contra o Desmantelamento da cultura – Sistema de incentivo. ... 179

Quadro 10 - Repertório da luta contra o descaso com a cultura. ... 181

Quadro 11 - Oportunidade para Mobilização - Sistema de Incentivo e editais. ... 184

Quadro 12 - Meios de Comunicação do Movimento Cultural Catarinense. ... 199

Quadro 13- Resumo elementos organizacionais ... 211

Box 1 – Sistema Nacional de Cultura...131

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LISTA DE FOTOGRAFIAS

Fotografia 1- 1ª dia do OcupaCIC - Início da ocupação ... 135

Fotografia 2 - 1º dia do OcupaCIC - Barracas ... 137

Fotografia 3 - 2º e 3º dia do OcupaCIC – Debates, apresentações e ensaios de grupos artísticos ... 138

Fotografia 4 - 4º dia OcupaCIC - Aulas abertas ... 139

Fotografia 5 - 5º dia do OcupaCIC – “Ocupa móvel” ... 140

Fotografia 6- OcupaSOL ... 141

Fotografia 7 - Evento de "comemoração" pelo aniversário de 1 ano sem presidente na FCC ... 146

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LISTA DE IMAGENS

Imagem 1 - Manifestação em Jaraguá do Sul em apoio ao OcupaCIC 140 Imagem 2 - Publicação na página maiSCinema ... 151 Imagem 3 - Evento no Facebook #forafilipemello. ... 158 Imagem 4 - Evento Mobilização da classe artística e cultural catarinense... 160 Imagem 5 - Reunião e entrega de ofício do setor do audiosivual ... 163 Imagem 6 - Publicações na página MaiSCinema ... 165 Imagem 7 - Publicação de Conselheiro do CEC sobre contratos por inexigibilidade de licitação ... 166 Imagem 8 - E-mail de membros da Frente. ... 196 Imagem 9 - E-mail de membro da Frente ... 196

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS AAESC – Associação de Arte Educadores de Santa Catarina AJOS – Associação Joinvilense de Organizações Sociais AJOTE – Associação Joinvilense de Teatro

ALESC – Assembleia Legislativa de Santa Catarina ANCINE – Agência Nacional do Cinema

CCJ – Comissão de Constituição e Justiça CEART – Centro de Artes

CEC – Conselho Estadual de Cultura CIC – Centro Integrado de Cultura

CNPJ – Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica

COA – Comissão de Organização e Acompanhamento FUNDESPORTE – Fundo de Esporte

EXAC – Executiva de Apoio à Cultura FCC – Fundação Catarinense de Cultura FCF – Fórum Cultural de Florianópolis FECATE – Federação Catarinense de Teatro FESPORTE – Federação Catarinense de Desporto FITA – Festival Internacional de Teatro de Animação FUNCULTURAL – Fundo Cultural

FUNTURISMO – Fundo de Turismo IBRAM - Instituto Brasileiro de Museus

ICMS – Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços LHS – Luiz Henrique da Silveira

MASC – Museu de Arte de Santa Catarina MERCOSUL – Mercado Comum do Sul MINC – Ministério da Cultura

MPSC – Ministério Público de Santa Catarina OS`s – Organizações Sociais

PCdoB – Partido Comunista do Brasil PDT – Partido Democrático Trabalhista PEC – Projeto de Emenda Constitucional

PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro PROEX – Pró-Reitoria de Extensão

SANTACINE – Sindicado da Indústria Audiovisual de Santa Catarina SANTUR – Santa Catarina Turismo S/A

SEF – Secretaria da Fazenda

SEIC - Sistema Estadual de Incentivo à Cultura

SEITEC – Sistema Estadual de Incentivo à Cultura, Turismo e Esporte SIEC – Sistema Estadual de Cultura

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SINTRACINE – Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Cinematro-gráfica

SNC – Sistema Nacional de Cultura SOL – Secretaria de Organização do Lazer TAC – Teatro Álvaro de Carvalho

TCE – Tribunal de Contas do Estado

UDESC – Universidade do Estado de Santa Catarina UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 27 1.1 Objetivo Geral ... 35 1.2 Objetivos Específicos ... 35

2 . A ORGANIZAÇÃO E O ORGANIZAR: DEBATES E

CONTESTAÇÕES ... 37

2.1 AS ORIGENS E AS TRANSFORMAÇÕES DO CONCEITO

DE ORGANIZAÇÃO ... 37 2.1.1 As contestações de um único modo de organizar ... 48

3 A PARTICIPAÇÃO NOS MOVIMENTOS SOCIAIS E O

CONFRONTO POLÍTICO ... 59 3.1 TEORIAS DOS MOVIMENTOS SOCIAIS ... 60 3.2 TEORIA DO CONFRONTO POLÍTICO ... 65 3.2.1 - Elementos da Teoria Do Confronto Político ... 68 3.2.2 - Limites da Teoria do Confronto Político ... 78

4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS DA

PESQUISA ... 81

5 RECONSTITUIÇÃO HISTÓRICA DO MOVIMENTO

CULTURAL CATARINENSE NO CONFRONTO POLÍTICO: DE 1998 A 2018 ... 87 5.1 MOVIMENTO CULTURAL CATARINENSE: AS AÇÕES E [MUITAS] REAÇÕES NO CONFRONTO POLÍTICO ... 169

6 A ORGANIZAÇÃO EM MOVIMENTO: O

ORGANIZAR E O REORGANIZAR DO MOVIMENTO

CULTURAL CATARINENSE ... 187

6.1 A ORGANIZAÇÃO DO MOVIMENTO CULTURAL

CATARINENSE COMO ESTRUTURAS CONECTIVAS

INFORMAIS ... 187

6.2 A ORGANIZAÇÃO QUE EMERGE DA LUTA:

ANALISANDO A ORGANIZAÇÃO NOS REPERTÓRIOS DE CONFRONTO ... 194 6.2.1 Reuniões de resistência e meios de comunicação ... 194

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6.2.2 Atos públicos ... 200 6.2.3 Manifestos escritos de resistência ... 203 6.2.4 Ação simbólica ... 205 6.2.5 Reuniões protocolares ... 205 6.2.6 Manifesto escrito protocolar ... 207 6.3 QUANDO O MOVIMENTO CULTURAL DISCUTE SEU PRÓPRIO MODO DE ORGANIZAR: CARACTERÍSTICA DOS MOMENTOS DE LATÊNCIA DO CONFRONTO. ... 212 7 CONCLUSÃO ... 217 REFERÊNCIAS ... 225 APÊNDICE A – Catálogo de Eventos ... 239 APÊNDICE B – Quadro de dirigentes do setor cultural em SC ... 254 APÊNDICE C – Breve história dos artistas pseudônimos dos

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1 INTRODUÇÃO

Esta chamada é para aquela(e)s que vão vender granola, biquíni, água de coco ou picolé no verão para pagar o aluguel mes-mo que tenha a projeção nacional e inter-nacional com seu trabalho e trajetória e que, quando olham para 2017, veem um deserto de perspectivas e projeções de fu-turo em seus trabalhos na área da cultura. (1ª DESCONFERÊNCIA DE CULTURA, 2016).

O texto acima é um trecho da chamada da 1ª Desconferência de Cultura de Santa Catarina, ocorrida em dezembro de 2016, que teve por objetivo discutir as políticas públicas para a cultura no Estado. Este evento foi mais um dentre outros realizados por atores da área da cultura que lutam por melhores políticas culturais e resistem a aceitar aquelas criadas (e deixadas de criar) pelos governantes catarinenses. Mesmo com a criação de espaços institucionalizados de participação, como conferências e conselho de cultura, o movimento cultural catarinen-se catarinen-se organiza paralelamente a estes espaços buscando participar e intervir na construção das políticas de cultura em Santa Catarina. Esta frase em destaque contempla os três grandes temas que circunscre-vem o objetivo dessa pesquisa: Cultura, Organização e Participação.

Os temas Organização e Cultura são consequências de meu con-tato, desde 2012, com o grupo de pesquisa Observatório da Realidade Organizacional da UFSC. Este grupo se propõe a discutir organizações, especialmente para identificar dinâmicas organizacionais alternativas ao modelo de organizar predominante nos estudos organizacionais. Esse interesse levou o grupo a estudar organizações do campo da cultura. A cultura constituída pelas dimensões antropológica e sociológica1

1 “Na dimensão antropológica, a cultura se produz através da interação social dos indivíduos, que elaboram seus modos de pensar e sentir, constroem seus valores, manejam suas identidades e diferenças e estabelecem suas rotinas. [...] Por sua vez, a dimensão sociológica não se constitui no plano do cotidiano do indivíduo, mas sim em âmbito especializado: é uma produção elaborada com a intenção explícita de construir determinados sentidos e de alcançar algum tipo de público, através de meios específicos de expressão.” (p. 2 e 3).

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TELHO, 2001) distingue-se de aspectos econômicos e instrumentais, próprios de organizações empresariais. No entanto, em muitos casos, as organizações da cultura não estão alheias às pressões pela sua inserção da lógica de mercado e consequente adoção de suas práticas de gestão (SILVA et al, 2010). O interesse por entender esse impacto, bem como a própria peculiaridade do campo cultural, levou o grupo a considerar esse objeto de pesquisa seu foco central de trabalho nos últimos anos2.

O tema da organização é marcado dentro dos estudos organizaci-onais pela disputa em torno do seu significado. Por um lado, há, con-forme apontam Misoczky (2010), Böhm (2006), Clegg e Hardy (1998), Reed (1998), uma concepção de discurso dominante segundo a qual a organização “costuma ser definida como um sistema que será funcio-nalmente eficiente se for capaz de atingir metas explícitas e racional-mente definidas” (MISOCZKY, 2010, p.14). Incluem-se nesta concep-ção as organizações burocráticas. Para Clegg (1998), o advento da pós-modernidade exigiu uma flexibilidade organizacional de modo a res-ponder às necessidades de maior agilidade produtiva. Inovações organi-zacionais, como as descritas por Clegg (1998), no entanto, não descon-figuram a lógica subjacente a essas organizações: instrumental, que reinventa formas de controle de modo a perpetuar a dominação (PAU-LA, 2002). Neste contexto, Parker (2000) discute a noção do gerencia-lismo como tecnologia de controle que reivindica pra si a universalidade do organizar. Não se trata apenas do controle das coisas, mas do contro-le de seres humanos. (PARKER, 2000). Nada escaparia ao escopo da gestão, tratando-se de um modelo hegemônico de organizar (PARKER, 2000), que excede a abordagem burocrática. Por outro lado, Parker (2000) anuncia que essa hegemonia vem sendo questionada. Existem pesquisas que defendem outros modos de organizar, nas quais não há predominância da racionalidade instrumental (ROTHSCHILD-WHITT, 1979; SERVA, 1997, SCHOMMER e FRANÇA-FILHO, 2008), mas, pelo contrário, práticas organizativas contra-hegemônicas (BARCEL-LOS, DELLAGNELO E SALLES, 2015; MISOCZKY, 2010, BÖHM, 2006), e há um caráter político do fenômeno organizacional que fica, na maioria das vezes, excluído do debate no campo dos estudos organizaci-onais (JUSTEN, 2017). Para ampliar a compreensão do fenômeno orga-nizacional, não limitado a um único modo de organizar, este trabalho junta-se ao conjunto de pesquisas sobre modos alternativos de organiza-ção. Atrelado ao tema da participação, minha principal inquietação

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sou a tentar entender como as pessoas se organizam para participar na arena pública, neste caso o setor cultural. Não apenas pelos motivos já explicitados referentes ao grupo de pesquisa, mas também por ter parti-cipado ativamente do Projeto de Apoio à Elaboração dos Planos Estadu-ais de Cultura, parceria entre MINC e UFSC durante o período de 2012 e 2013. Através deste contato, verifiquei as angústias pelas quais passam os atores da cultura diante dos descasos, que os mesmos consideram haver na área, perante os governantes, e a epígrafe deste capítulo intro-dutório ilustra essa observação. O ano de 1998 parece ser um marco na história da luta pela participação na construção das políticas culturais catarinense. Neste ano, foi criada a Lei Estadual de Incentivo à Cultura, o que motivou o surgimento do Fórum de Artistas e Produtores Cultu-rais de Florianópolis, iniciando, portanto, uma maior mobilização3 dos agentes culturais do campo.

O terceiro tema, a Participação, é o assunto que me instiga, e es-teve presente em minha trajetória acadêmica. Pesquisei sobre coprodu-ção do bem público4, governança pública5, temas sempre relacionados à participação e à democracia. Além disso, há uma relevância do tema da participação nas sociedades contemporâneas ocidentais que “têm levado a uma crescente preocupação dos cientistas políticos com o tema” (BORBA, 2012, p.263). No Brasil recente, o crescente interesse pela participação se observa desde o processo de redemocratização após a ditadura iniciada em 1964 e finalizada em 1985. Processo esse que acar-retou uma nova constituição, considerada a “constituição cidadã”. Após 21 anos de autoritarismo militar, democracia e participação são traços que permeiam os incisos constitucionais. A Constituição de 1988 insti-tucionalizou formas de participação social, possibilitando a formação de plebiscitos, audiências públicas, referendos, conferências e conselhos de políticas públicas. Nesses 30 anos após a abertura democrática, diversas experiências ocorrem nos níveis locais e nacional, como, por exemplo,

3 Em entrevista exploratória, a entrevistada afirma que 1998 pode ser um marco de uma maior mobilização, embora não tenha sido a primeira da história da comunidade cultural.

4 DE MATTIA, C. ZAPPELLINI, M. B. Ética e coprodução de serviços públi-cos: uma fundamentação a partir de Habermas. Cad. EBAPE.BR, v. 12, nº 3, artigo 2, Rio de Janeiro, Jul./Set. 2014.

5 DE MATTIA, C. van BELLEN, H. M. A Experiência da Governança Pública na Elaboração dos Planos Estaduais de Cultura. Estudos de Administração e Sociedade. v. 2, n.1 85– 97. 2017.

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os casos de Orçamento Participativo6. Acompanhando essas mudanças, estudiosos vêm teorizando sobre as experiências, contribuindo para o acúmulo de conhecimento nessa área. Os conselhos gestores, por exem-plo, são objetos de diversas pesquisas. Para Abravomay (2001, p. 121), trata-se da “mais importante inovação institucional das políticas públi-cas no Brasil democrático”. Os conselhos gestores são espaços de inte-ração entre Estado e sociedade para discussões e decisões das questões públicas.

Estudos sobre os conselhos gestores têm mostrado os desafios e problemáticas na sua realidade. Um deles é a disparidade das informa-ções entre os membros: mesmo que os conselhos atendam a questão da paridade de representação, ou seja, metade dos membros como represen-tantes da sociedade civil e a outra metade como representante do poder público, tal paridade não se verifica na igualdade de acesso as informa-ções para cada membro. Para Raichelis (2000, p.44), a “paridade implica correlação de forças, luta pela hegemonia, alianças que devem ser esta-belecidas para consolidar um determinado projeto e uma determinada proposta de encaminhamento no âmbito dos Conselhos”. Em muitos casos, os conselheiros representantes do Estado detêm mais informa-ções, causando uma disparidade de poder no momento das decisões (RAICHELIS 2000). A segunda questão refere-se à legitimidade dos conselheiros: nem sempre os membros eleitos têm aproximação com grupos setoriais os quais representam. Para Bava (2000, apud RONCO-NI et al, 2011, p. 51), é preciso que “haja por trás deste representante um movimento organizado, uma associação, uma confederação, uma articulação social que dê peso político à sua participação”. Um terceiro aspecto é do não respeito ao processo deliberativo: mesmo que a lei do conselho determine que o mesmo seja deliberativo, algumas decisões não são acatadas pelo poder executivo (FRISCHEISEN, 2000). Por fim, há a problemática da formalidade, transformando-se num aspecto central das atividades dos conselhos. Conforme constatam Almeida e Tatagiba (2012, p. 86), “Os conselhos têm investido grande parte de sua energia no desempenho de funções técnicas e burocráticas [...] enquanto deci-sões importantes continuam correndo por fora nas tramas desconexas que conformam a rede de produção da política pública.”. Esta questão da burocratização dos conselhos é bastante relevante para os estudos organizacionais, pois se refere às mudanças nos modos de organização. Tais mudanças têm a ver com o momento de inflexão na relação Estado

6 Modelo de cogestão em que decisões sobre investimentos são compartilhadas entre governo e comunidades (FEDOZZI, 2009).

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e sociedade pós-constituição de 1988 (DAGNINO, 2004). As décadas de 1970 e 1980, no Brasil, foi um período de intenso florescimento dos movimentos sociais (SCHERER-WARREN, LÜCHMANN, 2015; BRINGEL, TEIXEIRA, 2015), mas a institucionalização da participa-ção, incentivada pela Constituição Federal de 1988 e concretizada nos conselhos, conferencias, etc., passa a ser o espaço de discussão das de-mandas que antes se davam, sobretudo no âmbito dos movimentos soci-ais (DAGNINO, 2004; SCHERER-WARREN, LÜCHMANN, 2011; ALONSO, 2017). Scherer-Warren e Lüchmann (2011, p.10) assinalam que, na década de 1990, há mudanças nas estratégias de muitos atores sociais que passam “de ação direta contra o Estado para a ação em cola-boração com o Estado”. Ressalva-se, no entanto, que os movimentos sociais continuam existindo enquanto prática, porém, os olhares acadê-micos, durante as décadas de 1970 e 1980, mudam seu foco para a cate-goria de sociedade civil. Com assinalaram BRINGEL, TEIXEIRA (2015, p. 65).

Em uma conjuntura de rearranjo da atuação dos movimentos sociais, que passaram a agir com fo-co na participação institucionalizada, alguns auto-res diminuíram seu inteauto-resse pelo tema e passaram a se concentrar em analisar outros aspectos. Foi assim que uma série de trabalhos passou a centrar suas análises na ideia de sociedade civil.

Scherer-Warren e Lüchmann (2015, p.24) explicam que neste contexto pós-ditadura militar, a sociedade civil “passaria a ser entendida como o conjunto de organizações que atuam no âmbito público, porém diferente do Estado, ao mesmo tempo em que, ancorada na esfera priva-da, diferencia-se do mercado.”. Assim, sociedade civil, enquanto orga-nizações que atuam no âmbito público, sem ser Estado nem mercado, diferenciam-se de movimentos sociais os quais apresentam como uma das características constituintes informalidade organizacional, conside-rados como espaços de luta extra institucional.

Há significativo debate entre os estudiosos do tema da participa-ção sobre as consequências da institucionalizaparticipa-ção das demandas societá-rias, antes reivindicadas em outros espaços e de outras formas, como por exemplo, pelos movimentos sociais. Como apontam Scherer-Warren e Lüchmann (2015, p.23).

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A incorporação da dimensão societária nesses es-paços institucionais vai motivar o desenvolvimen-to de um conjundesenvolvimen-to de estudos voltados para as possibilidades e limites da participação institucio-nal, ampliando e complexificando o repertório analítico conceitual sobre o tema da participação e da democracia.

Milani (2008, p.551) alerta que “a institucionalização de experi-ências de participação pode cair na armadilha da burocratização do cesso participativo”, o que geraria o início de uma cristalização do pro-cesso participativo. Dagnino (2004) sofistica a problematização, suge-rindo a existência de uma “confluência perversa” no contexto da rede-mocratização no Brasil. Para ela, a inclusão do Brasil num modelo neo-liberal, a partir dos anos 1989 (eleição de Collor), representou uma di-minuição das responsabilidades do Estado. O discurso em favor de uma sociedade ativa e participante configurou-se num afastamento do Estado de suas funções. Segundo a autora:

Por um lado, a constituição dos espaços públicos representa o saldo positivo das décadas de luta pe-la democratização, expresso especialmente – mas não só – pela Constituição de 1988, que foi fun-damental na implementação destes espaços de participação da sociedade civil na gestão da soci-edade. Por outro lado, o processo de encolhimento do Estado e da progressiva transferência de suas responsabilidades sociais para a sociedade civil, que tem caracterizado os últimos anos, estaria conferindo uma dimensão perversa a essas jovens experiências. Essa perversidade é claramente ex-posta nas avaliações dos movimentos sociais, de representantes da sociedade civil nos Conselhos gestores, de membros das organizações não go-vernamentais (ONG) envolvidas em parcerias com o Estado e de outras pessoas que de uma ma-neira ou de outra vivenciam a experiência desses espaços ou se empenharam na sua criação, apos-tando no potencial democratizante que eles trari-am. (DAGNINO, 2004, p.97)

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A confluência perversa, aponta Dagnino (2004), se verifica ao observar o dilema dos atores sociais que passam a questionar seu pró-prio papel político:

‘o que estamos fazendo aqui? ‘que projeto esta-mos fortalecendo?’, ‘não ganharíaesta-mos mais com outro tipo de estratégia que priorizasse a organi-zação e a mobiliorgani-zação da sociedade, ao invés de atuar junto com o Estado?’ (DAGNINO, 2004, p.97).

Em resumo, observando algumas discussões sobre participação social e democracia no Brasil das últimas décadas, dois aspectos são percebidos: os estudos dos movimentos sociais, que teve seu apogeu nas décadas de 1970 e 1980, sofrem um relativo abandono na década de 1990, sendo retomado nos últimos anos (BRINGEL, TEIXEIRA, 2015). Já os estudos sobre sociedade civil, atuando em espaços institucionali-zados de participação, são reverenciados a partir dos anos 1990.

Desse modo, reconhecendo os limites das formas institucionali-zadas de participação, o interesse neste trabalho volta-se para a partici-pação através dos movimentos sociais. Três teorias dos movimentos sociais destacam-se a partir da década de 1960, duas de origem america-na: a Teoria da Mobilização de Recursos (TMB) e a Teoria do Confron-to Político (TCP)7; e uma de origem europeia: a Teoria dos Novos Mo-vimentos Sociais (TNMS). Enquanto a primeira explica moMo-vimentos sociais a partir dos recursos disponíveis que possibilitam a mobilização, tendo a sobrevivência organizacional como o principal objetivo das organizações dos movimentos sociais (MCARTHY, ZALD, 1977); a TNMS rejeita explicações econômicas, já que a leitura que faz de mo-vimentos sociais é da necessidade de auto-realização, baseada em soli-dariedade e visando mudança cultural (MELLUCI, 1989). Já a TCP, que se mostrou a mais adequada para esta pesquisa, entende movimentos sociais como uma forma de ação de confronto a uma autoridade, nor-malmente o Estado. Neste sentido, movimentos sociais, podem ser en-tendidos como “Desafios coletivos baseados em objetivos comuns e solidariedade social numa interação sustentada com as elites, opositores e autoridade” (TARROW, 2009, p.21). O confronto político refere-se às reivindicações que as pessoas fazem, de forma coletiva, a outras pesso-as, cujos interesses seriam afetados se tais reivindicações fossem atendi-das. Tarrow (2009, p.43) explica que “a política de confronto é

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da quando as oportunidades políticas se ampliam, quando demonstram potencial para alianças e quando revelam a vulnerabilidade dos oponen-tes”. Oportunidades políticas referem-se a elementos que afetam a ex-pectativas dos atores quanto ao sucesso ou fracasso da ação. Assim, para a TCP, não basta a vontade dos atores por auto-realização e mudanças culturais, é preciso que se visualizem oportunidades políticas de modo a possibilitar a ação dos movimentos.

Estes elementos conceituais da teoria do confronto político estão circunscritos na perspectiva ontológica do realismo relacional, a qual considera que “as transações, as interações, os laços sociais e as conver-sações constituem o elemento central da vida social” (TILLY, 1997). As implicações epistemológicas do realismo relacional nos conduz a buscar evidências dos fenônemos empíricos a partir das interações sociais. Este olhar para as interações contribuiu para um dos argumentos centrais desta pesquisa, que é a organização em movimento, tais quais as intera-ções que compõem a vida social.

Na área de administração, encontramos alguns ensaios teóricos sobre a sua aproximação com as teorias dos movimentos sociais. Miso-czky, Flores e Silva (2008) argumentam sobre a mútua influência entre os estudos organizacionais e as teorias dos movimentos sociais. Eles verificam uma “intensa troca entre essas duas áreas teóricas” (MISO-CZKY, FLORES E SILVA, 2008, p.2), sobretudo nas abordagens ame-ricanas, já que a teoria da mobilização de recursos absorve grande parte dos conceitos das teorias organizacionais, porém na versão dominante dos estudos organizacionais8. Rosa e Mendonça (2011) defendem que os debates sobre movimentos sociais produziram diversas possibilidades para análise organizacional. Eles discutem sobre as possibilidades de contribuição da ideia de oportunidades políticas para pesquisas em polí-ticas públicas e gestão social. Observa-se, por outro lado, que, conforme demonstraram Coelho e Dellagnelo (2012), a dimensão organizacional tratada nos trabalhos sobre movimentos sociais nas ciências sociais9 é tímida, e quando aborda o tema o faz, em sua maioria, à luz da literatura sobre movimentos sociais. As autoras suspeitam que talvez haja um

8 Os autores não citam a teoria do confronto político, mas chamam de “Teoria de Estruturas de Oportunidades Políticas”, referindo-se a esse aspecto da teoria do Confronto Político. Para elas, a TEOP também sofre influência das teorias organizacionais dominantes.

9 Faz-se a ressalva que as autoras analisaram apenas os artigos publicados na

Revista Brasileira de Ciências Sociais. As conclusões, portanto, referem-se

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receio por parte dos estudiosos e militantes dos movimentos sociais devido ao aspecto hegemônico de organizar que é o gerencial, o que desvirtuaria o caráter não gerencialistas dos movimentos sociais (COE-LHO e DELLAGNELO, 2012). Neste sentido, esta busca analisar a dimensão organizacional dos movimentos sociais sem, no entanto, usar o aporte teórico da teoria organizacional dominante. Por sua vez, o uso da Teoria do Confronto Político, que tem uma perspectiva histórica, contribui para a realização de pesquisas que busquem compreender a organização num longo período do tempo, como é o caso deste trabalho.

Desse modo, a pergunta que orienta essa pesquisa é: Como o movimento cultural catarinense se organizou para participar da construção das políticas culturais em Santa Catarina nos últimos 20 anos, considerando sua atuação a partir da Teoria do Confronto Político?

Esta pesquisa pretende alcançar os seguintes objetivos geral e es-pecíficos.

1.1 Objetivo Geral

Analisar como o movimento cultural catarinense se organizou pa-ra participar da construção das políticas cultupa-rais em Santa Catarina nos últimos 20 anos, considerando sua atuação a partir da Teoria do Con-fronto Político.

1.2 Objetivos Específicos

1) Reconstruir historicamente a mobilização do movimento cultu-ral no estado, de 1998 a 2018.

2) A partir da reconstrução histórica feita, analisar o Frame do movimento cultural catarinense a partir da Teoria do Confronto Político.

3) Analisar os aspectos organizacionais colocados em prática du-rante as estratégias de mobilização de confronto politico empre-endidas no movimento cultural catarinense.

Uma vez que a Teoria do Confronto Político tem pé fincado no tempo e no espaço, abraçando-se a uma perspectiva da sociologia histó-rica, busquei analisar um período longo do movimento catarinense. O início em 1998, como me referi anteriormente, é marcado pelo surgi-mento do Fórum de Artistas e produtores culturais que, conforme cons-tatado em entrevista exploratória, foi a primeira organização do

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movi-mento que abarcou atores das diversas linguagens culturais na luta pelo respeito à cultura.

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2. A ORGANIZAÇÃO E O ORGANIZAR: DEBATES E CONTESTAÇÕES

Ao explicar sobre a insurreição de 1851 contra a tropa de Napo-leão na França, Tarrow (2009, p. 161) faz a seguinte observação: “foi um movimento organizado? Isso depende do que entendemos por orga-nização”. Curiosamente, Sidney Tarrow é um estudioso da sociologia histórica, não é autor dos estudos organizacionais. Explicitar o que se entende por organização parece ser relevante para estudiosos de organi-zação, posto que o quadro teórico dos estudos organizacionais é marca-do por disputas em torno marca-do significamarca-do de organização (CLEGG E HARDY, 1998; REED, 1998; PARKER, 2002; BOHM, 2006; MISO-CZKY, 2010). Neste capítulo, argumento que a organização é um fe-nômeno social não positivo, nem universal, mas que se constrói e re-constrói em cada contexto social e momento histórico, é uma organiza-ção em movimento.

2.1 AS ORIGENS E AS TRANSFORMAÇÕES DO CONCEITO DE ORGANIZAÇÃO

Os sociológicos organizacionais funcionalistas das décadas de 1950 e 1960 criaram uma teoria organizacional que trouxe um significa-do contestável sobre organização. Para discorrer sobre essa contestação, recorro a referência mais remota que encontrei referente à definição da palavra organizar. Starbuk (2009) explica que organização é uma vra que deriva de uma raiz indo-europeia que também originou as pala-vras “órgão” e “trabalho”. Organizare, verbo-romano que significava “fornecer órgãos de modo a criar um ser-humano completo” (STAR-BUK, 2009, p. 13), migrou do latim para o francês, e em 1488 a língua francesa já possuía a palavra organização, que significava “o estado de um corpo organizado” (p. 13). A origem da palavra organização parece ter vinculação com a biologia. Isso pode ser notado, por exemplo, no dicionário da língua inglesa de Samuel Johnson, em sua 3ª edição (176810) no qual organization era definido como: “construction in which the parts are so disposed as to be subservient to each other” (JOHNSON, 1768) e to organize referia-se a: “to construct to as that one part co-operates with another”. Na 6ª edição, em 1785, organization permane-ceu com a mesma definição, mas recebeu frases explicativas do termo.

10 A primeira 1ª edição é de 1755.

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Os trechos abaixo se referem a frases de autores da época que usaram o termo:

Os sentidos de cada homem diferem tanto dos tros em sua figura, cor, localização e infinitas ou-tras peculiaridades da organização [...]. Scepsis

de Glanvill.

Sendo essa então uma planta, que tem essa orga-nização de partes em um corpo coerente, partindo de uma vida comum, continua sendo a mesma planta, embora essa vida seja comunicada a novas partículas, partículas de matéria, numa organiza-ção continuada. Locke. (JOHNSON, 1785) Ao verbete to organize, de 1768, acrescentou-se “to form orga-nically”, na edição de 1785, e foi complementado com as seguintes fra-ses ilustrativas.

Como a alma organiza o corpo e dá a cada mem-bro aquela substância, quantidade e forma, que a natureza torna mais conveniente, para a graça in-terior dos sacramentos, pode ensinar o que serve de cama à sua forma exterior. Hooker.

Um calor genial e valoroso atua sobre a matéria apta e obsequiosa, onde foi abrigada, como para organizar e moldar essa matéria disposta de acordo com as exigências de sua própria natureza.

Boyle.

Aquelas faculdades mais nobres da alma, organi-zavam matéria que nunca poderiam produzir Ray

on the Creation.

A identidade do homem consiste em uma partici-pação da mesma vida, continuada através da cons-tante emissão de partículas em sucessão vitalmen-te unidas ao mesmo corpo organizado. Locke. (JOHNSON, 1785) (negrito nosso).

Na língua portuguesa, o termo ganha significado muito seme-lhante. No primeiro dicionário da língua portuguesa, o Vocabulá-rio Portuguez e Latino, do Padre Raphael Bluteau (1712-1728), a pala-vra “organização” refere-se “a formação, ou disposição das partes orgâ-nicas do corpo”. O verbete “organizar” significa “formar os órgão, ou partes orgânicas do corpo do animal no ventre da mãe”. A frase exemplo

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“agora pó organizado, e depois, pó desunido” é uma referência ao nas-cimento e morte do homem, no qual organização significa a formação do corpo.

Observando todos estes conceitos que aparecem no ano de 1488, no dicionário da língua francesa, e no século XVIII11, percebe-se clara-mente que o significado original de “organizar” tem mais a ver com algo em formação, em composição. Parece tratar-se de algo que está em construção. E mesmo quando já foi composto, formado, construído, organizado, mesmo assim, em momento algum essa organização é algo dado, algo pronto, e também não parece significar algo permanente. Pois mesmo num corpo já formado, haveria “partículas de matéria, numa organização continuada” (LOCKE apud JOHNSON, 1785). A vincula-ção do termo com a biologia é intensa, como constataram também Ma-titz e Vizeu (2012; 2018). Esses autores vem trabalhando na compreen-são da construção histórica do conceito de organização, defendendo a necessidade de “consideração das circunstâncias sociais e históricas que condicionam a criação, o empréstimo, o uso e a comunicação de concei-tos nos campos científicos, em particular o campo de estudos organiza-cionais” (MATITZ e VIZEU, 2012, p.594). Os autores explicam que o termo “organização” refere-se a um empréstimo semântico do termo “organismo” que advém da biologia, que “implica a ideia de unidade composta de partes que interagem entre si e possuem uma finalidade em comum” (p. 590). Sendo assim, quando nas frases, exemplos dos dicio-nários acima, referiu-se a “corpo”, provavelmente referia-se a corpo biológico (STARBUCK, 2009).

Em resumo, “organizar”, na origem, significava formar ou com-por as partes de um corpo biológico, e “organização” automaticamente significava a constatação de um corpo organizado. Seria como dizer: deixe-me ver como é a organização desta planta. Ou seja, deixe-me ver como esta planta está sendo formada. Aí percebemos que não há infe-rência normativa alguma nesta origem do significado de organizar. Não faz sentido dizer, neste significado, por exemplo: deixe-me ver se esta planta está bem organizada, ou mal organizada. A forma como ela é composta é sua organização. A conotação normativa no significado de organização parece ter se iniciado no século seguinte, como é possível verificar no Dicionário Americano da Língua Inglesa Webster, de 1828:

11 No primeiro dicionário em inglês do mundo, de Robert Cawdrey (1604), não há as palavras organization nem to organize, nem mesmo o radical organ, que aparece em todos os outros dicionários.

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1. O ato ou processo de formar órgãos ou instru-mentos de ação.

2. O ato de formar ou arranjar as partes de um composto ou corpo complexo de uma maneira adequada para uso ou serviço; o ato de distribuir em divisões adequadas e nomear os oficiais apro-priados, como um exército ou um governo. A primeira organização do governo geral. 3. Estrutura; Formato; disposição adequada das partes que devem agir juntas em um corpo com-posto. (WEBSTER, 1828) (grifos nosso).

Neste dicionário, é possível perceber que o sentido original co-meça a ser alterado. Organização deixa de ser apenas o ato ou processo de formar órgão, e passa a formar também instrumentos de ação. Mas há três mudanças mais significativas. O aparecimento da (1) conotação normativa, de (2) corpos ao invés de corpo (corpo complexo, corpo composto), e da (3) estrutura. Quanto ao primeiro, vê-se que organiza-ção não se limitaria a composiorganiza-ção do corpo, mas a disposiorganiza-ção adequada de juntar corpos, ou seja, se organização passa a significar uma maneira adequada de formar os corpos, então, automaticamente, pensa-se numa modo adequado de organizar. Introduz-se, portanto a conotação norma-tiva que será o grande mote na metade do século seguinte, quando se origina a teoria organizacional, trazendo a discussão de qual seria a forma mais eficiente de organizar.

No final do século XVIII, Starbuck (2009) identificou o uso da palavra organização significando a composição não de um corpo, mas de um corpo composto, e não biológico, mas social. Este novo uso teria sido atribuído aos proponentes da Revolução Francesa, conforme expli-ca Starbuck (2009, p.13):

Em 1789, em um panfleto que desempenhou um papel importante iniciando a Revolução Francesa, Emmanuel-Joseph Sieves declarou: “é necessário provar ainda que a ordem nobre não entra de for-ma algufor-ma na organização social; que isso pode de fato ser um fardo para a nação”.

Assim, o termo “organização”, usado para denotar associações voluntárias, parece ter começado no final do século XVIII (STAR-BUCK, 2009).

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Por fim, a terceira novidade é o aparecimento da palavra “estrutu-ra”. Até então, “organizar” significava um corpo sendo formado, o foco parecia estar no processo de formação, não nas partes constituintes. No mesmo sentido, Matitz e Vizeu (2012), ao analisar a formação vernacu-lar do termo, constatam que, devido ao sufixo “ação”, o termo organiza-ção remete à ideia de aorganiza-ção e de processo na sua origem.

Estas três mudanças que ocorreram na definição do termo “orga-nização” na passagem do século XVIII para o século XIX acentuam-se ainda mais a partir de 1850.

Antes de discorrer sobre o significado de organização a partir de 1850, cabe ressaltar novamente que o uso dos dicionários antigos para identificar algumas origens da palavra organização e seu significado foi opção consciente de que a prática organizacional é milenar. Ou seja, é razoável pensar que a organização social humana existe antes mesmo da aquisição da linguagem, posto que os bandos se uniam visando seguran-ça, abrigo e alimentação. Discorremos até aqui sobre a origem do signi-ficado das palavras “organizar” e “organização” e não a origem de quando a espécie humana começou a se organizar. Cabe esclarecer tam-bém que, embora a palavra organização já existisse pelo menos desde o século XV na língua francesa e no século XVIII nas línguas inglesa e portuguesa, escritos de aspectos sobre o organizar da sociedade remetem a 4000 a.C. Foi o que Rindova e Starbuck (apud, STARBUCK, 2009) identificaram ao pesquisar a relação superior-subordinado nos textos antigos da China, Egito, Grécia, Índia e Mesopotâmia. Mas teorias sobre organização, se existiram, não sobreviveram até cerca de 2000 a.C. Dos documentos sobreviventes, constata-se a existência de aspectos incipien-tes da organização burocrática:

Evidências de antes de 2000 a.C. mostram que or-ganizações mantinham registros escritos e tinham hierarquias de autoridades e regras bem definidas sobre os direitos e deveres associados aos cargos, mas não tinham outras propriedades da burocra-cia. Por volta de 1200-1100 a.C. , no entanto, do-cumentos da China e do Egito e restos arqueológi-cos de Micenas testemunham que algumas organi-zações tinham também divisão de trabalho adqui-rida com base em especialização, procedimentos de trabalho, relações impessoais entre pessoas que desempenham papéis e promoção e emprego com base na competência técnica. (STARBUCK, 2009, p.6).

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Starbuck (2009) aponta que nos séculos XVII e XVIII dois ho-mens contribuíram, inadvertidamente, com a teoria da organização mo-derna. Em 1751, Jean-Claude Marie Vincent de Gournay, administrador do comércio francês, estava irritado com os numerosos regulamentos governamentais que estariam atrapalhando a atividade empresarial. Cer-ca de 80 anos antes, em 1665, Jean-Bapiste de Colbert havia sido nome-ado controlnome-ador geral de finanças pelo rei Luís XIV. Foi Colbert quem criou regras, décadas mais tardes, que foram motivo de protesto por Gournay. Colbert havia afastado funcionários corruptos e reorganizado o comércio de acordo com a realidade mercantilista da época. Para mos-trar para a sociedade que o governo agia de fora justa, criou regras e aplicou para todos uniformemente. Mas para Gournay, tantas normas só mostravam que o governo era insensível e um aplicador de regras que não conhecia, ou não se importava com as consequências de sua ação. Em seu protesto, ele cunhou o termo bureau-cratie – governo de escritó-rio. (STARBUCK, 2009).

Embora existissem alguns poucos escritos sobre organização, é somente a partir de 1850, com um contexto social de mudanças em mai-or velocidade – urbanização, aumento populacional, educação em larga escala12, novas tecnologias – é que teorizar sobre a organização começa a atrair mais atenção (STARBUCK, 2009). A partir desta década, os estudos que surgiram sobre organizações tem, em sua maioria, estrita relação com uma tradição filosófica que considerava a sociedade como máquina:

as primeiras generalizações sobre as organizações tendiam a tratar as organizações como sistemas quase mecanicistas, e o comportamento racional tem sido há muito componente da tradição filosó-fica mecanicista (STARBUCK, 2009, p. 17).

12 Sobre o efeito da educação para as teorias sobre organização, Starbuck (2009, p.9) explica: “Como oportunidades para o emprego de colarinho branco se multiplicaram durante a última metade do século XIX, os egressos das escolas primárias permaneceram na escola para estudar contabilidade e direito. Na América, o Land Grant Act após a Guerra Civil encorajou a fundação de muitas universidades que adotaram temas práticos como agricultura, engenharia e comércio. Merkle (1980) inferiu que o movimento de gestão contribuiu signifi-cativamente para a expansão da atividade gerencial depois de 1880.”.

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Essas raízes históricas dos estudos organizacionais estavam rela-cionadas com o triunfo da ciência sobre a política e da ordem e progres-so progres-sobre a irracionalidade humana, como em Saint-Simon. (REED, 1998). Saint-Simon defendeu uma reorganização da sociedade feita por cientistas e industriais. Estes deveriam criar a “divisão de trabalho cien-tificamente ideal que produzisse harmonia, produtividade, eficiência e inovação tecnológica” (STARBUCK, 2009, p. 14).

Entre os anos de 1860 e 1960, dois temas predominaram os escri-tos teóricos de organização: os defeiescri-tos da burocracia e a questão de “como as organizações podem operar de forma mais eficaz?” (STAR-BUCK 2009, p. 19). Além disso, Starbuck (2009, p.14) chama a atenção para duas mudanças importantes que começam a surgir no final do sécu-lo XIX.

Primeiro, pessoas reconheceram que grupos soci-ais menores do que as sociedades podem exibir organização. Segundo, as pessoas começaram a usar 'organização' para denotar não uma proprie-dade de um grupo social, mas o próprio grupo so-cial.

Outra mudança significativa refere-se à construção social de que “em-presas e corporações tornam-se pessoas imortais” (STARBUCK, 2009, p.14). Starbuck (2009) argumenta que na virada do século XIX para o XX, as:

organizações empresariais e voluntárias transfor-maram-se, de coalizões temporárias de proprietá-rios com propósito específico, em pessoas jurídi-cas imortais que têm direitos independentemente de seus proprietários, membros ou outras partes interessadas.

O autor explica que até o século XIX a entidade empresarial era indistinguível de seu proprietário, sendo ele o responsável por tudo que acontecia com seu negócio, arcando inclusive com as responsabilidades de eventuais violações legais. A necessidade de levantar capital para empreendimentos caros, como, por exemplo, embarcações, fez surgir alternativas de controle e responsabilidades compartilhadas, as “socie-dades por ações”. Houve discussões intensas sobre essas questões no final do século XIX, em perspectivas jurídicas, sociais e econômicas. Essas discussões levaram ao consenso entre nações como Alemanha, França, Itália, Grã-Bretanha e Estados Unidos de que uma “corporação possuía ‘personalidade’ e era diferente de seus proprietários”

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(STAR-BUCK, 2009). A partir da década de 1930, a construção social empresa tinha uma representatividade tal na sociedade que Starbuck (2009, p.19), citando Berle e Mens (1932), concluiu que “a ascensão da corporação moderna trouxe uma concentração de poder econômico que pode com-petir em igualdade de condições com o estado moderno”.

Retomando o início de nossa discussão, podemos perceber as transformações do conceito de organização. Se, na sua origem, ela tem a ver com a composição de um corpo biológico, e logo é usada como formação de um corpo social, denotando aspectos processuais, quando começam os estudos formais de teoria da organização, a definição de organização já possui novos significados. Existe uma mudança na pers-pectiva prescritiva, da busca pela eficiência organizacional – o organizar ideal. E também uma mudança no entendimento de organização não mais como formação de um grupo social, mas descolando-se do grupo e ganhando personalidade própria, como uma entidade em si mesma. Compreender essa transformação é relevante, pois resulta numa mudan-ça ontológica nos estudos organizacionais. Como explicam Duarte e Alcadipani (2016), quando se compreende as organizações como pro-cessos, como realizações, como verbos e não como entidades fixas, estáveis e homogêneas, a organização é interpretada como o produto final e não como ponto de partida. Mas na origem dos estudos formais das teorias organizacionais, na segunda metade do século XX, havia uma concepção de modernidade e uma forma específica de organização que são influenciadas pelo projeto iluminista do século XIX, o qual introduziu a “racionalização do mundo” (CLEGG, 1998).

Os estudiosos, preocupados com a eficiência organizacional, vol-taram-se para os aspectos racionais da ação humana que permitiriam uma melhor organização. Essa condição de eficiência suprema dada a organizações burocráticas fez crer que haveria um “avanço da razão, liberdade e justiça e da possibilidade de erradicação da ignorância, coer-ção e pobreza” (REED, 1998). De fato, Reed (1998) esclarece que hou-ve avanço nesse sentido, indo ao encontro do pensamento de Alhou-vesson e Deetz (1998), os quais consideraram que, inicialmente, o modernismo, com sua organização burocrática, “representou a emancipação em rela-ção ao mito, à autoridade e aos valores tradicionais, por meio do conhe-cimento, da razão e das oportunidades baseadas em capacidades eleva-das.” (ALVESSON, DEETZ, 1998, p. 232). Por outro lado, o modo moderno de organizar difundiu-se amplamente entre o fim do século XIX e início do século XX, dominando tanto as esferas econômicas quanto a social e a política. A organização racional e científica altera o modo de organização da sociedade e a natureza humana, já que, segundo

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aponta Wolin (1961 apud REED 1998), a subjetividade humana era suplantada pela predominância da sociedade organizacional. Para Wolin (1961 apud REED, p.62) “enquanto o símbolo de comunidade era a fraternidade, o símbolo de organização era o poder... organização signi-fica um método de controle social, um meio de impor ordem, estrutura e uniformização à sociedade”. Uma das consequências dessa visão de mecanização do entendimento de organizar é o desmantelamento da integralidade do indivíduo a favor da organização, conforme podemos ver em Selznick (1967):

Os indivíduos se mostram propensos a resistir à despersonalização, a exceder os limites de seu pa-pel segmentário, para participar como integrais. [...] O indivíduo integral cria novos problemas pa-ra a organização, em parte por causa das necessi-dades de sua própria personalidade, parcialmente porque traz consigo um conjunto de hábitos arrai-gados, talvez, como obrigações com determinados grupos especiais fora da organização. (SELZ-NICK, 1967, p.33).

Nesta concepção, a multidimensionalidade humana (RAMOS, 1981) mostra-se como empecilho para a eficiência organizacional.

Como argumentamos antes, no século XVIII há um movimento de transformar o significado de “organização” em entidade fixa, até mesmo como sinônimo de corporação. Organização não é mais o produ-to, em constante mudança, da composição de um corpo, nem a composi-ção de um corpo social, é antes uma entidade imóvel e que, a partir dali, busca recursos humanos e materiais para a sustentação dessa entidade. O indivíduo é visto tão somente como peça para a manutenção adequada desta estrutura, bem como seu crescimento. A organização vista desta forma tem grande influencia nos primórdios dos estudos de administra-ção e organizações. A teoria da organizaadministra-ção burocrática de Max Weber exerce especial influência. Nas palavras de Clegg (1998, p.32):

A superioridade inquestionável, a profundidade da análise e a amplitude de visão associadas ao traba-lho de Max Weber foram parcialmente responsá-veis pela atração exercida pela abordagem do au-tor sobre os investigadores que pretendiam de-marcar as suas reflexões dos propósitos muito

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mais superficiais de um Fayol, ou das visões ins-trumentais de um Mayo.

No entanto, Clegg atenta ao fato de que a análise das organiza-ções com base em Weber tenham sido feita de forma muito seletiva em detrimento da globalidade do trabalho do autor. Para Clegg, tal seletivi-dade tem a ver com uma “afiniseletivi-dade eletiva” da sociologia de Weber com o estudo sistemático das organizações:

Os argumentos de uma repercutiam os da outra, verificando-se uma interpenetração mútua entre o que se considerava ser a visão sociológica de We-ber e o que veio a transformar-se nas preocupa-ções de uma teoria organizacional em desenvol-vimento: a procura da maior eficiência no funcio-namento das organizações. (CLEGG, 1998, p.33). Contudo, o modelo burocrático se configurou num excesso de formalismo, denominado de “disfunções burocráticas”. O contexto de complexificação da sociedade contemporânea, da globalização e do triunfo do capitalismo, exigiu a rapidez incompatível com um modelo tão rígido. Se antes a especialização, a base hierárquica de autoridade e a rigidez para o controle eram importantes na busca pela eficiência, no final do século XX tais características deixam de ser importantes e são até mesmo indesejáveis. A capacidade de respostas da burocracia come-ça então a ser questionada (PAULA, 2002). A partir da década de 1970 o modelo fordista começa a se esgotar e as respostas organizacionais para esta nova realidade evidenciaram-se nos anos 1980 (CLEGG, 1998). A essas novas organizações, baseadas, sobretudo, nas organiza-ções japonesas, Clegg (1998) chama de organizaorganiza-ções pós-modernas. Neste sentido, surgem novos formatos com ferramentais como reenge-nharia, downsizing, terceirização, quarteirização, qualidade total, just-in-time, prometendo maior eficiência organizacional. No entanto, essa visão de que esses novos formatos organizacionais surgidos a partir da Segunda Guerra sejam muito diferentes do modo de organizar burocráti-co, conforme sugeriu Clegg (1998), é contestada por alguns autores que consideram que a lógica de ação não difere da instrumental, típica do modelo modernista de organização. É o que mostra pesquisa feita por Dellagnelo e Machado da Silva (2000). Ao analisar o tipo de racionali-dade subjacente a estas novas práticas, eles constataram que há poucas evidências da ruptura dessas novas formas organizacionais com o

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mode-lo burocrático de organização. Conclusão semelhante é a que chega Paula (2002), ao analisar a perspectiva da dominação, intrínseca à teoria weberiana. Revisitando o pensamento de Maurício Tragtenberg, Paula (2002) demonstra que, apesar de serem chamadas de novas, as teorias administrativas pós-modernas são tributárias das antigas escolas de ad-ministração e do modelo burocrático de organização. Em seu entendi-mento, a organização se tornou mais flexível para atender às exigências do novo contexto social, no entanto, não houve uma desburocratização, apenas adaptação. Assim, ao se analisar a burocracia enquanto lógica da ação racional, conforme feito por Dellagnelo e Machado da Silva (2000), e como forma de dominação (PAULA, 2002), vê-se que os no-vos arranjos organizacionais são, na verdade, reprodução de “harmonias administrativas”13.

Na década de 1980 nasce, concomitantemente com as novas fer-ramentas gerenciais, o modelo organizacional chamado gerencialismo. O gerencialismo é entendido por Parker (2002) como uma tecnologia de dominação relacionada com o liberalismo de mercado e que tem uma expansão sem medida, tornando-se hegemônica na sociedade atual. O autor chama a atenção de que o imperialismo da gestão encontrou uma casa particular nas grandes organizações: “seu domínio agora é tão in-questionável que é cada vez mais difícil imaginar ou lembrar alternati-vas” (PARKER, 2002, p. 11). Palavras como coordenação, cooperação, troca, participação, coletividade, a democracia, a comunidade e a cida-dania referem-se a métodos de fazer a organização, mas elas têm sido cada vez mais apagadas, marginalizadas ou cooptadas pela gestão (PARKER, 2002). É quase como se nós nos resignássemos com a ideia de que a organização envolve apenas hierarquias permanentes, envolve a separação entre concepção e execução e envolve o domínio de uma forma particular de mercado (PARKER, 2002).

Paula (2002) argumenta que a forma gerencialista de organizar traz consequências mais perversas para a vida humana do que a burocra-cia, pois, segundo a autora, fornece uma falsa sensação de liberdade, já que a dominação e a alienação do trabalhador são recriadas ao reinven-tar instrumentos de controle e dominação, tornando-se, assim, muito mais sutil e eficaz que a rígida burocracia do modelo fordista e tayloris-ta. Leitura semelhante faz o sociólogo francês Vincent de Gaulejac, segundo o qual:

13As “harmonias administrativas” são teorias administrativas que fazem a nega-ção ou manipulanega-ção dos conflitos e promovem ordenamento harmônico nas relações de trabalho (PAULA, 2002).

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A empresa de tipo tayloriano é centrada sobre a canalização da atividade física a fim de tornar os corpos úteis, dóceis e produtivos. [...] O poder ge-rencialista preocupa-se não tanto em controlar os corpos, mas em transformar a energia libidinal em força de trabalho [...]. Passa-se de controle minu-cioso dos corpos para a mobilização psíquica a serviço da empresa. A repressão é substituída pela sedução, a imposição pela adesão, a obediência pelo reconhecimento. (GAULEJAC, 2009, p.109) Para o autor, o sistema acaba gerando um paradoxo. Mesmo o in-divíduo consciente do poder gerencial vê-se incapaz de contestar o sis-tema do qual faz parte, pois esse poder opera na interioridade, no “con-trole psíquico”. Assim, contestar o sistema fazendo parte dele seria co-mo tentar consertar um automóvel em pane permanecendo dentro do mesmo. Dessa forma, o gerencialismo prevalece, e as teorias organiza-cionais reproduzem tal modelo como forma predominante de organizar. 2.1.1 As contestações de um único modo de organizar

De forma predominante, a herança da modernidade para os estu-dos organizacionais é a concepção de organização como algo homogê-neo, fixo, naturalizado, positivo e que, devido a conotação prescritiva, passa a ser usado mais como adjetivo (esta escola está [bem] organiza-da?) e substantivo (em qual organização você trabalha?), e menos como verbo (como vocês se organizam?). Esta tese busca ser uma contribuição para contestar o uso predominante de organização como adjetivo e subs-tantivo, valorizando seu uso como verbo, enaltecendo suas origens eti-mológicas, de ação e processo. Diversos autores vêm realizando esfor-ços nesse sentido, ao analisar criticamente o modelo hegemônico de organização e buscar desnaturalizá-lo (ROTHSCHILD-WHITT, 1979; RAMOS 1981; PARKER, 2002; MISOCZKY e VECCHIO, 2006; SOLÉ, 2008; STARBUCK, 2009; MISOCZKY, 2010; RODRI-GUES, SILVA e DELLAGNELO, 2014; DUARTE, 2015; JUSTEN e DELLAGNELO, 2016).

Os esforços teóricos de desnaturalização do modelo dominante não é tarefa fácil. Conforme constatam Misoczky, Silva e Flores (2008) há uma dificuldade em ver arranjos diferentes daqueles produzidos pela teoria hegemônica. Como apontam os autores, “Obcecados com o hie-rarquismo, somos incapazes de reconhecer práticas organizacionais existentes na prática, mas às margens de nosso arcabouço teórico”

Referências

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