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Em busca de autonomia : perspectivas e estratégias relacionadas a conflitos ambientais e urbanos em comunidades com sobreposição territorial ao Parque Estadual da Serra do Mar, Núcleo Picinguaba, Ubatuba, SP  

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

Instituto de Filosofia e Ciências Humanas

GABRIELLA ALMEIDA RANCAN

Em busca de autonomia: perspectivas e estratégias relacionadas a

conflitos ambientais e urbanos em comunidades com sobreposição

territorial ao Parque Estadual da Serra do Mar

Núcleo Picinguaba,

Ubatuba, SP

Campinas

2016

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

Instituto de Filosofia e Ciências Humanas

A comissão julgadora dos trabalhos de Defesa de Dissertação de Mestrado, composta pelas Professoras Doutoras a seguir, em sessão pública realizada em 23 de agosto de 2016, considerou a candidata Gabriella Almeida Rancan aprovada.

Prof(a) Dr(a) Lúcia da Costa Ferreira

Prof(a) Dr(a) Mariana Miggiolaro Chaguri

Prof(a) Dr(a) Ana Beatriz Vianna Mendes

A Ata de Defesa, assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de vida acadêmica da aluna.

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Dedico esta dissertação à amada Ascencia Marfisa Rancan (Fisa)

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Agradecimentos

Esta dissertação representou, para mim, algo maior do que apenas uma experiência acadêmica e profissional. Fez parte de um crescimento imensurável enquanto pessoa. Por isso, todos os nomes lembrados neste momento possuem tal valor que as palavras não conseguem, por si só, expressar a essencialidade de cada um nesse processo de pesquisa. Inicialmente aqueles que possibilitaram tal empreitada, Karina Almeida Rancan, Luís Rancan e Heloisa Helena Almeida Rancan, qualquer signo seria simplista e intangível no intuito de exprimir o sentimento transbordante que nutro por vocês.

A todas as moradoras da casa que me trouxe a explicação daquilo que é cumplicidade, falta de julgamentos, desconstruções e mulheres fortes, um agradecimento que toda explosão que compõe nossos encontros, por si só, explicaria. Maria Julia Carvalho, Bruna de Tuya, Ângela, Michele Teixeira, Ana Gabriela Devides Castelo, Gabriela Nascimento, Natália da Costa Carneiro, Camila Casseano, Thais Friedenberg e Caroline Antunes, um profundo obrigada por todas histórias e trajetórias compartilhadas.

À Talita Sampaio, Raquel Negrão, Fernanda Tibério, Vadico Cordeiro e Dalva da Silva Matos pelas oportunidades, conversas, amizades e aberturas de caminhos e olhares para um novo campo de pesquisas. São pessoas muito especiais que sempre me apoiaram tanto profissional como pessoalmente.

A Vitor Calcenoni, Ana Gabriela Devides Castelo, Michele Teixeira, Eliane Simões e Marcela Feital, substanciais no momento de escrita do projeto apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Unicamp.

À minha querida orientadora, Lucia da Costa Ferreira, pelo apoio, paciência, acompanhamento, atenção, confiança e carinho sempre presentes. As conversas desenroladas para os delineamentos do campo, bem como os trajetos que foram escolhidos possuem o registro de toda a sua experiência teórica e empírica, transpassada nas reflexões que foram se decantando neste texto. Sua contribuição e suporte foram essenciais para a realização desta dissertação. Foi um prazer ser sua aluna, e fico lisonjeada por ter tido a oportunidade de conviver e aprender com uma pessoa profundamente generosa, competente e profissional como você. Muito obrigada!

Ao querido e sempre atencioso, Fernando Lourenço. Colaborador imprescindível desta pesquisa, que me indicou literaturas, ideias e caminhos. Sua disponibilidade para conversas,

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leituras e discussões em diversos momentos desta trajetória foram primordiais para o desenvolvimento do trabalho. Uma pessoa brilhante, tanto pessoal quanto profissionalmente, que qualquer palavra explanada neste momento não teria a capacidade de captar toda sua humildade e competência. Muito obrigada!

A todas e todos moradores da Vila de Picinguaba e Cambury, pelo acolhimento, recepção e amizade durante os trabalhos de campo. Sem vocês, esta pesquisa não seria possível. Apresentaram-me uma nova forma de encarar a vida e as relações sociais. Me ensinaram muito mais do que eu, pretensiosamente, acreditava que poderia contribuir em suas realidades. São pessoas incríveis, fortes e guerreiras. Sem vocês, suas experiências e conhecimentos, esta dissertação não teria se iniciado. Um profundo agradecimento compõe todas as partes deste caminhar.

À minha querida amiga Daniela Sant‟Ana pelas inúmeras e riquíssimas conversas, desconstruções e “estares no mundo”. Além da indicação de diversos autores com os quais meu estudo e indagações pudessem dialogar, ela sempre esteve presente no processo de construção e desenvolvimento desta pesquisa, do trabalho de campo e da confecção deste texto. Sua simplicidade e humildade são substâncias admiráveis, com as quais qualquer um deveria ter contato para um crescimento pessoal e profissional. Você é uma pessoa fantástica que terei o prazer de carregar para sempre e, agora, com a minha mais nova sobrinha, Gal.

Ao meu querido e mais velho amigo Jorge Calvimontes, por todas as conversas, discussões, insights, apontamentos de caminhos, desentendimentos e entendimentos que compuseram todos os momentos deste trajeto. Sua experiência empírica e profissional foi essencial para a minha formação como pesquisadora. Os desenrolares desse texto estão circunscritos por sua bagagem e acolhimento.

A Gabriel Bertolo pela amizade, conversas, e impulsos em diversos momentos deste trabalho, especialmente, nos encaminhamentos do trabalho de campo. Muito obrigada pelo respeito e carinho em todos os momentos desta vivência.

À Ana Beatriz Mendes, Eliane Simões, Lucia da Costa Ferreira, Jorge Calvimontes, Daniela Sant‟Ana, Gabriel Bertolo, Fernando Lourenço, Emília Pietrafesa e moradores das duas comunidades, pelos diálogos, discussões e construções do trabalho de campo.

À Mariana Chaguri e Emília Pietrafesa pelas leituras profundas e ricas contribuições na qualificação deste trabalho. A delicadeza das observações dialogou diretamente com os

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processos mentais e intelectuais que se delineavam naqueles esboços iniciais. Muito obrigada!

À Amanda Silvino, Deborah Prado, Jorge Calvimontes, Daniela Sant‟Ana, Gabriel Bertolo, Ana Gabriela Devides Castelo, Fernando Lourenço, Lucia da Costa Ferreira, Denise Kamada, Maria Julia Carvalho, Deborah Baraldi, Marcelo Muscari, Paula Luna, Anna Araújo, Leianne Miranda, Raphael Machado, Bruna de Tuya, Júlia Matravolgyi pelas leituras sempre atenciosas e ricas contribuições para os encaminhamentos deste trabalho.

A todos os meus colegas e amigos do Grupo de pesquisas em Conflitos Sociais, pelos constantes diálogos e reflexões que contribuíram com todas as etapas deste trabalho. Os encaminhamentos teóricos e empíricos, os momentos para além da academia, as risadas e acolhimentos foram fundamentais nesse caminho.

Aos colegas, amigos, funcionários e professores do Núcleo de Estudos em Pesquisas Ambientais, da Universidade Estadual de Campinas, sempre solícitos e atenciosos com as demandas desta pesquisa.

À Eliana Creado e Fernando Lourenço pela disponibilidade em participar da suplência da banca de defesa.

À Mariana Chaguri e Ana Beatriz Mendes pelo aceite em compartilhar suas experiências na banca de defesa.

À querida Anna Araújo pela abertura de sua casa e acolhimento em um momento bastante delicado deste caminhar. Muito obrigada pela amizade, carinho, ouvidos e conversas. À Deborah Baraldi pela amizade e acompanhamento intenso nos últimos meses desse processo. Sempre presente e atenciosa. Espero que nossas trajetórias estejam sempre conectadas.

Aos meus queridos amigos do curso de mestrado em Sociologia que mediaram, em muitos momentos, minhas angústias e reflexões. Obrigada pelo carinho e apontamento de vértices que em muitos momentos mostravam-se imperceptíveis. Em especial, gostaria de sublinhar Laura Alberti, Murillo Van der Laan, Mariana Shinorara, Camila Teixeira, Raul Vinícius, Leianne Miranda e o cientista político Raphael Machado.

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À Ana Claudia Mor, por todo o carinho e atenção dada aos alunos com quem trabalha. Sua visão de mundo e a maneira como escolheu realizar sua prática transformaram lugares sensíveis do meu estado mental e corpóreo.

À Maria Julia Carvalho, pelo eterno amor e cumplicidade e pelas horas dispendidas nos inúmeros telefonemas e conversas, sempre circunstanciais em diversos momentos deste caminho. Mesmo distantes estamos juntas.

À Silvia Guz, pelo acompanhamento em um momento crucial desta trajetória. Ao querido Raul Dias, que editou e resivou esta dissertação.

A todos os meus amigos são carlenses, sorocabanos, campineiros e mundanos que não estão presentes em nomes, mas representam, da mesma maneira, a substancialidade que compõe toda a minha formação acadêmica, profissional e pessoal.

A todas as mulheres poderosas e guerreiras que resistem arduamente nesse mundo hostil. Sem vocês, não seria possível desconstruir tantas angústias e reconstruir momentos de força e luta.

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ) pelo financiamento que possibilitou a materialidade desta pesquisa.

Ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia, da Universidade Estadual de Campinas, pela oportunidade para o desenvolvimento deste trabalho, bem como financiamento de campo. A estrutura do programa, os professores, coordenadores e funcionários são parte de todas as pesquisas efetuadas neste departamento.

Aos funcionários das bibliotecas do IFCH e do Instituto de Economia que, quase diariamente, compartilharam, em suas dinâmicas de trabalho, sorrisos, momentos e reflexões sobre a vida, para que pudéssemos, como alunos, realizar nossos estudos.

A todos funcionários e funcionárias da Unicamp que diariamente me recebiam com sorrisos, carinho e confiança. Vocês são pilares fundamentais para qualquer trabalho desenvolvido na universidade.

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“(...) O valor que afugenta os fantasmas cria os seus próprios duendes: o valor quer rir. Eu já não sinto em uníssono convosco; Essa nuvem que eu vejo abaixo de mim, Esse negrume e carregamento de que me rio, É precisamente a vossa nuvem tempestuosa. Vós olhais para cima quando aspirais a vos elevar. Eu, como estou alto, olho para baixo. Qual de vós pode estar alto e rir ao mesmo tempo? O que escala elevados montes ri-se de todas as tragédias da cena e da vida. (...) E eu, que estou bem com a vida, Creio que para saber de felicidade não há como as borboletas e as bolhas de sabão, E o que se lhes assemelhe entre os homens.

Ver revolutear essas almas aladas e loucas, Encantadoras e buliçosas, É o que arranca a Zaratustra lágrimas e canções. Eu só poderia crer num Deus que soubesse dançar. E quando vi o meu demônio, pareceu-me sério, grave, Profundo e solene: era o espírito do pesadelo. Por ele caem todas as coisas. Não é com cólera, mas com riso que se mata. Adiante! Matemos o espírito do pesadelo! Eu aprendi a andar; por conseguinte corro. Eu aprendi a voar; por conseguinte não quero que me empurrem para mudar de sítio. Agora sou leve, agora vôo; Agora vejo por baixo de mim mesmo, Agora salta em mim um Deus. Assim falava Zaratustra” (NIETZSCHE, Ler e Escrever - Assim Falou Zaratustra)

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Resumo

O Parque Estadual da Serra do Mar foi criado na década de 1970. Um de seus núcleos administrativos foi delimitado em meados dos anos 1980 no município de Ubatuba: o Núcleo Picinguaba. Este se sobrepôs a quatro bairros, sendo dois deles escolhidos como estudos de caso para esta pesquisa: A Vila de Picinguaba e o Cambury. Devido às jurisdições dessa Unidade de Conservação de proteção integral, os moradores das duas comunidades deveriam ser realocados em função da legislação que restringia o uso da terra e dos recursos naturais de maneira direta, assim como a moradia nessas regiões. Na mesma época, em decorrência da construção da BR-101 houve um intenso estímulo ao turismo e crescimento da especulação imobiliária na localidade. O objetivo deste trabalho foi compreender os processos de transformações dos moradores desses bairros e apreender suas estratégias de reprodução social mediada pelo conceito analítico de um processo de busca por autonomia. De acordo com a perspectiva histórica definida, os elementos que nortearam a discussão se deram em virtude de três variáveis principais: a estrada, o parque e a energia elétrica. Por isso, este trabalho não esteve baseado apenas em uma realidade de populações locais inseridas em áreas protegidas, como é corriqueiro neste tipo de abordagem, mas também em regiões marcadas por contextos de periferia urbana. Este mosaico de sobreposições: rural, urbano e conservacionista, está imerso em conflitos sociais e influencia as estratégias dos residentes na busca por autonomia. Por meio de entrevistas abertas e semiestruturadas, observação direta e participação em algumas reuniões durante os períodos de trabalho de campo, foi possível clarear algumas perspectivas atuais que apresentam a ocorrência do processo de autonomia na conjuntura recente destas comunidades.

Palavras chave: autonomia; sobreposição; conflitos; unidade de conservação; comunidades; periferia urbana.

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Abstract

The Serra do Mar State Park was created in the 1970s. One of its administrative divisions was defined in the mid-1980s in Ubatuba: Núcleo Picinguaba. This area was settled where there previously existed four districts, two of them chosen as case studies for this research: Vila de Picinguaba and Cambury. Due to the jurisdictions of that full protection conservation area, the residents of the two communities should be relocated because of the legislation that restricts the use of land and natural resources directly, as well as livelihoods in these regions. At the same time, due to the construction of the road known as BR-101, there was intense stimulus to tourism and also growth of real estate speculation in the locality. The aim of this study was to understand the transformation processes of the residents in these neighborhoods and to apprehend their social reproduction strategies by the analytical concept of autonomy searching process. According to the chosen historical perspective, the elements that guided this discussion are given by three main variables: the road, the park and electricity. Therefore, this work was not entirely based on the reality of populations inserted in protected areas, as usually found in this kind of approaches, but it also considered regions marked by contexts of urban periphery. This combination of overlapping realties: rural, urban and conservationist, is immersed in social conflicts and influences the strategies of residents in the search of autonomy. By means of open and semi-structured interviews, direct observation and participation in some meetings during fieldwork, it was possible to clarify some current perspectives that demonstrate the presence of an autonomy process in the recent situation of these communities.

Keywords: autonomy; overlapping; conflicts; protected areas; communities; urban outlaying.

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Lista de abreviaturas e siglas

AMAC – Associação de Moradores e Amigos do Cambury APA MARINHA – Área de Proteção Ambiental Marinha

ARQC – Associação dos Remanescentes de Quilombo do Cambury CBD – Convenção da Biodiversidade

CONDEPHAAT – Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico Arqueológico, Artístico e Turístico

CPI – Comissão Pró-Índio FF – Fundação Florestal

IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IF – Instituto Florestal

INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária IPEMA – Instituto de Permacultura e Ecovilas da Mata Atlântica ITESP – Instituto de Terras do Estado de São Paulo

MEI – Micro Empreendedor Individual MPE – Ministério Público Estadual MPF – Ministério Público Federal MPT – Ministério Público do Trabalho

NEPAM – Núcleo de Estudos em Pesquisas Ambientais PUT – Plano de Uso Tradicional

NP – Núcleo Picinguaba

OIT – Organização Internacional do Trabalho ONG – Organização Não Governamental PESM – Parque Estadual da Serra do Mar PMU – Prefeitura Municipal

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PNAP – Plano Estratégico Nacional de Áreas Protegidas

PNPCT – Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais

PNSB – Parque Nacional da Serra da Bocaina RESEX – Reserva Extrativista

SABP – Sociedade de Amigos do Bairro da Picinguaba SAF – Sistemas Agroflorestal

SEMA – Secretaria Estadual do Meio Ambiente

SENAI – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SNUC – Sistema Nacional de Unidade de Conservação SPU – Superintendência da União

SUDELPA – Superintendência do Desenvolvimento do Litoral Paulista TAC – Termo de Ajuste de Conduta

TAUS – Termo de Autorização de Uso Sustentável TAUS – Termo de Autorização Sustentável

UC – Unidade de Conservação

ZHCAn – Zona Histórico Cultural Antropológica ZOT – Zona de Ocupação Temporária

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Sumário

Apresentação ... 1

1. Introdução ... 5

2. Capítulo Teórico-Metodológico ... 23

2.1. Entre dois campos científicos ... 23

2.2. (Des)construindo ... 25

2.3. Considerações Metodológicas ... 31

2.4. Abordagens teóricas ... 34

2.4.1. Conflitos sociais presentes nas comunidades e a perspectiva de transformação ... 34

2.4.2. Autonomia ... 42

O processo de busca por autonomia ... 42

Autonomia pensada pelos estudos camponeses ... 47

Autonomia pensada como resistência cotidiana ... 50

Autonomia pensada como resultado da luta por reconhecimento ... 51

3. Historicização – Litoral Norte e as duas comunidades ... 66

3.1. O litoral norte paulista, Ubatuba e o PESM/NP ... 66

3.1.1 - Histórico do Litoral Norte ... 66

3.1.2. Transformações no norte de Ubatuba ... 70

3.1.3. Criação do Núcleo Picinguaba ... 72

Virada dos anos 2000 – O Plano de Manejo, tipos de zoneamentos e acordos ... 77

3.2. As comunidades ... 80

3.2.1. A vila de Picinguaba ... 82

Dados sociodemográficos dos moradores entrevistados ... 83

A comunidade ... 83

Organização local ... 102

3.2.2. O Cambury ... 104

Dados sociodemográficos dos moradores entrevistados ... 104

A comunidade ... 106

Organização local ... 124

3.2.3. Breve discussão sobre o contexto apresentado ... 126

4. Estratégias que apontam para processo de busca por autonomia ... 131

4.1. Fontes de renda alternativas – utilização direta e indireta dos recursos . 132 4.1.1. Os nichos de trabalho não associados, diretamente, ao mercado da cultura tradicional ou às práticas caiçaras ressignificadas – trabalhos “não-caiçaras” ... 141

Atividades fora dos “quintais” ... 141

Atividades dentro dos “quintais” ... 143

4.1.2. Os nichos de trabalho a partir das práticas antigas ressignificadas – trabalhos “caiçaras” ... 148

Práticas caiçaras antigas e ressignificações que representam o uso direto dos recursos naturais148 A mercantilização da cultura – ressignificação que representa um uso indireto dos recursos naturais ... 156

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4.2. Resistência cotidiana ... 170

4.3. Autonomia baseada no reconhecimento recíproco e possíveis sentidos de uma luta por cidadania ... 182

4.3.1. A noção de Estado como o outro da relação de reconhecimento e alguns fatores que parecem contribuir para a alimentação da infraestrutura de reciprocidade ... 184

Aspectos relacionados à conjuntura atual ... 184

Direitos conferidos às comunidades tradicionais e a questão identitária ... 191

4.3.2. Possíveis caminhos de uma luta por cidadania ... 200

4.4. O desenho do processo de busca por autonomia ... 207

Considerações finais ... 212

Referências bibliográficas ... 216

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Apresentação

Este trabalho tem como base a pesquisa de campo em duas comunidades do litoral norte paulista que possuem o território sobreposto com o Parque Estadual da Serra do Mar, Núcleo Picinguaba, no município de Ubatuba. Representa as reflexões e resultados sobre o meu primeiro trabalho de campo com o intuito de conhecer e entender a realidade desses grupos sociais. Isto porque sou formada em Ciências Biológicas e, na intenção de trabalhar com questões relacionadas às problemáticas que se sobressaem após a criação de Unidades de Conservação de Proteção Integral, busquei a imersão nas Ciências Sociais.

O interesse inicial desta dissertação surgiu na parte norte do Parque Estadual da Ilha do Cardoso, Núcleo Pereirinha, litoral sul do Estado de São Paulo. Como estudante de graduação em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de São Carlos realizei trabalhos na área de Ecologia Vegetal, em algumas viagens de campo com disciplinas do curso e, em outras para ajudar colegas1 do meu antigo grupo de pesquisas, conheci a região. Um local encantador. A Ilha do Cardoso, sem dúvidas, é mágica. Despertou-me sentimentos de euforia por estar em contato com uma localidade bastante preservada ambientalmente e, pelo certo “isolamento2” em

que nos encontrávamos, já que lá não existia energia elétrica como nos centros urbanos. O fornecimento de energia era feito apenas com gerador e, na época, com placas solares. Além disso, éramos sempre muito bem recebidos pelos moradores. Compartilhávamos do espaço, mas nossa estadia era em pousadas de Cananéia (quando estávamos em disciplinas) ou na base de pesquisador (quando em coleta) no núcleo. Ali, as poucas famílias residentes convivem dispersas pelas áreas de restinga. Todos se conhecem e se consideram como parentes.

Quando em tempos de coleta, ficávamos hospedados na Ilha por quase um mês. Isso permitiu uma proximidade significativa com os moradores de lá. Em especial, um deles sempre nos acompanhava ao campo e foi com ele que tive maior

1

Agradeço em especial Talita Sampaio, Raquel Negrão e Vadico Cordeiro pelas longas conversas desenroladas durante essas viagens, as quais foram fundamentais para o desenho de novas percepções sobre a temática socioambiental.

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Essa palavra é utilizada entre aspas, pois não considero a população da Ilha do Cardoso como isolada no sentido de falta de conexão, interação ou relação com centros urbanos ou outras localidades. O que aponto é a percepção inicial que foi colocada devido à falta de energia elétrica e, também, ao acesso que era realizado apenas por meio de barcos ou lanchas.

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proximidade. Pescador e que se autoidentifica como caiçara3, foi o responsável por inúmeras conversas sobre a cultura local, histórias da região, lendas e modos de subsistências como a pesca e, atualmente, o turismo. Ainda, ocorreram diversos diálogos sobre um sentimento que ele tinha relacionado a uma perda de autonomia em relação ao uso do território (principalmente com práticas agrícolas) e supressão ou limitação do direito ao uso dos recursos naturais (como, por exemplo, caça, pesca ou extrativismo de palmito) após a criação do Parque Estadual, categoria de unidade de conservação de proteção integral4.

Nessas conversas que tivemos ficava a minha indagação em torno do motivo daquelas áreas, após o estatuto de legalmente protegidas, limitarem o uso do território e dos recursos naturais por comunidades que muito conheciam sobre a região: a dinâmica vegetal e animal, ciclos de reprodução de peixes, porcos do mato, capivaras, dentre outros animais, a época em que poderia ocorrer o corte da maior parte das madeiras, regime de chuvas, dentre outros aspectos. Ainda, por que essa legislação era, aparentemente, tão restritiva com a população residente enquanto o turismo, atividade que trazia pessoas de diversas regiões do país, era estimulado. Isso indicou as inúmeras contradições envolvendo a área, visto que não existia, à primeira vista, um planejamento para adaptá-la aos princípios e objetivos cunhados pela lei em áreas protegidas. A atividade turística vinha aumentando a cada ano e já havia se tornado uma importante fonte de renda para a população local. Antes da criação do Parque, no entanto, as atividades de subsistência eram realizadas sem quase nenhum custo, como o extrativismo, a agricultura e a pesca. Sob regime de proteção integral, não podiam mais ser realizadas, o que trouxe uma necessidade de renda que foi abarcada, em partes, pelo turismo. A outra parte da renda era propiciada pela pesca no inverno.

Estas questões permearam meus pensamentos durante alguns anos até que decidi escrever um projeto, nesse sentido, para o ingresso no programa de Pós-Graduação em Sociologia na Universidade Estadual de Campinas. Inicialmente,

3

Neste texto, a categoria caiçara será utilizada em referência aos moradores das duas comunidades trabalhadas (a Vila de Picinguaba e o Cambury) que se autointitulam como tal e, que nos processos de luta pelo território de origem, passam a utilizá-la com força para a conquista de direitos. Ainda, é considerada como termo que define o modo de vida antigo dessas populações.

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O Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), lei 9.985 de 18 de julho de 2000, decreta dois grupos de unidades de conservação: proteção integral e uso sustentável. As primeiras são destinadas integralmente à conservação, sem compatibilização dos seus domínios territoriais com moradores anteriores à sua delimitação, e as segundas permitem o uso sustentável dos recursos de acordo com regras estabelecidas com aqueles que compartilham o território.

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minha indagação principal pautava-se no turismo como a espinha dorsal que guiaria as minhas perguntas e apontaria a trama de relações desenhadas na região, no caso, o litoral norte de Ubatuba. Por acreditar que a maior parte das comunidades litorâneas vivessem realidades similares, no que concerne à questão de sobreposição territorial e devido a diálogos com Eliane Simões5 durante os tempos em que escrevia a proposta de pesquisa para o mestrado, optei pelo Parque Estadual da Serra do Mar/Núcleo Picinguaba para a realização do trabalho e não pelo Parque Estadual da Ilha do Cardoso, que me era familiar. Isto porque naquele existia um instrumento de gestão que intentava a realização de acordos entre os moradores e o parque para o uso dos recursos: as Zonas Histórico Culturais Antropológicas (ZHCAn)6. Dessa maneira, imaginava que os conflitos estariam mais amenos e, assim, poderia isolar a variável do turismo com maior facilidade.

No entanto, após meu primeiro período de trabalho de campo, em agosto de 2014, percebi que essa localidade destoava em muitos aspectos das minhas antigas experiências, e novos questionamentos foram colocados. Na realização do segundo campo, em maio de 2015, o turismo deixou de ser central e a observação foi ampliada para as atividades de renda desenvolvidas atualmente pelas populações de duas comunidades dessa região, a Vila de Picinguaba e o Cambury, que poderiam representar uma busca por autonomia. Tal objetivo foi mantido durante a realização do terceiro trabalho de campo, em novembro de 2015, com a intenção de compreender questões para além da renda dentro de um processo de busca por autonomia. Atentando-me, inicialmente, para as questões econômicas, foi possível delinear estratégias, materiais e simbólicas, que apontam para esse processo.

Esta dissertação apresenta-se, portanto, como uma parte do percurso que desenha o meu trajeto em direção às perspectivas socioambientais e expressa tanto

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Eliane Simões já foi gestora do Núcleo Picinguaba e realizou sua tese de doutoramento nas quatro comunidades que possuem o território sobreposto à unidade de conservação. Trabalhou com as dinâmicas, relações e acordos realizados durante o processo decisório que envolveu as políticas de participação do Núcleo em tempos de construção do Plano de Manejo. Tive a oportunidade de, em trocas de e-mails no momento de construção do projeto de pesquisa apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia, conhecer um pouco mais sobre o Parque Estadual da Serra do Mar e as Zonas Histórico Culturais Antropológicas. Tais conversas influenciaram na escolha pelo PESM/NP ao invés de outras regiões devido à presença das ZHCAn. Agradeço a disponibilidade e abertura desta pesquisadora em contribuir e compartilhar suas experiências empíricas e teóricas, tanto no momento de construção do projeto, como para os desenvolvimentos do trabalho de campo.

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As Zonas Histórico Culturais Antropológicas compõem um tipo de zoneamento específico que foi criado, em tempos de construção do Plano de Manejo do Parque Estadual da Serra do Mar (PESM), em meados de 2006, para possibilitar a compatibilização do uso do território entre moradores das comunidades e parque.

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os desafios que enfrentei nesse caminhar, como as novas teorias, concepções e olhares que encontrei. Durante essa construção deparei-me com uma nova maneira de observar e compreender a metodologia da pesquisa, assim como de escrever propriamente sobre o encadeamento do trabalho de campo, associando toda essa teia de novos significados com os inúmeros pensamentos das ciências sociais. As novas direções delineadas por este estudo, bem como as questões esboçadas para a realização do mesmo, serão apresentadas ao longo do texto.

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1. Introdução

Diante do quadro de vasta degradação ambiental decorrente, principalmente, de épocas posteriores à industrialização, viu-se necessária a consolidação e demarcação de diversas regiões, nas quais os ecossistemas naturais pudessem ser preservados. Estas foram denominadas Áreas Protegidas e têm como objetivo a minimização dos impactos ambientais causados na contemporaneidade (VIANNA, 2008).

No Brasil, seguindo o histórico7 de criação destas áreas percebe-se que, em princípio, houve certa incompatibilidade entre os limites das mesmas e a presença de pessoas, já que as políticas de delimitação se assentavam na perspectiva de que deveriam ser implementadas grandes regiões naturais livres do próprio causador da devastação: o homem. No entanto, na atualidade, devido à improbabilidade de encontrarmos grandes extensões de terra inabitadas, foi instaurado, em diversas localidades mundiais, um delicado dilema: afinal, deve-se incorporar, ou não, a presença humana como parte do sistema de preservação ambiental? Tal debate é riquíssimo e está em constante evolução dentro dos sistemas de gestão e conservação referentes às jurisdições destes territórios (SIMÕES, 2015; SIMÕES e FERREIRA, 2013; CALVIMONTES, 2013; VIANNA, 2008; FERREIRA et al., 2007; FERREIRA et al., 2005; FERREIRA, 2004; DIEGUES, 2000).

Singularmente, na década de 1970 foram criados inúmeros Parques Nacionais e Estaduais no território brasileiro. Estes são categorias de áreas protegidas definidas como unidades de conservação8 (UCs) de proteção integral e,

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Segundo Vianna (2008) temos, no Brasil, a criação dos primeiros parques nacionais, por volta de 1930 com a finalidade de “resguardar porções do território nacional que tivessem valor científico e estético” (Constituição de 1937). Em 1965, entra em vigor o novo Código Florestal, que reconhece as categorias de proteção que já existiam e cria algumas outras sendo que nenhuma delas reconhecia em suas áreas o direito à residência de populações humanas, e suas finalidades eram a proteção integral da natureza aliada a atividades educativas e recreacionais. Em meados de 1980, com a criação das áreas de proteção ambiental (APA) e em 1990 das reservas extrativistas (RESEX), as propriedades particulares puderam coexistir com a área de proteção sob regulação e controle das atividades. A Rio-92 foi um marco importante para os processos de discussão das políticas públicas ambientais pois, por meio da formulação da Convenção da Biodiversidade, a necessidade da participação social no contexto político assim como a noção de direito e respeito ao conhecimento das populações tradicionais e o reconhecimento do seu potencial conservacionista foram colocados em pauta.

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Unidades de conservação são categorias utilizadas para as definições de gestão das áreas protegidas. No Brasil, pelas considerações do SNUC, existem dois grandes blocos para este fim: as unidades de conservação de proteção integral e as unidades de conservação de uso sustentável.

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de acordo com a legislação que os regulamenta (o SNUC9), possuem como propósito:

Artigo 11: O Parque Nacional [e também Estadual] tem como objetivo básico a preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica, possibilitando a realização de pesquisas científicas e o desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental, de recreação em contato com a natureza e turismo ecológico” e, inciso 1º: “O Parque Nacional é de posse e domínio públicos, sendo que as áreas particulares incluídas em seus limites serão desapropriadas, de acordo com o que dispõe a lei (BRASIL, 2000).

Devido à incongruência entre conservação e pessoas conferida a tais esferas públicas, muitos trabalhadores do campo, como pescadores, agricultores e extrativistas, que habitavam essas áreas anteriormente às suas demarcações como unidade de conservação (UC), passaram a ser considerados irregulares, contribuindo, em grande medida, com alterações em seus modos de vida (CALVIMONTES et al., 2014; CALVIMONTES, 2013; SIMÕES e FERREIRA, 2013; FERREIRA et al., 2005; FERREIRA, 1996)10. Por consequência, estabeleceu-se entre os órgãos de gestão e estes sujeitos sociais uma relação que esteve baseada no “não”, negações e proibições oriundas dos diversos níveis do poder político (CALVIMONTES, 2013).

A partir da década de 199011, em diferentes regiões do país, em função dos incentivos à democratização do processo decisório sobre as atividades de uso dos recursos em UCs, são colocadas em pauta ideias sobre conservação aliadas ao desenvolvimento sustentável e à melhoria da qualidade de vida da população local. Neste novo modelo, os moradores e trabalhadores que tiveram seu território sobreposto à área protegida deveriam adequar suas atividades econômicas às regras estabelecidas pelos órgãos de gestão. Constituiu-se, dessa maneira, uma interação fundamentada na proposição do diálogo, a qual passa a assentar-se no

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Sistema Nacional de Unidades de Conservação – Essa legislação é institucionalizada posteriormente à demarcação das mesmas, em julho de 2000. No entanto, mantém os mesmos elementos que instauraram essas áreas protegidas na década de 1970, ou seja, a incompatibilidade desses territórios na aliança entre conservação e pessoas.

10 Há uma vasta literatura relacionada a esta questão. Para além destes trabalhos citados, ver Simões (2015); Simões e Ferreira (2013); Caldenhof (2013), Simões (2010); Mendes e Ferreira (2009), Mendes (2009), Barreto Filho (2009, 2006, 2004); Vianna (2008); Ferreira et al. (2007); Campos (2006, 2001), Creado (2006); Almeida (2004a, 2004b,1995), Ferreira (2004, 1996); Little (2002); Furlan (2000); Diegues (2000a, b); Sigaud (1979).

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Principalmente quando se iniciam os instrumentos de participação social, estimulados pela gestão dessas unidades, influenciadas, principalmente, pelos movimentos políticos de democratização do processo decisório sobre as atividades de uso direto de recursos em UCs. Isto porque os conflitos sociais instaurados em decorrência dessa relação “tornaram-se focos de atenção e discussão de policy makers, usuários e pesquisadores” (Ferreira et al. 2007: 15). A partir de então, o “modelo de projeto de conservação biorregional que integrava a criação das UCs com o contexto regional” tomou força sobre aquele que as considerava como “ilhas de biodiversidade circundadas por paisagens alteradas pela ação humana predatória” (idem: 16). Nesse sentido, tem-se como destaque a Convenção da Biodiversidade, ocorrida durante a Rio 1992.

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“como”: de que modo deve ser realizado o manejo e aproveitamento dos recursos naturais e da terra? (CALVIMONTES, 2013).

Tem-se nos dias atuais, em contrapartida ao “não” procedente das proibições da década de 1970, um estímulo ao “como” através do uso indireto dos recursos mediado principalmente pela atividade turística. Na contramão do turismo de massa – que está preocupado puramente com o desenvolvimento econômico, trazendo inúmeros impactos negativos para a localidade –, o turismo que é incentivado nas UCs12 é o sustentável, com relações diferenciadas e usos

equilibrados dos recursos culturais e naturais, pensando, em prevalência, no aumento dos impactos positivos para o todo ou para todos (RABINOVICI, 2009). Ainda, este último é visto como grande aliado da conservação e do desenvolvimento sustentável, contribuindo para a construção e difusão de novos paradigmas ambientais e também como um possibilitador de novas alternativas às comunidades que tiveram seu território sobreposto, visto que vivenciam, normalmente, uma realidade de vulnerabilidade social, econômica e política (RABINOVICI, 2009).

Com o intuito de compreender esta transição entre o “não” e o “como”, que vem ocorrendo nas inúmeras superfícies com sobreposição territorial entre UC e comunidades locais, deu-se a proposição desta dissertação. Para tanto, foram escolhidos dois estudos de caso: a Vila de Picinguaba e o Cambury. Ambos estão localizados ao norte da cidade de Ubatuba, e encontram-se imersos na realidade de justaposição com o Parque Estadual da Serra do Mar, Núcleo Picinguaba (PESM/NP) (FIGURA 1) e, influenciados pela presença do turismo.

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FIGURA 1: MAPA DO PARQUE ESTADUAL DA SERRA E REMANESCENTES DA MATA ATLÂNTICA

Fonte: Plano de Manejo do PESM (SÃO PAULO, 2006).

É importante mencionar que a sugestão inicial da pesquisa se deu para as quatro comunidades que possuem sobreposição territorial com o Núcleo Picinguaba (NP). No entanto, após o primeiro trabalho de campo, em agosto de 2014 percebi a imensa complexidade da região, além das histórias bastante diferenciadas destas localidades, mesmo estando em contextos similares de populações caiçaras e proibições estatais. Por isto, na segunda viagem a campo, com objetivo de estadia nos próprios bairros, seria impossível para um mestrado englobar todos os bairros que haviam sido considerados preliminarmente. Após a construção da estrada, o sertão de Ubatumirim e o sertão da Fazenda foram separados do mar. Ainda na tentativa de apreender algumas questões sobre a atividade turística (mais intensa próximo à orla), e devido ao curto tempo do estudo, optei pela escolha das duas áreas que possuem acesso à praia: A Vila de Picinguaba e o Cambury. Porém, as visitas e entrevistas realizadas nas demais coletividades nesta interação preambular foram, da mesma maneira que aquelas realizadas nos dois campos subsequentes, imprescindíveis para o encaminhamento deste texto.

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Para a compreensão das alterações feitas neste itinerário é fundamental apresentar os questionamentos que foram colocadas no primeiro trabalho de campo, em agosto de 2014, bem como os novos rumos que foram sendo projetados. Buscando a apreensão das transformações pelas quais passaram essas quatro comunidades13, relacionando-as ao eixo de conflito parque, moradores e atividade turística, fiquei hospedada no centro de Ubatuba. O deslocamento até as regiões de sobreposição, neste momento, foi realizado por meio do ônibus urbano da cidade. Com nomes e indicações obtidas com alguns pesquisadores que também trabalharam na região, foi possível realizar um primeiro mapeamento sobre a área, que aconteceu por meio de movimentações pelo município e comunidades (Vila de Picinguaba, Almada, Sertão da Fazenda, Sertão do Ubatumirim e Cambury) (FIGURA 2), três visitas à Sede administrativa do Núcleo Picinguaba e realização de entrevistas semiestruturadas com moradores da Almada, Cambury e Ubatumirim14 e um membro da Associação Cunhambebe15, bem como entrevistas abertas com moradores da Vila de Picinguaba, dentre outros atores. Ainda, foi possível a participação em duas reuniões do Conselho Consultivo16 e no evento de finalização de uma etapa do trabalho de capacitação realizado pela Associação Cunhambebe com diversos bairros da porção norte de Ubatuba, que incluem aqueles abordados neste trabalho.

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Sertão do Ubatumirim, Sertão da Fazenda, Cambury e Vila da Picinguaba. 14

Nessa primeira viagem, tive a oportunidade de conhecer quatro bairros da região norte de Ubatuba: Cambury, Vila de Picinguaba e Ubatumirim, os quais estão em região de sobreposição com a UC, e a Almada, que fica no entorno da mesma. Devido aos novos questionamentos que foram colocados nesse primeiro trabalho de campo, o foco da pesquisa se deu em apenas dois deles: A Vila de Picinguaba e o Cambury, ambos em justaposição com a UC, possuem acesso à praia e apresentam o turismo como um fator atuante.

15 ONG atuante nas duas comunidades. A menção sobre a relação entre estes atores será explicitada ao longo do texto. 16 Essas duas reuniões aconteceram nas duas comunidades que compõem este trabalho. O Conselho Consultivo é uma instância da gestão que tem como intuito promover discussões entre diversos atores influenciados pela UC. Informações coletadas no site do PESM indicam que no NP: “O Conselho é paritário e, deste modo, possui doze assentos destinados entidades da Sociedade Civil Organizada, as quais são representadas por Associações de Bairro, Organizações Não Governamentais, Sindicatos e pela Ordem dos Advogados do Brasil, e doze assentos para as entidades públicas, representadas por órgãos como Fundação Florestal, Superintendência do Patrimônio da União, Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo, Prefeitura Municipal de Ubatuba, Universidade Estadual de Campinas, entre outros. Além disso, devido ao grande número de interessados, algumas entidades dividem um assento e, com isso, o Conselho possui representantes de trinta e cinco entidades” (fonte: http://www.parqueestadualserradomar.sp.gov.br/pesm/conselho-consultivo/, com acesso em 13/05/2016).

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FIGURA 2: COMUNIDADES COM SOBREPOSIÇÃO TERRITORIAL AO PESM/NP E ALMADA

Fonte: Google Earth

Minhas experiências prévias com caiçaras tinham acontecido em regiões que não possuíam conexão física com os centros urbanos mais próximos por meio de estradas de terra ou asfalto, a saber: a Ilha do Cardoso, que faz parte do município de Cananéia, o Pouso da Cajaíba, pertencente a Paraty e a Ilha Grande, no Rio de Janeiro. As três localidades são acessadas através de barcos ou, no caso da Ilha Grande, por balsa, saindo de Angra dos Reis ou Mangaratiba, muito embora vários pontos dessa Ilha, mais distantes de Abraão, só possuam acesso também por barco. Ao norte da cidade de Ubatuba, a Vila de Picinguaba e o Cambury possuem a principal via de acesso por estruturas e redes viárias. A locomoção até essas comunidades foi realizada por meio do transporte urbano de Ubatuba, o que representava, dessa forma, uma novidade (FIGURA 3).

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FIGURA 3: LOCALIZAÇÃO DA VILA DE PICINGUABA E CAMBURY EM RELAÇÃO AO CENTRO DE UBATUBA

Fonte: Google Earth

O turismo, sem dúvidas era um vetor importante nessa região, porém, não poderia ser considerado sozinho como a espinha dorsal dos processos de transformações e contradições, como então imaginava. Tampouco a unidade de conservação representava o principal ou único agente controlador desses moradores e poderia explicar as mudanças pelas quais eles passaram. Aqui, outros elementos precisariam ser incorporados, bem como outras atividades de renda se faziam importantes, principalmente, pela facilidade e proximidade física (a locomoção pode ser realizada por terra) desses bairros com os centros urbanos e pela singular lógica de ocupação que acompanha os eixos da BR-101. Além disso, não representa um centro urbano qualquer. A cidade de Ubatuba faz parte do litoral norte do estado de São Paulo – localidade de grande interesse econômico principalmente por estar ligada à região metropolitana paulista e ser um ponto de conexão entre os estados de São Paulo e Rio de Janeiro (SIMÕES, 2015; RAIMUNDO, 2007; LUCHIARI, 1999, 1998, 1992).

A diferenciação entre as comunidades, aquelas que tinha me relacionado anteriormente com as que foram o foco deste trabalho, não possui o intuito de

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demonstrar que os moradores das regiões que me eram familiares são mais atrasados, ingênuos, “mais tradicionais” ou mais “puros” culturalmente devido à ausência de estradas viárias. Os moradores dessas outras regiões possuem seus barcos a motor, o que também dinamiza suas locomoções e os conecta tão rápido quanto essas últimas. São apenas enredos distintos contornados por externalidades próprias. O objetivo é tentar dar início à demonstração de que para compreender as transformações sociais das populações caiçaras em Ubatuba outros elementos deveriam ser incorporados na composição do quadro de observação das mesmas como, por exemplo, a estrada.

Segundo Adams (2000a), acreditarmos em um isolamento caiçara frente aos contextos locais, nacionais e até mesmo internacionais é ludibriarmo-nos com o “mito do bom selvagem”. Esta autora comenta que as populações litorâneas sempre viveram sob a influência dos ciclos econômicos que dominaram no Brasil, e em épocas do declínio da indústria cafeeira o litoral brasileiro encontravam-se, provavelmente, com relativo afastamento do mercado17. Os trabalhos realizados com populações caiçaras destes tempos – denominados de “clássicos”18

pela autora – adotaram um tom de idealização romântica dessas comunidades, colocando-as em completa harmonia com o meio, distantes e livres de influências culturais externas. Estes autores, segundo ela, acabaram por influenciar a visão das literaturas posteriores sobre essas populações19.

Logo, quando pontuo essas questões dessemelhantes não desconsidero as influências e intensos contatos daqueles grupos sociais com os centros urbanos mais próximos e outras realidades. Todas essas regiões estão em contato com o “mundo global”, “mundo moderno”20 ou “mundo urbano” através de vários elementos.

Os habitantes das mesmas recebem em suas casas, por exemplo, “as imagens

17 No entanto, mesmo com esse relativo afastamento do mercado, esses moradores nunca foram estanques, fixos ou “presos” em suas vilas ou comunidades. Eles sempre se movimentaram.

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Para melhor detalhamento destes trabalhos bem como uma análise da literatura mais recente (à época de realização do trabalho) ver: Adams (2000a). Além disso, ver Ferreira (1996) sobre o engessamento de tais populações e o aprisionamento das mesmas em um passado que poderia ser considerado como um pretérito mais que perfeito.

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Embora já tivesse trabalhado com populações tradicionais e já envolvida com trabalhos e discussões relacionadas às mesmas, é importante apontar que nessa primeira viagem de campo, por não conhecer a região, não imaginava uma realidade como a que encontrei e, por isso, a novidade sobre a questão das influências relacionadas à estrada.

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Coloco esses termos entre aspas, pois uma intenção deste trabalho é tentar não incorrer nas utilizações das categorias dicotômicas “modernidade e tradição”, “cultura e natureza”, “rural e urbano” e “local e global” como antagônicas, mas sim complementares. Entendo que nos processos atuais, esses conceitos encontram-se entremeados uns aos outros e, em muitos momentos, não podemos distingui-los com clareza. O que não anula as diversas racionalidades que cada grupo social carrega e, com isso, compreensões de mundo e modos de vida.

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culturais consumistas do ocidente, fornecidas através de aparelhos de TV ou rádios portáteis, que o [as] prende [m] à “aldeia global” das novas redes de comunicação” (HALL, 2006: 74). Poderíamos dizer que o impacto da alta modernidade, como colocado por Giddens (1991), com características de compressão do espaço-tempo e aceleração de processos globais, encurtam as distâncias entre o local e o global, fazendo-se sentir distantes as identidades puras e genuínas. Para Hall (2006), a globalização tem um impacto marcante sobre a identidade cultural, pois o tempo e o espaço são também elementos básicos dos sistemas e meios de representação (escrita, pintura, desenho, fotografia, simbolização através da arte ou sistemas de telecomunicação) que se alteram em diferentes épocas culturais. Portanto, essas comunidades estão dentro da dinâmica social e temporal que envolve a nossa sociedade e participam de seus processos.

Seguindo no reconhecimento da porção norte de Ubatuba, do terminal urbano central da cidade até o Cambury, que é o bairro mais afastado e que faz divisa com a cidade de Paraty, são quase 40 km. Pelos trajetos por onde o ônibus passava, o que ficava evidente era que estas regiões estavam mais próximas de uma realidade de ocupações urbanas de baixa renda e, portanto, faziam parte do contexto de periferia de Ubatuba, diferente das minhas antigas experiências com caiçaras. Em relação a esta questão é importante mencionar, também, que esta localidade destoa em largas medidas, dos aglomerados periféricos das grandes cidades, como por exemplo, São Paulo. Segundo Ritter e Firkowski (2009), não existe apenas uma periferia, e sim periferias (no plural), marcadas pela heterogeneidade e velocidade dos seus fenômenos. Os mesmos autores colocam:

As periferias são caracterizadas cada vez mais por outros contextos, não aqueles mensuráveis simplesmente por quilometragem ou marcação de anéis, coroas ou outro qualquer representativo geométrico, contextos esses alicerçados nas condições e contradições econômico-sociais dos seus

moradores, pelas infraestruturas existentes, pelas territorialidades

estabelecidas e reestabelecidas, enfim, pelas suas espacialidades (RITTER E FIRKOWSKI, 2009: 22).

Ainda, pontuam, referindo-se a regiões metropolitanas, que: “com os processos de conurbação e comutação, os aglomerados metropolitanos passam a apresentar um tecido urbano cada vez mais distendido, cujas bordas das cidades-pólo se juntam às das outras, nem sempre com as mesmas infraestruturas” (RITTER E FIRKOWSKI, 2009: 22-23). Nesse sentido, ao considerar essas comunidades

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como pertencentes às margens do município de Ubatuba, entendo suas diferenças em relação a outras localidades também periféricas. Podendo apreendê-las dentro da dinâmica heterogênea que compõe esse conceito, quando utilizo o termo periferia urbana de Ubatuba, neste trabalho, não me refiro apenas ao distanciamento da Vila de Picinguaba, do Cambury ou dos demais bairros da porção norte deste município em relação ao centro citadino. Entendo-as, também, como espaços marcados pela precariedade na chegada de serviços urbanos (transporte, educação, segurança, saúde, etc.); pela degradação dos seus moradores em drogas, devido à falta de perspectivas; pela baixa escolaridade dos mesmos representando mão de obra barata para o capital, como por exemplo, para a construção civil; e pela estrutura simples de suas casas em alvenaria.

Dando continuidade aos desenrolares do primeiro campo, ficava perceptível, nas entrevistas abertas com os moradores desses bairros, a alusão dos mesmos por uma busca de novas oportunidades frente às inúmeras restrições que vivenciam. De certa maneira, existem atividades predominantes em cada comunidade e o turismo não responde sozinho às fontes de renda atuais. São, também, trabalhadores urbanos, da construção civil, prestadores de serviço, dentre outros, e representam, portanto, as demandas das margens do município que estão inseridos. Suas necessidades e reivindicações não podem ser vistas apenas com o foco no parque. Eles lutam por escola, saúde, aumento de horários do ônibus que chega ao bairro, melhorias nas estradas, saneamento básico e outras questões de infraestrutura urbana.

Devido à centralidade dada, inicialmente, ao uso dos recursos, o recorte temporal do trabalho inicia-se em 1979, com a criação do PESM/NP. Também, sua delimitação mostrou-se como intensificadora de grandes alterações no modo de vida dessas populações. Isso porque, de maneira autoritária, restringiu diversas atividades que eram realizadas – como a caça e a roça de coivara e outros cultivos de agricultura21 – sem nenhum acordo prévio ou qualquer tipo de negociação e, deste modo, de extrema importância para a consideração dos controles que lhes são impostos até hoje. Por conseguinte, presencia-se ainda um vivo sentimento de

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O modo de vida caiçara, associado à pesca e à agricultura será considerado neste trabalho, como elemento de expressividade rural.

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desrespeito e desconfiança em relação à UC (SIMÕES, 2015; GALLO, 2014; CALVIMONTES, 2013; RAIMUNDO, 2007; DA SILVA, 2004; LUCHIARI, 1999).

Ademais, a cidade de Ubatuba, desde a década de 1970, está relacionada a um grande fluxo de pessoas, alta especulação imobiliária e crescente influência turística. A BR-101, estrada que conecta a capital de São Paulo às cidades do litoral norte paulista, bem como ao estado do Rio de Janeiro, foi construída, também, em meados desse mesmo decênio, sendo um vetor importante para a observação de grandes alterações nas dinâmicas sociais e econômicas em toda a sua extensão. (GALLO, 2014; RAIMUNDO, 2007; DA SILVA, 2004; LUCHIARI, 1999, 1998, 1992).

Em função da inserção dessas comunidades no litoral norte do Estado de São Paulo, as mesmas foram palco de intenso estímulo urbano e turístico e, por isso, a consideração da energia elétrica e, também, da construção da estrada – que marcam o processo de urbanização – mostram-se como importantes elementos para basear a composição desse cenário de transformações, somando-se ao parque. Atentando-me a estas variáveis, não desconsidero outros elementos – constituintes dos próprios bairros ou oriundos das relações dos mesmos com outros atores que se fizeram presentes na região – que marquem transformações no modo de vida caiçara.

Ao apontar essas três variáveis, delineio aquelas que, após as leituras das bibliografias referentes à região, viagens e entrevistas em campo, apresentaram-se como os principais componentes explicativos das mudanças. Além disso, quando questionados sobre as alterações que percebiam ter acontecido nas comunidades, muitos moradores as associavam aos três agentes mencionados. Estes apresentaram-se como significativos, também, quando realizada a comparação22 entre as duas comunidades escolhidas para a pesquisa, já que a Vila de Picinguaba possui energia elétrica desde antes da delimitação do parque (a qual se deu durante a ditadura militar, em 1979), bem como o asfaltamento da estrada que conecta o bairro à BR-101. O Cambury conseguiu a melhoria e asfaltamento da estrada que liga o bairro à BR apenas em 2004, e a energia em 2005, já em tempos

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É importante mencionar que o objetivo deste trabalho não é a comparação entre as duas comunidades estudadas, e sim, um olhar mais abrangente sobre a questão da sobreposição territorial com a UC. No entanto, devido a diferenças singulares entre as mesmas, a comparação se fez necessária em alguns momentos.

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de redemocratização. Ambas as conquistas estão relacionadas a negociações desses moradores com o parque e, também, ao contexto político nacional referente a cada época.

Além disso, alguns moradores colocaram que a chegada do parque estava relacionada a um sentimento de “perda de autonomia”, como expressado por uma moradora nativa do Cambury: “depois do parque a gente não podia mais fazer nada, era tudo proibido, veio um monte de restrições” (DC, 05/2015), e também, que a “chegada do progresso” (energia elétrica e estrada) trouxe tanto elementos positivos como negativos: “a estrada tem assim, tem o progresso, mas tem também as coisas ruins” (EA, 05/2015), como menciona uma moradora nativa da Vila de Picinguaba. Essa “perda de autonomia” está relacionada às novas restrições que lhes foram impostas, à perda de liberdade para utilização dos recursos, bem como a um sentimento de estarem sendo constantemente vigiados, como se fossem bandidos23.

Considerando a realidade imersa em conflitos sociais dentro de uma perspectiva que os entende como propulsores de mudanças (FERREIRA et al., 2007; FERREIRA, 2005, 2004; SIMMEL, 2006, 1983; GLUCKMAN, 1987), e de acordo com as questões colocadas acima24, foi possível delinear tais variáveis (parque, estrada e luz) e fundamentar os pensamentos considerando-as como elementos importantes no desencadeamento das principais mudanças nessas regiões, especificamente no que concerne ao modo e meios de vida dessas comunidades.

Partindo dos meios de vida para compreender as transformações foi possível vislumbrar algumas estratégias que os moradores têm utilizado para sua reprodução social e resistência dentro de um quadro de inúmeras restrições. Para tanto, o foco inicial nas atividades de renda fez sentido devido à sobreposição territorial dessas comunidades com uma unidade de conservação de proteção integral. A temática e problemática acerca da utilização dos recursos naturais é central para qualquer esquema de negociação (SIMÕES, 2015; CALVIMONTES,

23

Uma análise sobre esse sentimento de serem bandidos, relacionando o eixo de conflito gerado entre moradores e a gestão do parque às variáveis terra, identidade e cidadania pode ser buscada em Calvimontes (2013).

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Tais questões foram produto tanto do trabalho de campo, como de leituras de trabalhos anteriores realizados na mesma região.

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2013, FERREIRA, 2012, 2005). Sendo assim, os moradores dessas áreas não deixaram de usar os recursos naturais por influências, apenas, da cultura urbana e global. Eles também foram proibidos de usá-los.

Obter a renda permeia o “como utilizam os recursos”, por isso as atividades que realizam são o foco de atenção de muitos outros atores que se inserem no quadro de relações, principalmente após a criação do parque. Uma vez que o marco temporal deste trabalho é a delimitação do mesmo, considera-se que, nesse momento, surgiu uma arena social25 na qual atores, além dos moradores e gestores, estiveram e estão em interação. Estes são, principalmente, pesquisadores, membros de ONGs e gestores públicos, os quais, envolveram-se direta ou indiretamente na problemática sobre a utilização dos recursos naturais e, também, nos conflitos26 subsequentes à criação da UC (SIMÕES, 2015; FEITAL, 2014; CALVIMONTES, 2013; FERREIRA et al., 2012; FERREIRA, 2012, 2005, 1999, 1996; FERREIRA et al., 2007).

O sociólogo brasileiro Antônio Cândido, em seus estudos sobre a cultura caipira, mostra alguns elementos com os quais este trabalho dialoga. Destaco um ponto em que ele explana sobre a metodologia e a lente de observação do processo de transformação da cultura caipira e a importância em olhar para a questão dos meios de vida:

A existência de todo grupo social pressupõe a obtenção de um equilíbrio relativo entre as suas necessidades e os recursos do meio físico, requerendo, da parte do grupo, soluções mais ou menos adequadas e completas, das quais depende a eficácia e a própria natureza daquele equilíbrio. As soluções, por sua vez, dependem da quantidade e qualidade dessas necessidades a serem satisfeitas. São, portanto, o verdadeiro

ponto de partida, todas as vezes que o sociólogo aborda o problema das

relações do grupo com o meio físico (CANDIDO, 2010: 28, grifos da autora).

Pensar sobre os meios de vida é, dessa maneira, pensar sobre as estratégias que esses moradores têm utilizado para a sua reprodução social. Em

25 Esta pode ser considerada como uma abstração analítica que facilita o olhar em relação à realidade. Trabalhos realizados por pesquisadores integrantes do Grupo de Pesquisa em Conflitos Sociais do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (NEPAM) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) utilizam esse conceito com uma perspectiva híbrida: Araos (2014); Feital (2014); Calvimontes (2013); Caldenhof (2013); Viglio (2012); Simões (2010); Mendes (2009); Creado (2006); Ferreira et al. (2007); Ferreira (1996, 1993).

26 Importante marcar que – considerando a perspectiva teórica de conflitos sociais utilizada por Ferreira (2012) e também neste trabalho, a qual os considera como inerentes ao corpo social e propulsores de transformações – os conflitos e disputas por território e recurso já existiam antes da delimitação do PESM, porém somente após sua implementação é que uma arena propriamente ambiental preocupada com as questões de uso dos recursos e a permanência de moradores no local se estabeleceu. Os conflitos eram, portanto, de outra ordem, mas já existiam e ressignificaram-se.

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campo, buscando a compreensão dos meios de vida atuais, uma outra questão mostrou-se importante de ser considerada e começou a conquistar a centralidade desta pesquisa. Alguns moradores explicitaram que a chegada do parque havia representado para eles uma perda de autonomia, como na seguinte colocação de uma moradora nativa da Vila de Picinguaba: “a gente não pode mais plantar, nem caçar, o parque não deixa” e “para fazer qualquer reforma na casa, precisa de autorização do parque” (DC, 05/2015). A questão da autonomia ou busca pela mesma era, então, importante para a consideração dos meios de vida atuais desses moradores que apresentavam uma perda da mesma em relação às restrições que lhes foram colocadas. Por isso, inicialmente levantou-se a seguinte indagação: dentro da realidade social atual, quais são as perspectivas de autonomia colocadas que permeiam as atividades de renda? Assim, comecei a ponderar a compreensão de um processo de busca por autonomia.

Nesse sentido, o sentimento de perda de autonomia poderia indicar que esses moradores a possuíam antes da delimitação do parque. No entanto, pela dificuldade em determinar se essa "perda” significava a existência deste sentir-se autônomo antes do parque, optou-se por tomar como norte a ideia de “busca”, “uma aspiração a”, “um processo”. Sendo processo, a autonomia faz parte da dinamicidade histórica dessa região e desses moradores e, portanto, sua “perda” não está presa fixamente em épocas pretéritas que poderia ser, por exemplo, representada pela criação da UC. Nessa questão particular da relação parque-moradores, uma diversidade de outros elementos históricos esteve associada à chegada do parque, os quais são tão importantes quanto a UC na composição desse cenário.

Sugere-se, em tal caso, a existência de um sentimento de “busca” em relação ou em direção à autonomia, como nas falas que se seguem: “agora nós estamos querendo aprovar projetos pela própria associação do bairro”; “tudo o que a gente tem aqui na comunidade é fruto de nós mesmos”; “a gente pesca no inverno que é o nosso ganha pão, já que proibiram a caça e a roça”; “agora a gente está usando do turismo” (DC, 09/2014; 05/2015; 11/2015).

Também, durante o trabalho de campo outra questão foi se sobressaindo: pensar sobre autonomia não se limita ao “como obtêm suas rendas”, pois, como aponta Castro (2000), “todas as atividades produtivas contêm e combinam formas

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materiais e simbólicas com as quais os grupos humanos agem sobre o território” e, por isso, “o trabalho que recria continuamente essas relações reúne aspectos visíveis e invisíveis, (...) está longe de ser uma realidade simplesmente econômica” (CASTRO, 2000: 167). Dessa maneira, o caminho ou trajeto que leva à “busca por autonomia” se desenha no cotidiano desses moradores em seus processos simbólicos e materiais. À vista disso, entendo-a como elemento de fundamental importância para compreender as estratégias “de” e “a” reprodução social dessas pessoas em contextos de periferia de Ubatuba e de sobreposição territorial com a UC. Elas são vistas, portanto, como ativas no processo de mudança das relações sociais, ambientais e produtivas em seus locais de vida e trabalho. A autonomia desdobra-se, nesse sentido, em função da realidade imersa em conflitos sociais (SIMMEL, 2006, 1983; GLUCKMAN, 1987) e define-se na expressão da agência desses moradores.

Frente ao cenário apresentado e, seguindo a perspectiva de Ritter e Firkowski (2009) sobre a pluralidade em relação ao conceito de periferia27, é possível pensarmos nesta localidade, atualmente, a partir da ideia de comunidades compostas por um mosaico de sobreposições, dentre as quais se destacam: urbana, rural e conservacionista. Esta miscelânea se mostra sublinhada por elementos da margem do município de Ubatuba – a qual se mostra permeada pela especulação imobiliária, atividade turística e falta de infraestrutura urbana – em associação ao modo de vida caiçara – que pode ser considerado como rural e pesqueiro – e aos fundamentos que a inserem dentro da lógica conservacionista – como por exemplo o mercado sustentável. Ao longo do trabalho, na tentativa de demonstrar essa complexidade, serão demonstradas as múltiplas possibilidades de ação dos moradores da Vila de Picinguaba e do Cambury. Estas estarão mediadas pelo conceito analítico de autonomia baseado em três autores principais: o sociólogo holandês Jan Douwe Van der Ploeg, o antropólogo estadunidense James Scott e o sociólogo alemão Axel Honneth.

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Ritter e Firkowski (2009) argumentam, pensando principalmente em regiões periféricas metropolitanas, que algumas áreas (como os condomínios horizontais fechados de Alphaville) que pela “territorialidade, pela infraestrutura, pela distância social de sua qualidade de vida podem configurar-se como periferias” possuem “uma tendência mercadológica com apelo até ecologizado de transformá-las, em alguns casos, em centralidades comerciais, empresariais, residenciais ou tudo isso junto – as Edge Cities, fato esse que as exime do título de periferias” (RITTER e FIRKOWSKI, 2009: 24). Não entendo, neste trabalho, as duas comunidades dentro dessa lógica. No entanto, é importante percebê-las como mosaicos de sobreposições entre elementos distintos: urbano (e turístico), rural ou caiçara e conservacionista, os quais, no que concerne a este texto, fundamentam-nos na perspectiva de periferia.

Referências

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