PNEUMOLOGIA
ABCESSO
ABCESSO PULMONAR
INTRODUÇÃO
DEFINIÇÃO
Abcesso pulmonar é uma coleção de tecido pulmonar morto (necrose pulmonar) causada por uma infecção microbiana. Atente para o termo “infecção microbiana”, uma vez que essa infecção pode ocorrer por conta da ação patogênica de diferentes tipos de microrganismos, desde bactérias comuns (i.e., Streptococcus pneumoniae) a micobactérias (i.e.,
Mycobacte-rium tuberculosis), fungos (i.e., Aspergillus spp) e até parasitas (i.e., Entamoeba histolytica).
Alguns autores optavam no passado pela diferenciação entre abcesso e “pneumonia necro-tizante” ou “gangrena pulmonar”, porem podemos dizer que essas definições fazem parte de uma mesma linha temporal. A pneumonia necrotizante seria um estágio mais inicial, em que existem múltiplas cavidades menores (até 2 cm) de tecido morto, enquanto o abcesso seria uma cavidade maior (de mais de 2 cm).
CLASSIFICAÇÃO
A classificação pode ser feita com base em três aspectos: • Agudo (<1 Mês) e Crônico (>1 Mês)
• Primário (Ex.: paciente hígido ou apenas com comorbidade que predisponha à aspi-ração) ou Secundário (a doença de base que propicie à formação de abscesso, como bronquiectasia, câncer de pulmão, imunossupressão, etc).
• Patógeno causador (Ex.: Streptococcus pneumoniae)
FISIOPATOLOGIA
A formação de um abcesso acontece devido à complicação de uma infecção do parênquima pulmonar. Essa infecção ocorre mais comumente a partir das pneumonias aspirativas, mar-cadas pelas bactérias anaeróbias, normalmente provenientes da cavidade oral.
Para que essa chegada do germe de boca à via aérea inferior ocorra, em geral é necessário algum fator de risco, como disfagia ou redução do nível de consciência, que facilite a
bron-coaspiração (por exemplo, estado pós-ictal, embriaguez, trauma crânio-encefálico e
alta carga microbiana no material aspirado. A condição predisponente clássica nesse
as-pecto seria a infecção periodontal – nesses pacientes, o evento aspirativo levaria grande quantidade de bactérias, especialmente anaeróbios, às vias aéreas inferiores.
Note que a causa nem sempre é broncoaspirativa. Na doença de Lemierre, por exemplo, o paciente possui uma infecção peritonsilar que dissemina para a região parafaríngea e pro-voca uma tromboflebite supurativa de veia jugular. Essa complicação pode se associar à for-mação de trombos infectados com potencial de embolizar e levar as bactérias até o pulmão. De maneira semelhante, o paciente usuário de droga endovenosa pode ter uma endocardite
da valva tricúspide, a qual pode gerar êmbolos sépticos que irão impactar no leito das
arté-rias pulmonares e, assim, infectar o parênquima com uma alta carga microbiana.
MICROBIOLOGIA
Os abcessos costumam ser polimicrobianos e formados por anaeróbios da cavidade oral como Peptostreptococcus, Prevotella, Bacterioides (exceto Bacterioides fragillis),
Fusobac-terium e S. anginosus (esse último, um anaeróbio facultativo). Outros agentes microbianos,
que podem estar implicados principalmente em abscessos monomicrobianos, seriam: • S. aureus
• K. pneumoniae • S. Pyogenes
• Burkholderia pseudomallei • Haemophillus influenzae tipo B • Legionella
• Nocardia • Actinomyce
Lembrando que o paciente HIV+ pode formar abcessos por patógenos atípicos, como fun-gos, micobactérias e bactérias como a Pseudomonas aeruginosa (germe mais comum no imunocomprometido).
QUADRO CLÍNICO
O quadro clínico normalmente varia de acordo com o tipo de microrganismo, porém a prin-cipal diferenciação ocorre entre os abscessos por anaeróbios e pelo Staphylococcus aureus.
Os sintomas do abscesso por patógenos anaeróbios são aqueles que acompanham uma infecção crônica do parênquima pulmonar associados a algumas queixas relativas à necrose das vias aéreas, como:
• Febre • Tosse
• Dor pleurítica • Sudorese noturna • Anemia
• Escarro fétido e azedo* • Hemoptise
(*) O cheiro fétido e o sabor azedo estão associados justamente com a presença de tecido pulmonar necrosado no escarro, sendo esses sinais semiológicos importantes na hora de diferenciar uma simples pneumonia de um abscesso pulmonar.
Já a formação de abscesso por S. aureus costuma ser um processo mais fulminante do que o dos anaeróbios, em que o quadro é:
• Agudo/subagudo;
• Acomete mais adolescentes e adultos jovens, frequentemente secundário a quadro gripal como por influenza;
• Possui alta taxa de mortalidade (mesmo com uso do antibiótico); • Pode evoluir com sepse e até choque séptico.
DIAGNÓSTICO
Devemos lembrar que o diagnóstico deve levar em conta a possibilidade de o quadro ser
primário ou secundário. Nos abscessos secundários, a doença subjacente pode ser, por
exemplo, uma neoplasia pulmonar, o que torna a análise dos exames de imagem ainda mais fundamental.
Usualmente a Radiografia de Tórax (RX) é suficiente para analisar a lesão, porém, sempre que houver dúvida, devemos lançar mão da tomografia computadorizada de tórax (TC), a qual pode distinguir melhor uma lesão do parênquima de uma lesão pleural e estudar a ana-tomia do pulmão acometido.
Os testes microbiológicos são peças-chave no diagnóstico para definir quais são os agentes microbianos causadores daquela infecção, porém não devemos retardar o tratamento
an-timicrobiano até o resultado desses testes. Geralmente esses testes serão não-invasivos -
culturas de sangue e de escarro (quando presente) principalmente.
Contudo, podemos utilizar também métodos de obtenção de amostras diretas do abscesso para reduzir a chance de contaminação da amostra por germes colonizadores das vias aé-reas. São exemplos a biópsia transtorácica por punção, a biópsia transbrônquica e o lavado broncoalveolar (esses dois últimos via broncoscopia). Por serem mais invasivos em geral fi-cam reservados principalmente para pacientes que não respondem ao tratamento empírico inicial em 5-7 dias.
Figura 01. Radiografia de tórax em PA com seta vermelha
indicando área de formação de abscesso com nível hidroaéreo.
As regiões mais acometidas pelos abscessos são a região posterior do lobo superior e a
região superior do inferior ou médio. São justamente aquelas situadas de forma mais
Naqueles em que há empiema associado à formação de fístula broncopleural entre o abs-cesso e essa cavidade, também convém a realização de toracocentese diagnóstica para en-vio do material para cultura.
TRATAMENTO
ANTIBIÓTICOTERAPIA
Na era prévia ao advento da antibioticoterapia até 33% dos pacientes com abcesso pulmo-nar morriam, enquanto o restante seguia com a resolução espontânea. O tratamento hoje é quase sempre empírico, podendo ser alterado com o resultado dos testes microbiológicos ou da biópsia.
A terapia deve ser baseada em antibiótico com boa penetração no parênquima do pulmão e que consiga cobrir anaeróbio facultativos e estritos. Geralmente é utilizado um esquema com penicilina, como ampicilina + sulbactam, ou com carbapenêmico como o imipenem ou o meropenem. Nos pacientes alérgicos a beta-lactâmicos podemos usar a clindamicina. Nos casos em que houver alta suspeita de abscesso por S. aureus, as opções preferidas são a oxacilina e a linezolida, sendo a vancomicina também uma opção (sendo a primeira a ideal para os MSSA e as duas últimas reservada para os MRSA). O esquema inicial pode ter uma dessas drogas associadas ou pode haver a conversão do tratamento para monoterapia com uma delas após resultados dos testes microbiológicos (lembrando que o esquema empírico sempre deve cobrir anaeróbios).
Há grande controvérsia sobre o tempo de tratamento. As referências mais atuais indicam em geral um acompanhamento radiográfico a partir da 3ª semana e interrupção de terapia após involução importante a completa do abscesso no raio-x, o que geralmente ocorre após
6 a 8 semanas. Parte desse tratamento pode ser feito ambulatorialmente com droga oral
(como a amoxicilina-clavulanato) naqueles que respondem clinicamente ao tratamento pa-renteral nas primeiras duas a três semanas.
CIRURGIA
Abcessos complicados podem ser indicados para o tratamento cirúrgico. Tratam-se daque-les que não respondem ao antibiótico de escolha (o que pode ocorrer por obstrução brôn-quica associada, tamanho maior que 6 cm ou germe resistente como causa), possuem uma
neoplasia associada ou evoluíram para uma hemorragia importante. A cirurgia pode seguir
pela retirada de apenas o lobo pulmonar afetado (lobectomia), pela retirada de um pulmão inteiro (pneumectomia) ou apenas pela drenagem.
REFERÊNCIAS
Curso de Pneumologia - Síndromes Infecciosas do Pulmão – Abcesso Pulmonar (Professor Lucas Campos). Jaleko Acadêmicos. Disponível em <https://www.jaleko.com.br>.