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A produção de conteúdo independente e o fortalecimento do debate público: um estudo sobre a Revista AzMina 1

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A produção de conteúdo independente e o fortalecimento do debate público: um estudo sobre a Revista AzMina 1

Brenda Carneiro Mamede MENDONÇA 2 Eulália Emília Pinho CAMURÇA 3

Centro Universitário 7 de Setembro, Fortaleza, CE RESUMO

Diante da necessidade de ampliar os diálogos comunicacionais e ecoar divergentes narrativas jornalísticas, este artigo tem o objetivo de entender como a autonomia editorial da mídia independente pode estimular o debate público e o compromisso com a cidadania a partir de um estudo sobre a Revista AzMina. O trabalho justifica-se pela relevância da produção de conteúdo independente, especialmente financiado pelo próprio público por meio de crowdfunding . Para atingir o objetivos de analisar como se dá o financiamento coletivo e como ele colabora para a produção de conteúdo de qualidade, foi realizada uma revisão de literatura e um estudo sobre a reportagem “Como é feito um aborto seguro?” e uma entrevista com Thais Folego, editora-chefe do coletivo. Considera-se que a Revista AzMina protagoniza uma pauta de cunho social, azeitada pelo debate público e pautada pela autonomia editorial.

Palavras-chave: Mídia Independente; Crowdfunding ; Jornalismo; Autonomia Editorial; Debate Público.

INTRODUÇÃO

Este artigo estuda a mídia independente enquanto sua autonomia editorial, debate público e compromisso com a cidadania, procurando evidenciar novas possibilidades jornalísticas e novos meios comunicacionais pautados pelo protagonismo social. Optou-se por fazer uma análise sobre Revista AzMina enquanto veículo autônomo, observando a forma de sustentabilidade do coletivo, a elaboração de conteúdo e a importância desta produção para a sociedade.

1 Trabalho apresentado na IJ01 – Jornalismo, da Intercom Júnior – XVI Jornada de Iniciação Científica em Comunicação, evento componente do 43º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação.

2 Graduada em Comunicação Social com habilitação em jornalismo pelo Centro Universitário 7 de Setembro (UNI7). Email: mamedebrenda@gmail.com

3 Doutoranda em Direito Constitucional pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará (PPGD/UFC). Mestre em Direito (Direito e Desenvolvimento) pela Universidade Federal do Ceará (2012), possui graduação em Comunicação Social pela Universidade Federal do Ceará (2000) e graduação em Direito pela Universidade de Fortaleza (2008). Professora do Centro Universitário 7 de Setembro (UNI7) e editora de telejornalismo. Orientadora do trabalho. E-mail: eulaliaemilia@hotmail.com.

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Foram traçados três objetivos específicos: compreender a mídia independente enquanto um novo modo de fazer jornalismo; analisar o financiamento coletivo e seus benefícios como uma nova forma para a sustentabilidade do jornalismo e investigar a mídia independente enquanto sua autonomia editorial, estímulo ao debate público e compromisso com a cidadania.

O estudo parte da pergunta: a independência financeira possibilita autonomia editorial, debate público e compromisso com a cidadania? Para responder à pergunta, o artigo realizou uma revisão de literatura, com abordagem qualitativa, um estudo sobre a reportagem “Como é feito um aborto seguro?”, publicada pela Revista AzMina no dia 18 de setembro de 2019 e uma entrevista concedida exclusivamente para a construção deste trabalho com Thais Folego, editora-chefe da Revista.

Analisando os cenários midiáticos brasileiros, observa-se grandes conglomerados guiados pela lucratividade, permeando o contexto social por meio da formação de propriedade cruzada. Assim, surgem paradoxos em torno da profissão jornalística, proporcionando diversos questionamentos e crises de credibilidade. Destaca-se porém, em 2020, diante da ampla disseminação de fake news e da necessidade de uma fonte segura de informação durante a pandemia do novo coronavírus, o jornalismo ganhou um protagonismo fortalecido pela retomada da credibilidade jornalística em um momento de fragilidade mundial.

Nesse contexto, o cenário contemporâneo demanda ainda mais fortalecimento dos meios de comunicação. Veículos com a pauta independente reproduzem alicerces essencialmente significativos para a sociedade, tendo em vista que financiamentos alternativos promovem uma maior liberdade editorial, gerando, consequentemente, um debate plural. Ou seja, quão mais independente a mídia é, maior será o acesso à diferentes vozes.

Assim, compreende-se a necessidade de se produzir um jornalismo cada vez mais democrático e que paute pluralidade, fundamentando a construção de um conteúdo capaz de ecoar vozes diversas e privilegiar diferentes contextos sociais, econômicos e culturais. Neste cenário, a mídia independente apresenta conteúdos que protagonizam o público e tratam assuntos de modo transparente e responsivo.

Os veículos autônomos procuram produzir conteúdos azeitados do debate público, promovendo diálogos e viabilizando a inclusão dos mais desassistidos socialmente, assim, reforçando o compromisso com a cidadania. Por isso, optou-se por fazer um recorte da Revista

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AzMina enquanto mídia independente que pauta a mulher de A a Z, enfrenta questões de gênero e possui uma ampla atuação em questões étnicas, raciais, culturais estimulando a formação de diálogos plurais.

MEIOS PAUTADOS PELA INDEPENDÊNCIA

Com a necessidade de construir pontes e laços, veículos de mídia independente colaboram para que as narrativas sociais tornem-se protagonistas dos meios de comunicação. Estes possuem características que legitimam seus discursos em relação à cidadania, estabelecendo um novo paradigma para a profissão jornalística. Desta maneira, Mazetti (2007) compreende:

A s práticas de mídia alternativa são, costumeiramente, entendidas como ações que visam pluralizar as vozes do debate público, ao oferecer temas, ângulos e até mesmo fatos que são obscurecidos, silenciados quando não distorcidos pelos veículos de comunicação hegemônicos, orientados pelo interesse comercial (MAZETTI, 2007, p. 1).

Assis et al. (2017, p. 6) analisam que a independência jornalística é a “ausência de controle ou influência por agentes externos”, de acordo com sua própria lógica e autonomia, de forma coerente. Os autores ainda ressaltam que o termo “independência” pode se referir a “um jeito diferente de produzir jornalismo, onde as regras do mercado e a da indústria convencional não aprisionam a criatividade e a liberdade autoral dos produtores” ( Assis et al.) .

A desvinculação de verbas advindas de governos e da publicidade faz a mídia independente ganhar respaldo para debater assuntos de forma mais democrática. Em 2019, por exemplo, no Brasil, os veículos autônomos protagonizaram um amplo espaço de debate público e trouxeram a tona grandes escândalos que contextualizaram importantes fatos no Brasil, como a “Vaza Jato”, o “Vaza Petróleo” e o “Vozes silenciadas”, (HERCOG, 2020). Desta maneira, Hercog (2020) compreende que o grande diferencial destes grupos é “mostrar uma perspectiva normalmente ignorada pela grande mídia”.

Alex Hercog, colaborador do Intervozes e relações públicas, ao citar André Santana, editor-chefe do Correio Nagô, afirma que os veículos independentes são os “que

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sempre estiveram ao lado das pautas sociais e foram a resistência a esse pensamento conservador que tem predominado no Brasil” (HERCOG, 2020).

Apesar de produzir um conteúdo mais conectado ao debate público, a mídia independente assume desafios em relação a sustentabilidade financeira. Dependendo de modelos de sustento alternativos, esses veículos precisam da monetização para sobreviver e, consequentemente, dependem de um apoio público.

MODELOS DE SUSTENTO E CROWDFUNDING

A partir do desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação, surgiram diversos modelos comunicacionais, criando um território virtual de trocas (RODRIGUES; LIMA, 2018, p. 3) e proporcionando o crescimento das linhas de debate público. Apesar da aceleração do processo midiático provocado, a web trouxe algo a grande parte da sociedade: a disseminação de diversas vozes.

A internet possibilitou também a formação de redes de apoio à novos projetos, ideias, etc. Deste modo, compreendendo que “a era digital alterou os padrões de consumo e interrompeu os modelos tradicionais de publicidade dos jornais” (CHINULA, 2017). Madla Chinula (2017), publicou uma reportagem no portal Rede de Jornalistas Internacionais (IJNET) sobre “7 modelos de negócios que podem salvar o futuro do jornalismo” e são: o conteúdo patrocinado, o crowdfunding , as assinaturas, o jornalismo ao vivo, o financiamento de doadores, os micropagamentos e o jornalismo de qualidade (CHINULA, 2017).

Os modelos citados surgem como aliados para as mídias que desejam um posicionamento mais independente e livre de governos e políticos, além de contar, na maioria das vezes, com a população. É o caso do crowdfunding ou financiamento coletivo que funciona como uma troca na qual é estabelecida uma meta de arrecadação, oferecendo uma contrapartida àqueles que resolvem contribuir (SOARES, 2016, p. 1 e 2).

Para Clay Shirky (2011, p.83), indivíduos conectados possuem uma maior chance de encontrar outros indivíduos com gostos semelhantes e interesses parecidos. Afinal, fazem surgir conexões virtuais, mostrando no que realmente as pessoas estão interessadas. Já Henry

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Jenkins (2006, p. 54) compreende que “o que não podemos saber ou fazer sozinhos, agora podemos fazer coletivamente”.

A exemplo disto, o portal de financiamento coletivo, Catarse , afirmou em outubro de 2018 que fechou o mês com “um total de 1638 assinantes para veículos independentes, totalizando um total de R$32.512 em assinaturas mensais”⁴. Na reportagem publicada, o portal ainda divulgou que “são milhares de pessoas apoiando em média R$20 para manter suas fontes de conteúdo de qualidade ativas e prósperas” 4 .

. Assim, o surgimento da web e as possibilidades de novos modelos de sustento tornam-se grandes aliados da mídia independente, proporcionando autonomia editorial, diálogos mais amplos e transparentes, além de desvincular os veículos comunicacionais de governos e empresas, como será visto a seguir.

REVISTA AZMINA

Por meio do financiamento coletivo e da pauta independente, AzMina aborda assuntos como aborto, desigualdades no mercado de trabalho e na política, opressões e conquistas das mulheres negras, machismo, homofobia, sexo, entre outros. Encontra-se predominantemente na web , tanto por meio do site (www.azmina.com.br) quanto em redes sociais como Instagram, Twitter, Facebook e também na produção de um aplicativo de enfrentamento à violência doméstica, o “PenhaS: criando conexões contra a violência”.

Fundada pela jornalista Nana Queiroz, em 2015, a Revista AzMina foi criada com o intuito de pautar questões relacionadas às mulheres e suas necessidades a partir do olhar midiático. Por meio de entrevista concedida para a construção deste artigo, a atual editora-chefe do portal, Thais Folego, compreende que o veículo nasceu “em 2015 justamente porque quando a gente olhava sobre a representatividade da mulher na mídia em geral, ela era muito ruim e muito cheia de estereótipos” (FOLEGO, 2020).

Deste modo, o coletivo ampliou o espaço para as discussões femininas de maneira disruptiva com o intuito de romper padrões e estabelecer novos diálogos sociais quando o assunto é mulher. Por isso, Thais afirma que “a questão de gênero não é um tema recorrente da 4 Disponível em: https://blog.catarse.me/assine-midias-independentes/ . Acesso em: 20 de julho de 2020.

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Revista, é o tema principal” (FOLEGO, 2020). A partir do ano 2019, a equipe da Revista AzMina passou a ter um financiamento institucional podendo, assim, financiar um escritório e uma equipe fixa composta por seis mulheres (FOLEGO, 2020).

A observação das seções que compõem o site permite observar como o conteúdo é baseado em debate público. A página conta com sete principais seções: “política”, “violência”, “saúde”, “feminismos”, “mais” com cinco subseções, “opinião” com dez subseções e “divã d’azmina”.

Assim, percebe-se a amplitude de conteúdos que o portal abrange, pautando a mulher em diversas perspectivas e entendendo a existência de situações que merecem um olhar peculiar. Kikuti e Rocha (2017) compreendem esta abordagem da seguinte maneira:

Não existe uma mulher universal, mas uma multiplicidade de mulheres em situações distintas de acordo com os espaços que ocupam e as relações de poder que travam neste ambiente: por exemplo, adolescente, afro brasileira, indígena, oriental, de diferentes estratos sociais, jovem, velha, criança, residente em regiões distintas, a que trabalha em casa, a que tem um emprego com carteira assinada, a autônoma, a estudante, a professora, enfim é impossível ser representada apenas como "a mulher" (KIKUTI; ROCHA, 2017, p. 7 e 8)

A sustentabilidade do veículo vem, principalmente, por meio do crowdfunding . Atualmente, a organização possui o apoio de cerca de 334 pessoas na plataforma Catarse 5 , gerando uma renda mensal de R$8.348, de acordo com dados de setembro de 2020.

Segundo o coletivo, a renda é revertida em “reportagens exclusivas sobre a situação da mulher no Brasil”, manter “ótimas jornalistas sempre atentas aos assuntos mais importantes do momento e remunerar de forma justa seu trabalho de apuração, checagem de fatos e produção de reportagens” 5 .

Thais Folego compreende a independência financeira como um importante fator para a produção de um conteúdo livre e autônomo. Complementa:

Uma coisa que conversamos bastante com nossos leitores e leitoras é que é importante essa independência financeira para a gente ter liberdade editorial e de campanhas. Então quando a gente vê assuntos mais delicados e polêmicos como, por exemplo, direitos reprodutivos e aborto, que é uma

5Catarse: plataforma de financiamento coletivo. Disponível em:

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pauta muito pouco coberta na grande mídia porque é muito delicada, nós temos total liberdade para cobrir esses temas “espinhosos”, temas que incomodam no campo moral, no campo econômico ou no campo político (FOLEGO, 2020) .

Já de acordo com o portal d’AzMina, as colaborações permitiram a produção de reportagem que resultaram em prêmios em relação à matérias realizadas, inclusive o Synapsis FBH de Jornalismo, o Troféu Mulher Imprensa 2017 e 2020, o Prêmio Geração Glamour e o Leão no Festival de Cannes, 6 .

Contudo, segundo Thais Folego, o crowdfunding não é a única modalidade de sustento da Revista AzMina. De acordo com a editora-chefe, o coletivo conta com três tipos de receitas: o financiamento coletivo, a colaboração financeira de fundações de filantropia e a prestação de serviços por meio de consultorias para empresas e organizações. Afirmando que “a transparência é um pilar para a Revista”, AzMina disponibiliza todos os anos um relatório de atividade financeira 7 (FOLEGO, 2020).

Existem ainda restrições no crowdfunding que o torna difícil de ser um único modelo de sustento para os veículos de comunicação independentes. Por isso, muitos desistem ou não conseguem fundos para alavancar o projeto. Sobre isso, Santos (2015) afirma o seguinte:

O Crowdfunding não consegue, no entanto, substituir formas tradicionais de financiamento em fases mais avançadas do investimento, em que são necessárias grandes quantias, restando-lhe o papel de mobilizador de ideias de negócio e de complemento a outras formas de financiamento (SANTOS, 2015, p. 12 e 13).

Porém, mesmo diante as dificuldades, o financiamento coletivo ainda é uma possibilidade para o surgimento de novos veículos de comunicação que queiram romper as barreiras hegemônicas e criar novos laços sociais.

AUTONOMIA EDITORIAL E ESTÍMULO AO DEBATE PÚBLICO DA REVISTA

AZMINA

6 Nossa história, publicado por revista AzMina. Disponível em: https://azmina.com.br/sobre/historia/ . Acesso em 20 de julho de 2020.

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Para compreender o discurso sobre autonomia editorial e aprofundar a análise do assunto será usado como plano central a matéria “Como é feito um aborto seguro?” 8 , publicada pela Revista AzMina no dia 18 de setembro de 2019, produzida pela Diretora de Redação do coletivo, Helena Bertho e com edição da editora-chefe do portal, Thais Folego.

Publicada na seção “especiais”, a matéria apresenta um longo conteúdo baseado nas informações da Organização Mundial da Saúde ( OMS, 2013) sobre o aborto com o intuito de explicar os direitos da mulher em relação à temática, mostrando desde métodos até remedios e leis que possam interessar às mulheres dentro deste contexto.

No Brasil, a interrupção da gravidez é considerada ilegal, porém há exceções previstas em lei: quando há “casos de risco de vida para a mulher e de gravidez resultante de estupro, ambas previstas na legislação desde o Código Penal de 1940; e, a partir de 2012, por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), de má-formação fetal, como a anencefalia” (BIROLI; MIGUEL, 2016).

Contudo, apesar do aborto ser considerado ilegal no Brasil, isto não se torna um motivo efetivo para a prática não ocorrer. De acordo com a Pesquisa Nacional do Aborto (PAN) de 2016, a interrupção da gravidez “é comum entre as mulheres brasileiras. Das 2.002 mulheres alfabetizadas entre 18 e 39 anos entrevistadas pela PNA 2016, 13% (251) já fez ao menos um aborto” (DINIZ; MEDEIROS; MADEIRO, 2016, p. 655).

A reportagem foi escolhida para este estudo por apresentar um conteúdo que gerou grande repercussão na internet, inclusive devido às críticas proferidas pela atual ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, que afirmou ser uma “apologia ao crime de aborto”, além de ter entrado com um pedido de abertura de queixa-crime contra AzMina (LEÃO, 2019). O veículo se defendeu afirmando que tratou “interrupção de uma gestação no campo a que ela pertence e como é encarada nos países desenvolvidos: como um assunto de saúde pública” (EQUIPE AZMINA, 2019).

Segundo Thais Folego, a Revista AzMina teve de responder depoimentos a polícia civil, além de ter sido questionada sobre como foi produzida a matéria. Um ano depois da publicação da reportagem, Thais afirma que ainda continua o impasse em relação a abertura da

8 Como é feito um aborto seguro?: https://azmina.com.br/especiais/como-e-feito-um-aborto-seguro/. Acesso em 20 de agosto de 2020.

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denúncia p elo Ministério Público e que o veículo continua sendo investigado (FOLEGO, 2020).

Autonomia editorial

O início da análise da matéria se dá pela divisão de tópicos, característica da Revista AzMina. Afirmando que é feita por “matérias acessíveis e didáticas, para falar com o máximo de pessoas possível e combater a desinformação” 9 , a reportagem possui nove subcategorias: “O aborto no Brasil hoje”, “Como é feito o aborto quando ele é legalizado”, “Antes do aborto”, “Aborto com remédios”, “As recomendações para tomar Misoprostol”, “Os efeitos do Misoprostol no corpo”, “O atendimento pós-abortamento no Brasil”, “A aspiração manual intrauterina” e “Depois do aborto, prevenir gravidez”.

Com esta divisão estratégica da matéria, encontra-se uma informação plural para ampliar os debates sobre a questão do aborto. No início da reportagem, há o relato de uma mulher contando sua experiência em relação a interrupção de uma gravidez:

Senti um pouco de dor, como uma cólica mais forte. Depois ele fez um ultrassom para checar se estava tudo bem. Tinha acabado e eu senti um enorme alívio. Então me deram algumas orientações e eu saí andando dali”. Essa é a história de como aconteceu o aborto da estudante de direito Rebeca Mendes, 32 anos, em uma clínica na Colômbia, onde o aborto é legalizado (BERTHO, 2019).

A matéria apresenta autonomia editorial transparente sobre o aborto, avaliando a questão dos direitos reprodutivos e procurando expor a informação de forma abrangente. Alguns fatores corroboram para essa produção de conteúdo mais autônomo e baseado em um debate público amplo. A Revista AzMina não possui controle por agentes externos, como empresas e entidades, além de contar com financiamentos alternativos para se manter. Com isso, como reportado por Thais Folego anteriormente, se torna mais fácil pautar assuntos polêmicos sem gerar grandes “danos” (FOLEGO, 2020). O que será aprofundado a seguir.

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Estímulo ao debate público

Já pontuando um segundo fator a partir do estudo da Revista AzMina, nota-se a presença de um discurso pautado pelo debate público, em que o coletivo busca emergir a partir de um novo olhar sobre temas polêmicos, como a reportagem que trata o aborto. Para Bittelbrun (2019, p. 2087), este cenário do jornalismo não deixa de ser o “resultado de reivindicações sociais, em prol da maior representatividade e igualdade, inclusive nos meios, e da emergência de outros discursos, que surgem além dos veículos hegemônicos”.

Analisando a mulher no roteiro de reportagens da mídia tradicional, percebe-se a formação de um conteúdo que ressalta um estereótipo feminino de mulheres brancas, mães e heterossexuais desde o século XVII (BITTELBRU N, 2019, p. 2087). Não se torna, desta forma, surpreendente que a mulher ganhe um espaço minoritário na sociedade e encontre um lugar de fala carregado do peso, mesmo que invisível, da hegemonia.

Com isso, torna-se necessário compreender que o debate público é de extrema importância para a construção de uma sociedade democrática e informada. De acordo com Araújo (2014, p. 86), citando Sen (2011), a ausência de informação e discussão aberta impossibilita a visão do mundo sobre certos temas e, consequentemente, as ajudas e soluções. Neste contexto, expressa-se a necessidade de discursos informativos que apresentem o rompimento destes padrões e mostrem a multiplicidade de mulheres com suas inúmeras questões. O coletivo AzMina consegue criar não apenas um espaço de debate público, como também informar com qualidade, mostrando diversos fatos que são silenciados na mídia hegemônica.

Em relação a matéria “Como é feito um aborto seguro?”, nota-se a necessidade do veículo em explicar de maneira desmistificada as questões relacionadas a um tema que é pouco pautado na mídia hegemônica, mesmo com a recorrência da interrupção da gravidez diante do quadro ilegal, conforma já destacado neste estudo. Mesmo que haja reações diante do conteúdo, a iniciativa de levantar a pauta mostra com o meio se guia pela independência.

Em relação às características jornalísticas, o veículo apresenta um forte teor informativo e promotor de educação, ou seja, a fim de estimular pensamento crítico e

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consciência coletiva por meio do debate público. Este trecho da matéria deixa transparecer esse intuito:

Apesar dessas orientações, mulheres ainda encaram uma realidade diferente ao buscar ajuda. A enfermeira e epidemiologista Emanuelle Goes estudou como é o atendimento às mulheres que buscam atendimento pós abortamento nos serviços de saúde. “Independentemente do tipo de aborto, elas são maltratadas, passavam por dificuldade no atendimento. Meu estudo fez uma observação entre mulheres negras e brancas e mesmo sendo o aborto um estigma que atinge todas as mulheres, atinge de forma mais potente as mulheres negras, sobretudo as pretas”, conta (BERTHO, 2019).

Diante do exposto, o coletivo entende que “quanto mais vozes diferentes, mais longe a voz d’AzMina chegará e mais gente se sentirá parte dela. Temos o compromisso de trazer para o debate público vozes de diversas raças, classes, ideologias, orientações sexuais e gêneros ” 10 .

Citado por Assis (2012, p.133), o professor da Universidade de São Paulo, Manuel Carlos Chaparro, entende que jornalismo não é aquele descartado no fim do dia após ter sido lido, mas sim o que “permanece na pauta social, subsidiando conversas, debates, reflexões ou atitudes capazes de transformar significativamente a realidade”.

Compromisso com a cidadania

Em um terceiro ponto, destaca-se o compromisso da revista em assumir um papel cidadão. Ao pautar um discurso pluralizado, o coletivo trata dos direitos e deveres que permeiam a mulher em relação ao aborto no sistema de leis brasileiras. É possível observar essa questão no seguinte trecho na matéria, narrada por Helena Bertho:

É importante saber que vítimas de estupro não precisam apresentar boletim de ocorrência para ter direito ao procedimento. A Norma Técnica de Atenção Humanizada ao Abortamento, do Ministério da Saúde, informa que o Código Penal não exige qualquer documento para a prática do abortamento nos casos de estupro e que a mulher não é obrigada a noticiar o fato à Polícia. “Deve-se orientá-la a tomar as providências policiais e judiciais cabíveis, mas, caso ela

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não o faça, não lhe pode ser negado o abortamento”, orienta o Ministério da Saúde (BERTHO, 2019).

O veículo ainda demonstra de forma ambígua as dificuldades enfrentadas por mulheres para realizar o aborto, unindo o debate público aos direitos que permeiam o assunto e compreendendo um descaso com a situação da mulher que se encontra dentro deste contexto.

O conceito de cidadania envolve muitos aspectos, além do direito à saúde, à educação, entre outros (SOARES, 2008, p. 2). Este termo também está conectado ao fato dos cidadãos precisarem de “acesso à informação pública para exercerem seus direitos de acesso ao poder político, de modo que o direito à informação é necessário ao exercício dos demais direitos da cidadania” (SOARES, 2008, p. 4).

Retomando, então, a análise da reportagem, compreende-se que o coletivo tem o intuito de explorar as narrativas sociais mais desassistidas, proporcionando não apenas um caráter humanitário, mas também possibilitando questionamentos e reflexões em que o direito exposto por Soares (2008) entra em vigor a partir destas dúvidas que passam a permear o contexto social.

Gentilli (2005, p. 10) avalia que o método mais genial da profissão seria “desconstruir para reconstruir”, sendo o jornalismo um elemento “incômodo, perturbador”. A Revista apresenta esse modo “perturbador” ao observar-se, inclusive, o incômodo da então ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.

Desta maneira, o coletivo AzMina assume um local de fala em que o público torna-se protagonista a partir de elementos que compõem um cenário de novas possibilidades, sendo a autonomia editorial, o debate público e o compromisso com a cidadania uma maneira de levar à sociedade um novo jornalismo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo mostrou a importância de estimular a produção independente por meio, inclusive, de financiamento coletivo, com intuito de promover debate público de qualidade. Durante a produção deste artigo, procurou-se evidenciar como este tipo de produção também se relaciona com o interesse público a fim de fortalecer a democracia e ampliar vozes. Afinal,

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uma mídia pluralizada possibilita um olhar disruptivo em relação a temas e universos que não permeiam o contexto de todos os indivíduos.

Além disso, o estudo concluiu a relevância do exercício democrático do jornalismo ao promover informação em sua multiplicidade, dando espaço para o rompimento de tabus. Ao analisar mais profundamente a mídia independente, percebe-se uma atuação com a tentativa de romper paradigmas, a fim de impactar indivíduos por meio de notícias de cunho social com histórias e relatos de pessoas inseridas em diversos contextos.

Deste modo, ampliar os contextos em que indivíduos estão inseridos, ecoando as diferentes narrativas vivenciadas por uma multiplicidade social, é essencial diante de um cenário brasileiro em que as desigualdades se acentuam cada vez mais.

Assim, a mídia independente, utilizando-se de meios alternativos como modo de financiamento, promove novos debates de interesse público e elucida minorias que, por muitas vezes, são negligenciadas.

Com um recorte para a Revista AzMina, evidencia-se a mídia independente como fonte de fortalecimento da cidadania e de democracia por meio de reportagens e matérias que contextualizam a feminilidade em um amplo espaço, com compromisso não só com jornalismo de qualidade, mas com a independência editorial. O coletivo, por meio da autonomia, promove panoramas pautados por contrastes e inconformidades.

Destaca-se ainda que diante da entrevista concedida pela editora-chefe da Revista AzMina, Thais Folego, percebe-se o compromisso do portal em enfrentar temas polêmicos. Deste modo, o coletivo busca promover debate público e estimular pluralidade de vozes, dando espaço, inclusive para o rompimento com padrões instaurados socialmente.

Percebe-se a necessidade da existência de ainda mais espaços em que a voz das pessoas protagonizam as narrativas carregadas de interesse e debate público. Compreende-se que uma sociedade informada com propósito possibilita melhores indicadores sociais, amplia a democracia e exerce cidadania, pois, desta maneira, o conhecimento fortalece vida pública em que os indivíduos utilizam-se da sapiência para promoverem direitos e deveres.

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Referências

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