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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO / INSTITUTO MULTIDISCIPLINAR

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO, CONTEXTOS

CONTEMPORÂNEOS E DEMANDAS POPULARES – PPGEDUC

EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA GUARANI

NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO:

TENSÕES E DESAFIOS NA CONQUISTA DE DIREITOS

NORIELEM DE JESUS MARTINS

Sob a Orientação do Professor

Prof. Dr. Aloísio Jorge de Jesus Monteiro

Dissertação submetida como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em

Educação, no Programa de Pós-Graduação em Educação, contextos contemporâneos e demandas populares.

Seropédica, RJ 2016

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371.829808153 M386e

T

Martins, Norielem de Jesus, 1980-

Educação escolar indígena Guarani no Estado do Rio de Janeiro: tensões e desafios na conquista de direitos / Norielem de Jesus Martins. – 2016.

96 f.: il.

Orientador: Aloísio Jorge de Jesus Monteiro.

Dissertação (mestrado) – Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Curso de Pós-Graduação em Educação, Contextos Contemporâneos e Demandas Populares, 2016. Bibliografia: f. 91-95.

1. Índios da América do Sul – Educação – Rio de Janeiro (Estado) - Teses. 2. Índios Guarani – Educação - Rio de Janeiro

(Estado) – Teses. 3. Educação

multicultural - Rio de Janeiro (Estado) – Teses. 4. Educação e Estado – Rio de Janeiro (Estado) – Teses. I. Monteiro, Aloísio Jorge de Jesus, 1957- II. Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Curso de Pós-Graduação em Educação, Contextos Contemporâneos e Demandas Populares. III. Título.

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Ao Povo Guarani das sete aldeias do Litoral do Estado do Rio de Janeiro, amigas e amigos queridos, com quem muito aprendi.

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família extensa: avós, pai, mãe, irmão, sobrinhos, por toda a ajuda e carinho; a Nhanderu (Deus), grande e inseparável-força, sempre presente amparando minha mente e coração; ao amigo Fabiano Avelino, principal motivador para meu ingresso no mestrado e para a minha permanência nele. Valeu a pena! À amiga Enilze Lucena pelo carinho, amizade, pela alegria e pelo apoio nas horas difíceis; às amigas e companheiras de estrada, de militância, de anseios, lágrimas, sorrisos, previsões astrológicas e cosmológicas: Katia Zephiro e Roseléa Oliveira, força sempre!; aos colegas do PPGEduc/ UFRRJ das turmas de 2014 e 2015 e professores com os quais convivi neste período, em especial à colega Mª da Conceição e ao Professor Luiz Fernandes Oliveira. Ao professor Domingos Nobre, por todo conhecimento compartilhado, pela motivação e disposição de estar sempre no chão da aldeia, atuando e militando com os guarani e que, junto com Rita, sua companheira, acolhem aqueles que chegam para somar. Obrigada! Às queridas Kelly Russo, Mariana Paladino, Gabriela Barbosa, pessoas com quem vale a pena aprender e conviver; ao querido Celso Sanchéz, pela espirituosidade de sempre e por guaranizar a todos nós; a toda a equipe da EJA Guarani, professores, alunos, escola, bolsistas, por toda aprendizagem coletiva e vivências que proporcionou laços de amizade sincera; à equipe e todo o coletivo do Colégio Indígena Estadual Karaí Kuery Rendá e Salas de Extensão, por compartilhar de grandes angústias e partilhar pequenas conquistas; aos colegas da SECT de Angra dos Reis, especialmente da Gerência de Educação Comunitária, de todas as fases e equipes com quem atuei nos últimos anos; ao professor Algemiro da Silva Karai Mirim, grande mestre, a minha eterna gratidão; às mulheres guarani, guerreiras e referenciais na luta pelos direitos indígenas; ao meu orientador Aloísio Jorge, pelo axé; às queridas, Aline Abbonízio e Vera Kauss, que conheci nesse processo, e que contribuíram, para a conclusão deste trabalho; à Eunice Pereira, que nos ensina com sua simplicidade, determinação e cultivo de flores; ao querido Armando Barros (In Memorian) sempre presente na minha memória, ainda me ensinando; à equipe de apoiadores/colaboradores da EEI no RJ que contribuíram diretamente para esta pesquisa.

Imensa é a gratidão ao povo guarani, pela transformação da minha mente, coração, alma e espírito a cada discurso, a cada tempo de convivência.

Imensa é a minha gratidão a todos os companheiros guaranizados por essa rede de trocas, militância, angústias, conquistas e saberes compartilhados... São muitos gestos, abraços, palavras, leituras e aprendizagens que tenho a agradecer.

Espero contribuir sempre para o fortalecimento da tessitura dessa rede, rizoma, teia.... Que só é possível no coletivo.

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Conversando com Nhanderu Eté...

Antes da minha pesquisa eu pensava que nós Guarani Mbyá não sonhávamos mais. Pensava assim em função de tudo que li, estudei, das minhas caminhadas entre os Juruá. Eu realmente coloquei em dúvida a nossa capacidade de sonhar, de conversar com Nhanderu Eté. Pois eu não acreditava mais nas minhas conversas com ele [...]

Os sonhos com Nhanderu Eté são sempre realizações. Mas, mas é preciso acreditar. Eu estava aprendendo a sonhar a partir do mundo dos Juruá. Os sonhos dependem dos lugares. Hoje eu sei disso. Porque antes quando sonhava com as coisas do Juruá, eu pensava que o mundo tinha mudado, pensava na tecnologia e que os guarani tinham os mesmos sonhos que eu. Mas isso não significava que não sonhávamos mais e que os sonhos não são importantes. Após a minha pesquisa, percebi que nós sempre sonhamos e que Nhanderu eté continua conversando com os Guarani Mbyá.

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MARTINS, Norielem de Jesus. Educação Escolar indígena Guarani no Estado do Rio de

Janeiro: Tensões e Desafios na Conquista de Direitos. 2016. 96 p. Dissertação (Mestrado

em Educação, Contextos Contemporâneos e Demandas Populares) PPGEduc, Universidade Federal Rural do Estado do Rio de Janeiro, Seropédica, RJ, 2016.

Compreendendo a educação escolar como uma prática cultural que se impôs aos povos indígenas, podemos refletir sobre o nosso desconhecimento ou negligência sobre as formas de educar destes povos, que envolvem processos civilizatórios próprios, linguagens, concepções diversificadas de território e pertencimento. As políticas públicas de Educação Escolar Indígena no Brasil são recentes, e embora muitos direitos tenham sido conquistados no campo educacional, ao longo das últimas décadas, alguns não se efetivam plenamente. Apesar dos princípios da especificidade, diferença, interculturalidade e bilinguismo que fundamentam a Educação Escolar Indígena, identificamos, ainda, uma forte influência colonial nas políticas públicas da Educação Nacional, dificultando o diálogo e a implementação de direitos indígenas. Apesar destes impasses, novas políticas vêm se constituindo em uma perspectiva intercultural, respeitando as territorialidades indígenas. No Estado do Rio de Janeiro, esta política começa a se estruturar a partir da ação colaborativa entre Estado, Municípios e Governo Federal. Sendo assim, o objetivo desta pesquisa é analisar a situação das atuais políticas públicas de educação escolar indígena Guarani no Estado do Rio de Janeiro, identificando caminhos possíveis para a garantia do direito à educação, na perspectiva da ação colaborativa. Para sua realização, privilegiamos a abordagem qualitativa, a observação participante e entrevistas efetuadas no período de 2014-2015. Nosso campo de estudo são as políticas públicas para a Educação Escolar Indígena no Rio de Janeiro, realizadas pelo Governo Estadual, Municípios onde estão localizadas as aldeias Guarani e Universidades Públicas. Analisando o regime colaboração entre entes federados a partir da política dos Territórios Etnoeducacionais, percebemos que é necessário investir em um plano de ação que contemple as especificidades de cada aldeia e que possibilite maior autonomia que a do modelo de gestão atual, possibilitando a garantia de efetivação dos direitos conquistados.

Palavras Chave: Educação Escolar Indígena. Interculturalidade. Território Etnoeducacional.

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MARTINS, Norielem de Jesus. Educación Escuela Indígena Guaraní en el Estado de Río

de Janeiro: tensiones y desafíos en derechos de conquista. 2016. 96 p. Disertación

(Maestría en Educación, Contextos y Demanda Popular Contemporánea) PPGEduc, Universidad Federal Rural del Estado de Río de Janeiro, Seropédica, RJ, 2016.

La comprensión de la educación como una práctica cultural que se impone a los pueblos indígenas, podemos reflexionar sobre nuestra ignorancia o negligencia de formas de educar a estas personas, lo que implica propias proceso de la civilización, los idiomas, las diversas concepciones del territorio y pertenencia. Las políticas públicas para la educación indígena en Brasil son recientes, y aunque se han conseguido muchos derechos en la educación en los últimos decenios, algunos no actualizan completamente. A pesar de la especificidad de los principios, la diferencia, la interculturalidad y el bilingüismo que apoyan la educación indígena también identificó una fuerte influencia colonial en las políticas públicas de Educación Nacional, el diálogo y dificulta la implementación de los derechos indígenas. A pesar de estos callejones sin salida, las nuevas políticas han ido constituyendo en una perspectiva intercultural, respetando la territorialidad indígena. En el estado de Río de Janeiro, esta política comienza a tomar forma a partir de la acción de colaboración entre el Estado, los municipios y el gobierno federal. Por lo tanto, el objetivo de esta investigación es analizar la situación de las políticas públicas actuales de la educación indígena guaraní en el Estado de Río de Janeiro, la identificación de las posibles formas de garantizar el derecho a la educación con miras a la acción colaborativa. Para su realización, nos centramos en el enfoque cualitativo, observación participante y las entrevistas realizadas en el periodo 2014-2015. Nuestro campo de estudio son las políticas públicas para la educación indígena en Río de Janeiro llevadas a cabo por el Gobierno del Estado, los municipios donde están ubicados los pueblos guaraníes y universidades públicas. El análisis de los acuerdos de cooperación entre las entidades federales de la política de los territorios Etnoeducacionais, nos dimos cuenta de la necesidad de invertir en un plan de acción que responda a las particularidades de cada pueblo y que permite una mayor autonomía que el actual modelo de gestión, lo que permite la ejecución de las garantías los derechos alcanzados.

Palabras clave: Educación Indígena. Interculturalidad. Etnoeducacional Territorio. Políticas Públicas.

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Imagem 1 Aldeia Sapukai. 1999 ...13

Imagem 2 I Encontro de Educadores Indígenas Guarani. 2000...14

Imagem 3 Construção de Livro Paradidático. 2002...14

Imagem 4 Seminário Nacional UCDB. 2003...14

Imagem 5 Turma da EJA Guarani 2014...14

Imagem 6 Aldeia Sapukai. 2015...16

Imagem 7 Aldeia Itaxi 2014 ...44

Imagem 8 Aldeia Araponga 2015 ...44

Imagem 9 Aldeia Rio Pequeno 2016 ...44

Imagem 10 Aldeia Itaipuaçu 2015...45

Imagem 11 Aldeia Ka’agua Hovy porã 2015...45

Imagem 12 Colégio Indígena Estadual Karai Kuery Renda 2016 ...70

Imagem 13 Sala de Extensão Tava Mirim. 2015 ...70

Imagem 14. Sala de Extensão Karai Oca 2016...70

Imagem 15 Rio Pequeno 2016 ...70

Imagem 16 Itaipuaçu 2015...73

Imagem 17 Ka’agua Hovy Porã 2015...73

Imagem 18 Mural Colégio 2015...77

Imagem 19 Formatura 2ª turma de EJA Guarani. 2002 ...80

Imagem 20 EJA Guarani. Foz do Iguaçu. 2014...83

Imagem 21 EJA Guarani. Tenondé Porã. SP. 2014...84

Imagem 22 Escola Indígena – Ilha da Cotinga. 2014...85

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Quadro 1 Panorama das Aldeias no Rio de Janeiro ...46

Quadro 2 Estrutura de atendimento no Litoral Fluminense...71

Quadro 3 Aldeia Sapukai ...71

Quadro 4 Aldeia Itaxi ...72

Quadro 5 Aldeia Araponga...72

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CEDAC - Centro de Ação Comunitária

CEEI-RJ- Conselho Estadual de Educação Escolar Indígena do Rio de Janeiro CIMI - Conselho Indigenista Missionário

CONEEI- Conferência Nacional de Educação Escolar Indígena DESEI- Distrito Sanitário de Saúde Indígena

EEI- Educação Escolar Indígena EJA- Educação de Jovens e Adultos FUNAI - Fundação Nacional do Índio FUNASA - Fundação Nacional de Saúde IEAR- Instituto de Educação de Angra dos Reis

LDBEN - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional MEC- Ministério da Educação e Cultura

MOVA - Movimento de Alfabetização de Adultos MPF- Ministério Público Federal

NEI - Núcleo de Educação Indígena PNE- Plano Nacional de Educação

RCNEI - Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas SECT – Secretaria Municipal de Educação, Ciência e Tecnologia SEEDUC- Secretaria Estadual de Educação

SEPE- Sindicato dos Profissionais da Educação SESAI- Secretaria Especial de Saúde Indígena SME- Secretaria Municipal de Educação SPI - Serviço de Proteção ao Índio SPI- Serviço de Proteção aos Índios TEE’s- Territórios Etnoeducacionais

UCDB - Universidade Católica Dom Bosco UERJ- Universidade Estado do Rio de Janeiro UFF- Universidade Federal Fluminense

UFRJ- Universidade Federal do Rio de Janeiro

UFRRJ- Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro UNIRIO- Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro

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I. INTRODUÇÃO...12

1.1. Che Jeguatá – Meu caminho ...12

1.2. Estrutura da dissertação...17

1.3. Objetivos e caminhos metodológicos...18

II. A INVISIBILIDADE INDÍGENA NO MUNDO COLONIAL E SUAS INFLUÊNCIAS NA EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA...23

2.1. A invisibilidade indígena no mundo colonial e o diálogo intercultural...23

2.2. Para além das fronteiras geopolíticas...30

2.3. Política Indigenista e Educação Escolar Indígena: da tutela à autonomia?...32

2.4. Perspectivas de organização da Educação Escolar Indígena em Territórios Etnoeducacionais, por meio da ação colaborativa entre os entes federados...35

III. A PRESENÇA GUARANI NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO...40

3.1. Povo Guarani, Grande Povo...40

3.2. Os Guarani no Estado do Rio de Janeiro...41

3.3. As sete aldeias no Litoral Fluminense...43

3.4. Multiplicidade de espaços e relações no tekoa...46

3.4.1. Dialogando com interlocutores: aspectos de diferenças e semelhanças entre as aldeias...47

3.4.2. Guaranizando o modo de ser juruá...51

3.4.3.Relações entre saúde, trabalho e lazer no Tekoa...54

3.4.4. Caminhando pelas aldeias...55

IV. EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA NO RIO DE JANEIRO: TENSÕES E DESAFIOS NA CONQUISTA DE DIREITOS...57

4.1. Trajetória I: Escola Indígena Comunitária...57

4.2. Trajetória II: Escola Indígena Estadual...66

4.3. Panorama das escolas e movimentos educacionais nas aldeias...70

4.3.1. Angra dos Reis e Parati...70

4.3.2. Maricá...71

4.4. A situação atual da Educação Escolar Indígena no Rio de janeiro: Tensões e Desafios na Conquista de Direitos...73

4.5. Projetos diferenciados no âmbito da Educação Escolar Indígena no Rio de Janeiro: a experiência da EJA Guarani enquanto ação interinstitucional...79

4.5.1. Conhecendo outras realidades – De Sapukai à Argentina...83

V. CONSIDERAÇÕES FINAIS: CAMINHOS POSSÍVEIS...86

REFERÊNCIAS...91

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I- INTRODUÇÃO

1.1- Che Jeguatá – Meu caminho1

A história é uma longa tessitura coletiva que nos proporciona, entre uma costura e outra, encontros marcados no tempo. Entrelaçando o universo indígena aos meus dias, fui formando uma imensa colcha de retalhos, a partir do encontro com a cultura guarani, no final dos anos 90.

Esta dissertação é mais um fruto dessa trajetória, motivada pela necessidade de estimular o olhar da universidade para a educação escolar indígena no Brasil. Embora estejamos no ano de 2016, considero importante situar o leitor nessa caminhada pessoal que passa por momentos de apropriação de saberes, enfrentamentos e desafios que ultrapassam o âmbito desta pesquisa.

Sendo assim, como cheguei aqui?

Durante a graduação em Pedagogia, conheci a Aldeia Sapukai. Na ocasião, em meados de 1999, estava em um grupo de estudantes da graduação em Pedagogia, realizando uma pesquisa de campo, cujo objetivo era conhecer os índios de Angra dos Reis. Até então, eu e os demais estudantes ali presentes, não tínhamos conhecimento algum sobre a cultura guarani, tampouco sabíamos que existiam escolas indígenas ou professores indígenas.

No centro da Aldeia, acontecia uma reunião do Núcleo de Educação Indígena (NEI), cuja pauta foi apresentada pelo professor guarani Algemiro da Silva Karai Mirim:

1. Regularização da Escola Comunitária. 2. Contratação Coletiva de Educadores. 3. Criação do Curso de Magistério Indígena. 4. Ampliação da Escola.

1 Nesta apresentação utilizarei o verbo na primeira pessoa, pois estarei narrando a trajetória pessoal que antecede

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Imagem 1: Aldeia Sapukai – 1999. Fonte: Autora

A partir desta experiência inicial, procurei buscar mais elementos para compreender aquela realidade e o motivo daquelas reivindicações. Sendo assim, comecei a acompanhar o trabalho do professor Armando Martins de Barros (In Memorian) que, na época, discutia junto às Universidades a formação de professores Guarani no Litoral Sul Fluminense e desenvolvia projetos nas aldeias.

No desdobramento destas discussões, pude participar de alguns momentos e espaços importantes na trajetória da EEI: O I Encontro Nacional de Educadores Indígenas Guarani (2000), do grupo de pesquisa “Memória e história, práticas discursivas do olhar” e do projeto: “Memória e temporalidade Guarani Mbyá: construção de livro paradidático2” (2002), ambos

coordenados pelo professor Armando, e também do I Seminário Nacional “Fronteiras Étnico Culturais e Fronteiras da Exclusão - O Desafio da Interculturalidade e da Equidade” (2003), na Universidade Católica Dom Bosco, em Mato Grosso do Sul, no qual pude conhecer também um pouco da realidade dos Guarani Kaiwoá daquela região.

2 Projeto de extensão “memória e temporalidade Guarani Mbyá: construção de livro paradidático”,

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Imagem 2: I Encontro Nacional de Educadores Guarani. Aldeia Sapukai. 2000. Fonte: Autora

Imagem 3. Construção de Livro Paradidático. Aldeia Itaxi. 2002. Fonte: Autora

Imagem 4. I Seminário Nacional. UCDB. 2003. Fonte: Autora

Sobre essa trajetória inicial, realizei o trabalho de conclusão do curso da graduação: “A ressignificação da escola no contexto Guarani Mbyá no Litoral Sul Fluminense” (Martins, 2004), orientado pelo professor Dr. Armando Martins de Barros. Neste percurso, aprendi alguns caminhos possíveis para a educação escolar indígena em uma perspectiva autônoma,

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diferenciada, específica, intercultural e bilíngue, que tanto ouvíamos falar na época, sem saber como seria de fato. Desenhando nas paredes das pequenas escolas indígenas de Angra e Parati e ouvindo os longos discursos em guarani, na escrita dos diários de campo, fui me formando educadora.

No decorrer destas experiências, percebi que havia ampliado, a partir da cultura Guarani, a minha concepção de educação, de mundo e de cultura. Pude compreender as relações culturais enquanto em transformação permanente e ver refletida a minha própria diferença no olhar do outro. Entretanto, continuava com muitos questionamentos e dúvidas:

- Qual seria o papel da escola nas comunidades indígenas? Seria a escola diferenciada, apenas uma adaptação para aprender o português, ou seria um grito histórico: - “nós somos capazes!?”, na construção de uma nova concepção de educação e de professor? Quem formaria os professores? Qual seriam as metodologias privilegiadas? Quem determinaria as metodologias? Os indígenas? Os apoiadores/ colaboradores não indígenas? Quantas respostas seriam possíveis a estas questões? Acredito que muitas, tendo em vista a diversidade dos povos indígenas no Brasil que, embora unidos pela luta, são diferentes em práticas, necessidades e interesses em suas comunidades.

Posteriormente, em 2012, realizei uma releitura desta trajetória, com base em outras leituras e novas perspectivas possibilitadas pelo curso de pós-graduação latu-sensu na Universidade Federal Fluminense: Diversidade Cultural e Interculturalidade: Matrizes Indígenas e Africanas na Educação Brasileira (2011-2012). A partir de um olhar mais distante e amadurecido que o dos anos de acompanhamento direto com a experiência de educação escolar diferenciada guarani, escrevi a monografia de conclusão de curso: “Trajetórias da Educação Escolar Indígena Guarani Mbyá no Rio de Janeiro – A Ressignificação da Escola pelos Guarani Mbyá” (Martins, 2012), orientada pela prof.ª Dr.ª Mariana Paladino. Nesse trabalho, pude constatar, com muito pesar, que a pauta de reivindicações apresentada pelo professor guarani, Algemiro da Silva Karaí Mirim, em 1999, continuava atual.

No ano de 2013, em mais um encontro marcado no tempo, retomei a atuação na escolarização indígena, como coordenadora na Secretaria Municipal de Educação, Ciência e Tecnologia de Angra do Reis - SECT, atuando na coordenação pedagógica do Projeto de Educação de Jovens e Adultos Guarani - EJA Guarani.

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Imagem 5: Turma da EJA Guarani. Aldeia Sapukai, 2014. Fonte: Autora

Retomar as discussões sobre escolarização indígena foi um grande desafio, pois há seis anos eu atuava como professora alfabetizadora na Educação de Jovens e Adultos regular do Município, na Escola Municipal Áurea Pires da Gama, no bairro Bracuí. Essa escola está situada entre a comunidade Quilombola de Santa Rita do Bracuí e a Aldeia Sapukai. A opção por lecionar no bairro do Bracuí não foi por acaso. A experiência junto aos Guarani, como relatada anteriormente, transformou meu olhar, minha prática educativa e minhas escolhas.

Na SECT, as coisas não foram tão simples como na sala de aula. Durante a execução do projeto EJA Guarani, no período de 2013 a 2014, amarguei muitos dos meus dias por não conseguir encaminhar situações simples, que facilitariam a vida dos alunos indígenas como, por exemplo, atendê-los em sua comunidade. No entanto, é necessário destacar que, mesmo com as limitações enfrentadas, a concretização dessas ações foi viabilizada por políticas públicas consolidadas no Município de Angra dos Reis, construídas ao longo de muitas gestões, pelo trabalho articulado no âmbito da SECT, por meio do Núcleo de Ações e Políticas Interculturais, em que atuei, construindo também planos de formação continuada para professores não indígenas para a implementação das Leis 10.639/03 e 11.645/08, que tornam obrigatório o ensino das histórias e culturas africanas, afro-brasileiras e indígenas nos currículos escolares.

Podemos considerar como um desafio para qualquer educador a persistência guarani, pois, ainda são atuais as palavras do professor Algemiro da Silva (1999) que ouvi em minha primeira visita a sua Aldeia – Sapukai: “estamos há 500 anos ao lado do homem branco e ele ainda vem até aqui perguntar como o índio come e como o índio dorme”. - Sim, professor! Após séculos de contato, ainda é um desafio realizar políticas públicas contínuas e articuladas com as comunidades indígenas. No Estado do Rio de Janeiro, a pauta de reivindicações guarani ainda é quase a mesma da década passada. A cada nova reunião, novos pesquisadores

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curiosos e entusiasmados, fazem as mesmas perguntas incipientes. Poucos se dispõem a compreender o caminho percorrido e a colaborar. - Vocês respondem com uma paciência histórica.

No entusiasmo por esta temática, decidi ingressar no mestrado em uma linha de pesquisa que parecia ter tudo a ver com o que eu precisava no momento: uma rede de pessoas/profissionais dispostos a colaborar com a melhoria da qualidade de vida dos Guarani no Rio de Janeiro. Procurei, então, o Programa de Pós-Graduação em Educação, Contextos Contemporâneos e Demandas Populares, na UFRRJ, tendo êxito na minha primeira tentativa de seleção.

Inicialmente, a temática que motivou a pesquisa foi a relação intercultural na EEI na turma da EJA Guarani (2012-2014), porém, com a sua conclusão em 2014, após uma árdua jornada dos guarani e colaboradores, foi possível constatar que as ações significativas para a EEI no Rio de Janeiro estavam acontecendo em momentos pontuais, sem garantia de continuidade, e que muitos destes projetos pautavam-se em iniciativas de militância e ou de apoiadores/ colaboradores das aldeias guarani e não enquanto política pública estruturada.

Essa inquietação nos levou a rever o direcionamento da pesquisa rumo ao estudo das tensões e os desafios na implementação da EEI no Estado, na perspectiva do regime de colaboração entre Estado, Município e Governo Federal.

1.2- Estrutura da dissertação

Estruturamos o texto em quatro partes: a primeira discorre sobre o percurso vivenciado, por meio da narrativa reflexiva, a descrição do objeto de estudo e as metodologias que orientaram a pesquisa e dialogando com os teóricos: Bamecha (2002), Machado e Paludo (2007), Ercket (2008), Freire (1999, 2000, 2014), Barros (2003), Orlandi (1984). Ressaltamos que alguns fragmentos desse texto são releituras de escritos já publicados pela autora e ressignificados por novas leituras e diálogos na orientação deste trabalho.

A segunda parte apresenta uma problematização sobre a invisibilidade indígena no mundo moderno/ colonial e as relações interculturais entre os povos indígenas em uma perspectiva crítica. Abordamos alguns aspectos da territorialidade indígena e as influências da colonialidade nas atuais políticas públicas de Educação Escolar Indígena. Para isso, traçamos um panorama das principais políticas indigenistas e dos avanços no campo do direito educacional e da política dos etnoterritórios educacionais, na perspectiva do regime de

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colaboração na EEI. Neste capítulo, consideramos as legislações específicas e os teóricos: Walsh (2001, 2005, 2006), Quijano (2005), Torres (2007), Oliveira (2015), Masolo (2009), Santos (2009), Spivak (2010), Meliá (1995, 1999, 2002), Collet (2003), Bergamaschi (2012),

Paladino e Czarny (2011), Bessa Freire (2002), Luciano (2006) e Baniwa (2010).

A terceira parte, trata do Povo Guarani e da sua presença no Rio de Janeiro, traçando um panorama das sete aldeias que compõem o Litoral Fluminense. Compreendendo a multiplicidade de espaços e relações no Tekoa, abordamos as diferenças e semelhanças entre as aldeias, por meio do diálogo das entrevistas realizadas em campo e dos estudos de: Freire, Bessa (2010), Pissolato (2007), Ladeira (1994), Benites (2015) e de Karai Mirim (2013).

A quarta parte traz um panorama da trajetória da Educação Escolar Indígena no Estado do Rio de Janeiro, dividido em duas partes: o período da escola comunitária e o período da escola estadual, analisando a situação da Educação Escolar Indígena no Estado, a partir das tensões e desafios atuais e identificando possíveis caminhos para a garantia de direitos dos Guarani. Para esta análise, utilizamos os diários de campo, documentos, legislações, entrevistas e os teóricos: Barros (2001, 2003), Nobre (2001, 2005) e Duarte (2015).

Por fim, buscamos identificar caminhos possíveis para a efetiva implementação da educação escolar indígena no Rio de Janeiro na perspectiva da autonomia, do protagonismo indígena e da colaboração efetiva entre os entes federados no território etnoeducacional Guarani do Litoral Fluminense.

1.3 – Objetivo e Caminhos Metodológicos

O objeto desta pesquisa são as atuais políticas públicas de EEI no Rio de Janeiro na perspectiva do regime de colaboração entre Governo Estadual, Governo Municipal e Governo Federal. Nosso objetivo é analisar a situação efetiva destas políticas nas aldeias Guarani do RJ, compreendendo o percurso realizado na EEI do Estado, e identificando caminhos possíveis para a garantia do direito à educação, na perspectiva da ação colaborativa, conforme orienta a legislação atual, fundamentada no conceito de Territórios Etnoeducacionais (TEE’s). O trabalho de campo compreende o período de 2014 a 2015 e foi realizado em visitas nas aldeias: Sapukai, em Angra dos Reis; Itaxi, em Parati e nas aldeias Itaipuaçu e Ka’aguy Hovy Porã, em Maricá. Devido ao curto período da pesquisa, não foram visitadas as aldeias de Araponga, Rio Pequeno e Saco do Mamanguá (Arandu Mirim) neste momento, porém,

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foram coletadas informações sobre as mesmas por meio de conversas com seus moradores e/ ou profissionais que atuam na área.

Embora existam outros grupos étnicos no Rio de Janeiro e indígenas de diferentes etnias que vivem nas cidades, esta pesquisa se limita a EEI entre os Guarani Mbyá e Nhandeva que vivem nas sete aldeias guarani no Rio de Janeiro. Atualmente, as duas maiores aldeias – Sapukai e Itaxi, são compostas pelos Guarani Mbyá, mas existem também Mbyá e Nhandeva em menor quantidade nas demais aldeias, portanto, como o foco desta pesquisa não é a construção de uma etnografia Mbyá ou Nhandeva, ao longo deste trabalho, nos referiremos aos grupos no Estado apenas como Guarani ou como Guarani Mbyá, por se tratar do grupo com maior representatividade no Estado, embora reconheçamos as especificidades de cada subgrupo.

O que buscamos observar em cada aldeia foram as atuais políticas de EEI na perspectiva da ação colaborativa entre os Entes Federados: Estado, Municípios e Governo Federal.

Além das observações realizadas nas visitas às aldeias, foram enviados por e-mail ou presencialmente (de forma oral), um questionário, para os professores e apoiadores/ colaboradores que atuam ou atuaram na efetivação de políticas públicas na EEI RJ, no período de 2014-2015. As questões levantadas foram3:

Nome: Instituição:

Tempo de atuação na área de Educação Escolar indígena:

1- Na sua opinião, existem aspectos que diferenciam as aldeias guarani no Estado do Rio de Janeiro? Quais?

2- Em relação aos pontos de semelhança entre essas comunidades, quais você considera importante destacar?

3- Como você avalia a situação atual da educação escolar indígena no RJ?

4- Na sua concepção, quais os caminhos possíveis para a garantia do direito dessas comunidades a uma educação escolar indígena específica, diferenciada, intercultural e bilíngue, na perspectiva da autonomia?

Foram respondidos 18 (dezoito) questionários de diferentes apoiadores/colaboradores dentre eles: Secretaria Municipal de Parati (1), UERJ Caxias (1), UNIRIO (1), UFRRJ (1), UFF (1), IEAR/UFF (2), Professores do Colégio Indígena Karai Kuery Rendá e Sala de

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extensão Tavá Mirim (5), professores que atuaram na EJA Guarani (4), CIMI (1), MPF (1). Destes, dois foram respondidos oralmente, sendo gravados e transcritos posteriormente.

Algumas das pessoas com as quais conversamos e ou enviamos os questionários são pesquisadores e/ ou autores conhecidos no meio acadêmico por sua atuação na área da EEI. Entretanto, optamos por não identificar os autores dos depoimentos, utilizando apenas siglas alfabéticas e quando necessário, situando o local de onde falam.

A efetivação de políticas públicas na EEI tem sido ainda pouco documentada, sendo assim, consideramos relevante trazer à tona essa discussão analisando seus impactos nas comunidades Guarani. Desta forma, pretendemos identificar alguns caminhos possíveis para a garantia do direito à educação escolar específica, diferenciada, intercultural e bilíngue, na perspectiva da autonomia e esperamos contribuir para a efetivação destas políticas, no campo educacional, refletindo sobre as especificidades de cada aldeia, suas trajetórias de lutas e conquistas, contextualizadas aos processos atuais de EEI no Brasil.

Tecemos aqui algumas considerações sobre as metodologias utilizadas, que fomentarão esta discussão, nos auxiliando na sistematização dos conhecimentos adquiridos nos estudos e no campo de pesquisa. Segundo Bamechea (2002):

A sistematização é uma forma de valorizar o saber e o processo de gestão desenvolvido pelos autores no seu cotidiano, ressaltando-se que o importante não é apenas o resultado atingido, mas especialmente, o caminho através do qual se chega a esse resultado. (Apud: IPA. 2013.p. 7)

Machado e Paludo (2007. p.12), definem a sistematização de experiência enquanto

processo reflexivo-crítico-narrativo e instrumento da educação popular:

(...) a sistematização possibilita a implementação de uma epistemologia que viabiliza a vivência da metodologia do trabalho popular e, portanto, permite a recriação do método, na direção da articulação entre a teoria e a prática, porque está fundada na práxis humana, possibilitando o diálogo freireano e as rupturas necessárias à qualificação das práticas.

No nosso caso em particular, buscamos ouvir as vozes dos professores guarani e de seus apoiadores no campo da luta pela educação (Secretarias Municipais e Estadual de Educação, Universidades), trazendo para o texto algumas de suas expectativas, saberes e reflexões. Contudo, devido ao limite de tempo ao qual estamos submetidos, o texto foi produzido com auxílio de outros instrumentos metodológicos como a pesquisa bibliográfica,

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documental e teórica, conversas informais e entrevista estruturada realizada com estes profissionais durante o período da pesquisa de campo. Compreendemos que este texto se define enquanto uma pesquisa qualitativa, em um processo reflexivo e crítico de pesquisa-ação participante devido ao envolvimento da pesquisadora, no período da pesquisa, como coordenadora da Secretaria Municipal de Educação de Angra dos Reis, atuando diretamente na EEI.

Ressaltamos que o lugar na gestão de políticas públicas nos traz algumas limitações, pois pode estar permeado de concepções que refletem as ideologias de uma gestão. Porém, este também é o lugar que nos traz possibilidades mais abrangentes de participação e de análise das atuais políticas devido ao contato direto com os sujeitos das diferentes aldeias, alunos, professores e apoiadores da EEI.

Ainda sobre a sistematização de experiência, destacamos que segundo Eckert (2008) essa é uma prática que vem sendo amplamente utilizada na América Latina e cada vez mais utilizada pelos diversos organismos de desenvolvimento do mundo inteiro.

Para Machado e Paludo (2007.p.22), a sistematização se relaciona com a concepção de

Educação Popular, pois:

a) é sempre realizada a partir do compromisso da transformação; b) visa à produção de conhecimento coletivo a partir da experiência e da qualificação da prática; c) busca incidir na particularidade, isto é, na experiência e na totalidade do trabalho popular; c) põe em movimento a lógica metodológica que parte do contexto concreto – problematização – contexto teórico e volta ao contexto concreto, num movimento contínuo e d) principalmente, quem a realiza são os próprios participantes da experiência.

Sobre a compreensão do conceito de educação popular, apoiamo-nos em Paulo Freire (2014), que a conceitua no âmbito da educação progressista, como um fazer que reconhece a capacidade humana de decidir, optar, mesmo que submetida a condicionamentos, que vão além da explicação mecanicista da história, assumindo uma posição crítica e otimista, porém não ingênua, vislumbrando a história como possibilidade em que a responsabilidade individual e social humana nos configura como sujeitos históricos e não como objetos de uma história dada. Em suas palavras:

Nessa altura da reflexão, me parece importante deixar claro que a educação popular posta em prática, em termos amplos, profundos e radicais, numa sociedade de classe, se constitui como um nadar contra a correnteza é exatamente que, substantivamente democrática, jamais separa do ensino dos conteúdos o desvelamento da realidade. (FREIRE, 2014, p. 118)

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É nessa perspectiva que segue a nossa metodologia de pesquisa bibliográfica, documental e teórica, complementando nossa tese com o que Barros (2003.p.21) compreende como uma gnose que considere a temporalidade guarani mbyá no processo investigativo enquanto “ a forma como as sociedades demarcam, constroem, e formulam suas noções de tempo (e, delas derivadas, suas noções de memória, de história, de lembranças, de esperanças sobre um futuro) relacionando instâncias objetivas e subjetivas”.

Neste contexto, Orlandi (1984.p.24), em uma breve análise do discurso autoritário da escola, nos atenta para a necessidade de transformá-lo em discurso pedagógico crítico, pois este se dispõe à reversibilidade e a saber ouvir. Na perspectiva do aluno seria como tomar a palavra para si. Nas escolas não-indígenas é predominante ainda o “discurso pedagógico autoritário, onde são impostos conhecimentos muitas vezes distantes da realidade dos alunos, dificultando a possibilidade da fala” (tomar a palavra) e a aprendizagem significativa. Contudo, há uma busca histórica para que esta realidade seja superada e transformada, a prova disto tem sido inúmeras iniciativas individuais ou de grupos escolares que partilham das mesmas perspectivas de mudança.

Neste trabalho, consideramos como nossa referência a perspectiva da educação progressista, segundo a concepção de Paulo Freire (1999, 2002) da educação como prática libertadora.

Na perspectiva de Freire, a educação é um instrumento de mudança e emancipação não necessariamente econômica, mas sobretudo, dos sujeitos, da construção da autonomia e como prática libertadora para os diferentes povos. (Freire. 2002. p.54).

Contudo, concordamos com o que recentemente, alguns pesquisadores da América Latina, como Walsh (2005) e Torres (2007), têm conceituado como a necessidade de uma Pedagogia Decolonial. Sobre o conceito de colonialidade discorreremos posteriormente.

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II – A invisibilidade indígena no mundo colonial e suas influências na Educação Escolar Indígena

Neste capítulo falaremos sobre a invisibilidade dos povos indígenas no Brasil e as suas influências na Educação Escolar Indígena, dialogando com os conceitos de: interculturalidade, modernidade/ colonialidade.

No primeiro momento, refletiremos sobre a invisibilidade indígena no contexto do mundo moderno/colonial e a necessidade da construção de políticas interculturais críticas no âmbito educacional. Em seguida, traçaremos um panorama das principais políticas indigenistas no Brasil, buscando compreender suas possíveis influências nos atuais impasses na implementação das políticas públicas de Educação Escolar Indígena no Brasil.

2.1. A Invisibilidade Indígena no mundo colonial e o diálogo intercultural

Quando nos referimos aos Povos Indígenas da atualidade no deparamos com alguns questionamentos acerca do que identificaria estes povos como tal, tendo em vista a miscigenação brasileira. Em outras palavras: O que é ser índio nos dias atuais? O que diferencia o indígena dos não indígenas? O que diferencia os conhecimentos indígenas dos conhecimentos considerados universais/ científicos?

Segundo o autor Boaventura de Souza Santos (2009), o pensamento do mundo moderno é um pensamento abissal. Segundo esta lógica, existe uma distinção entre os saberes visíveis e os saberes invisíveis, porém, ambos os lados (visível e invisível) estão separados por linhas que distinguem o saber dominante dos saberes incompreensíveis pelo saber dominante. Santos (2009) ressalta que no pragmatismo do mundo moderno tendemos a buscar nas consequências as explicações que deveriam estar fundamentadas nas causas dos problemas. Na análise de Santos, sobre a distinção entre saberes visíveis e invizibilizados, buscamos descontruir o discurso hegemônico que insiste em afirmar que as diversidades no Brasil estão misturadas, diluídas, não específicas, pois são fruto de uma mistura de variações genéticas e socioculturais fundamentalmente brasileiras.

Em outras palavras, se somos fruto de uma mistura, qual o sentido em investir em políticas específicas/ diferenciadas? Que princípio de igualdade é este que tende a incorporar sujeitos outros à cultura dominante, impossibilitando outras formas de ser e estar no mundo? No pensamento de Wash (2009.p.6) podemos compreender melhor as origens destes conflitos:

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(...) o reconhecimento e respeito à diversidade cultural se convertem em uma nova estratégia de dominação, que aponta não à criação de sociedades mais equitativas e igualitárias, mas ao controle do conflito étnico e à conservação da estabilidade social com o fim de impulsionar os imperativos econômicos do modelo (neoliberalizado) de acumulação capitalista, agora fazendo “incluir” os grupos historicamente excluídos ao seu interior. Sem dúvida a onda de reformas educativas e constitucionais dos 90 – as que reconhecem o caráter multiétnico e plurilinguístico dos países e introduzem políticas específicas para os povos indígenas e afrodescendentes – são parte desta lógica multiculturalista e funcional, simplesmente adicionam a diferença ao sistema e modelo existentes.

No Brasil, os indígenas parecem ser aqueles que estão fadados a viver em tensão permanente com o discurso da modernidade, que exclui o que não é considerado novo. Masolo (2009) em sua reflexão sobre os conhecimentos universais, em uma perspectiva étnica, nos dá algumas pistas sobre estas tensões entre o que é “ser” indígena e o estar no mundo que nega esta condição:

Em oposição àquilo que é estranho, estrangeiro ou alheio, a hipótese do adjectivo indígena antes da caracterização ou do nome de qualquer conhecimento serve para reivindicar para o adjectivo a desejabilidade da autonomia, auto-representação e auto-preservação. (MASOLO. Apud: SANTOS & MENEZES. 2009. p. 512)

A tentativa de destacar o que é conhecimento indígena dos ditos “saberes universais” parece representar o desejo pela autonomia da própria identidade no sentido de não se fragmentar, de não se tornar o outro, o discurso do outro, o saber do outro. Ou seja, resistir para continuar existindo.

A tensão entre o discurso da tradição e da modernidade pode ser observada nos estudos de Giddens (1991.p.11) nos quais ele afirma que “modernidade se refere ao estilo, costume de vida ou organização social que emergiram na Europa a partir do século XVII e que ulteriormente se tornaram mais ou menos mundiais em sua influência”. Para tanto, desenvolve sua análise fundamentado no que ele chama de “interpretação descontinuísta do desenvolvimento social moderno”, que compreende que as instituições sociais modernas são, em alguns aspectos, diferentes de outros tipos da ordem tradicional.

Em Giddens (1997.p.80) “a tradição, digamos assim, é a cola que une as ordens sociais pré-modernas”. Sendo assim, para ele, a tradição está associada ao controle do tempo. “Em outras palavras, a tradição é uma orientação para o passado, de tal forma que o passado tem

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uma pesada influência ou, mais precisamente, é constituído para ter uma pesada influência para o presente”.

Considerando que o pensamento de Giddens (1991, 1997) está fundamentado em uma lógica centro-europeia, em que a modernidade é vista como um fenômeno nascido na Europa, e os demais saberes são considerados “mitos e tradições”, ou seja, não- modernos, podemos compreender melhor a preocupação de Masolo (2009) no que se refere à autoafirmação dos “saberes indígenas ou dos etnosaberes”, pois esta demarcação de fronteiras parece ser resultado da própria exclusão destes sujeitos do pensamento “moderno”, ou seja, a identificação que possuem entre si enquanto “povos indígenas” para a lógica do pensamento “moderno” significa aqueles que estão fora da perspectiva do pensamento da “modernidade”, invizibilizados pela colonização do poder, do ser e do saber.

Desde os anos 90, a diversidade cultural na América Latina tem sido um tema muito abordado, presente nas políticas públicas, reformas educativas e constitucionais importantes. Segundo alguns teóricos latino americanos, como Torres (2007) e Walsh (2005), na América Latina e nos locais que sofreram o processo colonizador, permanecem a colonialidade do poder, do ser e do saber. Segundo Oliveira (2015.p.2), uma das principais proposições epistemológicas deste grupo de autores que abordam os paradigmas da modernidade/colonialidade “é o questionamento da geopolítica do conhecimento, entendida como a estratégia modular da modernidade”, por tanto, um dos primeiros desafios desta corrente teórica é o de difundir o mito da fundação da modernidade:

A modernidade foi uma invenção das classes dominantes europeias a partir do contato com a América. A modernidade não foi fruto de um despertar interno europeu que saiu da auto emancipação ou de uma saída da imaturidade por um esforço autóctone da razão que proporcionou à humanidade um pretenso novo desenvolvimento humano. Foi necessário, segundo Dussel (2009) afirmar uma razão universal a partir da Europa e estabelecer uma conquista epistêmica na qual o etnocentrismo europeu representou o único que pôde pretender uma identificação com a “universalidade-mundialidade”. A modernidade foi inventada a partir de uma violência colonial. (OLIVEIRA. 2015.p.3)

Nesta perspectiva, embora o processo colonizador tenha chegado ao fim, a colonialidade perpetua-se em nossas formas de organizar e distribuir o poder, de construir o saber, relações e representações socioculturais. Torres (2007.p.131) ressalta que o processo de colonização terminou, mas que a colonialidade continua. A colonialidade pressupõe o eurocentrismo como pensamento hegemônico, em que as relações intersubjetivas se orientam através do mercado capitalista mundial e da ideia de raça. Sendo assim, colonialidade se

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mantém viva em manuais de aprendizagem, nos critérios para o bom trabalho acadêmico, na autoimagem dos povos, nas aspirações dos sujeitos e em muitos outros aspectos de nossa experiência moderna. Neste sentido, respiramos colonialidade na dita “modernidade” cotidianamente.

Ao falarmos da colonialidade do saber, enquanto um conceito apontado por Quijano (2005), podemos entender o processo de inferiorização e negação do legado cultural dos povos indígenas no Brasil como um movimento histórico de desvalorização de seus saberes, considerados primitivos, irracionais e de menor valor cultural. Esta lógica incorporada à educação reflete diretamente nas escolas indígenas, quando o atendimento é precarizado. Na relação escola-saberes indígenas, estes são quase sempre tratados como saberes menores e não científicos, folclorizados, irrelevantes. Na colonialidade do saber, a interculturalidade não passa de discurso, uma vez que os manuais didáticos, o currículo, a metodologia e as avaliações seguem as normas e regras das escolas regulares, negligenciando os saberes dos povos indígenas.

Na colonialidade do ser, segundo Walsh (2006), negamos o que somos para nos tornarmos o que esperam de nós, ou como o discurso hegemônico nos diz que devemos ser. Este pensamento nos remete a uma aula da EJA Guarani (2014) em que a professora solicitou aos jovens guarani um autorretrato. A maioria deles se auto desenhou de arco e flecha nas mãos. Ao indagar a turma sobre suas representações, os mesmos chegaram à conclusão de que estavam se autorretratando como a sociedade de modo geral fazia e não como de fato viviam, ou seja, estavam com roupas contemporâneas, celular, óculos, relógio e viviam próximo à cidade, onde a caça não é tão abundante. Talvez fosse a caneta e o papel o instrumento mais usual naquele momento e não o arco e a flecha, mas esta imagem “tribal” transmitia a eles, em seu imaginário, uma identidade indígena, que embora genérica, está impressa na colonialidade do ser.

Na colonialidade do ser, os elementos identitários não valorizados pelo poder dominante, são negados e inferiorizados, induzindo os sujeitos à absorção dos padrões mais esteticamente valorizados. De acordo com esta lógica, a música, a linguagem, as danças e demais expressões “do Sul” tendem a ser vistas como primitivas, exóticas e com menor valor cultural, em detrimento do que se consolidou como o padrão a ser seguido. Porém, as expressões do Sul podem ser aceitas e ou apropriadas como uma espécie de souvenir cultural, desde que permaneçam exóticas e primitivas e não ousem ultrapassar as fronteiras de poder.

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Desta maneira, a apropriação dos modelos culturais dominantes funciona como uma espécie de “passaporte” para uma ascensão às benesses do grande capital, em que outras formas de identificação com os saberes – neste caso, indígenas e afro-brasileiros –, são invizibilidadas ou negadas pelos próprios sujeitos. A desvalorização das diversas formas de ser e saber resultam nos conflitos étnico-raciais e na violação dos direitos humanos. Portanto, um interculturalismo crítico, bem como uma pedagogia decolonial faz-se urgente nas discussões dos educadores indígenas e não indígenas.

Dialogando com o pensamento de Walsh (2001.p.10-11), a interculturalidade que buscamos é:

Um processo dinâmico e permanente de relação, comunicação e aprendizagem entre culturas em condições de respeito, legitimidade mútua, simetria e igualdade.

-Um intercâmbio que se constrói entre pessoas, conhecimentos, saberes e práticas culturalmente diferentes, buscando desenvolver um novo sentido entre elas na sua diferença.

-Um espaço de negociação e de tradução onde as desigualdades sociais, econômicas e políticas, e as relações e os conflitos de poder da sociedade não são mantidos ocultos e sim reconhecidos e confrontados.

Uma tarefa social e política que interpela ao conjunto da sociedade, que parte de práticas e ações sociais concretas e conscientes e tenta criar modos de responsabilidade e solidariedade.

- Uma meta a alcançar.

No campo da EEI, especialmente na experiência com o Povo Guarani, tomamos como referência os estudos Bartomeu Meliá, tendo em vista a sua grande contribuição teórica e prática para a Educação Escolar Indígena no Brasil. Para Meliá “nem todas as culturas são culturas da diversidade, as culturas das Américas têm sido monopólicas” e o discurso da igualdade muitas vezes é ponte para uma integração absorvente.

Ele conceitua, ainda, diferentes formas de diálogo cultural através da diferença entre as relações de intraculturalidade e interculturalidade, exemplificadas a partir de uma palavra Guarani: o nhande (nós, em português).

Para Meliá, na língua Guarani existem duas formas de dizer a palavra “nós”, uma inclusiva: “nós com os outros” e outra exclusiva: “nós apenas entre nós”. Portanto, a intraculturalidade seria entre nós: as comunidades indígenas. E a interculturalidade, nós com os outros: os não indígenas. (Meliá. 2002. Comunicação verbal4)

4 Conferência realizada no I Seminário Nacional “fronteiras étnico culturais e fronteiras da exclusão - o desafio da

interculturalidade e da equidade”. 2002. MS. Esta foi a conferência verbal do autor durante o seminário referido acima, porém o texto original da conferência publicado em espanhol (revista Tellus, ano 2, nº 3, out.2002) não traz os elementos referidos da mesma forma que em sua fala em português. Sendo assim exponho as duas fontes.

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toda cultura se constituye em um nosotros doble, de inclusión y exclusión a la vez. La lengua guaraní, como otras lenguas, ha categorizado gramatical e léxicamente esta duplicidad ontológica del nosotros, que podemos considerar constitutivo de cultura, usando un plural de primera persona inclusivo;

_ande; y otro exclusivo, ore”. (Meliá. 2002.p.78)

Em nossa análise, tomamos como referência também os estudos da pesquisadora Collet (2003.p.60) em “interculturalidade e educação escolar indígena: um breve histórico”, neste trabalho, Collet faz uma análise das diferentes significações atribuídas nos diversos contextos políticos na Europa, Estados Unidos e América Latina sobre o conceito de interculturalidade, questionando se seria a educação intercultural libertadora ou excludente. Além de outros aspectos desenvolvidos sobre a temática, ela também diferencia os conceitos de multiculturalismo e interculturalidade, fazendo referência a outros autores afins:

Muitas vezes são confundidas as noções de “interculturalidade” e “multiculturalismo”. Entretanto, alguns autores (Juliano, 1993; Falteri, 1998; Giacalone, 1998) fazem diferença entre elas, nos seguintes termos: “multicultural” se referiria a um dado objetivo, à coexistência de diversas culturas, sem, entretanto, enfatizar o aspecto da troca ou da relação, podendo este termo ser usado, inclusive, com referência a contextos em que sociedades e culturas são mantidas separadas. “Intercultural”, por outro lado, daria ênfase ao contato, ao diálogo entre as culturas, à interação e à interlocução, à reciprocidade e ao confronto entre identidade e diferença.

Sendo assim, quando falamos da interculturalidade na EEI não estamos defendendo “uma mera transferência de conteúdo de uma cultura para outra”, (Bessa, 2000. p.10), mas compreendendo-a como uma relação entre saberes.

Nas palavras do Sr. João, cacique da aldeia Sapukai em Angra dos Reis: “antigamente Deus era o professor na casa de reza, não se ouvia falar em escola. Mas escola não vai tirar a sabedoria dos guaranis” (Martins. 2004. p.12). Entretanto, para que a sabedoria Guarani seja respeitada é necessário haver equidade no relacionamento intercultural, pois estamos falando de culturas vulneráveis, subalternizadas, cujos papéis ainda não estão bem definidos nas políticas públicas interculturais:

Aliás, uma das grandes dificuldades hoje colocadas para o diálogo entre sociedades indígenas e não indígenas, tendo a escola na mediação, está relacionada ao tempo: como fazer uma escola que não cumpra os dias letivos instituídos para todas as escolas pelo Ministério da Educação? Como enfrentar os tempos escolares padronizados e controladores da vida, com um horário fixo e quase inegociável? Como vivenciar o controle escolar que exige uma assiduidade que desconhece a organização familiar e comunitária de cada pessoa ou grupo? Do mesmo modo, posso indagar acerca do espaço escolar, cujos prédios que

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alojam a instituição são confundidos com a própria escola e sugerem um aprender-ensinar entre quatro paredes. Com certeza são grandes os desafios para a constituição, de fato, das escolas específicas e diferenciadas. (BERGAMASCHI, 2012. p.7)

Ou ainda, como nos alerta PALADINO e CZARNY (2011):

No entanto, a interculturalidade como política tem concepções e práticas muito distintas entre os países da região. Para alguns, a educação

intercultural é vista como instrumento de “empoderamento” das minorias,

das populações que estão à margem da cultura hegemônica. A ideia subjacente a esta visão seria a de que as minorias, por meio do domínio tanto dos seus códigos específicos, quanto dos códigos “ocidentais”, poderiam pleitear seu espaço na sociedade e na economia mundiais. (PALADINO E CZARNY, 2011. p.3)

A partir dos conceitos apresentados podemos refletir, quais caminhos possíveis para que possamos traçar a “meta a alcançar” Walsh (2001.p.10-11) É possível construir um espaço de trocas igualitárias em uma sociedade desigual? É de fato o fortalecimento das relações interculturais que estão buscando os Guarani? Ou o fortalecimento das relações “intraculturais”? O fortalecimento intracultural é uma forma de ação decolonial? O fortalecimento das relações entre as comunidades possibilita relações interculturais mais respeitosas?

Spivak (2010.p.23-30) em sua obra “Pode o subalterno falar? ”, mostra a distância entre o discurso do “intelectual bem-intencionado” daquilo que os sujeitos subalternizados de fato necessitam, sendo que, muitas vezes, o que esperam estes intelectuais é que seu próprio discurso bem-intencionado, porém repleto de suas próprias ideologias, reflita no subalterno de modo que ele passe a incorporá-lo como seu, e como seu ideal. Spivak entende como sujeitos subalternizados aqueles que historicamente tiveram suas expressões culturais inferiorizadas e direitos negados e embora nesta obra seu objetivo seja falar sobre a condição feminina enquanto subalterna, sua análise nos traz importante compreensão sobre as relações interculturais em uma perspectiva crítica.

A provocação que nos faz Spivak, nos leva a uma profunda autocrítica, no sentido de nos indagar: estamos preparados para ouvir a voz do subalterno? Neste caso, os Povos que foram invisibilizados por séculos? Estaremos dispostos a ouvi-los mesmo quando seus desejos se tornarem contrários ou menos politicamente corretos do que almejamos como ideal? Estamos preparados para dialogar, acatar, sermos apenas apoiadores/ colaboradores sem tomar-lhes a voz?

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2.2. Para Além das Fronteiras Geopolíticas

As questões indígenas têm com frequência a virtude de colocar-nos em situações de fronteira, no limite. Na realidade, as sociedades indígenas não só se encontram hoje em territórios de fronteira geográfica, senão que elas mesmas são fronteira sob muitos aspectos. Os clichês e os mitos, - sim, esses falsos mitos de nossa civilização – se desvanecem ante essa outra realidade, tão próxima e ao mesmo tempo tão distanciada. Com os indígenas tudo parece igual e tudo é diferente. Entrar em contato com eles supõe dar um passo mais radical que ir a outro país, ainda que para isso não se exija passaporte (MELIÁ. 1995.p.24).

Hoje temos conhecimento da existência de, aproximadamente, 305 povos indígenas diferentes, em situações de contato diversificadas em relação à sociedade nacional e falantes de 274 idiomas (IBGE, 2010). Cada um destes povos tem uma concepção própria de suas culturas e histórias e formas de organização distintas. São mais de 800 mil indígenas, representando cerca de 0,5% da população brasileira. Eles vivem em todo o território nacional e possuem 688 Terras Indígenas demarcadas, sendo que muitas delas estão em áreas urbanas. (FUNAI, 2008)

Entre os indígenas, é comum, ao se referirem a povos distintos, utilizarem a expressão “parentes”, mesmo que estes não sejam seus consanguíneos, pois o que importa, neste caso, é a identidade indígena, configurada à priori, enquanto povos originários no Brasil.

Estes povos possuem algumas características comuns, principalmente no que se refere às lutas por direitos específicos, que os caracteriza como indígenas, mas precisamos estar atentos para a generalização presente na palavra ‘índio”.

Não existe “o índio” no singular, existem povos guarani, yanomami, xavante, terena, dentre tantas outras autodenominações. No entanto ainda prevalece no imaginário nacional o discurso discriminatório de que “os índios” são seres atrasados e suas culturas estão fadadas à extinção. (FREIRE, Bessa., 2002.p. 08).

Luciano (2006. p. 29-30) nos diz que mesmo as culturas que se davam por extintas vêm atravessando um processo de etnogênese e de afirmação identitária no Brasil, ressaltando ainda que o termo “índio” antes utilizado pejorativamente pelo colonizador, hoje tem sido transformado em uma marca identitária. Ou seja, ser “índio”, hoje, representa também uma categoria de luta, não no sentido do índio genérico, mas no sentido de povos originários de uma nação, que reivindicam direitos.

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Alguns territórios indígenas situam-se nas fronteiras entre países e, assim, membros de uma mesma etnia/povo estão separados por limites geopolíticos definidos pelos Estados Nacionais. Sobre o conceito de geopolítica:

A palavra geopolítica não é uma simples contração de geografia política, como pensam alguns, mas sim algo que diz respeito às disputas de poder no espaço mundial e que, como a noção de PODER já o diz (poder implica dominação, via Estado ou não, em relações de assimetria enfim, que podem ser culturais, sexuais, econômicas, repressivas e/ou militares, etc.), não é exclusivo da geografia. (Geocrítica online, acesso em 17/03/2016)

Os Guarani, por exemplo, constituem uma população numerosa na Bolívia, Paraguai, na Argentina e no Brasil, e, embora possuam a nacionalidade paraguaia, argentina ou brasileira, afirmam também sua identidade Guarani. A identidade guarani os define por meio da linguagem e das práticas educativas existentes no universo cultural em que vivem.

É preciso mostrar que existimos como um grande povo. Temos o mesmo sangue, somos parentes que passamos pelo mesmo sofrimento. Não existe absurdo maior do que dizer ‘índio argentino’, ‘índio paraguaio’, ainda mais ‘índio brasileiro’. Para nós, as fronteiras não existem. (Zenildo. Assembleia do Grande Povo Guarani. 2007)

Desta forma, o documento de identidade nacional que os cidadãos brasileiros indígenas e não indígenas possuem, tem sentido distinto entre os Povos, pois é parte de uma identificação geopolítica, mas não geográfica e identitária, tampouco é o que define ou limita as fronteiras culturais que os povos indígenas construíram e constroem ao longo dos séculos em suas vivências e narrativas.

Povos e famílias inteiras foram separados por conta dessas divisões políticas administrativas arbitrárias do Estado. Hoje temos um povo, que fala a mesma língua, pratica os mesmos costumes, habitando mais de dois ou três estados ou pior ainda em dezenas de municípios como é o caso do povo Xavante no estado do Mato Grosso que estão espalhados ao longo de mais de 15 municípios. É bom lembrar que cada um desses entes federados – estados e municípios – goza de autonomia própria para definir e executar suas políticas. (BANIWA, 2010. P.5)

Em relação às Terras Indígenas - T.I., segundo definição do IBGE, são os espaços físicos reconhecidos oficialmente pela União, de posse permanente dos índios. O que significa que eles não são os donos da terra, mas têm o direito de usar tudo o que a área contém: fauna, flora, água, etc., sendo que a maioria das comunidades indígenas estão inseridas em reservas ambientais, onde não podem realizar atividades comerciais. Porém, com o crescimento destas comunidades, a subsistência nestas áreas tornou-se inviável. Ou seja, existe, hoje, “pouca terra

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para os índios”, e mesmo onde há muita terra, ela nem sempre é produtiva. Os Povos indígenas no Brasil necessitam de meios de transporte, serviços de saúde e educação, embora, como outros povos de culturas tradicionais (chineses, japoneses, indianos) mantenham sua identidade própria no mundo “global”.

A perspectiva do Território Indígena, ultrapassa o âmbito da Terra propriamente dita, uma vez que o

Território aqui é compreendido como todo espaço que é imprescindível para que um grupo étnico tenha acesso aos recursos que tornam possível a sua reprodução material e espiritual, de acordo com características próprias da organização produtiva e social, enquanto que terra é compreendida como um espaço físico e geográfico. Deste modo, a terra é o espaço geográfico que compõe o território onde o território é entendido como um espaço do cosmos, mais abrangente e completo. (BANIWA, 2010. p. 4)

A importância das territorialidades indígenas e suas dinâmicas interculturais ainda presentes nos dias atuais se contrapõem “a visão comum de que um dos principais efeitos da globalização é a fragilização do vínculo entre um fenômeno cultural e a sua situação geográfica”, pois ao compreender as territorialidades enquanto espaços e relações é possível “transportar até à nossa proximidade imediata, influências, experiências e acontecimentos que na realidade se encontram distantes ou muitas vezes desespacializadas”. (Baniwa, 2010.p.11)

2.3. Política Indigenista e Educação Escolar Indígena: da tutela à autonomia?

Nunca nos deixaram fazer e agora dizem: - façam! Como? Se sempre fomos tutelados? (Rosenildo Barbosa5, 2015)

Para que possamos compreender a problemática da Educação Escolar Indígena é necessário que a nossa análise esteja contextualizada às questões da sociedade brasileira, na qual os povos indígenas vem sendo historicamente invisibilizados.

Desde a criação do Serviço de Proteção aos Índios – SPI, em 1910, uma linha de trabalho assimilacionista e integracionista foi implementada no Brasil, subjugando os saberes indígenas e classificando os índios como incapazes: “sujeitos ao regime tutelar, estabelecido

5 Comunicação Verbal realizada em 14 de novembro de 2015, no I Congresso de Diversidade Cultural e

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em leis e regulamentos especiais, o qual cessará à medida que se forem adaptando à civilização do país”. (Código Civil Brasileiro, 1916, art.6)

Apenas em 1934, séculos após o contato entre alguns povos indígenas e colonizadores, esboça-se o tratamento específico da questão indígena na Constituição Nacional vigente na época, atribuindo à União a competência para promover a incorporação dos indígenas à comunhão nacional: “será respeitada a posse de terras de indígenas para os que nelas se acharem permanentemente [grifo nosso] localizados”. (Câmara, 2013. p. 10).

É necessário compreendermos que as Políticas Integracionistas advindas do indigenismo governamental do início do século passado, estão profundamente enraizadas na política brasileira, principalmente no interesse de ruralistas e especuladores do grande capital, que tendem administrar seus interesses, impondo um modelo de sociedade, na qual o modo de ser indígena não está incluído, portanto, seus direitos podem ser adiados ou negligenciados.

No que se refere à educação escolar, é necessário percebermos o quanto este projeto colonial pode interferir na escola indígena, pois tende a incentivar um modelo de educação em que as práticas estão voltadas para a inserção no mercado de trabalho, ainda que sobre o discurso da criação de competências necessárias para autonomia indígena, bem como para a sua a atuação em postos de trabalho remunerados nas próprias aldeias, como é o caso do cargo de professor (a), merendeira (o), zelador (a), agente de saúde, motorista, etc.

Desta forma, percebemos que, embora tenhamos avançado muito no campo da conquista de direitos na última década, é necessário compreender que o projeto de educação escolar indígena, atrelado a um projeto de sociedade que se almeja construir, estará em permanente conflito de interesses entre indígenas e não indígenas.

A Constituição Nacional de 1988, em seu art. 210, assegurou às comunidades indígenas “a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem” (Câmara, 2013. p. 5), caracterizando uma ruptura com a concepção, até então dominante, de integração, que implicou em processos de destruição de patrimônios e identidades dos povos indígenas.

Posteriormente, o Decreto Presidencial nº26/ 1991, em seus artigos 1 e 2, transfere as atribuições da EEI para o Ministério da Educação que, até então, eram de responsabilidade da FUNAI (Câmara, 2013. p. 6).

Embora a Portaria Interministerial MJ/MEC nº 559 de 1991 estabeleça “a criação dos Núcleos de Educação Escolar Indígena (NEIs) nas Secretarias Estaduais de Educação, de caráter interinstitucional com representações de entidades indígenas e com atuação na Educação Escolar Indígena” (Câmara, 2013. P. 8) e defina como prioridade a formação

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