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A legitimidade ativa do Ministério Público para tutela

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Academic year: 2021

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essa Doutor em Direito Civil pela UERJ. Mestre em Direito pela Universidade de Brasília – UnB. Professor do Centro Universitário de Brasília – UniCEUB (graduação, mestrado e doutorado). Ex-Presidente do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor – BRASILCON (2006-2010). Procurador-Geral de Justiça do Distrito Federal (Ministério Público do Distrito Federal e Territórios). leoroscoe@globo.com

Recebido em: 26.03.2018 Pareceres: 01.04.2018 e 15.04.2018

áreasdo direito: Processual; Civil

resuMo: O presente artigo aborda a legitimida-de do Ministério Público para a tutela judicial dos direitos metaindividuais por meio de ação coletiva com análise crítica da recente Súmula 601 do Superior Tribunal de Justiça, cuja redação estabelece que o “Ministério Público tem legi-timidade ativa para atuar na defesa de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos dos consumidores, ainda que decorrentes da presta-ção de serviço público”. Destaca-se que, apesar da clareza do ordenamento jurídico quanto ao tema, muitas controvérsias surgiram na prática forense. A referida Súmula, embora não tenha enfrentado todos os pontos polêmicos, encerra a maioria das divergências.

PalaVras-cHaVe: Ministério Público – Legitimi-dade – Ações coletivas – Jurisprudência – Direito do consumidor – Súmula 601 do Superior Tribu-nal de Justiça.

abstract: This essay will discuss, with a critic view, the recent “Brazilian Superior Court of Justice” Precedent 601, which held that “Public Prosecutor’s Office has the right to bring a law-suit using a class action on behalf of consumers in order to defend diffuse, collectives and ho-mogeneous individual rights even though that conflict was arisen from public service delivery”. Nevertheless, the law is clear, there where a lot of controversies regarding this subject. This Prece-dent 601, despite the fact that did not confront all the polemic points, close the majority of the divergences.

Keywords: Public Prosecutor Office – Class Ac-tions – Jurisprudence – Consumer law – Brazilian Superior Court of Justice Precedent 601.

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sumário: 1. Introdução. 2. A tutela judicial dos direitos coletivos. 3. Ação civil pública e os

direitos metaindividuais. 3.1. Direitos difusos. 3.2. Direitos coletivos. 3.3. Direitos individuais homogêneos. 4. Legitimidade do Ministério Público e a Súmula 601. 5. Serviços públicos. 6. Referências.

1. i

ntrodução

O presente artigo aborda a legitimidade do Ministério Público para a tutela judicial dos direitos metaindividuais por meio de ação coletiva, considerando, particularmente, a recente edição da Súmula 601 do STJ, cuja redação estabe-lece que o “Ministério Público tem legitimidade ativa para atuar na defesa de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos dos consumidores, ainda que decorrentes da prestação de serviço público”.

A legitimidade ativa do Ministério Público para demandas coletivas, reco-nhecida pela Súmula 601 do STJ, possui assento constitucional. É a própria Constituição Federal que aponta ser função da instituição “promover o inqué-rito civil e a ação civil pública para proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos” (art. 129, III).

A legislação repete e reforça os preceitos constitucionais. Tanto o Código de Defesa do Consumidor (art. 82) como a Lei da Ação Civil Pública (art. 5º) são explícitos a respeito do tema. Ademais, as leis orgânicas do Ministério Público da União (Lei Complementar 75/1993) e dos Estados (Lei 8.625/1993) reite-ram essa legitimidade em relação às três espécies de direitos metaindividuais: difusos, coletivos e individuais homogêneos (art. 25, II, a, da Lei 8.625/1993 e art. 6o, VII, da LC 75/1993).

Em que pesem a forte atuação do Ministério Público e a clareza do orde-namento jurídico quanto à sua legitimidade para propositura de ações para tutela dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, existiu, princi-palmente em meados da década de 1990, inesperada resistência do Judiciário em aceitar tal atribuição, muitas vezes pela falta de cultura do Poder Judiciário em lidar com demandas coletivas. Outras vezes, pela dificuldade mesmo de compreender as características e diferenças do processo civil coletivo.

A Súmula 601 do Superior Tribunal de Justiça, editada em 7 de fevereiro de 2018, deseja encerrar esse longo debate, embora não tenha enfrentado todos os pontos polêmicos em torno do assunto, como a exigência da relevância social para reconhecer a legitimidade do Ministério Público para tutela do direito individual homogêneo.

Para delimitar – criticamente – o sentido e o alcance do enunciado, tanto no aspecto da legitimidade para tutela dos direitos difusos, coletivos e individuais

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homogêneos quanto no da referência a “serviços públicos”, o artigo, com en-foque no direito do consumidor, realiza breve referência à história da proteção dos direitos coletivos no Brasil, destaca aspectos processuais relacionados à legitimidade do MP e identifica o direito veiculado na ação.

2. a

tuteLa JudiciaLdos direitos coLetivos

Inicialmente – para abordar o objeto principal do artigo –, faz-se necessário discorrer brevemente sobre a tutela judicial dos direitos coletivos em sentido amplo (difusos, coletivos e individuais homogêneos).

Há vários fatores que influenciaram e, ao mesmo tempo, justificam o surgi-mento e o incresurgi-mento de instrusurgi-mentos processuais que destacam a importân-cia e a necessidade de tratamento coletivo aos litígios.1

A configuração processual clássica – A versus B – mostrou-se, com o au-mento populacional e a massificação da sociedade,2 absolutamente incapaz de

1. Antônio Gidi, em exame da experiência norte-americana, destaca que são três os ob-jetivos das ações coletivas: 1) promoção de economia processual; 2) garantia de aces-so à Justiça: 3) aplicação voluntária e autoritativa do direito material (A class action

como instrumento de tutela coletiva dos direitos: as ações coletivas em uma perspectiva

comparada. São Paulo: Ed. RT, 2007. p. 25). Aluisio Gonçalves de Castro Mendes, por seu turno, indica os seguintes papéis das ações coletivas: acesso à Justiça, econo-mia processual e judicial, evitar decisões contraditórias (prestigiando a igualdade e a segurança jurídica), equilíbrio entre as partes e meio para cumprimento do direito material (Ações coletivas: meios de resolução coletiva de conflitos no direito compa-rado e nacional. 4. ed. São Paulo: Ed. RT, 2014. p. 33-44).

2. A Constituição Federal de 1988 garante, em seu art. 5º, XXXV, o direito de acesso à jurisdição. No entanto, o volume crescente de processos, a complexidade das demandas com o consequente leque de decisões diferenciadas para situações se-melhantes, aliados à economia de massa e ao crescimento populacional, criaram um cenário que incitou a necessidade de profundas modificações socioculturais, em especial para garantir a efetividade da tutela jurisdicional. Segundo relatório do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, denominado “Justiça em Números”, já foi ultrapassada a casa dos 100 milhões de processos, significando quase um processo para cada dois habitantes (Disponível em: [www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/pj--justica-em-numeros]. Acesso em: 08.02.2018). O acesso à justiça é sempre refe-rido pela doutrina como razão para as ações coletivas. A propósito, Antonio Gidi observa que um dos objetivos da ação coletiva é justamente “o de assegurar o efe-tivo acesso à justiça de pretensões que, de outra forma, dificilmente poderiam ser tuteladas pelo Judiciário. Com efeito, abundam exemplos no quotidiano em que um grupo de pessoas possui um direito no plano teórico, mas não dispõe de um instrumento prático para efetivamente fazê-lo valer em juízo” (A class action como

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absorver e dar resposta satisfatória aos litígios, que acabavam ficando margina-lizados, gerando, em consequência, intensa e indesejada conflituosidade.

A propósito, observa Aluisio Gonçalves de Castro Mendes:

[...] o direito processual deve estar preparado para enfrentar uma realida-de, em que o contingente populacional mundial ultrapassa o patamar de seis bilhões de pessoas, no qual a revolução industrial transforma-se em tecnológica, diminuindo as distâncias no espaço e no tempo, propiciando a massificação e globalização das relações humanas e comerciais.3

Em relação ao mercado de consumo, deve-se considerar a inserção do con-sumidor num contexto econômico-social globalizado, o que exige o aprimo-ramento da legislação processual e mudança de cultura no enfrentamento dos litígios decorrente do que convencionou denominar sociedade de massa.4

A partir da percepção de que inúmeros conflitos se repetem, outro fator que justifica a disciplina de causas coletivas é justamente a questão da econo-mia processual. A multiplicação de demandas enseja, consequentemente, um serviço público de prestação jurisdicional mais lento e ineficiente. Estudos demonstram que os litigantes habituais sobrecarregam o Poder Judiciário com ações semelhantes, mesmo após definição do tema pelos tribunais superiores.5

instrumento de tutela coletiva dos direitos: as ações coletivas em uma perspectiva

comparada. São Paulo: Ed. RT, 2007. p. 29).

3. MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Ações coletivas: meios de resolução coletiva de conflitos no direito comparado e nacional. 4. ed. São Paulo: Ed. RT, 2014. p. 35. Na sequência, destaca o autor que há muito tempo ocorrem lesões a direitos que atin-gem coletividades, o que demonstra que a necessidade de processos supraindividuais não é novidade. A diferença é que, atualmente, tanto na esfera da vida privada como na da pública, as relações de massa expandem-se continuamente, bem como o al-cance de problemas correlatos. “Multiplicam-se, portanto, as lesões sofridas pelas pessoas, seja na qualidade de consumidores, contribuintes, aposentados, servidores públicos, trabalhadores, moradores etc., decorrentes de circunstâncias de fato ou re-lações jurídicas comuns” (Idem).

4. Sobre a relevância e a justificativa de proteção do consumidor em ótica coletiva, v. MIRAGEM, Bruno. Curso de direito do consumidor. 4. ed. São Paulo: Ed. RT, 2013. p. 615-640. V., também, LEAL, Marcio Flavio Mafra. Ações coletivas. São Paulo: Ed. RT, 2014. p. 141-153.

5. André Macedo de Oliveira apresenta vários números e estatísticas que indicam au-mento crescente de ações e litígios que se repetem, destacando a contribuição nega-tiva dos grandes litigantes habituais (Recursos especiais repetitivos. Brasília: Gazeta Jurídica, 2015. p. 14-27).

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Esse quadro indica a ação coletiva como um dos instrumentos para decidir, de modo concentrado, milhares ou milhões de conflitos de interesses.6

O princípio da isonomia é outra relevante razão do processo coletivo. Se há milhares ou milhões de processos espalhados entre inúmeros juízes e tribu-nais, maiores são as chances de decisões diferentes para casos semelhantes, em evidente afronta ao princípio da igualdade.7

Outro fator é a percepção de que as ações coletivas são importante ins-trumento para a efetividade do direito material. A afirmativa vale para qual-quer situação subjetiva, mas principalmente para pequenas lesões. O direito do consumidor oferece inúmeros exemplos. Nem sempre a pessoa lesada individualmente anima-se a buscar no Poder Judiciário a restauração do seu direito. As ações coletivas mudam tal quadro e afetam eventual tendência de análise de custo/benefício na decisão de realizar práticas que ofendem o ordenamento jurídico.

No âmbito das relações de consumo, os exemplos das lesões de bagatela evidenciam a importância do processo coletivo. Ilustre-se com a cobrança in-devida de R$ 2,00 na fatura mensal do cartão de crédito de dois milhões de consumidores por 20 meses. De um lado, do ponto de vista da empresa, há vantagem financeira significativa. Ao final do prazo de 20 meses, obter-se--ia um ganho equivalente a R$ 40 milhões de reais. Do outro lado, nenhum consumidor, mesmo após vários meses de cobrança indevida, iria levar a lesão

6. A propósito, observa Antônio Gidi: “O objetivo mais imediato das ações coletivas é o de proporcionar eficiência e economia processual, ao permitir que uma multipli-cidade de ações individuais repetitivas em tutela de uma mesma controvérsia seja substituída por uma única ação coletiva [...] As ações coletivas promovem econo-mia de tempo e de dinheiro não somente para o grupo-autor, como também para o Judiciário e para o réu (A class action como instrumento de tutela coletiva dos direitos: as ações coletivas em uma perspectiva comparada. São Paulo: Ed. RT, 2007. p. 25-26). Na mesma linha, MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Ações coletivas: meios de resolução coletiva de conflitos no direito comparado e nacional. 4. ed. São Paulo: Ed. RT, 2014. p. 41.

7. “Pessoas em situações fáticas absolutamente idênticas, sob o ponto de vista do direito material, recebem tratamento diferenciado diante da lei, decorrente tão somente da relação processual. O direito processual passa a ter, assim, caráter determinante e não apenas instrumental. E, sob o prisma do direito substancial, a desigualdade diante da lei torna-se fato rotineiro e não apenas esporádico, consubstanciando, portanto, ameaça ao princípio da isonomia” (MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Ações

coletivas: meios de resolução coletiva de conflitos no direito comparado e nacional. 4.

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sofrida para o Judiciário, considerando o valor do dano individual, os custos e o tempo despendido para restabelecimento do direito violado.8

Para finalizar, cumpre destacar fundamento que se aplica unicamente para os direitos difusos, os quais se caracterizam justamente pela indefinição de titularidade. São direitos que pertencem a toda comunidade. A ausência de um titular não pode prejudicar sua proteção jurisdicional. A preocupação aqui é instrumental: definir um representante para levar a lesão ao direito à Justiça.

De fato, sem que houvesse o regime processual da ação coletiva, o cum-primento dos direitos difusos, em geral, de índole constitucional, ficaria relegado à implementação de políticas públicas, a cargo do Executivo e Le-gislativo, porque, como se trata de direitos atribuídos a uma entidade sem personalidade jurídica (comunidade), ficariam esses direitos sem apreciação por parte do Judiciário.9

Tais fatores sensibilizaram o legislador brasileiro – tanto constituinte como ordinário – a instituir e disciplinar meios processuais para a tutela judicial e extrajudicial de direitos metaindividuais (difusos, coletivos e indi-viduais homogêneos).

A Constituição Federal de 1988 previu e realçou diversos meios processuais de tutela de interesses metaindividuais. Possibilitou aos sindicatos e associa-ções defender em juízo interesses da respectiva coletividade (arts. 5º, XXI, e 8º,

8. “Uma outra em que a importância das ações coletivas é manifesta são as condutas ilí-citas cometidas em larga escala, prejudicando um grande grupo de pessoas de forma similar. Isso é verdade principalmente nos casos em que, muito embora o valor total do dano causado ao grupo seja elevado, as correspondentes pretensões individuais são tão dispersas e tão reduzidas, que a propositura de ações individuais por cada lesado seria financeiramente inviável e irrealista (small claims class actions). Esse tipo de violação em massa dos direitos é extremamente corriqueiro no mundo moderno, em que uma simples decisão de uma empresa pode prejudicar, de uma só vez, mi-lhares ou milhões de pessoas, principalmente nas áreas do consumidor, antitruste e mercado de valores” (GIDI, Antônio. A class action como instrumento de tutela coletiva

dos direitos: as ações coletivas em uma perspectiva comparada. São Paulo: Ed. RT,

2007. p. 30).

9. LEAL, Márcio Flavio Mafra. Ações coletivas: história, teoria e prática. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1998. p. 74. Em obra mais recente, o autor aprofunda o con-ceito de direitos difusos e enfatiza a existência de duas grandes modalidades de ações coletivas: uma para tutela de direito difuso e outra para os direitos coletivos e indivi-duais homogêneos, nos quais é possível visualizar o titular do direito (Ações coletivas. São Paulo: Ed. RT, 2014. p. 32-36 e 87-222).

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III); ampliou o objeto da ação popular (art. 5º, LXXIII); aumentou o número de legitimados para a propositura de ação direta de inconstitucionalidade; fez referência expressa à ação civil pública, para a proteção do “patrimônio pú-blico e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”, cuja promoção é função institucional do Ministério Público, sem exclusão de outros entes (art. 129, III e § 1º).

No âmbito infraconstitucional, a preocupação com a eficácia dos interesses coletivos refletiu-se na promulgação de diversos diplomas legais, com desta-que para a Lei 4.717/1965 (Lei da Ação Popular), a Lei 7.347/1985 (Lei da Ação Civil Pública) e a Lei 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor).

A Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/1985) foi um importante marco na evolução do direito processual coletivo, ao procurar conferir disciplina sis-temática à matéria e por conter amplo espectro de incidência, permitindo a judicialização de questões vinculadas ao meio ambiente, consumidor e bens de valor artístico, estético, histórico e paisagístico – patrimônio cultural.

A Lei 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor) aprimorou o proces-so civil coletivo brasileiro, a par de apresentar disciplina detalhada para o que denominou “direito individual homogêneo”. Inspirando-se nas class actions for

damages do direito norte-americano, possibilitou a tutela judicial, em ação

cole-tiva, dos danos pessoalmente sofridos decorrentes de “origem comum” (direitos individuais homogêneos – art. 81, parágrafo único, III c/c os arts. 91 a 100).

Destaque-se a ampliação do campo de incidência da ação coletiva. Atual-mente, a demanda pode ter por objeto qualquer espécie de matéria, desde que se caracterize tutela de interesse difuso, coletivo ou individual homogêneo. A Constituição Federal (art. 129, III, IX, e § 1º) e o Código de Defesa do Con-sumidor (arts. 110 e 117) não deixam dúvidas a respeito. A restrição – havida originariamente – pela qual somente os interesses relativos a meio ambiente, consumidor e patrimônio cultural poderiam ser tutelados por meio da ação civil pública não vigora mais. O CDC (art. 110) acrescentou o inciso IV ao art. 1º da Lei 7.347/1985, ensejando a defesa de “qualquer outro interesse difuso ou coletivo”.

Portanto, os mais variados temas podem ser veiculados em ação coletiva, tais como meio ambiente, consumidor, ordem urbanística, moralidade admi-nistrativa, direitos dos aposentados, dos idosos, dos torcedores, das crianças e dos adolescentes, das pessoas com deficiência etc.10

10. Há exceções expressas – e criticáveis – quanto ao objeto da ação civil pública. O pa-rágrafo único do art. 1º da Lei 7.347/1985 estabelece que “não será cabível ação civil

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Por fim, cumpre apontar as absolutas integração e complementaridade nor-mativas entre a Lei 7.347/1985 (Lei da Ação Civil Pública) e a Lei 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor). Todas as inovações do processo civil co-letivo do CDC (arts. 81 a 104) não se destinam apenas à proteção coletiva dos direitos do consumidor, mas sim a qualquer espécie de interesse coletivo (art. 117 do CDC).11

3. a

ção civiL púbLica e osdireitos Metaindividuais

A ação civil pública ou ação coletiva12 é instrumento processual para tu-tela de direitos coletivos em sentido amplo – direitos metaindividuais –, os quais se dividem em direito difuso, direito coletivo (sentido estrito) e direito individual homogêneo.

Sem desconsiderar as críticas relativas à classificação normativa brasileira,13 examina-se cada espécie dos direitos metaindividuais (direitos coletivos em

pública para veicular pretensões que envolvam tributos, contribuições previdenciá-rias, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser individualmente determinados”.

11. O art. 117 do CDC acrescentou o art. 21 à Lei 7.347/1985, o qual possui a seguinte re-dação: “ Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da lei que instituiu o Código de Defe-sa do Consumidor”.

12. Em que pese alguma divergência doutrinária, o artigo adota as expressões “ação co-letiva” e “ação civil pública” como sinônimas. A propósito, Marcio Mafra observa que a polêmica em torno do assunto é “inócua em termos práticos e teóricos [...]. A ação civil pública era originalmente o nome da ação do Ministério Público como autor, não havendo relação com a dimensão difusa ou coletiva do direito material, di-mensão esta assumida somente com a Lei 7.347/1985. Com a LACP, ocorreram duas mudanças teóricas e dogmáticas importantes: a primeira foi a desvinculação da ação civil pública como instrumento processual de titularidade exclusiva do Ministério Público, pois, como dito, associações e outros ramos políticos do Estado também foram legitimados para o seu ajuizamento. A segunda mudança foi a concepção da ação civil pública como ação coletiva” (Ações coletivas, história, teoria e pratica. Porto Alegre: Fabris., 1988, p. 188).

13. Antônio Gidi entende que a classificação de forma tripartite em direitos difusos, co-letivos e individuais homogêneos consiste em teorização artificial e abstrata que não possui operacionalidade para os processos coletivos e a tutela dos direitos de grupo. A doutrina norte-americana não aponta a existência desses conceitos. Aliás, essa clas-sificação não é comumente utilizada pelos países do commom law (Rumo a um Código

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sentido amplo): difusos, coletivos (em sentido estrito) e individuais homo-gêneos. Apesar de existir alguma objeção doutrinária à compreensão e à de-finição dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, a partir da perspectiva processual – e não do direito material –, fato é que no Brasil, bem ou mal, foi o direito processual que promoveu inicialmente a discussão sobre essas categorias.

Embora seja possível visualizar as categorias de direitos coletivos fora do âmbito processual, é útil e importante, particularmente para analisar a legiti-midade ativa, perceber que determinada ação civil pública veicula pedidos de natureza coletiva diversos.

A pergunta inicial é: como identificar se, em determinada ação coletiva, busca-se a tutela de natureza difusa, coletiva ou de interesse individual homo-gêneo? Como distinguir o direito individual homogêneo da tutela de direito individual? Tais perguntas nortearam a doutrina e – em menor grau – a juris-prudência para concluir pela ampla legitimidade do Ministério Público para tutela judicial dos direitos metaindividuais.

Do ponto de vista processual, a espécie de interesse defendido na ação (di-fuso, coletivo ou individual homogêneo) dependerá diretamente do conteúdo e da extensão do(s) pedido(s) e da causa de pedir formulados pelo autor, per-mitindo-se delinear os beneficiários atuais e potenciais da tutela requerida.14

GZ , 2008. p. 201-203). Marcio Mafra, por seu turno, parece discordar, ao observar que existe uma tendência nesses países, meramente fática, de que as class actions voltadas para pedidos mandamentais e declaratórios sejam utilizadas para atender ao que a doutrina nacional denomina de interesses difusos (public law litigation), ao passo que o pedido indenizatório se correlaciona ao equivalente aos direitos coletivos em sentido estrito e individuais homogêneos. Esclarece o autor que “a public law

li-tigation ou structural reform case. Como aqui, essa espécie de class action não confere

vantagens econômicas diretas ao grupo atingido, pois visa, sobretudo, à correção de uma política pública ou privada pouco eficaz” (LEAL, Márcio Flávio Mafra. Ações

coletivas. São Paulo: Ed. RT, 2014. p. 112-113).

14. Nelson Nery Junior introduziu a metodologia de caracterizar os interesses coletivos,

lato sensu, a partir do pedido formulado na ação. O autor afirma que a visão de que o

direito ao meio ambiente seria difuso, o do consumidor seria coletivo e o de indeni-zação por prejuízos particulares seria individual homogêneo é equivocada. Sustenta que a pedra de toque do método classificatório é o tipo da tutela jurisdicional re-querido na ação: “Observa-se, com frequência, o erro de metodologia utilizado por doutrina e jurisprudência para classificar determinado tipo de direito ou interesse. Vê-se, por exemplo, a afirmação de que o direito ao meio ambiente é difuso, o do con-sumidor seria coletivo e que o de indenização por prejuízos particulares sofridos seria

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Nessa linha, uma única ação coletiva pode tutelar as três diferentes espécies de direitos metaindividuais. É possível – muitas vezes recomendável – que haja cumulação de pedidos.15

O objeto da ação é exteriorizado pela causa de pedir e pela tutela requerida, a qual pode se desdobrar em múltiplos pedidos. Um mesmo fato pode ensejar diferentes pretensões jurídicas que, por seu turno, podem ser jurisdicionaliza-das por meio de uma única ação coletiva com cumulação de pedidos ou, alterna-tivamente, por intermédio de várias ações coletivas.16

individual. A afirmação não está correta nem errada. Apenas há engano na utilização do método para a definição qualificadora do direito ou interesse posto em jogo. A pedra de toque do método classificatório é o tipo de pretensão material e de tutela

juris-dicional que se pretende quando se propõe a competente ação judicial. Da ocorrência

do mesmo fato, podem originar-se pretensões difusas, coletivas e individuais [...] Em suma, o tipo de pretensão é que classifica um direito ou interesse como difuso, coletivo ou individual” ( GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código Brasileiro de Defesa

do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense,

2004 . p. 1024).

15. Não há limitação quanto à espécie de provimento jurisdicional, em homenagem ao princípio da instrumentalidade do processo e, em reforço, em face do disposto no art. 83 do CDC: “Para a defesa dos direitos e interesses protegidos por este código são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efe-tiva tutela”.

16. Embora pareça óbvia a possibilidade de cumulação de pedidos (difuso, coletivo e individual homogêneo) em ação civil pública, o tema gerou controvérsia no passado, principalmente pela dificuldade de percepção de que a mesma atividade pode pro-piciar, ao mesmo tempo, pretensões coletivas diversas. A outra razão que dificultou, no passado, a possibilidade de cumulação de pedidos foi a interpretação isolada, literal – e, portanto, equivocada – do art. 3º da Lei 7.347/1985: “a ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer”. A propósito, ensina Teori Zavascki: “A utilização em texto normativo, do conectivo ‘ou’, nem sempre expressa a ideia de alternatividade excludente. Não raras vezes a conjunção está associada ao significado de adição, expressando ideia de exemplificação, em substituição a ‘ou também’ e a ‘e’” (Processo coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. 6. ed. São Paulo: Ed. RT, 2014. p. 72). O leading case foi em junho de 1997, no julgamento do REsp 105.215, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira. A ementa espelha a posição do STJ sobre o tema: “I – O Ministério Público é parte legítima para ajuizar ação coletiva de proteção ao consumidor, em cumulação de demandas, visando: a) a nulidade de cláusula con-tratual inquinada de nula (juros mensais); b) a indenização pelos consumidores que já firmaram os contratos em que constava tal cláusula; c) a obrigação de não mais inserir nos contratos futuros a referida cláusula. II – Como já assinalado anterior-mente (REsp 34.155), na sociedade contemporânea, marcadaanterior-mente de massa, e sob

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De fato, invariavelmente, para obter uma proteção eficaz e adequada dos consumidores, é fundamental a formulação, na mesma ação coletiva, de pedi-dos difuso, coletivo e indenizatório (individual homogêneo).17

Esse ponto nem sempre é observado pela jurisprudência na análise da legi-timidade do Ministério Público para ajuizamento de ações coletivas. Algumas decisões que ensejaram a edição da Súmula 601 do STJ enfatizaram tal aspecto. Ilustrativamente, consigne-se o julgamento, em 2015, do REsp 1.209.633/RS, rel. Min. Luis Felipe Salomão, no qual se destacou corretamente que:

As tutelas pleiteadas em ações civis públicas não são necessariamente puras e estanques. Não é preciso que se peça, de cada vez, uma tutela referente a direito individual homogêneo, em outra ação uma de direitos coletivos em sentido estrito e, em outra, uma de direitos difusos, notadamente em se tratando de ação manejada pelo Ministério Público, que detém legitimidade ampla no processo coletivo. Isso porque embora determinado direito não possa pertencer, a um só tempo, a mais de uma categoria, isso não implica dizer que, no mesmo cenário fático ou jurídico conflituoso, violações simul-tâneas de direitos de mais de uma espécie não possam ocorrer.18

os influxos de uma nova atmosfera cultural, o processo civil, vinculado estritamente aos princípios constitucionais e dando-lhes efetividade, encontra no Ministério Pú-blico uma instituição de extraordinário valor na defesa da cidadania. III – Direitos (ou interesses) difusos e coletivos se caracterizam como direitos transindividuais, de natureza indivisível. Os primeiros dizem respeito a pessoas indeterminadas que se encontram ligadas por circunstâncias de fato; os segundos, a um grupo de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária através de uma única relação jurídica. IV – Direitos individuais homogêneos são aqueles que têm a mesma origem no tocante aos fatos geradores de tais direitos, origem idêntica essa que recomenda a defesa de todos a um só tempo”.

17. Como adverte Hugo Nigro Mazzilli, “constitui erro comum supor que, em ação civil púbica ou coletiva, só se possa discutir, por vez, uma só espécie de interesse transindividual (ou somente interesses difusos, ou somente coletivos ou somente individuais homogêneos). Nessas ações, não raro se discutem interesses de mais de uma espécie” (A defesa dos interesses difusos em juízo. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 59).

18. Na sequência do resumo do julgado, registra-se: “No caso concreto, trata-se de ação civil pública de tutela híbrida. Percebe-se que: (a) há direitos individuais homogêneos referentes aos eventuais danos experimentados por aqueles compradores de título de capitalização em razão da publicidade tida por enganosa; (b) há direitos coletivos re-sultantes da ilegalidade em abstrato da propaganda em foco, a qual atinge igualmente e de forma indivisível o grupo de contratantes atuais do título de capitalização; (c) há direitos difusos, relacionados ao número de pessoas indeterminadas e indetermináveis

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Com essas considerações relativas à perspectiva processual da tutela dos direitos metaindividuais, nos itens seguintes aborda-se, separadamente, o sig-nificado normativo dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos.

3.1. Direitos difusos

De acordo com os parâmetros legais (art. 81 do CDC), os direitos difusos são metaindividuais, de natureza indivisível, comuns a toda uma categoria de pessoas não determináveis que se encontram unidas em razão de uma situação de fato.

Na conceituação legal de direitos difusos, optou-se pelo critério da indeter-minação dos titulares e da ausência de relação jurídica base entre eles (aspecto subjetivo) e pela indivisibilidade do bem jurídico (aspecto objetivo).

Os direitos difusos são materialmente coletivos. Não é a lei que lhes impõe artificialmente essa característica plural, e sim o fato de serem necessariamente usufruídos por um número indeterminado de pessoas. Não se trata, também, de união de diversas pretensões individuais num único processo. Em face da ausência de um titular específico do direito somada à vinculação processual entre essa titularidade e a legitimatio ad causam, faz-se necessário que a lei in-dique pessoas que tenham legitimidade de requerer sua proteção jurisdicional. Como exemplos de tutela judicial de interesses difusos na áreas do direito do consumidor, citem-se a ação coletiva que apresenta pedido de interrupção de veiculação de publicidade enganosa ou abusiva (art. 37 do CDC), a vedação de comercialização de produto com alto grau de nocividade ou periculosidade (art. 10 do CDC) e, ainda, o pedido para que determinado arquivo de consumo (SPC, Serasa etc.) deixe de realizar o tratamento de informações sem a prévia comunicação ao consumidor, como determina o § 2º do art. 43 do CDC.

Quem são os beneficiários dessa tutela jurisdicional? Todos os consumido-res, pessoas indeterminadas e que, por circunstâncias fáticas, principalmente de tempo e lugar, estão expostas às práticas indicadas.

Na evolução jurisprudencial da análise da legitimidade do Ministério Pú-blico, praticamente não se observa qualquer restrição ou questionamento no tocante aos direitos difusos, justamente por esta evidente e natural vin-culação com interesses da sociedade. Eventual negação da legitimidade para os direitos difusos só é possível em face da ausência de método (análise do

atingidas pela publicidade, inclusive no que tange aos consumidores futuros” (REsp 1.209.633/RS, j. 14.04.2015, rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 04.05.2015).

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pedido ou pedidos) para visualizar o tipo ou tipos de direitos veiculados na demanda coletiva.19

3.2. Direitos coletivos

Os direitos coletivos, por seu turno, são os transindividuais, de natureza indi-visível, pertencentes a um grupo determinável de pessoas (categoria de pessoas), ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base.

Não estão necessariamente vinculados ou organizados em torno de entida-de associativa (sindicato, associação entida-de consumidores etc.), pois a relação ju-rídica base pode ocorrer em relação ao fornecedor (exemplo, contrato padrão de plano de saúde), ou seja, à “parte contrária”, como deixa claro o parágrafo único, II, do art. 81.

A distinção básica, feita pela doutrina, em relação aos direitos difusos diz respeito à determinabilidade das pessoas titulares, seja por meio da relação jurídica base que as une (exemplo, o estatuto de uma associação de classe), seja por meio de vínculo jurídico estabelecido com a parte contrária (exemplo, a relação contratual entre consumidores e uma mesma empresa telefônica).20

19. Não é raro encontrar acórdãos que caracterizavam a ação coletiva por matéria. Assim, por exemplo, na área de direito do consumidor, haveria tutela de direito coletivo, en-quanto, no meio ambiente, a tutela seria de direito difuso. Como destacado no artigo, é o pedido, e não a matéria, que indica a espécie de direito metaindividual tutelado. 20. A respeito, Márcio Mafra Leal chama a atenção para aspecto importante na distinção

entre os direitos difusos e coletivos. Para o autor, apenas os primeiros são mate-rialmente coletivos. Os coletivos stricto sensu são, na verdade, direitos individuais, que, por razões de economia e celeridade processual e, também, para evitar deci-sões contraditórias, podem ser veiculados numa única ação, ganhando, a partir daí, dimensão processual coletiva. “A nota de transindividualidade, do ponto de vista material, é típica somente dos direitos difusos. Do ponto de vista processual, a tran-sindividualidade se verifica pela permissão de que determinado direito individual seja veiculado por intermédio de ação coletiva, quando a coisa julgada beneficia ou prejudica indistintamente todos os representados. [...] Os direitos coletivos são [...] interesses ou direitos individuais que ganham o caráter de indivisibilidade e tran-sindividualidade quando veiculados mediante ações coletivas, pelo artifício da ex-tensão subjetiva da coisa julgada, quando, aí então, o resultado tem de ser uniforme para toda a classe invariavelmente” (Ações coletivas,: história, teórica e prática. Porto Alegre, Fabris, 1998, p. 196-197). De fato, a doutrina majoritária agrupa os direitos difusos e coletivos (em sentido estrito) em uma mesma categoria (como material-mente ou essencialmaterial-mente coletivos). No entanto, embora não seja objeto do pre-sente artigo, defende-se que o mais adequado é acomodar os direitos coletivos (em

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Como exemplo de tutela judicial de direitos coletivos na área do consu-midor, cite-se o requerimento, veiculado em ação coletiva, para impedir que determinada empresa de plano de saúde ou estabelecimento de ensino pro-mova aumento das prestações, contrariando expressamente a legislação ou, ainda, tutela jurisdicional consistente na declaração de nulidade de cláusula contratual abusiva inserida em contrato-padrão de empresa de incorporação imobiliária (art. 51 do CDC).

Os beneficiários da ação coletiva serão todos os consumidores que mantêm vínculo contratual com os fornecedores (empresa de plano de saúde, estabele-cimento de ensino, incorporadora imobiliária). A relação jurídica base, a que se refere o inciso II do parágrafo único do art. 81 do CDC, é justamente esse vínculo contratual estabelecido com o fornecedor.

Os efeitos da sentença irão atingir todos que estiverem na situação indicada – categoria de pessoas determinadas. Se a demanda coletiva tiver sido propos-ta, por exemplo, por associação de consumidores, os benefícios de eventual julgamento favorável não ficarão restritos aos associados, mas serão usufruí-dos por tousufruí-dos os consumidores – pessoas determinadas – que estão na situação da ilegalidade questionada na ação (art. 103, II, do CDC).

Assim como ocorre com os direitos difusos, tanto a Constituição como di-versos diplomas infraconstitucionais são explícitos quanto à legitimidade ad

causam do Ministério Público para tutela de direitos coletivos em sentido

es-trito. Alguns julgados exigiam, no passado, a relevância social dos direitos tutelados para análise da legitimidade do MP. Todavia, o Superior Tribunal de Justiça, embora tal ponto não seja objeto da Súmula 601, restringiu a relevân-cia sorelevân-cial aos direitos individuais homogêneos (v. item 4).

3.3. Direitos individuais homogêneos

Os direitos individuais homogêneos estão definidos legalmente como aque-les “decorrentes de origem comum” (art. 81, parágrafo único, III, do CDC).

sentido estrito) na mesma categoria dos direitos individuais homogêneos, tanto pela perspectiva processual quanto pela divisibilidade do objeto de tutela. Nessa linha de raciocínio, é possível realizar a divisão dos direitos metaindividuais – coletivos em sentido amplo – em duas grandes categorias: direitos materialmente coletivos (DMC) e direitos processualmente coletivos (DPC). Sobre o tema, v. NUNES, Ana Luisa Tar-ter; BESSA; Leonardo Roscoe. Convivência normativa entre o incidente de resolução de demandas repetitivas e as ações coletivas: primeiras impressões. Revista de Direito

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Afirmar que são direitos coletivos que decorrem de “origem comum” é insufi-ciente e pouco ajuda o intérprete e aplicador do direito.

A compreensão adequada dos direitos individuais homogêneos passa por exame sistemático do Código de Defesa do Consumidor, particularmente do disposto nos arts. 91 a 100, que integram o Capítulo II (Das ações coletivas para a defesa de interesses individuais homogêneos).

Destaque-se, primeiramente, que a Lei 7.347/1985 (Lei da Ação Civil Pú-blica), em sua origem, disciplinava unicamente os direitos difusos e coletivos. A proteção dos interesses individuais homogêneos foi instituída no Brasil, con-forme já consignado, pela Lei 8.078/1990, sob a inspiração da class action for

damages do direito norte-americano. Em síntese, objetiva-se o ressarcimento

dos danos pessoalmente sofridos como decorrência do mesmo fato.21

A leitura do art. 91 e seguintes do CDC conduz ao entendimento de que a tutela de direito individual homogêneo refere-se a um único fato (origem co-mum) gerador de diversas pretensões indenizatórias. Há, em regra, duas fases no processo. A inicial, promovida pelo legitimado coletivo, em que se buscam o reconhecimento e a declaração do dever de indenizar, e a segunda fase, que é o momento da habilitação dos beneficiados na ação, com o fim de promover a execução da dívida reconhecida no âmbito coletivo.

A sentença, proferida em ação coletiva que visa a tutela de direito individual homogêneo, deve, em regra, ser genérica, limitando-se a reconhecer a respon-sabilidade do réu pelos danos causados (art. 95 do CDC). Futuramente, os lesados (as vítimas) ou seus herdeiros devem, se for o caso,22 comparecer em

21. Na verdade, a primeira experiência brasileira na área de proteção de direitos indivi-duais homogêneos encontra-se na Lei 7.913/1989, na qual se instituiu tutela coletiva dos interesses dos investidores no mercado de valores mobiliários, conferindo apenas ao Ministério Público a legitimidade processual.

22. Assiste razão a Ana Luisa Tarter ao defender, em alguns casos, a possibilidade de exe-cução e satisfação do direito individual homogêneo no âmbito do processo coletivo, considerando, entre outros argumentos, que o art. 95 do CDC é norma permissiva e não imperativa. Portanto, a sentença genérica é uma possibilidade e não imposição do ordenamento jurídico. Nas palavras da autora: “é possível reconhecer, a partir da releitura hermenêutica dos arts. 95 a 98, do CDC, a possibilidade de promover o cumprimento imediato de provimento jurisdicional coletivo que tutela pretensões in-denizatórias (individual homogêneo, espécie de DPC), (i) quando possível identificar os titulares dos direitos individuais que são alcançados (beneficiados) pela sentença coletiva; (ii) quando possível apurar, no processo coletivo, o quantum devido a títu-lo de indenização” (Execução do direito individual homogêneo petítu-lo autor coletivo:

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juízo, a título individual, para realizar a liquidação da sentença, provando que se encontram na situação amparada pela decisão o dano sofrido e o seu mon-tante, nos termos do art. 97 do CDC.23

A sentença condenatória proferida na primeira fase do processo é certa, porém ilíquida. Não sendo possíveis a liquidação e a execução no próprio processo coletivo,24 os lesados, ou sucessores, devem comparecer em juízo (segunda fase do processo) para demonstrar: 1) que foram vítimas do fato gerador de dano; 2) o valor do seu dano (material e moral), ou seja, o

quan-tum debeatur.25

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601

Para propor ação, exigem-se legitimidade e interesse (art. 17 do CPC). Am-bos os conceitos foram inicialmente imaginados e construídos para atender às exigências próprias do processo civil individual. O interesse processual, nessa visão, está vinculado ao binômio necessidade-utilidade, ou seja, a parte deve possuir necessidade de exercer o direito de ação para alcançar o resultado pre-tendido e praticamente útil. De outro lado, em relação à legitimidade, o autor da ação deve ser, em tese, o titular do direito ou da situação jurídica descrita na inicial (art. 18 do CPC).

Todavia, em razão de características próprias do processo civil coletivo, a análise dessas duas condições (legitimidade e interesse) da ação ganha aborda-gem diferenciada, uma vez que o legitimado para ajuizamento da ação coletiva

a prescindibilidade da segunda fase do processo. Dissertação de Mestrado. Brasília, Instituto de Direito Público – IDP, 2017, p. 137).

23. Art. 97. A liquidação e a execução de sentença poderão ser promovidas pela vítima e seus sucessores, assim como pelos legitimados de que trata o art. 82.

24. A liquidação e a execução podem ser realizadas, em alguns casos, no âmbito do pro-cesso coletivo, como já destacado. V. nota 21.

25. A respeito, esclarece Ada Pellegrini Grinover: “Por intermédio dos processos de li-quidação, ocorrerá uma verdadeira habilitação das vítimas e sucessores, capaz de transformar a condenação pelos prejuízos globalmente causados do art. 95 em inde-nizações pelos danos individualmente sofridos [...]. Aqui, cada liquidante, no proces-so de liquidação, deverá provar, em contraditório pleno e com cognição exauriente, a existência de seu dano pessoal e o nexo etiológico com o dano globalmente causado (ou seja, o an), além de quantificá-lo (ou seja, o quantum)” (GRINOVER, Ada Pel-legrini et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do

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não é titular do direito coletivo (lato sensu), como ocorre, em regra, nas de-mandas individuais.26

No caso do Ministério Público, é a própria Constituição Federal que indica expressamente ser função da instituição “promover o inquérito civil e a ação civil pública para proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos” (art. 129, III). Em outros termos, a legitimidade ativa do Ministério Público, reconhecida pela Súmula 601 do STJ, possui assento constitucional.

A legislação infraconstitucional reitera e reforça os preceitos constitucio-nais. O rol de entes legitimados para a propositura das ações coletivas está indicado no art. 82 do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990) e no art. 5º da Lei 7.347/1985 (Lei da Ação Civil Pública), cabendo destacar, em ambos os diplomas, a referência expressa ao Ministério Público.27

26. Discute-se doutrinariamente se a legitimidade para propositura de ações coletivas é ordinária ou extraordinária, em face do disposto no art. 18 do CPC (art. 6º do CPC revogado). Nelson Nery Jr., objetivando afastar ou mitigar a antiga dicotomia entre legitimidade ordinária e extraordinária, sustenta haver legitimação autônoma para a condução do processo. Esclarece que a identificação de hipótese de substituição processual (legitimidade extraordinária) tem sofrido reparo da doutrina mais mo-derna, que distingue os casos de substituição processual determinados pela lei das hipóteses de ações de classe. “Na substituição processual, o substituto busca defender direito alheio de titular determinado, enquanto nas ações coletivas o objetivo dessa legitimação extraordinária é outro, razão pela qual essas ações têm de ter estrutura diversa do regime da substituição processual” (Código Brasileiro de Defesa do

Consu-midor comentado pelos autores do anteprojeto. 8. ed. 2004. p. 1032). Em que pesem as

divergências, pouca ou nenhuma implicação prática traz o debate. De fato, “já não faz tanta diferença classificar a legitimidade para as ações coletivas como ordinária ou extraordinária, na medida em que, conforme lição de Barbosa Moreira, não é tão relevante saber a que título se dá proteção jurisdicional aos direitos superindividuais, se efetivamente se dá tal proteção” (GIDI, Antônio. Coisa julgada e litispendência em

ações coletivas, São Paulo: Saraiva, 1995, p. 39).

27. O art. 82 do CDC possui a seguinte redação: “Para os fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente: I – o Ministério Público; II – a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal; III – as entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos por este Código; IV – as associações le-galmente constituídas há pelo menos 1 (um) ano e que incluam entre seus fins insti-tucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos por este Código, dispensada a autorização assemblear” (grifou-se). De outro lado, o art. 5º da Lei 7.347/1985 (Lei da Ação Civil Pública), com a redação conferida pela Lei 11.448/2007, também indica os entes legitimados ao ajuizamento de ação civil pública (ação coletiva), com a seguinte

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Ademais, as leis orgânicas do Ministério Público da União (Lei Comple-mentar 75/1993) e dos Estados (Lei 8.625/1993) reiteram essa legitimidade de modo expresso. Destacam os referidos diplomas que a legitimidade se dirige às três espécies de direitos metaindividuais: difusos, coletivos e individuais homogêneos (art. 25, II, a, da Lei 8.625/199328 e art. 6º, VII, da LC 75/199329). Optou-se, como se observa, por atribuir a legitimidade, ope legis, a deter-minadas pessoas, com evidente destaque para o Ministério Público. Não se adotou, portanto, o sistema da “adequada representatividade”, em que o magis-trado examina, no caso concreto, a presença de requisitos como credibilidade, idoneidade e capacidade do autor coletivo: procura-se impedir o ajuizamento de demandas temerárias ou de discussão de interesses de alta relevância por parte sem condições técnicas mínimas.

A doutrina consigna, com razão, que, em relação a determinados entes, deve-se realizar análise da capacidade de bem conduzir o processo coletivo.30

redação: “Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: I – o

Minis-tério Público; II – a Defensoria Pública; III – a União, os Estados, o Distrito Federal e

os Municípios; IV – a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista; V – a associação que, concomitantemente: a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil; b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico” (grifou-se). Os dispositivos (art. 82 do CDC e art. 5º da Lei 7.347/1985) que já possuem redação aproximada, completam-se, em razão do caráter integrativo de ambos os diplomas (art. 117 do CDC), para indicar exaustivamente todas as pessoas e entes que estão legitimados, no ordenamento jurídico nacional, à propositura de ações coletivas. 28. Art. 25. Além das funções previstas nas Constituições Federal e Estadual, na Lei

Or-gânica e em outras leis, incumbe, ainda, ao Ministério Público: [...] IV – promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei: a) para a proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, e a outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e homogêneos.

29. Art. 6º Compete ao Ministério Público da União: [...] VII – promover o inquérito civil e a ação civil pública para: a) a proteção dos direitos constitucionais; b) a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente, dos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; c) a proteção dos interesses individuais indisponíveis, difusos e coletivos, relativos às comunidades indígenas, à família, à criança, ao adolescente, ao idoso, às minorias étnicas e ao consumidor; d) outros interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e coletivos. 30. Ilustrativamente, registre-se opinião de Kazuo Watanabe: “O sistema brasileiro,

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Alguns critérios e restrições têm sido apresentados à legitimatio ad causam das ações civis públicas, considerando as peculiaridades do processo civil cole-tivo, principalmente o fato de que, invariavelmente, estão em jogo direitos metaindividuais que, por natureza, não pertencem a determinada pessoa, e sim à comunidade.

Todavia, cabe destacar que, em relação ao Ministério Público, o entendi-mento é no sentido de que interesse de agir é presumido, sem qualquer pos-sibilidade de discussão em sentido contrário, considerando principalmente a vocação institucional para a tutela dos direitos coletivos. Afinal, como já men-cionado, é a própria Constituição Federal que afirma ser o Ministério Público “instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incum-bindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis” (art. 127), possuindo a função institucio-nal de “promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos” (art. 129, III).31 Daí o acerto da Súmula 601 do STJ, que reconhece

adequada pelo juiz, em cada caso concreto”. Como justificativa, ressalta: “Proble-mas práticos têm surgido pelo manejo de ações coletivas por parte de associações que, embora obedeçam aos requisitos legais, não apresentam a credibilidade, a se-riedade, o conhecimento técnico-científico, a capacidade econômica, a possibili-dade de produzir uma defesa processual válida” (Código Brasileiro de Defesa do

Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense,

2004, p. 844). Em julgado proferido em outubro de 2015, o STJ realizou o controle de adequada representatividade de associação civil. A ementa é esclarecedora: “As ações coletivas, em sintonia com o disposto no art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, ao propiciar a facilitação da tutela dos direitos individuais homo-gêneos dos consumidores, viabilizam otimização da prestação jurisdicional, abran-gendo toda uma coletividade atingida em seus direitos. Dessarte, como sabido, a Carta Magna (art. 5º, XXI) trouxe apreciável normativo de prestígio e estímulo às ações coletivas ao estabelecer que as entidades associativas detêm legitimidade para representar judicial e extrajudicialmente seus filiados, sendo que, no tocante à legi-timação, ‘[...] um limite de atuação fica desde logo patenteado: o objeto material da demanda deve ficar circunscrito aos direitos e interesses desses filiados. Um outro limite é imposto pelo interesse de agir da instituição legitimada: sua atuação deve guardar relação com seus fins institucionais’” (ZAVASCKI, Teori Albino. Processo

coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. São Paulo: RT,

2014. p. 162).

31. Destaca Teori Zavascki: “No caso do Ministério Público, o interesse na defesa de direitos difusos e coletivos se configura pela só circunstância de que ela representa o cumprimento de suas próprias funções institucionais. É diferente, entretanto, com os demais legitimados, cujas funções primordiais são outras e para as quais a atuação em

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a ampla legitimidade do Ministério, sem qualquer restrição ou referência a critérios de adequada representatividade.

Ressalte-se, ainda, que as críticas apresentadas no passado pela doutrina estrangeira em relação à falta de vocação do Ministério Público para atuação na tutela de direitos metaindividuais mostraram-se absolutamente improcedentes no Brasil. Ao contrário, as estatísticas apontam que é justamente o Ministério Público, entre todos os entes legitimados, o que tem maior protagonismo na tutela judicial dos direitos coletivos, na proteção tanto dos interesses do con-sumidor como das outras espécies de direitos metaindividuais.32

Em que pesem a forte atuação do Ministério Público e a clareza do ordena-mento jurídico quanto à sua legitimidade para propositura de ações para tutela dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, existiu, principal-mente em meados da década de 1990, inesperada resistência do Judiciário em aceitar essa legitimidade, muitas vezes pela falta de cultura do Poder Judiciário em lidar com demandas coletivas, outras vezes pela dificuldade mesmo de compreender as características e diferenças do processo civil coletivo. A Sú-mula 601 do Superior Tribunal de Justiça, editada em fevereiro de 2018, deseja encerrar esse longo debate.

Após resistência inicial e inúmeros debates nos tribunais de todo o País, houve ampla aceitação jurisprudencial da legitimidade do Ministério Público para ajuizamento de ações coletivas. Na breve história da consolidação da ju-risprudência em favor da legitimidade do Ministério Público, cabe lembrar o julgamento, em fevereiro de 1997, do RE 163.231 – verdadeiro leading case do Supremo Tribunal Federal –, no qual se ressaltou:

defesa de direitos transindividuais constitui atividade acessória e eventual” (Processo

coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. São Paulo: Ed. RT,

2014. p. 77).

32. Rodolfo de Camargo Mancuso, após apontar a existência de censura da doutrina es-trangeira em relação à atuação do Ministério Público nas ações coletivas, entre outras razões, pela vinculação do órgão ao Poder Executivo e sua vocação natural à área cri-minal, destaca, com propriedade: “Tais críticas podem, quiçá, ser válidas para outros países, mas não se aplicam, a toda evidência, ao Ministério Público em nosso País, instituição una e indivisível, permanente e essencial à função jurisdicional do Esta-do, vocacionada à defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (CF, art. 127 e § 1º). As estatísticas demonstram a absoluta superioridade do número de ações civis públicas propostas pelo Ministério Público, em face daquelas propostas por outros colegitimados” (Ação civil pública: em defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural e dos consumidores. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 140-142).

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A Constituição Federal confere relevo ao Ministério Público como institui-ção permanente, essencial à funinstitui-ção jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (CF, art. 127). Por isso mesmo detém o Ministério Público capacidade postulatória, não só para a abertura do inquérito civil, da ação penal pública e da ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente, mas também de outros interesses difu-sos e coletivos (CF, art. 129, I e III).33

No passado, alguns acórdãos estaduais apontavam restrições concernentes à verificação, em concreto, da relevância social do objeto da ação em relação ao direito individual homogêneo e, em menor grau, a direitos coletivos.34 Argumen-tava-se que se tratava, em última análise, de tutela de direitos disponíveis ou mera soma processual de direitos individuais, o que seria incompatível com a destinação constitucional do órgão (art. 127 da CF).

33. STF, RE 163.231, j. 26.02.1997, rel. Min. Maurício Correa, DJ 29.06.2001. O assunto está sedimentado no STF. Há inúmeros acórdãos da Corte reconhecendo a legitimida-de do Ministério Público nas mais diversas áreas (consumidor, meio ambiente, patri-mônio público etc.). Apenas a título de ilustração, registre-se decisão, de 25.10.2005, em que ser reconheceu a possibilidade de tutela de direitos individuais homogêneos de consumidores: “Ministério Público – Legitimidade para propor ação civil pública quando se trata de direitos individuais homogêneos em que seus titulares se encon-tram na situação ou na condição de consumidores, ou quando houver uma relação de consumo. É indiferente a espécie de contrato firmado, bastando que seja uma relação de consumo. Precedentes” (STF, RE-AgR 424.048, j. 25.10.2005, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 25.11.2005).

34. Julgados mais antigos se referiam também aos direitos coletivos e não apenas ao indi-viduais homogêneos. Atualmente, a exigência jurisprudencial é concernente apenas aos últimos. A doutrina majoritária agrupa os direitos difusos e coletivos (em sentido estrito) em uma mesma categoria (como materialmente ou essencialmente coletivos). No entanto, embora não seja objeto do presente artigo, defende-se que o mais ade-quado é acomodar os direitos coletivos (em sentido estrito) na mesma categoria dos direitos individuais homogêneos, tanto pela perspectiva processual quanto pela divi-sibilidade do objeto de tutela. Nessa linha de raciocínio, é possível realizar a divisão dos direitos metaindividuais – coletivos em sentido amplo – em duas grandes cate-gorias: direitos materialmente coletivos (DMC) e direitos processualmente coletivos (DPC). Por coerência, a exigência da relevância social caberia tanto para os direitos individuais homogêneos como para os coletivos, os quais são processualmente cole-tivos (DPC). Sobre o tema, v. NUNES, Ana Luisa Tarter; BESSA. Leonardo Roscoe. Convivência normativa entre o incidente de resolução de demandas repetitivas e as ações coletivas: primeiras impressões. Revista de Direito do Consumidor, v. 108, ano 25, p. 121-160.

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Hoje, a única restrição apresentada pela jurisprudência e parte da doutrina em relação à legitimidade do Ministério Público diz respeito à avaliação, em concreto, da relevância social do objeto da ação, especificamente na tutela dos direitos individuais homogêneos. Embora tal aspecto não esteja indicado no enunciado da Súmula 601 do STJ, foi enfrentado pelos acórdãos que deram origem ao entendimento.

No julgamento do REsp 1.099.634, em maio de 2012, a Min. Nancy Andri-ghi, em seu voto, bem resume a questão e a evolução da matéria:

Mesmo no que se refere aos interesses de natureza individual homo-gênea, após grande discussão doutrinária e jurisprudencial acerca da legitimação processual extraordinária do parquet, devido à ausência de menção expressa a tal categoria no texto constitucional e nos dispositivos da lei da ação civil pública, firmou-se entendimento no sentido de que basta a demonstração da relevância social da questão para que ela seja reconhecida.35

De fato, a única forma de concluir pela ausência de legitimidade do Minis-tério Público para ajuizamento de demandas coletivas na tutela de direito in-dividual homogêneo seria pelo reconhecimento da inconstitucionalidade dos diversos diplomas legais que expressamente reconheceram tal legitimidade. Todavia, não foi esse o caminho seguido pela jurisprudência.

Ao contrário, a orientação do Superior Tribunal de Justiça foi justamente no sentido de reconhecer a constitucionalidade e a legalidade da tutela de direito

35. A ementa, na parte que interessa, ficou assim redigida: “O Ministério Público tem legitimidade ativa para a propositura de ação civil pública que visa à tutela de di-reitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, conforme inteligência dos arts. 129, III da Constituição Federal, arts. 81 e 82 do CDC e arts. 1º e 5º da Lei 7.347/85” (REsp 1.099.634/RJ, j. 08.05.2012, rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 15.10.2012). Ou-tros precedentes também ressaltam o fundamento constitucional da legitimidade do Ministério Público: “A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça é no sentido da legitimidade do Ministério Público para ‘promover ação civil pública ou cole-tiva para tutelar, não apenas direitos difusos ou coletivos de consumidores, mas também de seus direitos individuais homogêneos, inclusive quando decorrentes da prestação de serviços públicos. Trata-se de legitimação que decorre, genericamente, dos artigos 127 e 129, III da Constituição da República e, especificamente, do ar-tigo 82, I do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90)’ (REsp 984.005/PE, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 13.09.2011, DJe 26.10.2011) [...]” (AgRg no AREsp 209.779/ RJ, j. 05.11.2013, rel. Min. Og Fernan-des, DJe 20.11.2013).

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individual homogêneo pelo Ministério Público. Exige-se, como já apontado, a presença da relevância social.

Algumas decisões que embasaram a edição da Sumula 601 destacaram tal aspecto. O Min. Luis Felipe Salomão, ao julgar o REsp 1.209.633, já referido, observa em seu voto:

Nessa ordem de ideias, tanto o STF como o STJ reconhecem que o eviden-te relevo social da situação em concreto atrai a legitimação do Ministério Público para a propositura de ação civil pública em defesa de interesses individuais homogêneos, mesmo que disponíveis, em razão de sua vocação constitucional para defesa dos direitos fundamentais ou dos objetivos fun-damentais da República, tais como: a dignidade da pessoa humana, meio ambiente, saúde, educação, consumidor, previdência, criança e adolescente, idoso, moradia, salário mínimo, serviço público, dentre outros.

De fato, é possível que determinada ação coletiva que tutela direito indi-vidual homogêneo beneficie número reduzidíssimo de consumidores e, ao mesmo tempo, em setor que não justifique, considerando as diretrizes consti-tucionais (arts. 127 e 129), a intervenção do Ministério Público.

Como exemplo, imagine-se uma ação coletiva para exigir, em relação a es-cola de inglês com 25 alunos, devolução da diferença de prestação majorada indevidamente. Outro exemplo pode ser oferecido por acidente em transporte coletivo de menores proporções. Não é razoável que o Ministério Público ajuí-ze ação coletiva para reconhecer a responsabilidade civil de uma empresa de ônibus a indenizar cinco ou seis pessoas feridas em determinado acidente, as quais deverão se habilitar no processo, em momento posterior, para demons-trar o valor do dano individualmente sofrido.

Correta, portanto, a exigência do Superior Tribunal de Justiça da aferição da relevância social em hipóteses específicas. A dificuldade advém do que se deve compreender por “relevância social”. Pela abertura que comporta a expressão, não estão definidos, objetiva e exaustivamente, os critérios para avaliar sua presença. Entre outros elementos, para análise da relevância so-cial da atuação do Ministério Público, devem-se verificar a natureza da lesão, o bem jurídico afetado, o número de pessoas atingidas e a dificuldade das vítimas de acesso à Justiça.

Ressalte-se que o número reduzido de beneficiados, por si só, não afasta a legitimidade do Ministério Público quando se trata de defesa de direito de cunho social. A propósito, assim já decidiu o STJ. Foi o que se decidiu no julgamento do REsp 1.120.253, no qual se consignou que o pequeno número

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de pessoas tuteladas, ao final, pela demanda coletiva não afasta a legitimidade quando se trata de direito indisponível – no caso, direito à moradia.36

Conclui-se, neste item, pelo absoluto acerto da Súmula 601 do STJ, cuja redação encerra a maioria dos embates e divergências quanto à legitimidade do Ministério Público para tutela judicial dos direitos difusos, coletivos e indivi-duais homogêneos.

5. s

erviços púbLicos

A Súmula 601 do STJ, na parte final, refere-se a serviços públicos. Estabele-ce que a legitimidade ativa é “para atuar na defesa de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos dos consumidores, ainda que decorrentes da

presta-ção de serviço público”.

Apenas alguns acórdãos que deram ensejo à Súmula abordaram o tópico relativo a serviços públicos. Entre os precedentes do enunciado, foram con-siderados serviços públicos: 1) telefonia (AgRg nos EDcl no REsp 1.508.524/ SC, j. 10.03.2016, rel. Min. Mauro, DJe 16.03.2016 e REsp 984.005/PE, 1ª T., j. 13.09.2011, rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJe 26.10.2011); 2) transporte urbano de passageiros (REsp 929.792/SP, j. 18.02.2016, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 31.03.2016); 3) serviços bancários (AgRg no AREsp 34.403/RJ, j. 09.04.2013, rel. Min. Marco Buzzi, DJe 18.04.2013).

Não há como discordar da Súmula também nessa parte final, em qualquer das suas possíveis intepretações. Apenas pela leitura do enunciado não está claro se os serviços públicos estão relacionados apenas aos direitos individuais homogêneos37 ou a estes e, também, aos direitos coletivos e difusos.

36. “No caso em análise, observa-se que o objetivo da ação civil pública é o resguardo de direitos individuais homogêneos com relevante cunho social – e, portanto, indisponí-veis –, tais como os direitos de moradia, de garantia de própria subsistência e de vida digna (arts. 1º, III, 3º, III, 5º, caput, 6º e 7º, VII, todos da Constituição da República vigente). Ainda que os beneficiários desta ação sejam um número determinado de indivíduos, isso não afasta a relevância social dos interesses em jogo, o que é bastante para que, embora em sede de tutela de direitos individuais homogêneos, autorize-se o manejo de ação civil pública pelo Ministério Público. É essa a inteligência possível do art. 1º da Lei 7.347/1985, à luz do art. 129, III, da Constituição da República de 1988. 6. Precedentes da Corte Especial” (REsp 1.120.253/PE, j. 15.10.2009, rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 28.10.2009).

37. Nessa linha, poder-se-ia sustentar, até em coerência com os julgados da Corte que exigem a presença da relevância social para aferir a legitimidade do MP, que o objetivo

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