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Arquitetura aural: a dimensão sonora da avenida mais paulista da cidade

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Academic year: 2021

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O

presente artigo aborda a dimensão sonora da avenida Paulista como elemento dinâmico que atua na percepção de seus usuários. Em um contexto marcado pelo predomínio da visualidade, os as-pectos que compõem a arquitetura sonora das cidades raramente são considerados apesar de serem apreendidos pelos sentidos de forma inter-conectada e serem responsáveis por inúmeras ações comunicativas. Portanto, o objetivo é inclinarmos nossos ouvidos e corpos para a Paulista, reconhecer a pluralidade de sua dimensão sonora e como ela atua nas relações comunicativas. Palavras-chave: Arquitetura Aural; Corpo; Cidade; Som; Bolhas Sonoras.

Júlia Lúcia de Oliveira Albano da Silva

Doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC Email: julialuciaoliveira@gmail.com

sonora da avenida mais paulista

da cidade

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En esta ponencia se analiza la dimensión sonora de la Avenida Paulista como un elemento dinámico que actúa sobre la percepción de sus usuarios. En un contexto marcado por el pre-dominio de la visualidad, los aspectos que componen la arquitectura sonora de las ciudades rara vez se consideran, a pesar de ser aprehendido por los sentidos de forma interconectada y ser responsable de numerosas acciones comunicativas. Por lo tanto, el objetivo es inclinar nuestros oídos y cuerpos para la Paulista, reconocer la pluralidad de su dimensión sonora y cómo ella actúa en las relaciones comunicativas.

Palabras clave: Arquitectura Aural; Cuerpo; Ciudad, Sonido, Sentido, Borbujas de sonido.

Arquitectura auditiva: La dimension sonora de

laavenida mas paulista de la ciudad

This article discusses the sound dimension of the Paulista Avenue as a dynamic element that acts on the perception of its users. In a well-marked context by the predominance of visuality, the aspects that compose the sound architecture of the spaces are rarely considered despi-te being seized by the senses in an indespi-terconnecdespi-ted way and being responsible for numerous communicative actions. Therefore, the goal is to incline our ears and bodies to the avenue, recognize the plurality of its sound dimension and how it operates in communicative relations.

Keywords: Aural Architecture; Body; City; Sound; Sense; Sound Bubles.

Aural Architecture: the sound dimension of the

most “paulista”avenue of the city

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Desde o processo de implantação do Projeto Paulista Aberta, iniciado du-rante o segundo semestre de 2015, o programa enfrenta desafios e críticas de grupos contrários à iniciativa que consiste em abrir toda a extensão da avenida aos domingos, das 9h às 17h, para atividades de lazer de pedestres, ciclistas e usuários de outras modalidades ativas de locomoção. A proposta da abertura da Paulista para o lazer surge incialmente em junho de 2015, solicitada por entida-des da organização civil, como Rede Minha Sampa e SampaPé1 , e atualmente

integra o programa Ruas Abertas do governo da cidade de São Paulo. O objetivo do programa da prefeitura é abrir ruas e avenidas estratégicas em diversas loca-lidades da cidade aos domingos e feriados para, além de ampliar os espaços de lazer, promover uma melhor ocupação do espaço público na capital.

Dentre os argumentos apresentados por entidades e pessoas que se opõem à ocupação da avenida Paulista para atividades culturais e esportivas aos domin-gos, está o de que tal abertura contribuiria para o aumento no nível de ruídos, o que prejudicaria a qualidade de vida e, portanto, o período de descanso dos moradores locais2 . Por um lado é possível evidenciar a ironia do argumento que

consiste no fato de que historicamente aspectos relacionados à dimensão sonora dos ambientes não ocupam espaço privilegiado dentre as preocupações de arqui-tetos, construtores ou entidades reguladoras dos espaços públicos da cidade. Por outro, o pretenso argumento apresenta-se como uma oportunidade para refle-tirmos sobre um aspecto negligenciado dos espaços que é sua dimensão sonora como destacado pelo autor de Spaces speak, are you listening? Experience

au-ral architecture (2009), Berry Blesser (2009, p.1): “(...) os arquitetos consideram

quase exclusivamente os aspectos visuais de uma estrutura. Só raramente eles consideram os aspectos acústicos. A capacidade natural do ser humano de sentir o espaço por meio da escuta raramente é reconhecida; de fato, algumas pessoas pensam que tal habilidade é exclusiva para os morcegos e golfinhos”3.

Nesse sentido, a avenida Paulista em São Paulo, cuja representatividade vi-sual é intensamente explorada e midiaticamente reproduzida, tem uma dimen-são sonora dinâmica que atua ativamente na percepção e relação comunicati-va com seus usuários como pretendemos abordar neste artigo. A metodologia baseia-se em observação presencial da avenida, em pesquisa bibliográfica que resulta em referencial teórico constituído principalmente pelas contribuições de Norval Baitello Jr. em relação à presença do corpo nos ambientes de comunica-ção; pelos conceitos de espacialidade, cidade e comunicação de Henry Lefebvre, Lucrécia D´Alessio Ferrara e Milton Santos; pela concepção de arquitetura aural (sonora) desenvolvida por Barry Blesser e Juhani Pallasmaa.

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Avenida Paulista: dos casarões ao centro financeiro da cidade

A avenida Paulista, no decorrer de sua história, passou por inúmeras refor-mas e, pouco mais de cinco décadas após sua inauguração, realizada em 1891, dei-xou sua vocação residencial, exilou grande parte de seus casarões, verticalizou-se com edificações imponentes e exuberantes, alargou seu leito carroçável, criou e reformou seus calçadões, para se tornar um dos principais centros financeiros da cidade e símbolo de progresso científico e econômico. Dependendo do horário ou de acontecimentos, previamente comunicados ou não, a via, que é um importante eixo viário ligando importantes avenidas como Dr. Arnaldo, Rebouças, Nove de Ju-lho, Brigadeiro Luís Antônio, Vinte e Três de Maio, Angélica e rua da Consolação, transforma-se em imobilidade.

Esse colapso contemporâneo retrata a lógica do planejamento urbano da ci-dade de São Paulo que durante décadas privilegiou o deslocamento por meio de transportes motorizados, o que resultou em diversas consequências, tais como o desestímulo de outros sistemas de mobilidade, a redução da qualidade de vida com o agravamento da poluição (atmosférica e sonora) e a deterioração das relações da população com o espaço público. A questão da mobilidade não é um desafio somente para a megalópole do país, mas para as grandes cidades contemporâneas em todas as partes do mundo. Inspirados ou não em práticas adotadas em ou-tras capitais, especialistas brasileiros apresentam várias alternativas para o que se convencionou chamar de “mobilidade sustentável”. Trata-se de medidas diversas e controversas, como a intensificação da verticalização da cidade, que hoje conta com uma população de mais de 10 milhões de habitantes4 , a requalificação dos

transportes públicos, implantação e ampliação de sistemas de mobilidade não mo-torizado (bicicleta, caminhada), dos sistemas sobre trilhos integrados às ciclovias, de corredores de ônibus e de espaços públicos, dentre outras5.

O que se observa na avenida Paulista em relação à mobilidade é um reflexo com muitos atenuantes do que ocorre na cidade como um todo, pois além de contar com leito amplo e a diversidade de transportes coletivos (terrestre e sobre trilhos), a via oferece ao transeunte, que a percorre a pé, calçada larga (cerca de 7 m)6 ,

confor-tável e segura, fachadas ativas, ou seja, prédios “abertos” que permitem a circulação do pedestre entre as ruas adjacentes, como ocorre no Conjunto Nacional, ou que convidam para uma pausa, como o edifício do MASP e seu vão livre. Portanto, ca-minhar pelas calçadas da avenida, além de ser, em muitos momentos do dia, uma opção mais rápida, pode colocar o pedestre diante de uma aventura desafiadora para os seus sentidos e para a descoberta do mundo e do entorno (Baitello, 2011)7 .

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Ao transitar pela avenida Paulista, seja no sentido Consolação (Praça

Ma-rechal Cordeiro de Farias) ou no sentido Paraíso (Praça Oswaldo Cruz), o

tran-seunte atento e sensível aos estímulos, que podem surgir de diferentes fontes e direções, percorre uma via elevada, de natureza híbrida e dinâmica. A diversi-dade de usos e pessoas já havia sido apontada, nos anos de 1960, por Jane Jacob, em Morte e vida de grandes cidades, como uma das importantes bases para a vitalidade e segurança das ruas e avenidas. É certo, portanto, que uma aveni-da plural como a Paulista, oferece ao pedestre uma fruição com suas diversas configurações (formas) e funções (comercial, residencial, de lazer), propiciando um deslocamento mais prazeroso. Uma realidade muito diferente da vivida em outros pontos da cidade, onde o pedestre disputa espaço com os veículos auto-motores, mobiliários urbanos (lixeiras, telefones públicos e outros) e se desloca entre estreitas calçadas de conservação questionável.

Nos seus quase 3 km, o planalto, que ainda figura como o mais emblemá-tico da megalópole paulistana, apesar das modernas avenidas Faria Lima e Luís Carlos Berrini, frequentemente é cenário e personagem de manifestações e ce-lebrações de toda natureza reverberadas pela mídia. Sede de empresas (de di-versos setores, como telemarketing e radiodifusão), a avenida Paulista conquista destaque e preferência também como centralidade cultural e de lazer, abrigando museus, teatros, salas de cinema e institutos.

As vitrines e as torres, de projetos arquitetônicos arrojados e expressivos, que disputam o status de marco referencial da avenida, mantêm – dos padrões urbanísticos de origem – o alinhamento da fachada com a testada do terreno, o que rende à via uma amplidão espacial particular. Desta forma, para o pedestre, seu olhar não encontra obstáculos significativos e consegue antecipar o que os seus pés vão percorrer. Aliás, a paisagem visual parece ser o aspecto mais valori-zado na organização espacial da avenida. Será a avenida Paulista mais um exem-plar do “ocularcentrismo” arquitetônico e paisagístico identificado e criticado por Juhani Pallasmaa em Os olhos da pele – A arquitetura e os sentidos? O para-digma visual apareceu de forma preponderante nas obras dos arquitetos moder-nistas e desencadeou o que Pallasmaa denomina de “autismo arquitetônico”. Para o autor finlandês, a supervalorização das dimensões intelectual e conceitual da arquitetura de imagens visuais, a transformou em um “meio de expressão e um jogo artístico intelectual desvinculado das conexões sociais e mentais essenciais, perdendo a temporalidade quando busca impacto instantâneo” (Pallasmaa, 2011, p. 37). Esta percepção é compartilhada por Barry Blesser (2009), para quem a cultura contemporânea orientada para a comunicação visual tem pouco apreço pela audição e, portanto, atribui pouco valor à consciência espacial sonora. A arquitetura sonora, ou “arquitetura aural” (aural architecture), como

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denomi-na Blesser, refere-se às propriedades de um espaço que pode ser experimentado através da audição. Trata-se de um importante e negligenciado aspecto da estru-tura espacial que “além de fornecer pistas acústicas que podem ser interpretadas como objetos e superfícies, pode influenciar nosso humor e associações. Embora possamos não estar conscientes de que a arquitetura aural seja em si um estímulo sensorial, reagimos a isso” (2009, p. 2)8.

No caso da avenida Paulista, muitas das edificações que se tornaram sua referência foram construídas por renomados escritórios de arquitetura, entre os anos de 1950 e 1970, tais como o MASP, Museu de Arte de São Paulo, em 1947, o Conjunto Nacional, em 1958, a Fundação Cásper Líbero e a Gazeta, em 1944 e 1950 respectivamente, e o Teatro Popular do SESI, em 1977. Período em que a economia baseada na produção industrial, no trabalho assalariado e no consu-mo de bens materiais se consolidava ao mesconsu-mo tempo em que iconsu-mortalizava na cidade seus valores e estrutura cognitiva por meio de símbolos arquitetônicos funcionais e visualmente exuberantes/memoráveis. Portanto, o cuidado e o apre-ço em relação aos aspectos visuais da avenida foram e continuam sendo notáveis e tendem a capturar e direcionar o olhar do transeunte. Vale destacar que, em maio dos anos de 2010, 2011 e 2014 (em um contexto de economia estruturada em serviços e consumismo impulsionados pela economia global) foram inaugu-radas imponentes lojas-vitrine de departamentos na Paulista. As fachadas das

flags store, ou lojas-conceito, das marcas Renner, Marisa e Riachuelo são criações

estruturadas em vidro cuja transparência, juntamente com a iluminação, obje-tivam seduzir inicialmente o olhar dos transeuntes9. No entanto, considerando

que “toda experiência comovente com a arquitetura é multissensorial” (Pallas-maa, 2011, p. 39) e sem ignorarmos os aspectos táteis, olfativos e gustativos, nos perguntamos: afinal, quais são as propriedades espaciais do planalto mais emblemático da cidade que podemos experimentar por meio de suas manifesta-ções sonoras? Ou então, quais são as sonoridades que compõem a arquitetura aural ou sonora da avenida Paulista do século XXI?

Espaços-bolhas ou Bolhas-acústicas da arquitetura aural da

avenida Paulista

O que sabemos é que, previamente pensada ou não, a dimensão sonora tam-bém se manifesta, se mistura e atua na percepção, no humor, na relação comu-nicativa entre o transeunte e a própria avenida. Ao inclinarmos nossos ouvidos e corpos para a Paulista, reconhecemos que cada cidade, avenida e rua têm caracte-rísticas sonoras particulares, resultantes da articulação entre técnicas, funções e usos do espaço vivido. Portanto, a arquitetura aural ou a dimensão sonora da

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ave-nida Paulista é essencialmente plural e composta por materialidades, formas e pa-drões que a constituem, pelo desenho de sua topografia e também pelas relações político-sociais normatizadas ou reinventadas no cotidiano pelos seus cidadãos10.

Como observamos anteriormente, tanto pelos aspectos históricos e arqui-tetônicos como pelos políticos e econômicos, há uma preocupação com a visua-lidade, mas que não impossibilita a manifestação de outras dimensões, como a sonora. Localizada em um dos pontos mais altos da cidade, a avenida, que até os anos de 1950 abrigava residências dos barões do café e posteriormente da elite da indústria, era percorrida por bondes, carruagens e sentida pelos pés. Passa-dos mais de 120 anos, as dimensões sonoras da avenida Paulista acompanham a sua dinâmica e multiplicidade de funções e por vezes disputa com as imagens o protagonismo da saturação com seus signos sonoros. A média de 75 dB (de-cibéis), aferida em 25 de abril de 2014 na avenida, confirmou o que já se sentia no corpo: o excesso de ruídos. Comandado pelo transporte público e veículos de carga, a polifonia da avenida Paulista é composta também por buzinas, britadei-ras, helicópteros, vendedores ambulantes e transeuntes11. A média

apresenta-da ultrapassa os 55dB recomenapresenta-dados pela Organização Mundial apresenta-da Saúde para evitar prejuízos à saúde, como perda progressiva da audição, estresse, insônia, problemas cardíacos, dentre outros. Durante o período mais ruidoso, ou seja, das 8h às 9h, os sons se sobrepõem, concorrem pela atenção do transeunte que se desloca sobre rodas e acompanha a cidade através do enquadramento de um veículo automotor particular ou coletivo, ou do pedestre mesmo quando ele está usando fones de ouvido, pois como vibração mecânica, as ondas sonoras atingem seu corpo através do maior órgão humano, a pele.

Os ruídos dos passos dos pedestres se confundem e se misturam com as diversas arquiteturas aurais que continuamente se formam e se dissolvem ao longo da avenida, cujo desenho se assemelha a um corredor que sedia diversos acontecimentos previamente determinados como passeatas, manifestações, pa-radas, marchas, comemorações de diversas naturezas que, além de estratégias visuais, quase sempre recorrem a recursos de produção, amplificação e repro-dução sonora – de apitos, vociferações, instrumentos de percussão a potentes amplificadores de sons. Mas as dimensões sonoras da avenida Paulista também são compostas por acontecimentos espontâneos e provisórios que redesenham seus quarteirões e suas esquinas compondo diversas espacialidades singulares.

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São exemplo as ações protagonizadas por aspirantes a artistas, ou artistas de rua que, ao se instalarem provisoriamente em pontos estratégicos, insistem em conquistar a atenção e o ouvido de quem circula pela avenida, criando o que Eli-zabeth Goldfarb Costa (1998) denominou de “espaço-bolha”. De acordo com as definições da arquiteta, o referido conceito está relacionado justamente a este re-desenho do espaço urbano promovido pelas ocupações provisórias. No caso ana-lisado pela autora, os espaços-bolhas são realizados por vendedores ambulantes nos entornos dos locais onde se realizam eventos coletivos, como os estádios de futebol. Trata-se de um processo que amplia a gama de usos do espaço urbano onde “os repertórios em jogo (o do espaço dado e o do espaço criado) permeiam--se, permitindo que ele se torne lúdico, imprevisível, perceptivo e passível de adquirir mais informação e significação” (COSTA, 1989, p. 52).

Na avenida Paulista, o redesenho provisório do espaço tem a imagem e o som como importantes vetores, sendo os artistas de rua e a heterogeneidade do público, os personagens que provisoriamente povoam e compõem o espaço-bo-lha. Alguns artistas, pela insistência e periodicidade, já se tornaram personagens “habituais”, como é o caso dos covers de Elvis Presley e Michael Jackson.

Figuras 01 e 02: Palco ou calçada? Espaços-bolha, Bolhas-acústicas da e na avenida Paulista. Fonte: Folha de São Paulo.

No gráfico12 abaixo é possível identificar os pontos da avenida ocupados

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Figura 03: Tentativa de pontuar o espontâneo, o inesperado, o surpreendente da e na avenida Paulista. Fonte: Folha de São Paulo.

Os artistas delimitam visualmente seus espaços de encenação e coordenam suas performances por meio do ritmo, da melodia e da sonoridade cuidadosa-mente amplificada através da caixa acústica que os acompanha. Por instantes, naquele trecho, o espaço urbano configura-se como um auditório provisório, re-sultado da aproximação de corpos cuja mobilização tem o som como vetor de captura, de persuasão. Em outras palavras, o som tecnicamente amplificado atua como um magneto que, em diálogo com os recursos visuais do artista e do entor-no, cativa a atenção dos transeuntes e redesenham a esquina da avenida Paulista com a rua Augusta em frente ao shopping Center 3. O aparecimento de artistas, de forma aleatória ou programada, em plena avenida não pode ser considerado uma novidade, pois basta caminhar pelas suas calçadas, principalmente aos fi-nais de semana, para encontrar diversas atrações que disputam entre si o espaço, com artesões e outros vendedores ambulantes.

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Figuras 04 e 05: Na valorizada esquina da avenida Paulista com a Rua Augusta, artesanatos, sons e

corpos redesenham a calçada.

Fonte: arquivo do autor.

No entanto, com motivações e intensidade de transgressão diferenciadas, a ocupação de determinados trechos da avenida Paulista pode ser entendida como uma ampliação da gama de usos e funções do espaço público estabelecidos pela tecnosfera. Psicosfera e tecnosfera são categorias anunciadas por Milton Santos (1994) para abordar as manifestações do espaço, em especial o urbano. A tec-nosfera refere-se às técnicas e tecnologias usadas pelo homem na sua relação com o espaço e a psicosfera refere-se ao espaço vivido, dinamizado pelos usos. A articulação entre as duas categorias é inevitável e passível de tensões, em espe-cial quando há uma “subversão” do uso previsto, como é o caso da ocupação da calçada da Paulista, sobretudo por artistas de rua.

Programada para funcionar como passagem, deslocamento, o uso pelos ar-tistas de rua promove o ajuntamento de corpos que compromete parcialmente a circulação local e motiva as reclamações de alguns pedestres. Ao mesmo tempo, as atrações redesenham temporariamente trechos da calçada, ora como bolha-a-cústica quando o som é a atração principal, ora como um palco quando o artista de rua realiza sua performance embalado por sonoridades programadas. A di-mensão sonora de cada espaço-bolha, parcialmente absorvida pelas paredes-cor-pos, reverbera ao longo das quadras, mistura-se residualmente com outras fontes e eventos sonoros, e compõe a arquitetura aural da avenida. Portanto, de lugar de passagem, diferentes trechos da avenida Paulista são transformados provisoria-mente em espaços-bolha, lugares privilegiados, lúdicos, e coletivos de pausa, de aproximação de corpos.

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Figura 06: Calçada da avenida Paulista – para passagem e para paragem. Fonte: Arquivo do autor.

Considerações Finais

Nos diferentes trechos da avenida Paulista onde ocorrem as atrações que envolvem algum tipo de elemento sonoro, amplificado ou não, o ajuntamento de pedestres desafia os limites do espaço interpessoal, ou seja, na disputa por um melhor ângulo de visualização ou em decorrência do envolvimento com o am-biente criado, em muitos momentos a distância social é ultrapassada em direção à distância pessoal. O antropólogo Edward T. Hall (1977, p. 106-108), em suas pesquisas sobre seres humanos em situações sociais, identifica quatro tipos de distâncias – a íntima, pessoal, social e pública; e nos chama a atenção para o fato de que as distâncias medidas em suas pesquisas variam um pouco de acordo com as diferenças de personalidade e fatores ambientais. Hall (1977, p. 111) define distância social como aquela praticada em negócios impessoais, reunião social informal, nas quais há pleno domínio visual do ambiente e interlocutor(es), mas os recursos do tato não são acessíveis e/ou previstos. Para se referir à distância pessoal, Edward Hall nos convida a imaginarmos “uma pequena esfera ou bolha

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protetora, que o organismo mantém entre si e os demais” (1977, p. 110). Nesta aproximação, o tato pode ocorrer com facilidade, o olfato pode identificar odores que, juntamente com os demais sentidos, coordena a movimentação do corpo no espaço coletivo. Esta consciência da movimentação do corpo em um espaço compartilhado, Hall (1977, p. 110) chama de senso “cinestésico da proximidade”, que decorre das possibilidades em relação ao que cada participante possa causar ao outro, com as suas extremidades corporais. Tais considerações nos permitem deduzir que o ambiente, construído por meio de sonoridades, visualidades e dos estímulos produzidos pela corporeidade concreta, inaugura uma distância inter-mediária entre a social e a pessoal. A bolha-protetora de Hall (1977) é relativi-zada nos auditórios provisórios da avenida Paulista, pois o corpo emerge como catalisador da comunicação humana.

Referências

BAITELLO, N. A era da iconofagia – ensaios de comunicação e cultura. São Paulo: Hacker, 2005.

______. Corpo e Imagem: comunicação, ambientes e vínculos. In: RODRI-GUES, David (Org.) Os valores e as atividades corporais. São Paulo: Summus, 2008.

______. A serpente, a maça e o holograma. Esboços para uma Teoria da Mídia. São Paulo: Paulus, 2010.

______. O Pensamento sentado Sobre glúteos, cadeiras e imagens. São Leo-poldo: Unisinos, 2012.

BLESSER, B.; SALTER, L.R. Spaces speak, are you listening? Experiencing aural architecture. Massachussetts: MIT, 2009.

COSTA, E.G. Anel, cordão, perfume barato. Uma leitura do espaço do comércio ambulante na cidade de São Paulo. São Paulo: Nova Stella; EDUSP, 1989.FERRARA, L. Design em espaços. São Paulo: Rosari, 2002.

______ (org.). Espaços Comunicantes. São Paulo: Annablume, 2007.

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FOLHA DE S.PAULO. Covers de Michael Jackson e Elvis Presley disputam calçada no cartão postal de SP. Caderno Cotidiano. 10 ago. 2014. Disponível em: <

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http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/08/1498198-covers-de-mi-chael-jackson-e-elvis-presley-disputam-calcada-no-cartao-postal-de-sp.shtml>. Acesso em: out. 2014.

GEHL, J. Cidades para pessoas. 2ª ed. São Paulo: Perspectiva, 2014. HALL, E.T. Dimensão Oculta. 2ª ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1977. JACOBS, J. Morte e vida de grandes cidades. Trad. Carlos S. Mendes Rocha. 3ª ed. São Paulo: WFM Martins Fontes, 2013.

PALLASMAA, J. Os Olhos da pela. A arquitetura e os sentidos. Trad. Ale-xandre Salvaterra. Porto Alegre: Bookman, 2011.

SANTOS, M. Técnica, Espaço, Tempo: Globalização e meio técnico-cientí-fico- informacional. São Paulo, Hucitec, 1994.

______. A Natureza do espaço: Técnica e tempo. Razão e emoção. São Paulo: Hucitec, 1996.

Notas de Rodapé

1. Minha Sampa é uma iniciativa de participação popular que faz parte do Projeto Minhas Cidades. Mais

informações em < http://www.minhasampa.org.br/>. O Movimento SampaPé tem como objetivo incentivar as pessoas a interagirem com a cidade por meio de caminhadas, pois acreditam que caminhar é o primeiro passo para conquistar uma cidade feita pelas pessoas e para as pessoas. Mais informações disponíveis em < http://www. sampape.com.br/#!movimento/ch6q>, acesso em 26/02/2015. A abertura da Avenida Paulista aos domingos, das 9h à 17h, teve seu início oficial em outubro de 2015.

2. O argumento de que haveria um crescimento no nível de ruído na avenida Paulista foi rebatido pelos dados

obtidos por pesquisa realizada pela Faculdade de Medicina da USP e a ONG Cidade Ativa. De acordo com os resultados apresentados em relatório disponível em http://www.cidadeativa.org.br/, a abertura da via para atividades de lazer aos domingos não aumenta o ruído, ao contrário, os níveis observados apontam para uma diminuição.

3. Tradução nossa do original: “(...) architects almost exclusively consider the visual aspects of a structure. Only

rarely do they consider the acoustic aspects. The native ability of human beings to sense space by listening is rarely recognized; indeed, some peoples think such an ability is unique to bats and dolphins”. (2009, p.1)

4. De acordo com dados do IBGE, a população estimada em 2014 do município de São Paulo é de 11.895.893

habitantes. Se incluirmos a região metropolitana, ou seja, os 38 municípios, a população sobe para 19.611.862 milhões de habitantes.

Disponível em: <http://cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=355030&search=sao-paulo|sao-paulo>, acesso 28/07/2014

5. Em 30 de junho de 2014, foi aprovada a nova lei que apresenta as diretrizes para a cidade de São Paulo. A lei

(16.055/2014), que foi sancionada pelo prefeito Fernando Haddad em 31 de julho de 2014, teve como objetivo central estabelecer um “novo modelo de desenvolvimento urbano diretamente ligado ao enfrentamento das expressivas desigualdades socioterritoriais presentes na cidade de São Paulo”. Foi incensado como um consenso possível entre diferentes pontos de vistas de diversos atores de uma cidade repleta de conflitos. O novo Plano Diretor estratégico (PDE) de São Paulo prevê uma cidade mais densa, tendo os eixos do transporte coletivo com os novos vetores do crescimento. PDE disponível em <http://gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br/entenda-a-lei/>, acesso dia 18 de agosto de 2014.

6. De acordo com a Lei Municipal no 15.442, 09/09/2012, Cap. 03, Artigo 8º, a calçada, independentemente

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vias muito importantes têm sido tratadas pela prefeitura.

7. Norval Baitello Junior participou do documentário Calçada da Paulista, produzido em 2011, com duração de

30 min. pela TV SESC e TV PUC como integrante da série Objetos da Cultura. O documentário foi veiculado pelas citadas emissoras e encontra-se disponível na página do Sesc TV: <http://www.sesctv.org.br/destaque. cfm?id=6863&destaque_id=4>

8. Tradução nossa do original: “In addition to providing acoustic cues that can be interpreted as objects and

surfaces, aural architecture can also influence our moods and associations. Although we may not be consciously aware that aural architecture is itself a sensory stimulus, we react to it.” (BLESSER, 2009, p. 2)

9. A potencialidade comercial da avenida Paulista contribuiu para que ela se tornasse também uma importante

vitrine para diversas marcas, como Renner, Marisa e Riachuelo. Internamente, o design arrojado, decoração e projeto arquitetônico imponentes pretendem propiciar uma experiência do cliente com a marca. Para tal, além do apelo visual, recorrem aos estímulos sensoriais acionados através de aromas e paisagem sonora exclusivos que são estrategicamente articulados com inovações tecnológicas e atendimento especializado e individual. Uma experiência sinestésica.

10. Como observamos, a topografia das cidades helênicas e os valores democráticos da cultura grega foram

fundamentais para a criação de espaços públicos que propiciassem o encontro, o embate de ideias sobre questões de interesse da coletividade. E o teatro grego é exemplo claro deste fato, pois, escavado nas encostas das montanhas, foi construído como um espaço aberto e extenso que, além de abrigar uma numerosa audiência, deveria, com sua acústica, garantir clareza e entendimento para todos – plateia e apresentadores.

11. A medição dos níveis de ruídos da avenida foi realizada pela primeira vez no vão livre do MASP, no Dia

Internacional da Conscientização sobre o Ruído pela ProAcústica – Associação Brasileira para a Qualidade Acústica. Disponível em: <http://www.proacustica.org.br/noticias/clipping-sobre-ac%C3%BAstica-e-temas-relacionados/ru%C3%ADdos-na-avenida-paulista-causam-danos-%C3%A0-sa%C3%BAde.html>. Acesso em 07 de junho de 2014.

12. O gráfico acompanha a matéria Covers de Michael Jackson e Elvis Presley disputam calçada no cartão postal de

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