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APRESENTAÇÃO DO DOSSIÊ "TRABALHO E EDUCAÇÃO DO CAMPO"

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Academic year: 2021

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Apresentação do Dossiê

“Trabalho e Educação do Campo”

Salomão Mufarrej Hage1

Dileno Dustan Lucas de Souza2

Horrorizai-vos porque queremos abolir a propriedade privada. Mas em vossa sociedade a propriedade privada está abolida para nove décimos de seus membros. E é precisamente porque não existe para estes nove décimos que ela existe para vós. Acusai-nos, portanto, de querer abolir uma forma de propriedade que só pode existir com a condição de privar a imensa maioria da sociedade de toda propriedade. (Manifesto do Partido Comunista, 1848)

A Educação do Campo emerge em momentos em que os povos do campo acirram suas reivindicações contra a mercantilização que se impõe pelo latifúndio e pela privatização da terra, das florestas e das águas, na luta pelo direito de efetivar seus direitos humanos e sociais já assegurados na legislação vigente, e com isso buscam superar a dicotomia/desigualdade entre campo e cidade historicamente produzida. Ainda assim, o que se observa predominantemente nos territórios rurais é o antagonismo entre os que detêm a posse da terra e os que nela trabalham e produzem a sua existência e da sociedade. Daí a importância dos movimentos pela

1 Doutor em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), com estágio de

pós-doutoramento pela Universidade de Wisconsin-Madison. Atua como professor do Instituto de Ciências da Educação da Universidade Federal do Pará (UFPA), onde integra o quadro docente do Programa de Pós-Graduação em Educação e do Programa de Linguagens e Saberes da Amazônia. É bolsista produtividade do CNPq, coordena o Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação do Campo na Amazônia, integra a Coordenação do Fórum Paraense de Educação do Campo e Coordena a Escola de Conselhos Pará: Núcleo de Formação Continuada de Conselheiros Tutelares e de Direitos da Amazônia Paraense. E-mail: salomao_hage@yahoo.com.br

2 Doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS), com estágio de pós-

doutoramento pela Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais e pelo Instituto de Ciência da Educação da Universidade Federal do Pará. Atua como professor de Política Educacional na Faculdade de Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora. É coordenador do Grupo de Pesquisa Trabalho, Movimentos Sociais Populares e Educação do Campo (TRAME). E-mail: dilenodustand@gmail.com

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educação popular que ampliam a discussão sobre uma educação de qualidade e transformadora junto aos movimentos sociais do campo, questionadora da doutrina da concorrência ante a doutrina do monopólio, da doutrina da liberdade de ofício ante a doutrina da corporação, da doutrina da divisão de posse da terra ante a doutrina da grande propriedade de terras, pois, concorrência, liberdade de ofício, divisão da posse da terra eram desenvolvidas e concebidas apenas como consequências acidentais, propositais, violentas do monopólio, da corporação e da propriedade feudal, não como suas consequências necessárias, inevitáveis, naturais. Dessa forma, a marginalização que o Campo vem sofrendo tende a florescer em críticas à cultura de silenciamento, “esquecimento” e desinteresse pelo Campo em suas práticas e experiências de trabalho diversificado e solidário. Pois, o que se viu durante a história da educação no meio rural no Brasil foi a ausência de políticas públicas pensadas a partir da relação dos que vivem do trabalho na terra, nas águas e na floresta com a educação, a implementação de “pacotes” sem vínculo com a realidade e o contexto local como foi o caso da chamada revolução verde que inicia um processo de mecanização do campo e prepara o caminho para o agronegócio e consequentemente, de fortalecimento da propriedade privada no campo.

Nessa perspectiva a indústria moderna do mercado mundial chamado terra impõe regras internacionais para a sua mercantilização no que nos denuncia Galeano (2010) em suas veias abertas: agora é a vez da soja transgênica, dos falsos bosques da celulose e do novo cardápio dos automóveis, que já não comem apenas petróleo ou gás, mas também milho e cana-de-açúcar de imensas plantações. Dar de comer aos carros é mais importante do que dar de comer às pessoas. E outra vez voltam as glórias efêmeras, que ao som de suas trombetas nos anunciam grandes desgraças. A América Latina é esse terreno.

Quando a ordem dos cidadãos das cidades, as corporações, etc., surgiram perante a nobreza da terra, as suas condições de existência, propriedade mobiliária e trabalho artesanal, que já tinham existido de forma latente antes de se terem separado da associação feudal, apareceram como uma coisa positiva que se fez valer contra a propriedade fundiária feudal e que, para começar, tomou por sua vez a forma feudal à sua maneira. Os servos fugitivos consideravam sem dúvida o seu estado de servidão precedente como uma coisa contingente à sua personalidade: quanto a isto, agiam simplesmente como o faz qualquer classe que se liberta de uma cadeia e, deste modo, não se libertavam como classe mais isoladamente. Além disso, não saíam do domínio da organização por ordens, tendo apenas formado uma nova

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realizando este modo de trabalho de forma a libertá-lo dos laços do passado que já não correspondiam ao estádio de desenvolvimento que tinham atingido.

No Brasil, até 1891, os textos constitucionais evidenciavam apenas a realidade urbanocêntrica de sociedade, e o que se efetivou neste contexto foram políticas governamentais com o objetivo de modernizar e levar o país ao progresso pela educação, estendendo a escolarização para as camadas médias e pobres da sociedade. Com o movimento migratório dos anos 1910/20, quando um grande número de habitantes dos territórios rurais veio para a cidade em busca das áreas onde se concentrava a industrialização mudou-se o foco das políticas educativas e, como medida para conter esse processo migratório falou-se muito no Ruralismo Pedagógico na década de 1940, o qual estava ancorado na valorização da terra e na produção agrícola, com perspectiva de fixar o homem no campo, o que, consequentemente, acarretaria a necessidade de adaptação das propostas educacionais ao meio rural, mas este movimento ainda era uma iniciativa que buscava pensar e educação “para” os povos do campo e não “com” os mesmos.

Esses que se acham os senhores e senhoras da terra pretendem cada vez mais criar forças produtivas subordinadas ao seu poder, bem como subordinar as forças da natureza, do homem/mulher à maquinaria, à aplicação da química da indústria na agricultura e assim à exploração de continentes inteiros para fins de cultivo do interesse do capital, à canalização de rios, populações inteiras brotadas da terra como por encanto é esse século, é esse mundo, são as forças de exploração e expropriação do trabalho que precisam e são questionados pela força da Educação do Campo.

O “Movimento da Educação do Campo” surge em meados dos anos 1990 com uma história de luta por uma educação de qualidade e transformadora e, a partir daí, os movimentos sociais começaram a pressionar de forma articulada a construção de políticas públicas (mesmo sabendo que são sazonais dependendo do governante de plantão) para o Campo, o que reafirma a busca pela garantia da universalização da educação, bem como de propostas pedagógicas que tenham como referência as realidades e diversidades de vida e trabalho existentes no Campo.

É nesse contexto que pensamos, refletimos e valorizamos a Educação do Campo, onde as relações de trabalho e a educação sejam pensadas de forma diferenciada e articulada, estabelecendo a relação do trabalho e educação como princípio educativo, desenvolvendo processos de educação/escolarização que tenha nas

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experiências3 locais a análise nacional. Compreendemos que o trabalho se constitui

como parte fundamental da construção do ser humano enquanto sujeito. Mesmo porque sabemos e concordamos que a aprendizagem se dá de diversas formas e nos diversos espaços. Assim, a escolarização não pode basear-se exclusivamente no domínio de conteúdos intelectuais/livrescos, mas na formação/libertação plena dos seres humanos para que possam desenvolver todas as suas capacidades do pensar, refletir, filosofar e dessa forma eliminar a histórica separação entre trabalho manual e intelectual.

Partindo dessas reflexões mais abrangentes, o Dossiê que aqui apresentamos aborda múltiplas formas e perspectivas que configuram o trabalho nos territórios rurais e suas relações com processos e práticas formativas, culturais, e com as lutas de resistência pela terra, pelo território e pela conquista de direitos, sem a pretensão, no entanto, de esgotar essas formas e perspectivas.

Com os textos selecionados, buscamos envolver a diversidade de sujeitos, coletivos, comunidades, trabalhadores e trabalhadoras, povos tradicionais e camponeses que vivem do trabalho cooperado e diversificado na terra, nas águas e na floresta, para a produção de sua existência, em contraste com os projetos e experiências produtivas de larga escala, que priorizam o aumento da produtividade com a mercantilização e, portanto, com a destruição da biodiversidade, da natureza, da sociodiversidade, da vida humana e com a intensificação e alienação do trabalho. Na primeira sessão, reunimos os artigos intitulados: A Categoria Pedagógica do Trabalho socialmente necessário nas Escolas Itinerante do MST Paraná; Proposta Pedagógica Complexos de Estudo Escola, Trabalho, Conhecimento; e Expectativas e Abandono dos Alunos da EJA frente ao contexto de implementação da Hidrelétrica Belo Monte – Altamira/Pa; Trabalho e Saberes Tradicionais - fundamentos e possibilidades na organização de projetos de trabalho. Com o conteúdo dos mesmos esperamos contribuir com as reflexões que circulam sobre a escolarização dos sujeitos do campo e suas conexões com o trabalho em situações educativas que envolvem a juventude, em diferentes regiões brasileiras, a articulação com diferentes movimentos sociais, compartilhando experiências de organização curricular e de práticas pedagógicas que aproximam a educação e o trabalho.

Na segunda sessão, reunimos os artigos intitulados: A Escola do Campo e a precarização do Trabalho Docente; O Trabalho como princípio educativo nos Sistemas

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de Produção Familiares referenciado pela experiência formativa do Curso de Licenciatura em Educação do Campo – UFPA-Cametá, Pará; e Cartografias da Educampo: Alternância, Trabalho e Estratégias para conter a Evasão. Com as reflexões neles contidas esperamos contribuir com a discussão sobre experiências de aproximação entre trabalho e educação que vêm sendo efetivadas nos quatro cantos do Brasil no âmbito dos cursos de Licenciatura em Educação do Campo, as quais ajudam a entender essa aproximação como fundante nos processos de formação dos educadores e suas conexões com as formas que o trabalho assume na produção da existência e na formação dos sujeitos do campo.

Por fim, a terceira sessão, reúne os artigos intitulados: A Práxis Política como atividade formativa dos Trabalhadores da Pesca da Colônia Z-16 de Cametá-PA; O Trabalho como Princípio Educativo: Um estudo de caso nos Agroecossistemas do IFPA Castanhal; e Processos Educativos e de Sociabilidade na prática produtiva de fazer Farinha; Feiras de Economia Solidária e Mercados Locais da Agricultura Familiar no Baixo Tocantins (Pará). Com esses artigos procuramos compartilhar diferentes experiências formativas que se efetivam nas práticas produtivas que os sujeitos do campo protagonizam em seus distintos territórios e com suas distintas territorialidades, evidenciando especificidades próprias que antagonizam com as experiências de trabalho de larga escala e mercantilizadas e que também se diferenciam de práticas produtivas que se efetivam nos centros urbanos, com uso de tecnologias próprias, que atendem suas necessidades e diversidades produtivas.

Compactuamos com a compreensão de que o trabalho dos sujeitos do campo com suas referências, tecnologias, saberes e especificidades, tem muito a oferecer para a sustentabilidade da existência humana, para a ampliação do patrimônio cultural da humanidade e para a emancipação humana e social; não ele sozinho, isolado, estigmatizado, invisibilizado... Mas, reconhecido e em conjunto com outras formas de trabalho criadas pelos seres humanos, com essas mesmas intencionalidades, nos demais territórios existentes na sociedade.

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Referências

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