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O processo de metamorfose da mulher acima dos trinta e cinco anos em mãe : uma teoria específica da situação

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE  DE  LISBOA  

 

O PROCESSO DE METAMORFOSE DA MULHER ACIMA DOS

TRINTA E CINCO ANOS EM MÃE - UMA TEORIA ESPECÍFICA DA

SITUAÇÃO

Maria Anabela Ferreira dos Santos

Orientador(es): Prof. Doutora Maria dos Anjos Pereira Lopes Fernandes Veiga Prof. Doutora Maria Antónia Rebelo Botelho Alfaro Velez

Tese especialmente elaborada para obtenção do grau de Doutor em Enfermagem

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com a colaboração da

   

 

O PROCESSO DE METAMORFOSE DA MULHER ACIMA DOS TRINTA E CINCO ANOS EM MÃE - UMA TEORIA ESPECÍFICA DA SITUAÇÃO

Maria Anabela Ferreira dos Santos  

Orientador(es): Prof. Doutora Maria dos Anjos Pereira Lopes Fernandes Veiga Prof. Doutora Maria Antónia Rebelo Botelho Alfaro Velez

Tese especialmente elaborada para obtenção do grau de Doutor em Enfermagem Júri:

Presidente: Prof. Doutor Óscar Proença Dias Vogais:

- Prof. Doutora Maria Margarida Santana Fialho Sim-Sim - Prof. Doutora Teresa Maria da Conceição Joaquim - Prof. Doutor Paulo Jorge Granjo Simões

- Prof. Doutora Sofia Cristina Pappámikail da Costa Marinho

- Prof. Doutora Maria Antónia Miranda Rebelo Botelho Alfaro Velez - Prof. Doutora Célia Maria Gonçalves Simão de Oliveira

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AGRADECIMENTOS

À Professora Doutora Maria dos Anjos Pereira Lopes por ter aceite ser minha orientadora numa fase difícil da sua vida. A sua persistência e tenacidade, foram para mim um exemplo. Os seus ensinamentos, conselhos, saber, partilha, entusiasmo e dedicação tornaram possível a concretização deste projeto.

À Professora Doutora Maria Antónia Rebelo Botelho minha coorientadora, pelo apoio, empenho, orientação e disponibilidade prestados, mas em especial, por sempre ter acreditado em mim e ter viabilizado esta jornada.

Às participantes do estudo, que me abriram as portas de suas casas e da sua alma, e, de forma desinteressada partilharam as suas experiências de serem mães. Sem a sua colaboração este estudo não teria sido possível.

Às minhas colegas e amigas: Teresa, Isabel, Manuel e Zé pelo trabalho fastidioso, mas precioso de revisão do texto e pelas sugestões efetuadas; à Isabel por ter assegurado a regência do ensino clínico na minha ausência; às colegas de departamento, que me substituíram na lecionação no curso de licenciatura e de mestrado, a todos agradeço o incentivo e ajuda prestados.

À Presidência da Escola Superior de Enfermagem de Lisboa e respetivo Conselho Técnico Científico que me concederam as condições necessárias e indispensáveis à realização deste projeto.

Às funcionárias do Centro de Documentação e da Reprografia da Escola Superior de Enfermagem de Lisboa que se mostraram sempre disponíveis e incansáveis.

Ao Hospital Fernando da Fonseca e à equipa de enfermeiros dos serviços de consultas e internamento de Obstetrícia, que facilitaram o acesso às primeiras entrevistas.

À minha família, aos meus pais principalmente a quem devo ser quem sou, mas também a todas as mulheres da minha família, em particular à minha mãe, às minhas avó e tia-avó Teresas por me incutirem o sentido de responsabilidade, de independência e do valor do esforço, a par com uma profunda e genuína crença de igualdade de género.

Aos meus filhos Manuel e Filipe a quem desejo transmitir um legado de perseverança, determinação nos valores de honestidade, lealdade, responsabilidade, independência,

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igualdade e de trabalho para a consecução dos seus objetivos, obrigada pelo carinho, incentivo, ajuda e principalmente por darem sentido à minha vida.

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RESUMO

A ocorrência da maternidade depois dos 35 anos é uma tendência que se tem vindo a observar nos países desenvolvidos, incluindo Portugal. Ser mãe neste extremo da vida reprodutiva implica riscos para a saúde, porque os órgãos em geral, e principalmente os reprodutores, encontram-se numa fase de declínio das suas funções. Contudo, uma maior maturidade psicológica associada a melhores condições sociais e de saúde, podem determinar resultados favoráveis. Este estudo pretende responder à questão de investigação “Como se desenvolve o processo de transição para a maternidade depois dos 35 anos?”. Tendo como finalidade “Compreender o processo de transição das mulheres em situação de maternidade depois dos 35 anos”, procurámos identificar os momentos-chave experienciado pelas mães depois dos 35 anos, as facilidades, dificuldades, estratégias, intervenções facilitadoras e os resultados da transição para o papel maternal. Afaf Meleis (2010) e Ramona Mercer (2004) foram as autoras que suportaram teoricamente o estudo. Como referencial metodológico recorremos à perspetiva construcionista da Grounded Theory de Kathy Charmaz (2014). Para a recolha de dados utilizámos a entrevista semiestruturada, o método Photovoice e a notas de campo. Para a seleção das participantes, na amostragem inicial definimos critérios de inclusão, sendo posteriormente utilizada a amostragem teórica. Na análise dos dados foi utilizado o método das comparações constantes na codificação inicial, focalizada e teórica. Foram realizadas 26 entrevistas a 21 participantes, no hospital ou no domicílio das mulheres, com duração variável entre 30 a 120 minutos e recolhidas 35 fotografias de 6 participantes. Os resultados permitiram a construção de um modelo compreensivo da experiência de transição para a maternidade depois dos 35 anos, designado “Metamorfose em Mãe”, como um processo que integra as seguintes categorias: “Consciencializando o desejo de ser mãe”, “Escolhendo o momento certo”, “Confrontando-se com o lado obscuro”, “Cuidando de si” e “Ser outra”. Estas categorias foram-“Confrontando-se desenrolando a par e passo com as fases do processo de transição, nomeadamente: surgimento do evento crítico, reestruturação de objetivos, consciencialização da vulnerabilidade associada à transição, recuperação através do reequilíbrio e compensação, reestruturação de comportamentos e responsabilidades e incorporação da identidade. Concomitantemente, a identidade das participantes foi sofrendo alterações ao longo do processo de transição, às quais denominámos de identidade questionada, identidade planeada, identidade ameaçada, identidade (re)valorizada, identidade aceite e identidade incorporada. As transformações nestas identidades surgiram da antecipação do papel

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materno, da constatação da insuficiência do papel, da necessidade de suplementação e de clarificação do papel. Dos resultados salientamos as dificuldades experienciadas pelas mães por volta do 2º mês, que desocultaram um lado obscuro da maternidade, desconhecido das mães e ocultado pelas mulheres e, a necessidade de cuidarem de si para ultrapassarem essas dificuldades. As repercussões desta compreensão são discutidas ao nível da prática, da investigação e da docência.

Palavras-chave: Maternidade tardia, Transição, Identidade, Enfermagem, Teoria especifica de situação.

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ABSTRACT

The occurrence of motherhood after the age of 35 is a trend that has been observed in developed countries, including Portugal. Being a mother at this extreme of the reproductive life cycle poses risks to health, as the organs in general, and especially the reproductive ones, are in a phase of decline of their functions. However, greater psychological maturity associated with better social and health conditions, can determine favourable results. Thus, this study aims to answer the research question "How is the process of transition to motherhood developed after the age of 35?". With the purpose of "Understanding the transition process of women in maternity status after 35 years", we sought to identify the key moments experienced by mothers after the age of 35, the facilities, difficulties, strategies, facilitating interventions and the results of the transition to the maternal role. Afaf Meleis (2010) and Ramona Mercer (2004) were the authors who theoretically supported the study. As a methodological reference, we use Kathy Charmaz's Grounded Theory (2014) perspective. For the data collection we used the semi-structured interview, the Photovoice method and the field notes. For the selection of the participants, in the initial sampling we defined inclusion criteria, and later the theoretical sampling was used. In the data analysis we used the method of constant comparisons in the initial coding, focused and theoretical. Twenty-six interviews were carried out with 21 participants, in the hospital or at the women's home, with a variable duration of 30 to 120 minutes, and 35 photographs of 6 participants were collected. The results allowed the construction of a comprehensive model of the transition experience for motherhood after the age of 35, called "Metamorphosis in Mother", as a process that integrates the following categories: "Conscious of the desire to be a mother", "Choosing the moment right, "" Confronting the dark side, "" Caring for oneself, "and" Being another. " These categories were developed along with the phases of the transition process, namely: emergence of the critical event, restructuring of objectives, awareness of the

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vulnerability associated to transition, recovery through rebalancing and compensation, restructuring of behaviours and responsibilities and incorporation of identity. At the same time, the identity of the participants was altered throughout the transition process, which we called questioned identity, planned identity, threatened identity, (re) valued identity, accepted identity and corporate identity. The transformations in these identities arose from the anticipation of the maternal role, the finding of insufficient role, the need for supplementation and clarification of the role. From the results we highlight the difficulties experienced by the mothers around the 2nd month, which exposed a dark side of motherhood, unknown to mothers and concealed by women, and the need to take care of themselves to overcome these difficulties. The repercussions of this understanding are discussed at the level of practice, research and teaching.

Keywords: Advanced maternal age, Transition, Identity, Nursing, Situation Specific Theory.

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ABREVIATURAS E SIGLAS

CLE - Curso de Licenciatura em Enfermagem

CMESMO - Curso de Mestrado em Enfermagem de Saúde Materna e Obstetrícia EEESMO – Enfermeiro Especialista em Enfermagem de Saúde Materna e Obstétrica FIGO - International Federation of Gynaecology and Obstetrics

FIV - Fertilização in Vitro GT - Grounded Theory

OCDE - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico RSL – Revisão Sistemática da Literatura

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ÍNDICE

1.   MATERNIDADE  APÓS  OS  35  ANOS  -­‐  PERSPETIVAS  TEÓRICAS  ...  18  

1.1. O fenómeno da maternidade depois dos 35 anos: demografia e tendências ... 18

1.2. Mulher, maternidade e família: uma perspetiva histórica ... 22

1.3. O fenómeno da maternidade depois dos 35 anos: riscos e benefícios... 32

1.4. Pesquisando a Evidência científica qualitativa da maternidade depois dos 35 anos 39 1.5. Enquadramento conceptual da enfermagem na maternidade depois dos 35 anos ... 41

Maternidade e Parentalidade ... 41

De mulher a mãe: a transição para a maternidade ... 43

2.   METODOLOGIA  ...  52  

2.1. Introdução à Abordagem Metodológica: Questão de Investigação, finalidade e objetivos do estudo ... 52

2.2. Grounded Theory ... 53

Interacionismo Simbólico e Grounded Theory ... 54

Escolha da Grounded Theory Construcionista de Kathy Charmaz ... 54

2.3. Seleção dos Participantes ... 59

Amostragem Inicial e Amostragem Teórica ... 60

Critérios de seleção dos Participantes ... 61

Saturação teórica ... 65

Caraterização das Participantes ... 66

2.4. Métodos de Colheita de Dados ... 67

Entrevistas ... 67

Photovoice ... 70

Notas de Campo ... 74

2.5. Análise dos Dados ... 74

Codificação Inicial ... 76

Codificação Focalizada ... 77

Codificação Teórica ... 77

Memos e Diagramas ... 78

Tratamento e Análise de Dados: o uso de Software NVivo 11 ... 79

Sensibilidade Teórica ... 81

2.6. Preconceções do Investigador ... 82

2.7. Fiabilidade do Estudo/ Critérios de avaliação do estudo ... 83

Credibilidade ... 83

Auditabilidade ... 84

Ajuste, Transferabilidade ou Ressonância ... 84

Originalidade ... 85

Utilidade ... 85

Estética ... 85

2.8. Considerações Éticas ... 86

3.   O  PROCESSO  DE  METAMORFOSE  DA  MULHER  EM  MÃE  DEPOIS  DOS  35  ANOS  ...  88  

3.1. Consciencializando o desejo de ser Mãe ... 88

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3.3. Confrontando-se com o lado obscuro da maternidade ... 96

3.4. Cuidando de Si ... 108

3.5. Ser Outra / Transformando-se ... 114

4.   DISCUSSÃO  DOS  ACHADOS  ...  129  

5.   FORMULAÇÃO  DE  TEORIA  ESPECÍFICA  DE  ENFERMAGEM  DO  PROCESSO  DE   METAMORFOSE  EM  MÃE  DEPOIS  DOS  35  ANOS  ...  180  

5.1. Descrição do processo / do fenómeno da maternidade tardia ... 180

5.2. Definição dos Conceitos Estruturantes ... 185

5.3. Enunciação dos postulados ... 187

6.   REPERCUSSÕES  DO  ESTUDO  ...  189  

7.   CONCLUSÕES  ...  195  

REFERÊNCIAS  BIBLIOGRÁFICAS  ...  205   APÊNDICES:

Apêndice I - Perfil Sociodemográfico das Participantes Apêndice II - Guião entrevista

Apêndice III - Verbatim de entrevista

Apêndice IV - Artigo “Photovoice as a method of data collection in the study of motherhood over the age of 35: the power of images”

Apêndice V - Notas de Campo - Reflexões Apêndice VI - Memo: “O não dito”

Apêndice VII - Memo e Diagrama “Amamentação papel agridoce da maternidade” Apêndice VIII - Consentimento Informado

 

ANEXOS

Anexo 1 - Consentimentos Éticos:

Comissão de Ética da Escola de Enfermagem de Lisboa Hospital Fernando da Fonseca

Comissão Nacional de Proteção de Dados

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ÍNDICE DE FIGURAS

Figura 1 Esquema do Desenvolvimento do Estudo (adaptado de Charmaz (2014, p. 18) ... 59   Figura 2 - Fases da seleção das participantes e do processo de análise dos dados ... 65   Figura 3 - Categoria “Consciencializando o desejo de ser Mãe” e respetivas Subcategorias ... 90   Figura 4 - Categoria “Escolhendo o momento certo” e respetivas Subcategorias ... 96   Figura 5 - Categoria “Confrontando-se com o lado obscuro da maternidade” e respetivas

Subcategorias ... 108   Figura 6 - Categoria “Cuidando de Si” e respetivas Subcategorias ... 113   Figura 7 - Categoria “Ser Outra/ Transformando-se” e respetivas Subcategorias ... 126   Figura 8 - Categorias que integram o processo de Metamorfose em Mãe ... 127   Figura 9 – Relação entre as fases de transição e as teorias ... 128   Figura 10 - Metamorfose em Mãe depois dos 35 anos à luz da teoria das transições ... 130   Figura 11 - Alterações da identidade das participantes ao longo do processo de transição ... 131   Figura 12 - Modelo compreensivo que representa o processo de Metamorfose em Mãe depois dos

35 anos ... 182  

   

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ÍNDICE DE QUADROS

Quadro 1 - Taxa de fecundidade por grupo etário em Portugal ... 19   Quadro 2 - Taxa bruta de mortalidade e de natalidade Portugal ... 20  

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INTRODUÇÃO

As transformações sociais, históricas e políticas ocorridas nos últimos dois séculos determinaram alterações no posicionamento social dos indivíduos, manifesto nos papéis que desempenham e que lhes são atribuídos. As mudanças ocorridas, sobretudo no século XX, nomeadamente o conhecimento mais aprofundado do corpo humano, a descoberta dos métodos anticoncecionais e dos meios de reprodução medicamente assistida, contribuíram para uma mudança de paradigma em que a mulher deixou de ter um papel passivo, de recetáculo e de incubadora de filhos que permitiram dar continuidade à família e à espécie, para passar a ter um papel ativo na reprodução. A mulher passa a poder controlar se quer ter filhos, quantos e quando. Nas sociedades desenvolvidas este empoderamento da mulher sobre o seu corpo e a sua fertilidade teve como consequência direta uma diminuição da natalidade, assim como um olhar mais atento sobre a maternidade e para as questões que a circundam. A maternidade nos extremos da vida reprodutiva – adolescência e idade avançada – constituem fonte de preocupação pelos desafios que originam: os primeiros porque os órgãos reprodutores e estrutura óssea ainda estão em processo de formação e a estrutura psicológica é ainda imatura; os segundos porque embora possuam uma maior maturidade psicológica, os órgãos em geral, e principalmente os reprodutores, encontram-se numa fase de declínio das suas funções (Nelson, Telfer, & Anderson, 2013). Porém, se a maternidade na adolescência tem sido alvo das políticas de saúde com programas específicos e campanhas de sensibilização para a diminuição da sua ocorrência e acompanhamento multidisciplinar das jovens mães, o mesmo não se verifica com a maternidade em idades avançadas.

As tendências demográficas na maioria dos países da OCDE revelam um declínio da fertilidade e um aumento da esperança de vida (OECD, 2011), com taxas de fertilidade abaixo dos 2,1, ou seja, o limiar necessário à reposição das gerações. Portugal segue a mesma tendência: em 1982 foi o primeiro ano em que o número médio de filhos por mulher passou para baixo do limiar da substituição de gerações, e, desde 1994 que persistentemente este índice se mantém abaixo do limiar de 1,5 filhos – valor considerado crítico para a sustentabilidade de qualquer população (Mendes et al., 2016). É na faixa etária dos 35 aos 39 anos que se tem verificado um maior crescimento observando-se um aumento da idade

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média das mães, de 6,9% em 1981 para 24,9% em 2016 (INE, Pordata, 2017)1, um fenómeno que tem sido pouco valorizado.

Contudo, os problemas decorrentes do adiamento da maternidade não são apenas um problema das mulheres. A formação das famílias é influenciada e modificada pelas mudanças políticas, económicas e sociais, e, em resultado das escolhas temporais de parentalidade dos casais, as populações europeias estão a diminuir e os padrões demográficos relacionados com a idade estão a alterar-se. As baixas taxas de fertilidade causam preocupações relacionadas com a oferta no mercado de trabalho e com as despesas dos governos em serviços de pensões, saúde e bem-estar (Daly & Bewley, 2013).

A tendência crescente da maternidade em idades cada vez mais avançadas (Carolan & Frankowska, 2011), por vezes próxima da menopausa e em alguns casos já depois desta, em todos os países desenvolvidos e que Portugal não é exceção, faz-nos pensar que este grupo etário será no futuro um grande consumidor de cuidados de saúde materna e obstétrica, com problemas cujas repercussões interferem no bem-estar das pessoas e por isso impõe-se-nos um olhar mais atento sobre este fenómeno.

Tornar-se mãe é dar início a uma viagem sem retorno. A irreversibilidade do processo torna-o únictorna-o sendtorna-o assim uma decisãtorna-o da maitorna-or imptorna-ortância que deve ser ptorna-onderada, avaliada e atempada. Para além da irreversibilidade do processo, a maternidade modifica as mulheres de um modo tão intenso, profundo e marcante, que as transforma noutras pessoas. Atrevemo-nos a dizer que divide o mundo feminino em duas partes: as que são mães e as que o não são. Para as primeiras, detentoras de uma identidade materna, a maternidade passa a ter o papel fundamental das suas vidas que determina e influencia todos os outros papéis e decisões, das mais simples e mundanas, às mais difíceis e complexas. Talvez pela consciência desta irreversibilidade e magnitude dum projeto desta natureza, as mulheres que decidem ser mães tardiamente são maioritariamente um grupo informado, com uma boa posição socioeconómica que está em crescimento nos países desenvolvidos (Carolan & Frankowska, 2011; Benzies et al., 2006).

Contudo, embarcar numa jornada desta envergadura, implica necessariamente um confronto com as nossas próprias crenças, atitudes e história de vida, porque todo o percurso, opções e asserções são produto de um diálogo constante do investigador com o tema, a bibliografia,                                                                                                                          

1  http://www.pordata.pt/Municipios/Nados+vivos+de+m%C3%A3es+residentes+em+Portugal+total+e+por+grupo+et%C3%A1rio+da+m%C3%A3e-104

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a análise dos dados e as próprias conclusões. Estudar o fenómeno da maternidade depois dos 35 anos, remeteu-nos para a experiência das nossas próprias maternidades, embora tivessem ocorrido numa idade um pouco mais jovem (31 e 33 anos). Revisitar a própria experiência de maternidade, compará-la com a das participantes e com as teorias existentes acerca do tema, foi sem dúvida de incomensurável valor quando se tratou de analisar e compreender os significados que as participantes atribuíram à sua maternidade, ou seja, permitiu-nos de uma forma ativa a co-construção desses mesmos significados. Significados esses que nos possibilitaram compreender e desocultar o processo de transição e construção da identidade materna destas mulheres com mais de 35 anos.

A abordagem desta problemática foi, pelas razões invocadas, sentida por nós como uma necessidade, uma motivação e também um desafio.

Desde o início que nos deparámos com uma dificuldade: como apelidar estas mães? A literatura utiliza várias nomenclaturas como «mães idosas ou mais velhas/older mothers», «maternidade em idade avançada/advanced maternal age», «maternidade tardia/delayed motherhood», «maternidade adiada/postponed motherhood». Todas parecem ter subjacente um juízo de valor, depreciativo ou uma conotação negativa que nos induz a questionar: mais velhas para quem? ou para quê? A esperança de vida aumentou substancialmente, assim como o acesso a técnicas de reprodução assistida que permitem ultrapassar o limite biológico da reprodução, tornando esta apreciação relativa; por outro lado, será que as mulheres que decidem ser mães nesta faixa etária se consideram velhas, idosas, ou que é tarde para tal? Ou é tarde porque simplesmente fogem à norma?

Sem querer atribuir um significado depreciativo ou fazer qualquer juízo de valor, ou enveredar por análises semânticas, adotámos neste trabalho a designação de «maternidade depois dos 35 anos» em simultâneo com a de «maternidade tardia», fundamentando a nossa decisão na definição da International Federation of Gynecology and Obstetrics (FIGO), pelos riscos maternos e fetais largamente documentados na literatura.

Para os enfermeiros torna-se essencial conhecer e compreender a maior transição de desenvolvimento na vida destas mulheres, a transição para a maternidade depois dos 35 anos, para que as possam apoiar e ajudar no complexo e exigente exercício do papel parental, de modo a realizarem uma transição bem-sucedida. De acordo com a teoria de Afaf Meleis (2010), para desenhar e implementar um cuidado efetivo, há que conhecer a natureza, as condições e os padrões de resposta face à transição, os quais nos permitem identificar os

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tipos, propriedades, condições pessoais, sociais e da comunidade, bem como o processo envolvido e os resultados obtidos (Meleis, 2010). A identificação destes fatores que afetam a transição para a maternidade depois dos 35 anos, ajudarão a compreender as diferenças individuais e o processo subjacente. Ter em conta as diferenças individuais na transição para a maternidade destas mulheres, é essencial para planear e implementar intervenções que promovem a transição.

Foi com estes pressupostos e motivações que nos decidimos debruçar sobre o fenómeno da maternidade depois dos 35 anos.

O presente estudo teve como ponto de partida a seguinte pergunta de investigação: “Como se desenvolve o processo de transição para a maternidade depois dos 35 anos, no período pós-parto?”.

Tendo em conta a questão de investigação foi definida como finalidade do estudo “Compreender o processo de transição das mulheres em situação de maternidade depois dos 35 anos”, e como objetivos:

§   Identificar os momentos-chave do processo da transição na maternidade depois dos 35 anos

§   Compreender as facilidades e dificuldades do papel maternal experienciadas pelas mães depois dos 35 anos.

§   Compreender as estratégias/intervenções facilitadoras na adoção do papel maternal mais frequentemente usadas pelas mães depois dos 35 anos.

§   Reconhecer os resultados de uma transição bem-sucedida para o papel maternal experienciadas pelas mães depois dos 35 anos.

A metodologia de investigação foi de natureza qualitativa/indutiva, tendo sido escolhida a linha construtivista de Kathy Charmaz (2014) da Grounded Theory. Utilizaram-se como técnicas de recolha de dados: a entrevista semi-estruturada; colheita de fotografias (photovoice); e, as notas de campo. As lentes do interacionismo simbólico (Mead, 1932; Blumer, 1969; Goffman, 1993), ajudaram-nos na co-construção dos significados fundamentados nos dados que emergiram.

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- no 1º capítulo será analisado e aprofundado o fenómeno da maternidade depois dos 35 anos, começando por o enquadrar numa perspetiva demográfica e histórica. Seguidamente, apresentaremos o enquadramento conceptual à luz do conhecimento de enfermagem e os constructos teóricos utilizados na sua abordagem. Teremos como referenciais teóricos a teoria das transições de Afaf Meleis (2010) e na teoria da consecução do papel maternal/tornar-se mãe de Ramona Mercer (2004), e nas abordagens feministas acerca da maternidade, nomeadamente as defendidas por Simone de Beauvoir (1949-2008), Elisabeth Badinter (2010) e Carol Gilligan (1982), que se revelaram essenciais ao longo da análise dos achados;

- no 2º capítulo serão descritos e fundamentadas o percurso e as opções metodológicas tomadas no decurso da investigação, as razões da escolha da abordagem construtivista de Kathy Charmaz (2014), as considerações éticas, as preconceções do investigador e os critérios de validação do estudo;

- no 3º capítulo serão descritos os achados que emergiram e o modo como as participantes deste estudo construíram o processo de transição para a maternidade depois dos 35 anos; - no 4º capítulo procurámos dar significado teórico aos achados, discutindo-os e comparando-os com a melhor e mais recente evidência científica disponível;

- no 5º capítulo apresentamos uma teoria específica do processo de Metamorfose em Mãe depois dos 35 anos;

- no capítulo 6º- apresentaremos as repercussões do estudo para a prática profissional, docência e investigação;

- no 7º capítulo serão apresentadas as conclusões.

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1.   MATERNIDADE APÓS OS 35 ANOS - PERSPETIVAS TEÓRICAS

Neste capítulo começaremos por apresentar os dados e tendências demográficas do fenómeno da maternidade depois dos 35 anos, contextualizando historicamente os conceitos de mulher, maternidade e família. Em seguida apresentaremos os riscos e benefícios da maternidade nesta faixa etária e uma síntese da revisão sistemática da literatura efetuada. Por último abordaremos o fenómeno da maternidade depois dos 35 anos e o seu enquadramento conceptual à luz do conhecimento de enfermagem e os constructos teóricos de maternidade, parentalidade e transição para a maternidade utilizados para a sua compreensão.

1.1.   O fenómeno da maternidade depois dos 35 anos: demografia e tendências O aumento do número de gravidezes em mulheres com mais de 35 anos é uma tendência universal que se tem vindo a observar principalmente nos países designados como desenvolvidos (OECD, 2011; Carolan & Frankowska, 2011; Cooke, Mills & Lavender, 2012; Kenny, Lavender, McNamee, O’Neill,  Mills & Khashan, 2013; Guedes & Canavarro, 2014; Barclay & Myrskylä, 2016).

A faixa etária dos 35 aos 39 anos é onde se tem verificado um maior aumento: de 6,8 para 17% no Reino Unido (1986-2008); de 3,96 para 11,7% nos EUA (1980-2005) e de 7,1 para 21,4% na Austrália (1987-2006/2008), (Carolan & Frankowska, 2011). Portugal segue a mesma tendência, observando-se um aumento da idade média das mães, também mais acentuada no grupo etário dos 35 aos 39 anos: de 6,9% em 1981 para 24,9% em 2016 (INE, Pordata, 2017)2. Nos países da OCDE a idade média das mães ao nascimento do primeiro

filho aumentou de 24 anos em 1970 para 28 anos em 2008 (OECD, 2011).

Segundo dados do INE e da Pordata (2017) 3 a idade média da mãe ao nascimento do primeiro filho em Portugal era de 25 anos em 1960, situando-se em 2015 nos 31,7 anos. Segundo a mesma fonte e independentemente de ser o primeiro ou não, também a idade

                                                                                                                          2 http://www.pordata.pt/Municipios/Nados+vivos+de+m%C3%A3es+residentes+em+Portugal+total+e+por+grupo+et%C 3%A1rio+da+m%C3%A3e-­‐104   3  http://www.pordata.pt/DB/Portugal/Ambiente+de+Consulta/Tabela      

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média das mães ao nascimento de um filho aumentou, de 27,1 anos em 1990 passou para 31,9 anos em 2016.

Outro dado demográfico que auxilia a compreensão deste fenómeno é a taxa de fecundidade4, que representa o número de nascimentos por cada 1000 mulheres em idade fértil, ou seja, entre os 15 e os 49 anos de idade. As tendências demográficas na maioria dos países da OCDE revelam um declínio da fertilidade e um aumento da esperança de vida (OECD, 2011). Analisando a taxa de fecundidade em Portugal observada em 1960 e em 2016, o primeiro dado relevante é o decréscimo acentuado de nados-vivos que em 1960 era de 26,2‰ e em 2016 se cifrou em 8,1‰. Analisando a distribuição pelos grupos etários, conforme Quadro 1, podemos verificar que o decréscimo da taxa de fecundidade se deve essencialmente às seguintes faixas etárias: a dos 20 -24 anos (que em 1960 era de 148,7‰ e passou para 33,5‰ em 2016), à dos 25-29 anos (que em 1960 era de 177,6‰, passando para 67,8‰ em 2016), e à dos 30-34 anos (que passou de 133,4‰ em 1960, para 92,6‰ em 2016). Inversamente, tem-se verificado um aumento da taxa de fecundidade na faixa etária dos 40-44 anos entre 1990 e 2016 embora no período entre 1960 – 1990 se registasse também um decréscimo (1960: 42,5‰; 1990: 5,7‰; 2015: 12,7‰); contudo, foi no grupo etário dos 35-39 anos que este aumento foi mais expressivo verificando-se que em 1960 a taxa de fecundidade foi de 94,4‰, em 1990 de 23,3‰ e em 2015 de 56,1‰.

Quadro 1 - Taxa de fecundidade por grupo etário em Portugal

Anos Grupos Etários 15-19 20-24 25-29 30-34 35-39 40-44 45-49 1960 26,2 148,7 177,6 133,4 94,4 42,5 3,5 1990 23,9 88,9 107,1 61,8 23,3 5,7 0,5 2016 8,1 33,5 67,8 92,6 56,1 12,7 0,7

Fonte: INE, Pordata (2017)

Estes dados mostram um enorme declínio da taxa de fecundidade para todos os grupos etários entre 1960 e 1990, a manutenção desse decréscimo entre 1990 e 2016 para os grupos mais jovens (15 a 19 anos, 20 a 24 anos e 25 a 29 anos), porém um aumento considerável da                                                                                                                          

4  Número de nados-vivos de mulheres de um determinado grupo de idade, observado durante um certo período de tempo,

normalmente um ano civil, referido ao efectivo médio de mulheres desse grupo de idade nesse período (habitualmente expressa em número de nados-vivos por 1000 (10^3) mulheres). (metainformação – INE). A taxa de fecundidade fornece dados mais detalhados, por idades, do que a taxa bruta de natalidade que se refere ao número de nados-vivos ocorrido durante um determinado período de tempo, normalmente um ano civil, referido à população média desse período (habitualmente expressa em número de nados-vivos por 1000 (10^3) habitantes), no entanto no período analisado (1960 e 2015), os dados foram idênticos: 1960 – 24,1‰ e em 2015 – 8,3‰. (metainformação – INE)

Fonte: http://www.pordata.pt/Portugal/Taxa+de+fecundidade+por+grupo+et%c3%a1rio-415  

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taxa de fecundidade nas faixas etárias mais elevadas (30 a 34 anos, 35 a 39 anos, 40 a 44 anos e 45 a 49 anos) entre 1990 e 2016.

A esperança de vida também aumentou significativamente desde 1970, ano em que se esperava viver até aos 67,1 anos em comparação com os 80,6 anos que em média são esperados em 2015, sendo que para as mulheres este número se cifra em 83,3 anos (INE, Pordata, 2017). A maternidade depois dos 35 anos, associada às baixas taxas de natalidade põe em causa a renovação geracional, pois se o número de óbitos for superior ao número de nascimentos, verifica-se um défice populacional, a não renovação da geração e, consequentemente um envelhecimento da população. Os dados estatísticos confirmam que este é já um problema em Portugal, conforme podemos verificar pelo Quadro 2 que nos mostra que desde o ano de 2008 em que a taxa bruta de mortalidade igualou a de natalidade. Esta última tem vindo a diminuir, enquanto a taxa da mortalidade se tem mantido mais ou menos estável. Os últimos dados disponíveis relativos a 2016 registaram 8,4 nascimentos de nados-vivos por mil habitantes e 10,7 óbitos por mil habitantes (INE, Pordata, 2017). Quadro 2 - Taxa bruta de mortalidade e de natalidade Portugal

Anos Taxa bruta de

mortalidade Taxa bruta de natalidade 1960 10,7 24,1 2008 9,9 9,9 2009 9,9 9,4 2010 10,0 9,6 2011 9,7 9,2 2012 10,2 8,5 2013 10,2 7,9 2014 10,1 7,9 2015 10,5 8,3 2016 10,7 8,4

Fonte: INE, Pordata (2017)

Várias são as razões que têm sido apontadas para o declínio das taxas de fertilidade, mas para a OCDE (2011) a principal razão é o adiamento da maternidade. A maternidade depois dos 35 anos é uma tendência que se tem vindo a generalizar nos países desenvolvidos por razões sociais, educacionais e económicas (Benzies et al., 2006; Carolan & Frankowska, 2011).

Atualmente, e na maioria das vezes, a maternidade que ocorre no extremo da vida reprodutiva de uma mulher deixou de ser um acaso do período da menopausa, para ser uma

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opção de mulheres que adiaram deliberadamente a maternidade até ao final dos seus trinta anos ou final dos quarenta (Suresh, 2015).

As razões apontadas para este facto são a maior acessibilidade aos métodos anticoncecionais, o adiamento do casamento, o aumento do número de divórcios associado ao crescente número de segundos casamentos, o desejo de atingir um nível educacional e profissional mais elevados, a procura de estabilidade financeira e o desenvolvimento das técnicas de reprodução medicamente assistidas (Benzies et al., 2006; Gomes et al., 2008; OECD, 2011; Suresh, 2015). O estudo de Benzies et al. (2006) agrupa os fatores que influenciaram as mulheres a serem mães depois dos 35 anos em três categorias: fatores individuais, fatores familiares e fatores sociais. Nos fatores individuais identificam o estabelecimento de independência através da educação, da segurança no emprego e da estabilidade financeira, a motivação para ter uma família, o sentir-se preparada por já ter alcançado os objetivos individuais, o ter um projeto de vida, o despertar do relógio biológico, ter ultrapassado ou contornado problemas crónicos de saúde (por exemplo infertilidade), e um relacionamento estável. Nos fatores familiares estão incluídos a negociação e reconhecer que o companheiro também está preparado para ser pai, a estabilidade financeira, a proximidade e o apoio da família de origem. Quanto aos fatores sociais identificaram a aceitação social do adiamento da maternidade, o conhecimento (e receio) das elevadas taxas de divórcio e as políticas de falta de apoio à maternidade. Porém, como é referido no estudo de Cooke et al. (2012), mesmo quando estão reunidas as condições e se sentem prontas para serem mães, existem circunstâncias de vida (relacionamento estável, estabilidade financeira, saúde e fertilidade), que saem da esfera do seu controlo e que determinam o protelamento da maternidade. Um estudo realizado na Suécia e Noruega identifica como fatores predisponentes para os casais se manterem sem filhos aos 32 anos: viverem numa grande cidade, terem pais com formação académica elevada, serem filhos únicos e não terem saído de casa dos pais aos 22 anos, experiência pouco positiva com os progenitores em especial com a mãe e não se sentirem preparados para a parentalidade ou não terem uma relação afetiva estável (Waldenström, 2016).

Concluindo: estes fatores associados ao enorme aumento da esperança média de vida – cerca de 45 anos, que as sociedades desenvolvidas registaram nos últimos 150 anos (Dudenhausen, Grunebaum, & Staudinger, 2013), faz com que a maternidade após os 35 anos se constitua num problema social, familiar e também de saúde - como a seguir abordaremos - que importa compreender e enfrentar.

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1.2.   Mulher, maternidade e família: uma perspetiva histórica

Os conceitos de mulher, maternidade e família sempre estiveram interligados e dependentes da contextualização histórica social e cultural (Relvas, 2007). Para melhor compreendermos o fenómeno da maternidade depois dos 35 anos torna-se necessário abordar historicamente o estatuto da mulher e o indissociável papel desta, desempenhado no seio da família. A evolução da família ao longo dos tempos e em especial as profundas alterações sociais do século passado fazem com que o conceito e a definição de família sejam complexos. Talcot Parsons (1956; 1968)5, um dos primeiros sociólogos a debruçar-se sobre o estudo da família, identificou na sua teoria três eixos a partir dos quais a família se organizava: 1) a estrutura - em que a família conjugal constituída pelo casal e filhos dava resposta às necessidades da sociedade industrializada; 2) as funções – atribuindo-lhe duas funções essenciais: a socialização das crianças e a estabilização da personalidade do adulto; e 3) os papéis - em que diferencia os papéis masculino e feminino, atribuindo ao homem o papel instrumental e à mulher o papel expressivo (Dias, 2015).

Os dois modelos mais tradicionais da família (ocidental) – a família alargada composta por várias gerações que conviviam na mesma casa e a família nuclear composta por pai, mãe e filhos (Wall, Cunha, & Atalaia, 2013) – deixou de ser o modelo vigente, para dar lugar a novas formas de organização da família e a novas categorias, tais como as monoparentais, reconstituídas, heterossexuais ou homossexuais, ou simplesmente por pessoas que vivem sozinhas. Enquanto conceito, a família deixa de ser percecionada socialmente como uma estrutura rígida com funções e normas que garantem a sua estabilidade e passa a ser entendida como uma realidade dinâmica (Wall et al., 2013).E que enquanto tal, tem sofrido, também, alterações, de acordo com as transformações sociais que ocorrem em torno dela. Destacam-se as decorrentes da relação desta com o Estado, no sentido em que a família ao ser considerada uma unidade funcional das sociedades e, como tal, um veículo e uma garantia dos seus valores. Adicionalmente, deu-se uma mudança nesta relação, a qual passa a ter como alvo os indivíduos e as relações interpessoais estabelecidas entre si, ao invés da família enquanto, apenas, grupo social. Assim, para além da pluralidade de formas, a família contemporânea caracteriza-se por uma maior dependência do Estado (o Estado Providência), uma maior independência face à rede de parentes, maior importância do indivíduo nas relações familiares e uma tendência para uma maior igualdade de género (Amaro, 2014). Na                                                                                                                          

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realidade portuguesa, a família passou por todas estas transformações, contudo a independência face à rede de parentes, assume caraterísticas particulares de grande solidariedade entre os seus membros, pois dos valores que regulam as relações familiares da nossa sociedade “o laço de sangue impõe-se como um dado natural e um valor normativo muito forte” (Portugal, 2014, p. 28).

A fundamentação da família no casamento e as suas transformações independentemente do sistema subjacente, matriarcal ou patriarcal6, democrático ou totalitário, está associada à

propriedade privada, dada a necessidade de proteger e garantir a sua transmissão às gerações seguintes. É com a mudança nas relações sociais, enfatizada na valorização do indivíduo, no seu desenvolvimento e nas relações interpessoais, em paralelo com outras transformações sociais que tornam mais equitativas as sociedades e os seus membros, que se assiste à perda de valor da transmissão familiar da propriedade privada (em geral e em particular para a classe média, porque as camadas mais baixas já não detinham propriedade) (Singly, 2011). Neste quadro, a herança económica transforma-se em capital escolar. Como salienta François de Singly “os herdeiros, vão tornar-se progressivamente naqueles e naquelas que beneficiam de melhores condições familiares para obterem diplomas” (Singly, 2011, p.21). A família contemporânea no ocidente, seja qual for a sua constituição ou tipologia, é, também mais pequena quanto ao número de membros que a compõem, a coabitação deixou de ser uma regra (Amaro, 2014) e, no caso de haver crianças, estas são alvo de grande atenção e investimento (Badinter, 2010). O centramento da família contemporânea em si mesma, no investimento na individualidade e nos afetos dos seus membros, a par da autonomização relativamente aos parentes e vizinhança, torna-a mais privada. Mas, por outro lado, é alvo de uma maior dependência e vigilância por parte do Estado (como é exemplo da educação escolar), sendo esta ingerência na sua autonomia e intimidade justificada, na maioria das vezes, com o superior interesse da criança (Singly, 2011).

                                                                                                                         

6 Com base no direito materno, isto é, enquanto a descendência só se contava por linha feminina, e segundo a primitiva lei

de herança imperante no clã, os membros desse mesmo clã herdavam, no princípio, do seu parente falecido. Os seus haveres deveriam ficar, pois, dentro do clã. Devido à sua pouca importância, esses pertences passavam, na prática, desde os tempos mais remotos, aos parentes do clã mais próximos, isto é, aos consanguíneos por linha materna. À medida que as riquezas, iam aumentando, davam, por um lado, ao homem uma posição mais importante que a da mulher na família, e, por outro lado, faziam com que nascesse nele a ideia de valer-se desta vantagem para modificar, em proveito de seus filhos, a ordem da herança estabelecida. Mas, para isso não se poderia fazer enquanto permanecesse vigente a filiação segundo o direito materno. Por esse motivo esse direito teve que ser abolido e, como consequência os descendentes de um membro masculino passaram a permanecer no clã, mas os descendentes de um membro feminino saíam dele, passando ao clã de seu pai. Deste modo, se passou da família matriarcal regida pela filiação feminina e o direito hereditário materno, sendo substituída pela família patriarcal regida pela filiação masculina e o direito hereditário paterno. (Engels, Friedrich 1884). A origem da

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A transformação histórica da família é marcada por um conjunto de transições que se prendem com o desenvolvimento da diversificação das maneiras de se viver em família, sejam elas relacionadas com as etapas de desenvolvimento ou (re) construção de novas formas de família. A história da família está intrinsecamente ligada ao papel da mulher na sociedade e, por consequência, com a história da maternidade. As grandes alterações na sociedade, demográficas, económicas e políticas, com repercussão na maternidade foram: a entrada massiva das mulheres no mercado de trabalho; o controlo e diminuição da natalidade; o adiamento do casamento e o aumento do número de divórcios; o adiamento da maternidade; e o aumento da longevidade. Estas duas últimas determinaram uma outra grande mudança na vida das mulheres: passam menos tempo da sua vida a cuidar dos filhos, mas mais tempo a cuidarem de outros elementos da família, dada a coexistência de maior número de gerações nos agregados familiares. Como salienta Sílvia Portugal “a maior parte da responsabilidade do “cuidar” e do “criar” continua a recair sobre as mulheres” (Portugal, 2014, p. 165).

No quadro das transformações sociais referidas, modifica-se o papel social das mulheres , constando-se a passagem do papel de “fada do lar”, com “uma identidade ligada aos papéis familiares de cuidadora do marido, dos filhos e dos idosos, para uma identidade pessoal complexificada pela atribuição complementar de objetivos de carreira, individual e relativamente autónoma perante as funções familiares” (Relvas & Alarcão, 2000, p. 330). Segundo estas autoras, esta transformação do feminino na família, colocou a mulher numa situação paradoxal de conflito entre os seus objetivos individuais e os objetivos familiares, que se resume ao seguinte dilema: se por um lado a mulher deve trabalhar fora de casa para ajudar a família, por outro, a mulher para ajudar a família não deve trabalhar fora de casa. No final dos anos 80 os estudos sobre a família sofrem a influência do construcionismo social, segundo o qual a família é uma construção social, e, dos estudos feministas (Relvas & Alarcão, 2007). Os movimentos feministas e as teorias feministas surgiram como resultado das profundas alterações da sociedade e determinaram mudanças igualmente profundas que questionaram o estatuto e os papéis desempenhados pela mulher, na sociedade em geral e, na família em particular, incluindo o indissociável papel da maternidade. O feminismo surge assim como uma outra perspetiva teórica e política sobre a família, que brevemente iremos abordar.

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O feminismo, é um conceito e um movimento político, que esteve sempre envolto em polémica, enquanto tal um movimento que pretende: a equiparação dos sexos relativamente ao exercício dos direitos cívicos e políticos (A. Oliveira, 1969); a denúncia e a luta contra as práticas sexistas (Pintassilgo, 1981); uma estrutura básica de consciência (Lamas, 1995); uma forma de dar voz às mulheres e de as fazer aceder ao poder negado (Thom, 1992); ou essencialmente uma reação, um produto da cultura patriarcal (Nicholson, 1996).

Segundo a perspetiva de Gisela Kaplan (1992) o movimento feminista pode ser dividido em três vagas, correspondentes a três períodos temporais distintos. A primeira que se situa em meados do século XIX durante a revolução industrial e a I e II Guerras Mundiais. Durante este período as mulheres entraram no mercado de trabalho, primeiro nas fábricas que precisavam de mão-de-obra e durante as I e II Guerras para realizarem os trabalhos deixados pelos homens mobilizados, mas com salários bastante inferiores aos auferidos por eles. As principais reivindicações desta primeira vaga foram a obtenção dos mesmos direitos laborais que os homens, a par com o direito ao voto e ao estatuto da mulher enquanto sujeito jurídico, levado a cabo pelo movimento sufragista, entretanto surgido em Inglaterra e nos Estados Unidos da América. A segunda vaga está associada aos movimentos surgidos pós-guerra (II Guerra Mundial), e situa-se entre as décadas de 1960 e 1980, caraterizando-se por uma série de movimentos feministas em torno da ideia central da opressão feminina, tanto na esfera pública quanto na privada. A esfera privada (entenda-se casa e família), até então considerado um local de realização e satisfação pessoal, é denunciada pelas feministas como sítio de desigualdade sexual, trabalho não remunerado e fonte de grande descontentamento para as mulheres, bem como dos problemas que emanam dos múltiplos papéis da mulher enquanto esposa, mãe, companheira sexual e trabalhadora. A terceira, a vaga contemporânea, também designada por pós-feminismo, é caracterizada por fenómenos como o do Backlash um movimento reativo e com uma posição negativa relativamente ao feminismo e aos movimentos feministas, com um discurso de ridicularização veiculado nos meios de comunicação social no final da segunda vaga e que persiste até hoje (Nogueira, 2001). Nesta terceira vaga, apesar da multiplicidade de perspetivas que foram surgindo, de que são exemplo o feminismo liberal, feminismo psicanalítico, feminismo radical, de entre outros, destaca-se a preocupação comum com as múltiplas formas de discriminação e opressão a que as mulheres estão sujeitas, procurando combatê-las através do debate académico intenso, a construção de conhecimento e o ativismo.

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Durante o século XX em Portugal, tal como nos restantes países europeus com regimes ditatoriais (Espanha e Itália), os movimentos feministas não tiveram a mesma projeção que no resto da Europa ou nos Estados Unidos da América, pois foram sempre reprimidos pelos respetivos governos fascistas de Salazar, Franco e Mussolini. Por exemplo, em Portugal apenas em 1974, após o 25 de Abril, é que foram abolidas todas as restrições ao direito de voto baseadas no sexo dos cidadãos.

O surgimento das teorias feministas, entendido “como um sistema geral de ideias de grande alcance sobre a vida social e a experiência humana”(Dias, 2015, p.93), tem como objetivos descrever e explicar essas experiências do ponto de vista das mulheres, construir um mundo melhor para elas e para toda a Humanidade. Com este propósito, as feministas têm realizado um grande investimento na investigação, feito para, sobre e com as mulheres, e, em simultâneo, questionando, relativizando e desconstruindo parte do conhecimento atual, feito por homens, com os homens e sobre os homens, o que introduziu o viés da masculinidade e a política de género subjacente que a influencia.

Várias foram as teorias que surgiram a partir dos movimentos feministas acima descritos, que segundo Dias (2015) podem ser agrupadas em teorias de nível macrossociológico que se preocupam com as desvantagens da mulher no sistema social e as de nível microssociológico que procuram explicar o fenómeno do género como parte da compreensão da sociedade composta por seres humanos que interagem. As primeiras englobam a Teoria do Estrutural Funcionalismo segundo a qual a segregação dos papéis sexuais defendida por Parsons (1956; 1968), produziu um sistema de estratificação que desvalorizou e descriminou as mulheres e que contribuiu para que os filhos socializados neste modelo integrassem na sua aprendizagem a submissão do papel feminino expressivo ao papel masculino instrumental, o que acabou por se generalizar à sociedade, pela replicação dos modelos parentais nas gerações subsequentes. Já a Teoria do Conflito desenvolvida por Janet Chafetz (1990) centra-se na desigualdade de género que a autora designa como “estratificação de sexo”, responsável pelo conflito social recorrente, analisa as diversas variáveis que o produzem. Centra a análise nas estruturas e as condições que aumentam a estratificação ou as desvantagens das mulheres em todas as sociedades e culturas, tais como a diferenciação dos papéis de género, a ideologia patriarcal7, a família e a organização do trabalho. Concomitantemente observa variáveis relacionadas com o contexto: índices de fecundidade,                                                                                                                          

7 Entende-se por ideologia patriarcal aquela que reconhece o poder e supremacia masculina, sendo o poder exercido principalmente por homens.

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a separação entre o espaço doméstico e o trabalho, o desenvolvimento tecnológico ou a densidade populacional. Por último, a Teoria dos Sistemas, também designada por Neomarxista, por recorrer aos conceitos de propriedade privada desenvolvidos por Karl Marx (1818-1839) e Friedrich Engels (1820 -1895), analisa o papel das mulheres no sistema social, considerando que este faz parte do sistema capitalista por contribuir para a produção dos mercados capitalista, na medida em que o seu trabalho – onde incluíram o trabalho doméstico – permite criar excedente económico. A corrente marxista considera que a principal razão da opressão da mulher é a sua exclusão da esfera de produção pública como resultado do capitalismo e a sua emancipação é encarada como parte da luta do proletariado contra o capitalismo.

Ao nível microssociológico, o fenómeno do género no contexto das inter-relações sociais, é explicado por teorias como o Interacionismo Simbólico. O Interacionismo Simbólico parte da noção de que a identidade de género, concomitantemente com outras identidades sociais, surge da interação social, é incorporada no self e deve afirmar-se continuamente através dessa mesma interação. De acordo com Breton (2008), a consciência do seu self de género, faz com que os indivíduos ajam de acordo com ele nas diferentes situações, embora possam alterá-la no decurso da interação. Teoricamente o sexo distingue-se de género, em que o primeiro corresponde às características biológicas e o segundo diz respeito aos comportamentos esperados pela sociedade ou cultura de ser homem ou de ser mulher, ou seja, o sexo nasce com uma pessoa, o género adquire-se na interação (Dias, 2015; Scott, 1995).

De entre as teóricas feministas que se debruçaram sobre a maternidade salientamos Simone de Beauvoir (1949-2008,2015), Carol Gilligan (1982) e Elisabeth Badinter (2010). Simone de Beauvoir foi uma importante ativista francesa da 2ª vaga e que influenciou os movimentos feministas posteriores. No seu livro “O Segundo Sexo” (Beauvoir, 2008; 2015), a autora demonstra como a mulher foi desvalorizada, como a assimetria entre os sexos se manteve ao longo da história, revelando os desequilíbrios de poder e a opressão que a mulher é sujeita no mundo. A razão principal da sua luta é o combate pela igualdade entre homens e mulheres.

Beauvoir retoma o tema da influência do patriarcado na desvalorização da mulher. Em sua opinião, a desvalorização surge não apenas porque o trabalho doméstico é menorizado, mas também porque associado a essa perda de valor o direito paterno substitui-se ao direito

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materno e a igualdade só poderá ser reposta quando os dois sexos tiverem direitos jurídicos iguais e a mulher entrar no mercado de trabalho. No patriarcado a filiação materna foi substituída pela paterna, mas para Beauvoir seja qual for a filiação prevalente “a mulher encontra-se sempre sob a tutela dos homens, a única questão consiste em saber se após o casamento ela fica sujeita à autoridade do pai ou do irmão mais velho (…) ou se ela se submete, a partir de então, à autoridade do marido” (Beauvoir, 2008, p. 111). A autora acrescenta ainda que a mulher não é mais do que o símbolo da sua linhagem, na qual “é apenas a mediadora do direito, não a detentora” (Beauvoir, 2008, p. 111). Ao ser destronada dos seus direitos pelo aparecimento da propriedade privada, continua ligada a ela, pois a sua história confunde-se com a história da herança. O patriarcado retira à mulher todos os direitos sobre a detenção e transmissão dos bens; excluída da sucessão e sem nada em sua posse “a mulher não é elevada à qualidade de pessoa” (Beauvoir, 2008, p. 124). Para Beauvoir a questão centra-se na condição da mulher ao longo dos tempos, de não ser reconhecida como sujeito em alteridade com o homem – e por isso lhe chama o “Outro”, uma “coisa”, algo que não pode ser reconhecido porque não existe, e essa a verdadeira razão de não lhe serem reconhecidos os seus direitos.

A desvalorização continuada da mulher ao longo dos séculos, negando-lhe capacidades intelectuais, ou corporais, traduziu-se na perceção das diferenças entre os sexos como uma menoridade. Recuando historicamente, por exemplo, Aristóteles considerou a mulher como um “macho falhado” (Joaquim, 1997), reconhecendo-lhe apenas a capacidade reprodutora de “fêmea”. Mas, mesmo esta, durante muito tempo foi somente considerada como um recetáculo da força criadora do esperma masculino. As suas características biológicas associadas ao sexo e ao ciclo reprodutivo que as distinguiam dos homens (menstruação, gravidez e parto), foram durante séculos temidas e diabolizadas pelo desconhecimento dos processos subjacentes, levando à construção social de superstições e crenças, as quais algumas perduram até aos dias de hoje, como é o caso de se atribuir à mulher menstruada poderes/ influências negativas capazes de alterar os alimentos, ou no caso de algumas religiões a entrada das mulheres menstruadas em templos ser vedada, por a considerarem “impura”. A própria designação de menstruação na língua inglesa “curse” cuja tradução é “maldição” é bem significativa.

Relativamente à maternidade, Beauvoir assume uma posição muito crítica, evidenciando como a exultação deste papel, resultou no principal fator de opressão da mulher. Considera que a maternidade a escravizou, a oprimiu (Beauvoir, 2008, p.256) e a remeteu para o lar.

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Para os homens nunca houve hiato entre a vida pública e a privada, o seu sucesso na primeira repercute-se favoravelmente na segunda, ao passo que com as mulheres o sucesso na vida pública, sempre foi percecionada como um obstáculo à sua feminilidade. Nos períodos em que a mulher foi chamada a participar no mercado de trabalho, por exemplo durante a industrialização, os seus deveres domésticos e maternais mantiveram-se, acrescentando ao trabalho da fábrica. Mais tarde, depois da II Guerra, quando deixou de ser necessária nos empregos que até aí tinha assegurado, e era preciso aumentar a natalidade para repor os índices demográficos, as mulheres voltaram a ser aliciadas para voltarem ao lar, às suas lides domésticas e às “alegrias da maternidade”. Beauvoir denunciou esta situação que apelidou de “hipócrita”. Para a autora a questão reside na adoção da maternidade como o papel principal das mulheres, que as afastou da esfera pública e deste modo “como nada fazem, não se podem fazer ser; perguntam-se indefinidamente o que poderiam vir a ser, o que as leva a descobrir o que são: é uma interrogação vã (…) porque ela (essência) não existe(…) porque está à margem do mundo”(Beauvoir, 2008, p. 361).

Carol Gilligan é uma filósofa e psicóloga também associada à 2ª vaga feminista, amplamente conhecida pelo seu livro "In a Different Voice" (1982), traduzido para português como “Teoria Psicológica e Desenvolvimento da Mulher” (Carol Gilligan, 1997). Neste aborda a questão do desenvolvimento infanto-juvenil e das suas diferenças nos dois sexos. Gilligan foi uma das primeiras psicólogas a questionar as teorias do desenvolvimento existentes, nomeadamente as de Sigmund Freud (1925), Jean Piaget (1932), Eric Erickson (1968) e, em especial, a de Lawrence Kohlberg (1958, 1981) sobre o desenvolvimento moral. As discrepâncias que verificou na opinião das mulheres na formulação de julgamento e ação em situação de conflito moral e opção, com as teorias e descrições psicológicas e de desenvolvimento moral, aceites até então na comunidade científica, foram o ponto de partida para os seus estudos. Começou a notar a existência de problemas recorrentes na interpretação do desenvolvimento das mulheres e a relacioná-los com a sistemática exclusão das mulheres nos estudos e pesquisas que deram origem a essas teorias de desenvolvimento. As teorias desenvolvidas até aí por homens, suportadas por pesquisas realizadas com o sexo masculino, enfermavam do viés da masculinidade e comprometiam a neutralidade científica das mesmas; em sua opinião “habituámo-nos a ver a vida através dos olhos dos homens”(Gilligan, 1997, p. 16), bem como “a tendência para ver o comportamento masculino como a norma e o comportamento feminino como uma espécie de desvio da norma” (Gilligan, 1997, p.29). Os trabalhos de Nancy Chorodow (1974), acerca da

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reprodução, das diferenças de personalidade e as funções distintas entre os sexos, que atribui não à anatomia, mas ao facto de as mulheres, de um modo geral, serem as principais responsáveis pelos cuidados a prestar às crianças (Chodorow, 1978), foram outro importante contributo para os estudos de Gilligan. Segundo Chorodow a identidade feminina forma-se num contexto de relacionamento contínuo, em que as mães tendem a ver nas filhas a sua imagem e continuação “as mulheres enquanto mães, produzem filhas com capacidades de serem mães e o desejo de serem mães”(Chodorow, 1978, p.7); pelo contrário, com os filhos rapazes, essas necessidades e capacidades cuidativas são sistematicamente reduzidas e suprimidas, o que os prepara para uma vida familiar e um papel parental menos afetivo e para uma maior participação no mundo impessoal do trabalho e da vida pública. Nos rapazes a separação e individualização estão profundamente ligadas à identificação sexual porque a separação da mãe é essencial para o desenvolvimento da masculinidade (Carol Gilligan, 1997). Por seu lado, as raparigas identificam-se como pertencentes ao género feminino, semelhantes às suas mães, fundindo em simultâneo as experiências vividas com elas e o processo de formação de identidade. Para Gilligan (1997)

a masculinidade é definida pela separação, enquanto a feminilidade é definida pela ligação, a identidade sexual masculina é ameaçada pela intimidade enquanto que a identidade feminina é ameaçada pela separação. Assim, os homens tendem a ter dificuldades nos relacionamentos enquanto que as mulheres tendem a ter problemas na individualização. ( p. 20-21)

Este é um aspeto fundamental para se compreender a perspetiva de Gilligan no desenvolvimento moral. Já anteriormente Martina Horner tinha sugerido que a ansiedade manifestada pelas mulheres em situações competitivas existia somente quando o êxito da pessoa se obtinha à custa do fracasso de outra, ou a previsão e medo do sucesso, poderiam pôr em causa a sua aceitação social ou a sua feminilidade (Horner, 1972). O mau desempenho das mulheres registado por Kohlberg nos seus estudos sobre desenvolvimento moral, manifestado pela aparente confusão das respostas e dispersão nos juízos, por ele entendida como fraqueza moral é, pelo contrário, na opinião de Gilligan, uma força moral, pois revela a sua sensibilidade para com as necessidades dos outros, a sua forte preocupação com os relacionamentos e a capacidade de assumir responsabilidades. Algumas mulheres tendem a definir-se no contexto dos relacionamentos humanos e a julgar-se em termos da

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sua capacidade de cuidar. A dificuldade em formular juízos pode denotar o cuidado e a preocupação das mulheres com os outros. De acordo com a mesma autora

no ciclo de vida dos homens a função da mulher tem sido alimentar, tratar e ajudar, tecelã das redes de relacionamento nas quais, por sua vez, ela se apoia. Mas, enquanto as mulheres assim cuidam dos homens, eles, nas suas teorias de desenvolvimento psicológico, tal como nos seus acordos económicos, tendem a assumir e desvalorizar esses cuidados. (Gilligan, 1997, p.33)

Para Gilligan a noção de responsabilidade e cuidado com os outros está fortemente associado à identidade das mulheres, e esta, organizada em torno da capacidade de desenvolver relacionamentos.

Por sua vez, Elisabeth Badinter, uma filósofa francesa pertencente à vaga pós-feminista, é autora de vários livros, entre eles “O Conflito: a Mulher e a Mãe”(Badinter, 2010), onde analisa o percurso do feminismo desde a 1ª vaga até aos dias de hoje, embora se centre na maternidade contemporânea. Para Badinter o advento da pílula anticoncecional ao permitir controlar a reprodução das mulheres, facultou-lhes também a possibilidade de priorizar as suas ambições pessoais, de desfrutar o celibato ou uma vida a dois sem filhos ou então satisfazer o desejo de maternidade. Aberta a possibilidade de escolha à reprodução, a maternidade já não pode ser considerada um instinto ou um desejo universal, um destino ou uma necessidade natural, como até então fora por vezes encarado, para incluir a noção de realização pessoal. A maternidade colocada às mulheres como uma opção implica uma reflexão sobre as causas e as consequências, nem sempre claras ou isentas de ambivalência, numa cultura em que o individualismo e o hedonismo se tornaram os principais motivos da reprodução, mas por vezes também os da sua recusa (Badinter, 2010). Os efeitos desta ambivalência entre a maternidade ou realização pessoal não demoraram a fazer-se sentir, dando origem a fenómenos que afetam todos os países desenvolvidos como “o declínio da fertilidade, um aumento da idade média da maternidade, um aumento das mulheres no mercado de trabalho e a diversificação dos modos de vida femininos, com o aparecimento num número crescente de países, de um modelo de casal ou de mulheres celibatárias sem filhos” (Badinter, 2010, p.24). Para esta autora a crise económica que se seguiu à crise do petróleo (1973), despoletou uma nova vaga de desemprego e precariedade, como sempre com maior expressão nas mulheres. Esta situação social, a par das desigualdades nunca

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Figura 1 Esquema do Desenvolvimento do Estudo (adaptado de Charmaz (2014, p. 18)
Figura 5 - Categoria “Confrontando-se com o lado obscuro da maternidade” e respetivas      Subcategorias
Figura 7 - Categoria “Ser Outra/ Transformando-se” e respetivas Subcategorias     
Figura 9 - Relação entre as fases de transição e as categorias
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